Apesar de não ser um católico romano, um dos feriados que mais aprecio é o de Corpus Christi.
Não pelas festividades religiosas, obviamente, mas, sim, pela época em
que ele ocorre justo no saboroso final do outono do Hemisfério Sul.
Amo o frio que faz a partir da segunda quinzena de maio. São aconchegantes
dias de curta duração, o ambiente do Sudeste brasileiro não se encontra
tão seco como no inverno e os nossos corpos ainda não se sentem
saturados das baixas temperaturas. O sol de meio dia é suportável e, se
não estiver chovendo ou ventando forte, dá até para pegar uma praia das
onze da manhã às três da tarde. À noite, considero prazeroso colocar um agasalho
e sair para jantar num restaurante com minha mulher. Mesmo no lar, cai muito bem tomar
aquela sopinha, comer um aipim cozido, saborear um mingau temperado com
canela ou beber aquele chocolate bem quente. Até nas cidades litorâneas, como aqui no meu município de Mangaratiba, o
tempo se torna suave e agradável no Corpus Christi.
No tocante às festividades dos católicos, tenho minhas reservas quanto a
determinados atos praticados nas solenidades deles, os quais, em alguns
aspectos, não me identifico. Porém, não posso deixar de compartilhar a
admiração que sinto pela ornamentação dos logradouros públicos das
cidades luso-brasileiras. Acho super bacana aqueles tapetes coloridos
que compõem o caminho por onde passa a procissão religiosa. Nesta data (26/05), pude encontrar parte da rua
Doze de Outubro toda decorada, na qual fica localizada a Paróquia de Nossa Senhora das Graças, entre as ruas Minas Gerais e Pernambuco daqui de Muriqui.
Em
relação a esse costume tradicional dos "tapetes", não tenho nenhuma objeção. Muito
pelo contrário! Vejo em tal momento não só uma manifestação da arte e da
cultura como também uma bela oportunidade para que haja um entrosamento
comunitário, algo que tem ocorrido com menos frequência no Brasil de
hoje.
Numa
época em que as pessoas já não se identificam tanto umas com as outras,
com a violência assustando a todos nós, por que não fazermos das ruas
uma quadro vivo de alegria, de fraternismo e de convivência humana? E
que tal oportunizarmos o momento da confecção dos tapetes sacros para
expressarmos algumas reivindicações sobre justiça social
independentemente da religião de cada um?
Penso que as igrejas evangélicas brasileiras perdem muito por não comemorarem do jeito delas este feriado! Tudo bem que o Corpus Christi
é uma comemoração dos católicos, surgida na época medieval, mais
precisamente no século XIII, sem que tenha uma prescrição bíblica.
Sabe-se pela História que fora instituída pelo então Papa Urbano IV
(1195-1264) com o objetivo de testemunhar publicamente o mistério da
Eucaristia segundo a crença na trans-substancialização do corpo de
Cristo na hóstia, a qual é distribuída durante as missas. Todavia, nada
impede que cada congregação cristã celebre o feriado a seu modo,
conforme a visão espiritual do respectivo grupo, e preservando o que há
de bom nas tradições populares.
No
meu ponto de vista, devemos sempre procurar atualizar as
tradições herdadas dos nossos ancestrais ao invés de rompermos
totalmente com elas. No século XIII, Lutero e Calvino nem
tinham nascido e a Europa Ocidental era ainda católica romana em sua
totalidade. Nós, os brasileiros, adotamos o catolicismo como religião
oficial até à Proclamação da República (1889) e recebemos dos
portugueses os costumes dos tapetes. Só nas últimas décadas é que o
protestantismo e o secularismo tornaram-se de fato expressivos em nossa
sociedade de maneira que ainda há na memória de todos nós as lembranças
registradas das festividades paroquiais muito mais marcantes até os anos
80 do século XX.
Para concluir, esclareço que, de jeito algum, estou propondo que voltemos ao passado ou que as congregações
evangélicas e espíritas submetam-se à autoridade de um pontífice pois isto, a meu ver, seria
um atraso. Mas penso que a comemoração do feriado pode e deve
contribuir para a unidade cristã de toda a Igreja independentemente dos
seus variados segmentos. O pão e o suco tinto de uva ministrados durante
a Santa Ceia, eu creio serem símbolos de uma realidade muito maior.
Afinal de contas, dentro numa visão não institucionalizada, seríamos todos membros do Corpo de Cristo, o que, por sua vez, já revelaria o mistério eucarístico na qual realmente acredito.
Um ótimo feriado a todos!
OBS: Esta postagem também se encontra no blogue da Confraria Teológica Logos e Mythos, publicada na presente data de 26/05/2016, sendo que as fotos acima referem-se aos tapetes que vi hoje num trecho Rua Doze de Outubro, na qual encontra-se
localizada a Igreja Nossa Senhora das Graças, em Muriqui, 4º Distrito de
Mangaratiba (RJ).
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