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segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!

“E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo, a orar; um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, estando em pé, orava consigo mesmo desta maneira: Ó Deus, graças de dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos aos céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.” (Lucas 18:9-14)


Sempre que falho reincidentemente nas coisas que mais detesto, sou levado a reconhecer a minha própria indignidade, da qual, por diversas vezes, ainda acabo esquecendo, pensando que sou um super cristão.

A conversão exige uma sincera e permanente avaliação de si mesmo, o que, por sua vez, não ocorre sem nos reconhecermos como pecadores a exemplo do publicano citado na célebre parábola de Jesus em que, com o arrependimento, busca o convertido justificar-se tão somente na misericórdia de Deus, não nas suas ações.

Quando criança, meu pai chegou a me colocar o apelido de fariseu. Na época, eu nem sabia o que significava ser um fariseu e acho que nem ele deveria conhecer tão profundamente acerca daquele partido do judaísmo da época de Jesus, exceto pelas impressões superficiais que foram extraídas dos Evangelhos pela nossa cultura ocidental. Porém, mesmo dentro desta visão limitada, percebo que papai, um ateu que tinha uma mente altamente crítica, certamente já deveria estar observando atentamente os detalhes de meu comportamento desde os primeiros anos de minha infância.

Aproximadamente sete anos depois do seu falecimento (setembro/1983), aceitei publicamente a Cristo, batizando-me por imersão e me tornando um frequentador de igreja evangélica. Comecei a me abster de praticar determinadas condutas que passei a considerar como pecado e então, esquecendo-me que a conversão se processa diariamente nas nossas vidas, por diversas vezes cheguei a me sentir melhor do que as outras pessoas. Olhava atravessado para os demais adolescentes que estavam iniciando no sexo, tendo suas primeiras relações sexuais, lendo revistas pornográficas, experimentando álcool e fumando cigarro, de modo que os considerava imundos aos meus olhos. Achava repugnante escutar um palavrão na rua ou ouvir piadas de humor no ambiente da escola que tivessem conteúdo sexual. Queria estar sempre ofertando na igreja, supondo ser um pecado grave não dar o dízimo, o que, na minha cabecinha pequena, não só poderia trazer maldições de pobreza como me separar de Deus.

Nos tempos de Jesus, os fariseus eram homens de respeitável reputação dentro da sociedade judaica. Não podemos cometer o engano de pensar que eles vivessem apenas de aparências, pois de fato eram zelosos na guarda dos mandamentos da Torá, preservando com dedicação a correta ortodoxia das Escrituras hebraicas. Davam esmolas, jejuavam várias vezes ao ano (pela lei mosaica o jejum só era obrigatório no dia do Yom Kippur de Levítico 16), oravam com frequência durante o dia, dizimavam até nas pequenas coisas, transavam somente com suas esposas e não cometiam crime algum que pudesse ser julgado pelos homens. Há quem diga que José, esposo de Maria, teria sido um fariseu e, embora a Bíblia nada diga a este respeito, não descarto a tese. No próprio Sermão da Montanha, Jesus chegou a dizer para os seus ouvintes que, se a justiça deles não excedesse em muito aos escribas e fariseus, jamais entrariam no reino dos céus (Mateus 5:20).

Devemos lembrar que, até a conclusão da obra de Jesus, os fariseus cumpriram o papel de serem os verdadeiros guardiões das tradições judaicas. Foram usados por Deus para aquele propósito e, através deles, o judaísmo conseguiu se manter após a destruição do templo de Jerusalém na guerra romano-judaica do ano 70 d.C. E, enquanto os sacerdotes saduceus diziam com ceticismo que nem o espírito e nem a ressurreição existiam, os fariseus tinham a melhor interpretação teológica das Escrituras, a qual, sob certo aspecto, seria condizente com a linha de pensamento adotada pela Igreja a respeito do Antigo Testamento bíblico.

Não quero nesta oportunidade empreender nenhum estudo aprofundado a respeito da seita dos fariseus para não perder o foco na oração do publicano e em sua aplicação prática para nós. Porém, quando resolvi falar sobre o lado positivo do farisaísmo, foi justamente para mostrar o quanto nós cristãos religiosos corremos o risco de nos assemelharmos a eles também no aspecto negativo que tanto foi denunciado publicamente pelo Senhor em seus três anos de ministério pelas terras palestinas.

Agindo com falsa humildade, mesmo confessando que sou salvo pela graça mediante a fé, já cometi o mesmo pecado do fariseu da parábola de Jesus, quando deixei de reconhecer a minha indignidade, esquecendo-me da misericórdia divina em minha vida. Foram várias as ocasiões em que me julguei superior aos meus irmãos em Cristo. Confessava que era pecador, mas me sentia justificado pelo que fazia e deixava de fazer a ponto de não lembrar que algum dia entrei na igreja com o mesmo sentimento que o publicano teve quando decidiu corajosamente ir ao templo judaico fazer a sua oração.

Situando-se longe (provavelmente distante do Lugar Santo onde somente os sacerdotes podiam entrar), o publicano mantinha curvada sua cabeça, reconhecendo o seu pecado e clamando por misericórdia. Sua postura corporal demonstrava profunda vergonha pelos seus atos, num sinal de profunda tristeza quando batia no peito, segundo o costume oriental, sabendo que nada mais lhe restava senão implorar a Deus por compaixão.

Posso dizer que meus tropeços durante a vida cristã foram sempre muito dolorosos, mas se tornaram excelentes oportunidades para afastar-me do Lugar Santo e me por de joelhos junto à entrada do templo, ao lado do publicano.

Recordo-me que, quando desviei-me exteriormente aos 17 anos (acho que no meu coração encontrava-me afastado de Deus há mais tempo), eu já auxiliava o professor da escola bíblica dominical da Primeira Igreja Batista de Juiz de Fora. Era muito bem visto pelo pastor titular da congregação que, durante o culto, pedia que eu orasse com voz alta no meio de todos. Uma vez por semana, acompanhava a equipe de visitas aos novos convertidos que tinham ido à frente fazer a declaração de fé. E foi neste momento que voltei à vida mundana, cometendo pecados que, antes de minha conversão, nem ao menos tive a oportunidade de praticar.

Não estou afim de listar aqui todos os meus desvios e tropeços da vida cristã. Deus os conhece e não sou hipócrita em dizer que minhas falhas ficaram para trás porque a cada dia reconheço o quanto ainda preciso aprender a amar ao Senhor e ao meu próximo. Quando peco nas mesmas coisas, sinto-me profundamente abalado, decepcionado comigo mesmo e entristecido. Lembro que a velha natureza carnal ainda opera nos membros do meu corpo, atuando na minha lascívia, minha agressividade e nos meus pensamentos corruptos.

Entretanto, ao lado do reconhecimento da minha condição de homem pecador, não abandono o sentimento de depender a cada dia da misericórdia de Deus. Apesar de ficar decepcionado com minha conduta, não quero ficar distante de Deus a ponto de deixar novamente a igreja e me auto-excluir da vida cristã, mas fixo minha atenção no exemplo do publicano que, corajosamente, entrou humilhado no templo judaico, num lugar onde convém uma vida de santidade.

Mas será que a igreja é lugar de pessoas santas e perfeitas? Sem dúvida que não! E o Messias veio justamente salvar os pecadores, dentre os quais eu me incluo, de modo que ninguém nesta vida tem legitimidade para excluir do convívio comunitário cristão pessoas que sofrem constantes recaídas por causa de drogas, uso excessivo de álcool, relações homossexuais ou problemas com a violência. Quem sou eu para pensar que estou numa condição melhor do que um travesti de programas portador do vírus HIV? Posso me considerar melhor do que um filho que assassina os próprios pais?

Tendo sido encerrado debaixo do pecado (o mesmo pecado capaz de matar até o mais íntegro dos profetas da Bíblia), resta-me a opção de ficar ao lado dos homens e das mulheres que estão se socorrendo da misericórdia de Deus. Cabe a mim oferecer-lhes o pão da comunhão que simboliza o corpo de Cristo partido por todos nós, dando-lhes a beber do cálice da nova aliança feita não com o sangue de animais, mas com a vida do Filho de Deus. Devo anunciar às pessoas que em Jesus há cura, perdão, reconciliação com o Pai e vida eterna, não importando quantas vezes tenham elas caído, pois Deus não aprova o que fazemos de errado e nos ama por aquilo que somos, de modo que todos aqueles que têm esta consciência são bem vindos na santa congregação.

Concluindo, posso dizer que o que eu quero é permanecer sempre servindo a Jesus na Igreja e desejo que esta oração jamais se aparte de meus lábios, mas esteja sempre no meu coração, sem fazer aqui o uso de aspas: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!

sábado, 29 de maio de 2010

Um judeu em Atenas



Na adolescência, época em que entreguei minha vida para Cristo, eu vibrava todas as vezes em que lia sobre as missões evangélicas do primeiro século no livro de Atos dos Apóstolos e sonhava em sair viajando pelo mundo ganhando almas para Jesus. Contudo, acho que nem conseguia evangelizar meus colegas de escola, ainda mais quando vivi uma terrível fase de fanatismo religioso que tanto afastava as pessoas de mim.

Anunciar Jesus às nações é algo bem mais difícil do que simplesmente convidar um vizinho ou um parente para ir conosco a algum culto, coisa que qualquer crente e até pessoa não convertida pode fazer e para evangelizarmos é indispensável estarmos em sintonia com os planos de Deus porque o resgate de uma alma trata-se de uma verdadeira batalha espiritual.

O livro de Atos fala de um judeu chamado Saulo de Tarso, fariseu da tribo de Benjamim, conhecido também como Paulo, o qual, após perseguir a Igreja de Cristo, converteu-se ao Evangelho, passando a pregar tanto a judeus quanto aos povos estrangeiros que viviam na parte oriental do Império Romano. Foi inicialmente temido pelos discípulos do Senhor Jesus, visto que muitos duvidavam de sua conversão, mas não demorou muito e se tornou mais um apóstolo, palavra esta que significa “enviado”. Empreendeu então três viagens missionárias, indo para lugares da Ásia Menor e da Península Balcânica, regiões consideradas ainda pagãs.

Nos tempos de Paulo, os gregos que, há três séculos foram os principais adversários dos judeus, povoavam boa parte da Ásia Menor, Macedônia e, obviamente a Grécia, sendo que muito ódio existia entre os dois povos.

Por sua vez, os judeus encontravam-se espalhados pela vastidão territorial do Império Romano, nas suas diversas províncias. Estima-se que, no século I, existissem cerca de 10 milhões de judeus, os quais chegaram a prosperar em cidades romanas situadas centenas de quilômetros da Palestina. Longe da terra de origem, essas comunidades judaicas mantiveram o hábito de se reunirem através das suas respectivas sinagogas, preservando suas tradições e costumes.

Quando Paulo chegava a uma nova cidade, primeiramente ele visitava a sinagoga onde seus irmãos judeus se reuniam. Com seu profundo conhecimento sobre a Torá e as Escrituras hebraicas, Paulo buscava persuadir os ouvintes a respeito do messiado de Jesus. Uns criam e outros não. Porém, quando sua pregação era definitivamente rejeitada pela comunidade judaica local, aquele corajoso rabino voltava o seu discurso para a conversão dos gentios, o que não raras vezes despertava a inveja e os ciúmes de seus compatriotas.

Em sua segunda viagem missionária, Paulo estava percorrendo as cidades da Macedônia e já sofria as perseguições promovidas pelos seus irmãos judeus que se recusavam a aceitar Cristo. A ousadia por ele demonstrada ao pregar o Evangelho era marcante, cheia do poder e da sabedoria de Deus, e incomodava a muitos que, certamente, não se conformavam em “perder” influência sobre seus seguidores, o que não é muito diferente do que ocorre hoje em dia no meio cristão disputado pelas instituições religiosas.

De acordo com os versos 13 e 14 do capítulo 17 do Livro de Atos, devido à situação exposta acima, Paulo não pôde permanecer mais tempo na cidade de Bereia para consolidar a obra evangelística que Deus havia iniciado por intermédio de sua pregação. Precisando sair às pressas do local, Paulo deixou ali seus colaboradores, Timóteo e Silas, e navegou pelo mar em direção ao sul, indo então da Macedônia para a Grécia.


Desembarcando em Atenas, Paulo ficou sozinho por uns tempos nesta importante cidade grega, enquanto aguardava em breve encontrar novamente os seus companheiros missionários para dar continuidade à obra de Deus.

Ora, Atenas foi a mais importante cidade grega da Antiguidade, berço da filosofia clássica, do conhecimento científico e da cultura ocidental. Uns quinhentos anos antes de Cristo, surgiram ali grandes filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais tornaram-se influentes pensadores da humanidade, cujas ideias até hoje são estudadas nas nossas faculdades modernas e se acham presentes nos diversos ramos das ciências. E, mesmo na época da dominação romana, no século I da era cristã, os gregos impuseram-se perante os demais povos através de sua influente cultura. Tanto é que os livros do cânon do Novo Testamento bíblico foram escritos num dos idiomas gregos utilizados naquela época – o koine.

Todavia, embora fossem homens cultos, os atenienses não conheciam o Deus verdadeiro, pois se prostravam diante de imagens de escultura fabricadas pelas mãos humanas, acreditando cegamente na existência de falsos deuses inventados pela fértil imaginação de seus ancestrais.

Pode-se dizer que Paulo estava bem no centro da civilização clássica da Antiguidade. Aparentemente sozinho pela ausência de seus companheiros, mas com Deus, ele se encontrava na milenar Atenas, cidade cujo nome era uma homenagem dos gregos à deusa Atena, considerada por eles como a deusa da sabedoria.

O livro de Atos conta que Paulo, ao deparar-se com a idolatria reinante naquela cidade, indignou-se em seu espírito e começou a pregar na sinagoga judaica aos sábados e também anunciava o Evangelho todos os dias na praça de Atenas.

No entanto, as pregações de Paulo não foram aceitas por todos naquela cidade. Filósofos que seguiam duas correntes de pensamento, os epicuristas e os estoicistas, contendiam com o apóstolo ao invés de abrirem seu corações para a Verdade.

Não quero aqui me aprofundar muito sobre as correntes de pensamento filosófico da Grécia antiga. Porém, como o livro de Atos faz menção aos epicureus e aos estoicos, considero relevante para melhor entendermos a situação contextual ao menos definir quem eram tais grupos de pensadores e no que eles acreditavam.

Segundo a História, Epicuro teria vivido entre os anos de 341 a 270 a.C. e desenvolveu ideias pregadas por Aristipo, o qual, por sua vez, fora discípulo de Sócrates e dizia que o prazer seria o bem supremo da vida. Assim, para os epicureus a razão de viver do homem seria a busca do prazer que era alcançado através da ponderação e do autocontrole sobre os desejos humanos a fim de se alcançar o “prazer supremo”.

Dentro da perspectiva terrena que tinha quanto à vida, Epicuro considerava que, após morrer, o homem simplesmente deixaria de existir, de modo que para os epicureus só interessava saber viver o momento.

Quanto, porém, ao estoicismo, tratava-se de uma outra escola filosófica ateniense que também surgiu por volta do ano 300 a.C., fundada por Zenão de Cítio. Seus seguidores negavam a oposição entre o espírito e o corpo (para eles só haveria matéria) e acreditavam que a morte seria um acontecimento da natureza em que, devido a isto, caberia ao homem aceitar o destino que lhe estava reservado.

Deste modo, os estoicistas entendiam que viver conforme as determinações da natureza seria “agir dentro da razão”. E, na época de Paulo, estes pensadores eram acentuadamente religiosos, tendo se tornado praticantes de um moralismo hipócrita e adorando falsos deuses, sendo que, curiosamente, a maioria dos seus líderes, como Zenão e Sêneca, cometeram suicídio.

Mas, afinal, o que é que esses filósofos atenienses deveriam pensar a respeito das pregações que Paulo fazia todos os dias na praça da cidade?

Em Atos 17:18, o autor relata fielmente as impressões que certas pessoas em Atenas pensavam sobre Paulo, para as quais Jesus parecia ser mais um deus estranho enquanto que a ideia da ressurreição não passaria de uma loucura. Isto porque, como já foi dito, para os epicureus aceitarem a ressurreição seria negar a inexistência do homem após a morte enquanto que para os estoicos uma fé dessas só poderia significar a recusa do homem em aceitar o seu destino natural, negando sua condição de matéria.


Foi neste ambiente, onde ao mesmo tempo havia muito conhecimento quanto às coisas terrenas e uma enorme ignorância em relação aos assuntos espirituais, que o rabino Saul de Tarso fez o seu discurso no Areópago ateniense.

O Areópago era um templo a céu aberto situado na parte alta da cidade, cujo significado é “Colina dos Ares” Era um local dedicado ao deus da guerra grego, onde a sociedade ateniense costumava se reunir para fins políticos, judiciais, culturais, religiosos ou filosóficos. Sua localização ficava numa colina próxima à acrópolis (a parte alta da cidade de Atenas) e, historicamente, foi o palco de grandes julgamentos e de decisões políticas que marcaram o mundo dos gregos na Antiguidade clássica.

Segundo o texto bíblico, as pregações de Paulo pareciam ter se tornado uma novidade naquela cidade de homens cultos e cheios de conhecimento. As pessoas queriam tirar suas conclusões a respeito daquele forasteiro considerado como um “tagarela” e que anunciava “estranhas” novidades.

Com grande sensibilidade, Paulo procurou direcionar sua pregação para o público que havia se reunido a fim de julgar o seu discurso, sabendo o apóstolo que se tratavam de ouvintes sem a concepção de um único e verdadeiro Deus, embora fossem extremamente religiosos.

Sabiamente, Paulo fez uma referência a um altar dedicado ao “Deus Desconhecido” encontrado no meio de tantos outros altares erigidos para os deuses daquela cultura politeísta. Em seguida, revelou que esse Deus, o qual os moradores de Antenas verdadeiramente desconheciam, jamais precisaria de um santuário construído pelo homem e tão pouco de qualquer coisa que lhe pudesse ser oferecida. Prosseguiu explicando que esse Deus desconhecido é espiritual e não matéria, de modo que ninguém poderia encontrá-lo pelo tato, embora sua presença não esteja tão distante do homem.

Confirmando o papel de Deus como Criador não só do mundo, mas também do homem, Paulo fez menção ao verso de um poeta helenista muito conhecido pelos atenienses, a fim de enfatizar que os homens foram gerados por este Deus desconhecido.

Deste modo, pode-se dizer que, nos versos 22 a 29 do capítulo 17 de Atos, Paulo procurou estabelecer os princípios de sua pregação a partir da concepção de seu público para lhes transmitir a ideia do verdadeiro Deus a fim de que, quando apresentasse Jesus, os ouvintes não pensassem que se trataria de mais um deus para eles adorarem.

Assim, tendo então mostrado quem é o único e verdadeiro Deus, Paulo tentou direcionar a sua mensagem para a pessoa de Jesus, enfocando qual seria o propósito para o atual momento da manifestação da graça Daquele que criou todas as coisas, falando, finalmente, a respeito da ressurreição de Cristo (At 17:30-31).

Observa-se que Paulo utilizou a abordagem correta destinada ao público para o qual pregou. Ali ele não citou nada a respeito da História dos judeus, conforme costumava fazer nas sinagogas, visto que nenhuma relevância haveria para evangelização dos gregos se Paulo houvesse falado quem foi Abraão, Moisés ou Davi. E também não faria sentido informar detalhes sobre a vida de Jesus e o seu ministério na Palestina, pois se tratavam de acontecimentos desconhecidos para aquelas pessoas que pouco devem ter ouvido falar de fatos que aconteceram há aproximadamente duas décadas num lugar distante em torno de 1000 quilômetros da Grécia com o qual jamais tiveram alguma identidade.

Para que aqueles homens fossem salvos, bastaria que cressem na existência desse único e verdadeiro Deus, arrependessem dos pecados, aceitassem a salvação através de um homem chamado Jesus que veio ao mundo morrer pela humanidade e que ressuscitou. Para isto, seria suficiente que aqueles ouvintes entendessem que Jesus é o homem destinado por Deus para julgar o mundo com justiça e que para a confirmação de tal propósito este Deus o ressuscitou dentre os mortos.

Lamentavelmente, a maioria dos homens e mulheres que estavam presentes no Areópago ateniense jogaram fora a chance de aceitarem a salvação oferecida por Deus naquele dia. Tal como muitos intelectuais das universidades nos dias atuais, os sábios de Atenas deixaram obscurecer seus entendimentos pelas suas próprias convicções filosóficas, passando a ridicularizar Paulo por causa da ressurreição. O excesso de crítica fez com que eles se tornassem soberbos e deixassem de refletir. E, apesar de suas filosofias e do conhecimento científico que armazenavam, eles anularam a si mesmos quando resolveram interromper a pregação de Paulo, deixando de conhecer o Deus verdadeiro, o qual só pode ser encontrado pelo homem através da fé em Jesus Cristo porque com os nossos cinco sentidos jamais o encontramos.

Percebendo que a motivação daqueles homens era zombar da mensagem de Deus ao invés de ouvi-la, Paulo retirou-se dali. Porém, o livro de Atos que alguns homens agregaram-se ao apóstolo, dentre os quais estava um juiz chamado Dionísio e uma mulher com o nome de Damaris, sobre a qual muito pouco se sabe.

Apesar de poucas pessoas terem se reunido a Paulo, acredita-se que houve salvação nesta primeira visita do nosso irmão a Atenas, o qual prosseguiu dali para outra cidade grega chamada Corinto, onde então foi fundada uma grandiosa igreja, destinatária de algumas epístolas de autoria do apóstolos, das quais foram preservadas somente duas.

Ora, sempre que leio sobre o discurso de Paulo em Atenas, várias indagações surgem em minha mente. Inicialmente questiono por que o autor de Atos registrou um evangelismo aparentemente mal sucedido? E também passa pela minha cabeça se Paulo teria em algum momento falhado na sua pregação?

Sobre a primeira pergunta, entendo que assim como a Bíblia não esconde as falhas humanas de caráter e nem as provações, também não oculta o fracasso. No ministério de Jesus em Nazaré, os Evangelhos informam que poucos milagres o Senhor realizou na cidade onde fora criado por causa da incredulidade das pessoas de lá. E, como bem sabemos, Jesus não errou, tendo sido perfeito em todas as suas realizações.

Atualmente consigo extrair ensinamentos do evangelismo de Paulo em Atenas, hoje considerado por mim como um empreendimento espiritual muito bem sucedido apesar do pequeno número de pessoas convertidas.

Jesus mandou que seus discípulos fossem ao mundo e pregassem o Evangelho a toda criatura. Quem cresse e fosse batizado seria salvo, mas quem rejeitasse as boas novas seria condenado.

Pois bem. No próprio livro de Atos, quando Paulo já se encontrava preso e sua pregação fora rejeitada pelos judeus de Jerusalém, o próprio Senhor Jesus havia aparecido para Paulo encorajando-o com estas palavras “Pois do modo por que deste testemunho a meu respeito em Jerusalém, assim importa que também o faças em Roma” (Atos 23:11)

Mesmo sem os saduceus e fariseus do sinédrio judaico terem recusado a se converter (e ainda tramavam matar Paulo), Jesus demonstrou contentamento com o ministério de seu apóstolo.

Igualmente percebo que, na cidade de Atenas, Paulo cumpriu a sua missão, pregando o Evangelho para aqueles ouvintes de coração endurecido, embora fossem homens de grande cultura. Pois, mesmo que a maioria dos atenienses tivesse rejeitado Jesus por causa da loucura da ressurreição, a salvação já estava anunciada.

Da mesma maneira, penso que este deve ser o nosso papel. Devemos anunciar o Evangelho com todos os recursos que Deus nos dá, sejam armas espirituais, talentos pessoais, conhecimento científico, discurso eloquente e criando pontos e identificação com o ouvinte. Por sua vez, uma vez ganhando almas para Cristo, devemos nos preocupar com o discipulado dos novos convertidos, ensinando-lhes a doutrina cristã com sinceridade. Porém, devemos nos tranquilizar quando entregamos a Palavra de Deus aos corações, sabendo que não somos responsáveis pelas decisões tomadas pelas pessoas de modo que podemos descansar confortavelmente nos braços do Senhor, nas mãos de quem encontra-se o futuro de todos os homens.


OBS: As fotos que estou utilizando para ilustrar o artigo referem-se à viagem que minha mãe, Sra. Myrian Phanardzis, fez nos meados da primeira década do século (salvo engano em agosto de 2004) ao visitar nossos parentes na Grécia, em especial minha tia avó que vive em Atenas e sabe falar o idioma português. Esta atualização meramente ilustrativa estou complementando nesta data de 23/02/2011.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Será que precisamos sentir a presença de Deus?

Recentemente deparei-me com um sincero relato de uma mulher no site Café História que disse não crer em Deus e nem na Bíblia. Suas palavras pareceram-me bem espontâneas, levando-me a refletir sobre os erros que muitas das instituições religiosas cristãs cometem. Há vários meses, eu havia entrado num debate que tem como título “Os Evangelhos são livros históricos no sentido em que hoje conhecemos a história?” e, desde então, comecei a participar de uma envolvente discussão sem fim com o seu autor, quando então uma debatedora surpreendentemente interveio dizendo:

“Fico até constrangida, e isso não é comum em mim, a postar neste fórum, por perceber o nível de conhecimento de todos que já postaram, mas pelo interesse que tenho no assunto, gostaria de colocar minha opinião, como leiga no trato histórico, porém como leitora da Bíblia toda, desde minha infância. Preciso deixar um parênteses para que não haja dúvidas sobre meu pensamento, cresci cristã protestante, leitora da Bíblia e crente em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, criei meus filhos na mesma crença, pelo que agradeço por ter podido inculcar moral e bons costumes nos mesmos, coisa que não teria conseguido, pois venho de uma família deficitária na educação dos filhos, não más pessoas, mas sem preparo e formação. Hoje, não acredito na existência de um deus, ou um ser superior como me foi colocado pelo cristianismo, nem que exista algo além do que é comprovado pela química, pela física ou pela biologia. (…) Eu não posso me declarar com fé para acreditar em suas histórias, embora as conheça de cor e salteado, desde "no princípio criou Deus... até a graça do Senhor Jesus seja com todos", não consigo crer ou aceitar como palavras inspiradas por um ser superior, mas não vou aqui defender o ateísmo nem atacar o cristianismo ou a Bíblia, até porque aceito como conselheira, com ensinamentos importantes nos campos da saúde e na sabedoria dos conselhos no tangente às relações humanas (…) desde pequena tentei em vão sentir a existência de Deus, compreender seus motivos para assistir à humanidade e interferir apenas na vida de uns sorteados, e dentro de mim, a razão me levava a ver que ele não existe. Apesar da dificuldade em admitir isso, confesso que a consciência cristã inculcada em mim deixou um vestígio forte do medo da blasfêmia, mas minha razão não me permite mais ler a bíblia e crer no Deus que ela prega, nem mesmo lendo sobre outras doutrinas religiosas. Não sei se quero descobrir se existe uma alternativa de deus pra mim, nem sei se quero que haja, mas o que sei é que, para mim, a existência de deus é algo criado por seres humanos” - o destaque é meu

Dentro deste curioso relato, chamou-me mais a atenção quando a debatedora disse que, desde pequena, havia tentado perceber a existência de Deus, lembrando-me o desespero dramático que muitos cristãos vivem dentro das igrejas evangélicas buscando sentir a presença divina.

Desde o ano em que me converti, em 1990, cometi a infantilidade de querer sentir Deus para acreditar na minha aceitação por Ele. Durante as orações na igreja, eu ficava ansiando por receber a experiência do batismo no Espírito Santo e começar a falar na língua dos anjos igual o meu pastor orava no púlpito. Aguardava ser milagrosamente curado do defeito na visão que fora diagnosticada quando tinha cerca de nove anos de idade e também do desvio de minha coluna descoberto pelo ortopedista no começo da adolescência por causa de minha péssima postura. Só que nada acontecia instantaneamente no mundo físico enquanto eu orava e, por muitas vezes, saía frustrado dos cultos achando que me faltava fé ou que não era amado por Deus.

Lendo o relato da participante no extenso debate histórico sobre os Evangelhos, recordei-me do discurso de Paulo em Atenas, quando o apóstolo disse que Deus não está tão longe de nenhum de nós ainda que não possamos encontrá-lo pelo nosso tato (ou por qualquer outro sentido corporal), já que a divindade não é semelhante aos elementos da natureza (conferir com Atos 17:22-31)

Embora eu acredite na possibilidade de alguém ter experiências sobrenaturais, também tenho observado que, em muitas igrejas, as pessoas confundem o emocional com o espiritual, sendo que há um número de crentes buscando sentir a presença de Deus. E, lamentavelmente, há pastores de má-fé que se aproveitam das reações emocionais das pessoas utilizando-se das mais variadas técnicas que poderão proporcionar em alguns a sensação de ter sido tocado por Deus. Claro que nem todos os pregadores que fazem isso são mal intencionados, pois muito já agem inconscientemente, mas de qualquer modo o que tenho visto por aí são pessoas agindo com histeria enquanto outros saem decepcionados.

Mas será que esta ânsia de querermos sentir a Deus não seria a mesma imaturidade de alguém buscar encontrar o seu Criador através do tato? E o que dizer daqueles que ficam esperando ter visões ou ouvir vozes sobrenaturais?

De fato, ansiamos em nosso íntimo pelo toque de Deus. Não nego que gostaria de contemplá-lo com meus olhos naturais, ouvir sua voz ressoando nos meus tímpanos, abraçá-lo e sentir seu perfume suave. E acredito que tudo isso acontecerá na eternidade quando estaremos para sempre com o Senhor, vivendo através de um corpo transformado. Porém, no momento presente, não acho que este seja o caminho.

Por outro lado, foi esta ânsia mal administrada de desejar apalpar a Deus que fez o homem voltar-se para a idolatria. Junto com a ambição de se construir uma torre elevada que chegue até os céus, o homem apegou-se a objetos de pedra, madeira e metais para que pudesse suprir sua necessidade psicológica de ter a divindade perto de si. Só que nas vezes em que a Bíblia fala da manifestação de Deus no deserto, os israelitas resolveram fugir de sua presença santa, preferindo que Moisés intercedesse pelo povo.

Ora, o que podemos dizer a respeito da encarnação de Deus? Quando o Verbo se fez carne e habitou entre nós, nossas mãos puderam apalpá-lo como escreveu João logo no primeiro verso de sua epístola. E não só as mãos apalparam o Filho de Deus como os olhos humanos viram seu rosto e os ouvidos ouviram sua voz, embora quase ninguém creu na sua pregação.

Atualmente, pelo tempo em que uma parte da humanidade aguarda a nova manifestação do Messias, resta-nos a oportunidade de desenvolvermos a fé quando o mundo não nos dá nenhuma razão para crermos. Se no Egito os israelitas aguardaram 400 anos pelo êxodo, a Igreja tem esperado por dois milênios a volta de Jesus, contentando-se com o silêncio de Deus enquanto crianças morrem de fome, as doenças proliferam e a violência cada vez aumenta mais.

Com toda sinceridade eu respondo à debatedora do fórum de discussões históricas da internet que não existe nenhuma explicação na Bíblia sobre os motivos da intervenção (ou das não intervenção) de Deus na humanidade, de maneira que só nos resta confiar em sua infalível soberania. Assim como Deus não respondeu a Jó o porquê de seu sofrimento, penso que, por enquanto, o Rei das Nações também não vai nos revelar em todos os detalhes como se cumprirão seus propósitos. Não ouviremos dele nada que nos leve a acreditar pela razão, através de provas racionais acerca de sua existência.

Em meio ao momento de incerteza que a humanidade atravessa, compreendo que a fé surge como uma opção que escolhemos, isto é, a decisão de servirmos ao Deus único e de nos submetermos ao senhorio do seu Cristo. Somos crentes porque resolvemos confiar em Deus, aguardar as suas promessas e obedecer a sua Palavra. Permitimos que a Palavra não fique retida pelos nossos cinco sentidos e chegue aos nossos corações, atingindo o centro de nossas motivações, amadurecendo pela meditação e se consolidando pela prática das boas obras, as quais podem comprovar que realmente estamos crendo.

sábado, 22 de maio de 2010

Lidando com a dor da ingratidão

Como é profunda a dor que sentimos pela ingratidão de alguém! A ferida causada por aqueles que amamos demora mais para cicatrizar do que quando somos previsivelmente atacados por um adversário já conhecido. Pois, com a dor, vem o elemento surpresa juntamente com a indignação, a decepção, a perplexidade e o sentimento de traição.

Contudo, quem neste mundo ainda não foi apunhalado pelas costas? Seja pelos nossos amigos, parentes, cônjuges ou pelos irmãos mais íntimos da nossa congregação religiosa, em todos estes casos de traição seremos inevitavelmente confrontados com os mais terríveis sentimentos de ira, carregados com as mais fortes emoções.

No Salmo 55, Davi chega a dizer que teria suportado a afronta praticada contra ele, caso fosse vítima do seu inimigo:

“Com efeito, não é inimigo
que me afronta;
se o fosse, eu o suportaria;
nem é o que me odeia
quem se exalta contra mim,
pois dele eu me esconderia;
mas és tu, homem meu igual,
meu companheiro e meu íntimo amigo.
Juntos andávamos,
juntos nos entretínhamos
e íamos com a multidão à Casa de Deus.”
(versos 12-14)

Igualmente, em outro salmo imprecatório, o rei poeta de Israel expressou toda a sua indignação contra aqueles que, sem motivo, investiram contra sua vida, fazendo-lhe mal:

“Pagam-me o mal pelo bem,
o que é desolação para a minha alma.
Quanto a mim, porém,
estando eles enfermos,
as minhas vestes eram pano de saco;
eu afligia a minha alma com jejum
e em oração me reclinava sobre o peito,
portava-me como se eles fossem
meus amigos ou meus irmãos;
andava curvado, de luto,
como quem chora por sua mãe.
Quando, porém, tropecei,
eles se alegraram e se reuniram;
reuniram-se contra mim;
os abjetos que eu não conhecia,
dilaceraram-me sem tréguas;
como vis bufões em festins,
rangiam contra mim os dentes.”
(Salmo 35:12-16)

Num outro lamento, em que também profetizou a respeito de Judas Iscariotes, Davi falou novamente da traição, referindo-se ao ato de “levantar o calcanhar” à mesa, até hoje uma grave ofensa no contexto cultural do Oriente Médio:

“Até o meu amigo íntimo,
em quem eu confiava,
que comia do meu pão,
levantou contra mim o calcanhar.”
(Salmo 41:9)

Lendo sobre Davi, tento compreender o drama de uma esposa dedicada que não obtém o reconhecimento de seu marido, a indignação de empregado esmerado que é dispensado com a maior frieza pela empresa onde trabalha, bem como a situação de um pai que, após sustentar o filho por longos anos, é esquecido num asilo qualquer nos tempos de sua velhice.

Como ativista dos movimentos sociais aprendi numa certa medida o que é a dor da ingratidão quando a minha militância em favor da coletividade não recebe nenhuma retribuição proporcional. Frequentemente, vejo verdadeiros heróis do povo sendo escarnecidos e injustamente criticados por aqueles que são beneficiados pelas conquistas pleiteadas, como se fossem líderes oportunistas.

Entre os que praticam a filantropia, seja doando recursos ou prestando serviços, raramente são honrados pelos seus destinatários. E muitos desses valorosos homens, quando passam por suas dificuldades, às vezes não recebem nada em troca daqueles que foram ajudados. E, inclusive, há casos em que a pessoa beneficiada chega a se voltar contra o seu benfeitor, passando-lhe a perna ou armando uma cilada para depois ingressar com algum processo judicial.

No evangelismo, tenho visto as piores retribuições. Ao receber uma palavra positiva, algumas pessoas reagem com grosseria, agressividade e indiferença, muito embora outros aceitem a mensagem de coração aberto.

Entretanto, se olharmos para a vida de Jesus, veremos que maiores afrontas e atitudes de ingratidão o Senhor suportou por nossa causa.

Nunca ninguém amou tanto o ser humano quanto Jesus de Nazaré. E também nunca ninguém sofreu tantas injustiças e traições quanto o Senhor, de modo que, ao olhar para Ele, esvazia-se todo o meu sentimento de auto-comiseração.

Certa vez Jesus curou dez leprosos, dos quais apenas um (um samaritano) retornou para agradecê-Lo. Nas cidades em que evangelizou na Galileia, em nenhuma delas foi registrado uma conversão coletiva, apesar dos muitos milagres que o Senhor realizou no meio do seu povo. Em Nazaré, cidade onde Jesus foi criado, seus concidadãos tentaram assassiná-lo após ouvirem seu discurso na sinagoga. Em Gadara, localidade situada na região gentílica de Decápolis, a população de lá pediu ao Senhor que se retirasse do território deles, após Jesus ter feito bem a um homem perturbado. E até os familiares de Jesus não o compreenderam durante algum período do seu ministério.

Mas foi nas suas horas mais difíceis que Jesus experimentou o abandono e a traição. Enquanto agonizava no Jardim das Oliveiras, chegando a suar sangue enquanto falava com o Pai, seus discípulos não aguentaram o sono e adormeceram. Após receber o beijo da traição de Judas, eis que, no final, todos os discípulos o deixaram, fugindo dos guardas. Na casa do sumo sacerdote, seu próprio povo o bateu, cuspiu em sua face e dele zombou. Perante Pilatos, a multidão ali presente preferiu que, no lugar de Jesus, soltassem a Barrabás, clamando em alta voz para que o Senhor fosse crucificado.

Olhando para Jesus, deixo de me sentir a maior vítima do mundo, passando a me colocar na mesma condição dos que o abandonaram e fugiram no momento de sua prisão. Mesmo sem ter vivido naquela época, consigo identificar as cusparadas e os açoites que dei em Jesus pelos meus pecados do tempo presente, lembrando das vezes em que o rejeitei no meu coração preferindo praticar o mal ao invés do bem. Recordo das mentiras que proferi, de minhas concupiscências sexuais, dos meus atos de injustiça com o próximo, de minhas blasfêmias, do meu apego ao dinheiro, da minha falta de amor e até das motivações ruins que não foram exteriorizadas, de modo que todas estas ofensas são como os pregos da ingratidão cravados sobre a carne do meu Senhor.

Reconhecendo isto, dou glória a Deus porque são as chagas de Jesus que hoje saram o meu coração das mais profundas dores causadas pela convivência humana, de modo que o sentimento da traição acaba servindo como aprendizado do que o Senhor sofreu por causa da humanidade, padecendo o desprezo de todos e sendo tratado pior do que um animal.

Ora, sete séculos antes de Jesus, assim profetizou Isaías a seu respeito, retratando-o como o servo sofredor:

“Certamente, ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi transpassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados. Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo caminho, mas o SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos” (cap. 53:4-6)

Assim, meditando no sofrimento de Jesus, encontro a oportunidade de tomarmos posse da cura espiritual para as nossa dores mais íntimas. Ou seja, temos a oportunidade de descarregar Nele aquilo que tanto nos aflige e deixarmos as feridas cicatrizarem. E, deste modo, resta-nos a escolha de alimentar a nossa dor solitária ou aceitar o remédio dado por Deus para que sejamos sarados, pondo de lado o infrutífero sentimento de auto-comiseração.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Poucas Câmaras Municipais no país têm Comissões de Legislação Participativa

Desde 2001, no final da era FHC, a Câmara Federal em Brasília possui uma Comissão de Legislação Participativa (CLP), a qual permite que qualquer entidade da sociedade civil organizada, ONGs, sindicatos, associações e órgãos de classe apresentem suas sugestões legislativas. Tais sugestões podem incluir desde propostas de leis ordinárias e complementares, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Através de tal comissão, a sociedade civil organizada tem a possibilidade de apresentar suas propostas, as quais, por sua vez, poderão ser transformadas em lei, bastando que a entidade encaminhe ao referido órgão da Câmara dos Deputados a sua sugestão legislativa acompanhada dos seguintes documentos: (i) seu registro em cartório ou no Ministério do Trabalho; (ii) um documento legal capaz de comprovar que a composição de sua diretoria; (iii) a ata da reunião que decidiu pelo envio da sugestão à CLP; e, opcionalmente, (iv) quaisquer outros documentos anexos ao requerimento sugestivo com a finalidade de dar embasamento à justificativa.

Individualmente, o cidadão pode também participar contribuindo para o “Banco de Ideias”, apresentando propostas de interesse da população em geral, as quais serão organizadas por temas, ficando à disposição para consultas tanto pelos parlamentares quanto pelas entidades da sociedade civil.

Após a iniciativa de se ampliar o acesso ao Poder Legislativo Federal, vários estados e poucos municípios no país adotaram esta brilhante ideia a exemplo das Assembleias de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraíba e Acre. Já nas cidades, pode-se mencionar as Câmaras Municipais de Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Juiz de Fora (MG), Uberaba (MG), Santos (SP), Campinas (SP), Caxias do Sul (RS), Sete Lagoas (MG), Atibaia(SP), Americana (SP), Conselheiro Lafaiete (MG), São José dos Campos (SP), Poços de Caldas (MG), Tibagi (PR), dentre outros locais.

Curiosamente, nem a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e nenhuma Câmara Municipal aqui do meu estado aparecem na listagem que consta no rol do site da Câmara Federal. Nem na capital fluminense e nem nas principais cidades do interior existe a possibilidade de uma ONG apresentar sua sugestão legislativa e esta ser analisada de modo obrigatório por uma comissão especificamente organizada para atender os anseios da sociedade civil. Em 2008, logo depois que os atuais vereadores de Nova Friburgo foram eleitos, cheguei a compartilhar esta ideia publicamente escrevendo um artigo no jornal local “A Voz da Serra”, mas vi muito pouco interesse dos políticos daqui. E, quanto à ALERJ, cheguei a me comunicar via e-mail, sem receber nenhuma resposta satisfatória de qualquer deputado.

Entretanto, é no Município que a participação popular nas decisões políticas pode ser efetivamente exercida, sendo de fundamental importância que se promova nas cidades uma democracia de proximidade capaz de reforçar a influência dos cidadãos sobre o seu cotidiano e nas atividades comunitárias.

Além disso, é nas cidades pequenas que o interesse político dos cidadãos torna-se evidente, principalmente porque nesses lugares uma grande parte dos eleitores trabalham para a Prefeitura (quase sempre sem concurso público) e, portanto, dependem das próximas eleições para que eles ou os seus familiares se mantenham empregados no governo. E, embora falte uma participação política de qualidade na grande parte dos municípios de menor população, tenho pra mim que a criação de mecanismo que proporcionem o acesso do cidadão ao poder poderá contribuir satisfatoriamente para o desenvolvimento da democracia nessas cidades. Ainda mais nos centros urbanos com menos de 10 mil habitantes, nos quais acredito ser possível o exercício de uma democracia quase que direta capaz de lembrar os gregos da Antiguidade clássica.

Minha esperança é que a própria sociedade civil e os poucos políticos esclarecidos neste país compreendam a importância das CLPs em âmbito local e passem a lutar por essa conquista nas suas cidades. Infelizmente, após a redemocratização, o cidadão brasileiro virou as costas para o Parlamento. Nossos municípios ganharam mais autonomia com a Constituição de 1988, porém muitas cidades viraram verdadeiras ditaduras disfarçadas. Os distritos rurais e os bairros humildes de periferia tornaram-se currais eleitorais na maioria dos casos, sendo que quase ninguém mais acompanha o processo legislativo.

Mas será que a nossa história local deve continuar a ser escrita com tanta passividade? Os políticos estão errados, mas nós, o povo brasileiro, também precisamos agir comunicando as nossas ideias e organizando-as através de movimentos capazes de transformar o cotidiano das nossas cidades. Ou seja, não podemos nos esquecer que cada um de nós é autor das páginas políticas dos lugares onde vivemos.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

"Jesus chorou"

O verso 35 do capítulo 11 do Evangelho de João é considerado o menor versículo da Bíblia e faz parte do texto que fala a respeito da ressurreição de Lázaro.

Jesus foi chamado por Marta e por Maria para que viesse curar seu amigo Lázaro, o qual encontrava-se enfermo em Betânia. Porém, quando o Senhor estava chegando na aldeia, Lázaro já havia morrido. Sabendo então que o Senhor vinha ao seu encontro, Maria foi até Ele, lançando-se aos seus pés em prantos e dizendo que se Jesus estivesse no local, o seu irmão Lázaro não teria falecido.

Aquela cena mexeu profundamente Jesus, conforme descreveu sensivelmente o evangelista:

“Jesus, vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se. E perguntou: Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem e vê! Jesus chorou.”

O resto da história, creio que muitos já conhecem. Jesus então mandou que removessem a pedra do túmulo e, com suas palavras de autoridade, fez com que Lázaro ressuscitasse caminhando para fora do sepulcro.

“Jesus, agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se para o túmulo; era este uma gruta a cuja entrada tinham posto uma pedra. Então ordenou Jesus: Tirai a pedra (…) Tiraram, então, a pedra. E Jesus, levantando os olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. E, tendo dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora!”

No entanto, durante a descrição de um dos mais espetaculares milagres do Messias, amplamente divulgado em nossa cultura cristã, o evangelista não deixou de registrar a sensibilidade de Jesus, revelando que o Senhor não escondia as suas emoções, o qual se mostrava capaz de chorar com os que choram, “agitando-se em seu espírito”.

O verbo que na nossa tradução bíblica encontra-se como “agitar-se” pode ter como significado uma pertubação profunda, de maneira que, diante daquela situação, compreendemos que Jesus angustiou-se e gemeu.

Embora sabendo o que iria acontecer (que Lázaro dentro de poucos instantes iria ressuscitar), em momento algum Jesus agiu com frieza em relação à dor de Maria. Pelo contrário, ele se comoveu (gr. tarasso), o que significa que o Senhor se agitou e se perturbou, afligindo-se, encolerizando-se e se enfurecendo com a morte do irmão de Maria de Betânia.

Atualmente, num mundo de emoções adoecidas, tem sido cada vez mais difícil encontrarmos pessoas que, verdadeiramente, são capazes de se compadecer de quem sofre. Muitos agem intimamente com impaciência enquanto ouvem educadamente o relato triste de alguém, preferindo fugir de notícias desagradáveis do que enfrentá-las. Mesmo nas igrejas cristãs, tenho observado que inúmeras vezes falhamos quando interrompemos o desabafo de um sofredor com aquelas frases prontas dizendo que tudo vai dar certo, ou que logo as coisas vão melhorar porque Deus está no controle.

Geralmente é nas igrejas onde mais se prega a respeito de milagres que menos encontro sensibilidade em relação ao sofrimento alheio. Tenho observado que, em muitas dessas comunidades, falar a respeito da própria dor é interpretado como uma ausência de fé, numa verdadeira confusão com o derrotismo. E assim, por causa de um tamanho absurdo praticado pela “ortodoxia neo-pentecostal”, tenho visto muitos cristãos reprimidos em seus relacionamentos com os irmãos e até mesmo em relação a Deus.

Entretanto, as Escrituras nos falam de um Deus que, mesmo tendo todo poder nos céus e na terra, também é capaz de derramar lágrimas. O choro de Jesus, mostra que Deus verdadeiramente importa-se com o sofrimento humano. Mostra que Deus, apesar de saber que no final tudo acabará bem com relação aos seus filhos, também se comove profundamente com as perdas, aflições, enfermidades, misérias e problemas do cotidiano.


Acredito que a ressurreição de Lázaro não apenas anuncia que a morte é algo transitório como também nos ensina, através do comportamento de Jesus, a maneira correta de agir durante o tempo de peregrinação neste planeta caótico. Pois, o período em que vivemos neste mundo aguardando a ressurreição para a vida eterna, em João capítulo 11 pode ser representado pelos momentos que antecederam a ressurreição de Lázaro, conforme escreve Philip Yancey em seu livro “O Jesus que eu nunca conheci”:

“A história de Lázaro, considerada em sua totalidade, não apenas apresenta uma pré-estréia do futuro de Jesus mas também uma visão resumida de todo o planeta. Todos vivemos os dias num período intermediário, o intervalo do caos e da confusão entre a morte de Lázaro e o seu reaparecimento. Embora tal período possa ser temporário e possa desfazer-se na insignificância do futuro glorioso que nos aguarda, agora é tudo o que conhecemos, e isso basta para trazer lágrimas aos nossos olhos – o suficiente para trazer lágrimas aos olhos de Jesus.”

Durante nossa peregrinação aqui nesta terra de aflições, devemos despertar em nós a mesma humanidade encontrada na pessoa de Jesus. Precisamos aprender a não ter medo de expor as nossas emoções e, ao mesmo tempo, acolher os sentimentos do nosso próximo. Acredito que não fará bem para a nossa espiritualidade sermos pessoas reprimidas que ficam mantendo uma aparência externa de dureza diante das situações, sendo que por dentro estamos em pedaços. E, sendo assim, uma oração que talvez se ajuste bem aos nossos dias seriam estas palavras: Jesus, ensina-nos a chorar.


OBS: A ilustração deste artigo refere-se à pintura de Juan de Flandes (1500) retratando a ressurreição de Lázaro.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Mesmo quando a nossa pequena fé enfraquece, Deus nos sustenta

Acho fantástica aquela passagem do Evangelhos de Mateus em que Jesus anda sobre as águas. Não digo isto por causa do evento milagroso em as leis da gravidade foram contrariadas, mas sim pelo que aconteceu com Pedro naquela ocasião.

Segundo o texto bíblico, após Jesus ter despedido as multidões, no episódio da primeira multiplicação dos pães, ele subiu a um monte para orar sozinho (passar momentos a sós com Deus fazia parte da vida de Jesus). Então, antes disto, o Senhor mandou que os discípulos entrassem no barco e fossem para o outro lado do Mar da Galileia. E, na “quarta vigília da noite” (suponho que em algum momento entre 3 e 6 horas da manhã), os discípulos ficaram assustados quando viram o Senhor andando sobre as águas:

“E os discípulos, ao verem-no andando sobre as águas, ficaram aterrados e exclamaram: É um fantasma! E, tomados de medo, gritaram. Mas Jesus imediatamente lhes disse: Tende bom ânimo! Sou eu. Não temais! Respondendo-lhe Pedro, disse: Se és tu, Senhor, manda-me ir contigo, por sobre as águas. E ele disse: Vem! E Pedro, descendo do barco, andou por sobre as águas e foi ter com Jesus. Reparando, porém, na força do vento, teve medo; e, começando a submergir, gritou: Salva-me, Senhor! E, prontamente, Jesus, estendendo a mão, tomou-o e lhe disse: Homem de pequena fé, por que duvidaste? Subindo ambos para o barco, cessou o vento.” (Mateus 14:26-32)

Embora esta passagem esteja também registrada nos Evangelhos de Marcos (6:45-52) e de João (6:15-21), apenas em Mateus encontramos informações sobre o que aconteceu com Pedro naquele angustiante momento de dúvida e de medo. E acredito que sempre há algum significado profundo a ser pesquisado e refletido em qualquer acontecimento relatado pela Bíblia, assim como ocorre em todas as situações da nossa vida.

Primeiramente desperta-me a curiosidade por que Pedro, após ver Jesus andando sobre as águas teve dúvidas a respeito da pessoa de Jesus? Será que o apóstolo. assim como os demais discípulos que estavam no barco, pensou que se tratasse da aparição de um fantasma, ou ele queria apenas confirmar a sua fé através da resposta de Jesus?

Suponho que Pedro já conhecesse um pouco da personalidade do Mestre, pois confiava o suficiente na acessibilidade de Jesus para distinguir a resposta dada pelo Senhor do que poderia lhe diria um fantasma. E, se ele tinha tamanha confiança, foi porque não se calou, tendo a ousadia de perguntar “se és tu, manda-me ir ter contigo”.

Pedro demonstrou tamanha fé que, depois de sua ousada pergunta, tendo Jesus lhe respondido para que viesse ao seu encontro, o discípulo colocou seus dois pés sobre as águas do Mar da Galileia desafiando não apenas o medo irreal de fantasmas (coisa até hoje muito comum nas comunidades rurais), como também desafiou as leis da física já que, naquele grande mar de água doce, pelo menos parte do seu corpo iria imediatamente submergir tão logo saísse do barco.

Só que, num curto espaço de tempo, depois de ter demonstrado fé, Pedro também sentiu sua confiança abalada quando reparou na força do vento e ficou com medo. Naquele instante, em que a sua atenção voltou-se para o mal tempo e não para o Senhor Jesus, o discípulo começou a afundar nas águas.

Mais uma vez, Pedro precisou ter fé quando pediu a Jesus que o salvasse. Naquele momento, Pedro demonstrou sua confiança quando pediu ajuda mesmo quando estava afundando.

Mas Jesus não tinha confirmado a pergunta de Pedro para que se encontrasse com ele caminhando sobre as águas? Sendo assim, Pedro não poderia ter alimentado inúmeros pensamentos equivocados em sua mente, achando, por exemplo, que não teria sido Jesus quem lhe mandou caminhar sobre as águas do mar e sim um fantasma. Felizmente, ele decidiu crer novamente e pedir socorro.

Não muito diferente de Pedro, por diversas vezes, vejo a mim mesmo precisando manter fé em meio às dúvidas e às tempestades que a vida trás. Tratam-se de ocasiões em que as coisas não fluem do jeito que gostaríamos, mas assim mesmo decidimos confiar em Deus e lhe obedecer, gritando pelo seu socorro se necessário for.

Acredito que a fé está intimamente ligada à decisão que cada um de nós tomamos, algo que vai além dos termos convicção e certeza utilizados nas nossas traduções bíblicas para o português do primeiro verso do capítulo 11 de Hebreus, no Novo testamento. Ali o autor anônimo da epístola define fé da seguinte maneira, articulando-a com os atos praticados por personagens do Antigo Testamento:

“Ora, a fé é a certeza (gr. hupostasis, lit. “o que está debaixo”) de coisas que se esperam, a convicção (gr. elenchos, lit. “prova”) de fatos que se não vêem. Pois, pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho. Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem.” (Hebreus 11:1-3)

Refletindo sobre essas palavras, podemos dizer que a fé (ou o ato de crer) relaciona-se intimamente com a ação praticada pelo crente, em que a conduta torna-se condizente com a esperança da promessa de Deus ainda não vista pelos nossos olhos. Tanto é que não seria errado utilizar a palavra fidelidade como um sinônimo de fé, o que está de acordo com o princípio da epístola de Tiago em que “a fé sem obras é morta”.

A partir de sua definição, o autor de Hebreus cita no capítulo 11 exemplos bem extensos de fé de vários personagens bíblicos, começando por Abel. Nos versos de 8 a 19, são citadas algumas passagens relacionadas à vida de Abraão, considerado o “pai da fé”.

Quando falamos a respeito de Abraão, muitas das vezes nos esquecemos como foi dura a jornada daquele homem. Contudo, a sua experiência relacional com Deus não se construiu em cima de facilidades, sendo que todas as bençãos ocorreram num tempo pré-determinado e não no nosso próprio cronograma. O nascimento de seu filho Isaque, por exemplo, não foi de imediato e ocorreu quando Abraão e Sara já estavam na extrema velhice.

No capítulo 12 de Gênesis, dizem as Escrituras que o SENHOR falou com Abraão, dando-lhe a ordem para sair da casa de seus parentes e se dirigi para uma terra que ainda lhe seria mostrada. Ali, Deus prometeu que de Abraão, um homem ainda sem filhos e marido de uma esposa estéril, seria feita “uma grande nação”.

Embora o texto não informe com detalhes sobre como que Deus falou com Abraão pela primeira vez (não sabemos se ele sonhou, teve uma visão sobrenatural, se escutou uma voz específica ou teve apenas um forte sentimento no seu coração), o texto de Gênesis somente diz que o patriarca obedeceu, partindo de Harã para Canaã. E, confirmando isto, o autor de Hebreus conta que ele “partiu sem saber aonde ia”.

Abraão apostou tudo o que tinha naquela jornada. Estavam em jogo todos os seus bens, a vida das pessoas que lhe acompanhavam e o futuro de sua família. Se algo desse errado, sua reputação estaria abalada, ele poderia perder parte de seu rebanho (sua fonte de sustento), passar fome, tornar-se escravo de alguém, ser assaltado ou até mesmo morto no caminho.

Observemos, porém, que Abraão chegou a uma terra prometida que ainda era habitada por um outro povo – os cananeus. Só que, ainda assim, Abraão prestou o seu culto a Deus, edificando um altar ao SENHOR logo que chegou a Canaã, o que representa demonstração de fé e submissão à vontade daquele que é o rei de todo o universo.

Tendo já encontrado a terra da qual ainda não era possuidor, Abraão foi testado por uma grande fome (imagino que devido a um período de escassez de chuvas). Mesmo sabendo que estava morando na terra da promessa, Abraão foi para o Egito, país onde a falta de água pluvial é suprima pelo majestoso rio Nilo. E, embora o texto bíblico não diga se Deus proibiu ou não Abraão de refugiar-se naquele país, parece-me que foi uma decisão tomada por conta do patriarca:

“Havia fome naquela terra; desceu, pois Abrão ao Egito, para aí ficar, porquanto era grande a fome na terra.” (Gênesis 12:10)

Enquanto que na Palestina o agricultor e o criador de gado precisam da regularidade das primeiras e das últimas chuvas do ano para desenvolverem com sucesso as suas atividades rurais, tal preocupação não existe no Egito. Lá o Nilo, tão extenso quanto o nosso Amazonas, jamais seca, permitindo que a vida resista na parte leste do deserto do Saara. As cheias sazonais do rio fertilizam as margens, propiciando a prática da agropecuária desde as mais antigas eras da humanidade. Tanto é que Heródoto, historiador grego do século V a.C. (o “pai da história”), proferiu a célebre frase: “O Egito é uma dádiva do Nilo”.

Em termos espirituais, as facilidades proporcionadas pela geografia do Egito contrapõem-se à dependência do homem em relação a Deus. Migrar para o Egito significava afastar-se da terra da promessa, contrariando o propósito estabelecido pelo SENHOR que havia dito a Abraão que ele seria uma benção.

Na sua primeira grande provação na terra de Canaã, o nosso herói da fé não somente foi ao Egito como temeu revelar a condição de Sara como sua esposa. Diz na Bíblia que Abraão temeu ser morto por causa da formosura de sua esposa, pelo que resolveu apresentá-la aos egípcios como sendo sua irmã.

Mesmo tendo Abraão migrado para o Egito, o SENHOR não o abandonou. E, quando o faraó pretendia tomar para si como mulher a esposa de Abraão, Deus interveio. Então, o próprio rei tornou-se um instrumento divino para deportar o patriarca de volta para Canaã com todos os bens adquiridos com o favorecimento do governante egípcio.

Curiosamente, apesar de Abraão ter sido conduzido pela circunstância da fome e ainda sentido medo de morrer assassinado pelos egípcios, Paulo identifica-o como o pai daqueles que têm fé na sua epístola aos Gálatas. E, em momento algum, o fato de ter migrado para o Egito ou de ocultar por duas vezes a sua condição matrimonial com Sara, fez com que Abraão fosse excluído do rol dos heróis da fé. Em Hebreus, somente os seus atos positivos são mencionados, mostrando que Deus não leva em consideração as falhas humanas para fins de justificação perante Ele.

Ora, Deus não chamou homens perfeitos para realizarem a sua obra na terra. Abraão e Pedro, assim como nós, foram homens sujeitos às mesmas dificuldades que enfrentamos no nosso cotidiano. E, observar que as crônicas da Bíblia não escondem as falhas de seus personagens, mostra-nos a grandiosidade da graça de Deus, de maneira que também somos capazes de decidir ser como eles – santos de carne e osso.

Na sua epístola universal, Tiago, após ensinar que a fé sem obras é morta (2:14-26), termina falando sobre um dos principais profetas de Israel nos últimos da carta, dizendo que “Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos” (5:17). E, quando me lembro de Elias, não posso me esquecer da ocasião em que, depois de enfrentar os 400 profetas de Baal, ele também fugiu para uma caverna no Horebe (no Monte Sinai).

Todos esses fortes exemplos nos mostram o quanto devemos compreender também a nossa frágil humanidade, prosseguindo na caminhada em direção à Canaã espiritual, mesmo quando enfrentamos lutas ou falhamos.

Deus quer contar conosco para fazermos a sua grande obra na terra. Se, por acaso, viermos a ter falta de fé e começarmos a submergir nas águas, Jesus está aí para nos dar a mão, colocando-nos de volta ao barco. Se entramos numa furada como aconteceu com o patriarca Abraão em sua peregrinação no Egito, Deus pode nos livrar da situação, mesmo que sejamos deportados do mundo para a graça de Cristo. Enfim, basta que tenhamos um pingo de fé do tamanho de um grão de mostarda.

domingo, 9 de maio de 2010

O direito de acesso dos portadores de deficiência visual nas cidades brasileiras

De acordo com os dados do último censo demográfico divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2000, o Brasil tinha 24,5 milhões de pessoas com necessidades especiais, dentre as quais 16,6 milhões (ou 57%) eram portadoras de alguma dificuldade permanente para enxergar, de modo que é possível afirmar que a deficiência visual constitui a maior deficiência do país.

Nossa Constituição Federal de 1988 faz menção aos portadores de deficiência em 7 de seus 250 artigos. E, por sua vez, a Lei Federal n.° 7.853/89 garante aos portadores de deficiência a atenção governamental às suas necessidades, definindo a matéria como obrigação nacional a cargo do Poder Público e da sociedade (artigo 1º, parágrafo 2º).

Segundo dispõe o art. 2º, caput da norma legal mencionada, cabe ao Poder Público e aos seus órgãos assegurar ao deficiente o pleno exercício de seus direitos básicos.

Conforme a Lei Federal de n.° 10.098, de 19/12/2000, a acessibilidade é definida como a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida” (art. 2º, I), sendo considerada como uma importante garantia para que os cidadãos nessa condição possam exercer os seus direitos de ir e vir e viver normalmente em sociedade, previstos pela Constituição do país.

A fim de promover a acessibilidade com autonomia do portador de deficiência, a Lei Federal n.° 10.098/2000 determina a eliminação de barreiras e obstáculos que limitem o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas com necessidades especiais (art. 1º combinado com o art. 2°, II), prescrevendo a adequação dos elementos de urbanização públicos e privados de uso comunitário – neles incluídos itinerários e passagens de pedestres, escadas e rampas – às normas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), de acordo com o art. 5º da lei.

Entretanto, pouquíssimas cidades brasileiras observam as determinações contidas na legislação do país. Aqui mesmo, em Nova Friburgo, na última reforma do prédio da Câmara Municipal, no ano de 2008, não foram contemplados satisfatoriamente os direitos dos deficientes visuais no que diz respeito à acessibilidade com autonomia no interior do prédio e nem quanto à parte externa, o que, no meu entender, inclui desde as entradas das portarias, o estacionamento e a calçada. Isto porque faltou a colocação de um piso que garanta a locomoção da pessoa portadora de deficiência visual, através de faixas de relevo instaladas dentro de um padrão internacional, possibilitando uma locomoção com autonomia.

Igualmente, verifica-se a mesma falta de consideração pelo deficiente visual nos órgãos do Poder Executivo Municipal, bem como em vários prédios do Estado e da União situados aqui em Nova Friburgo e na maioria das cidades brasileiras.

Recentemente, o vereador Cláudio Damião, na qualidade de Presidente da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência do Poder Legislativo Municipal, ofereceu uma sua representação ao Ministério Público solicitando providências acerca do cumprimento da lei que garante a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência em prédios públicos e particulares, denunciando o descumprimento da norma em Nova Friburgo. E, provavelmente, acredito que a sua manifestação deve ter sido juntada ou apensada a algum procedimento já existente.

Em 2009, a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Nova Friburgo instaurou o procedimento preparatório de inquérito civil de n.º 01/09 afim de apurar a acessibilidade dos deficientes visuais ao prédios públicos, pelo que o Promotor titular, Dr. Daniel Favaretto Barbosa, notificou à Associação Friburguense de Integração dos Deficientes Visuais (AFRIDEV) afim de que se manifestasse.

No seu ofício de resposta, a vice-presidente da AFRIDEV, Sra. Wanda Maria Guebel Maduro, informou o seguinte:

“É fato que a cidade de Nova Friburgo não dispõe de um piso tátil e nem de um sistema de orientação de baixo relevo nas calçadas para a segurança dos bengalistas que auxiliem o deficiente visual a andar com autonomia dentro do espaço urbano (…) Não só os prédios de todos os Poderes do Município, do Estado e da União carecem dessas importantes adaptações, conforme foi observado pelo representante ao mencionar a sede da Prefeitura e a Fundação Municipal de Saúde, como também precisam ser modificados os principais logradouros da área central da cidade, as sedes dos Distritos e os principais bairros com um número maior de população, a exemplo de Olaria. Basta que se ande pela movimentada Avenida Alberto Braune, a principal via da cidade, para que tenhamos um imediato conhecimento desta triste situação. Pois, além de não existir o piso tátil nas calçadas, faltam sinais de trânsito sonoros capazes de auxiliar a travessia do deficiente visual. Lamentavelmente devido à má organização da mencionada avenida, em que várias lojas colocam seus toldos numa altura muito baixa e fazem da calçada uma extensão do estabelecimento, os deficientes colidem frontalmente com esses obstáculos e sofre ferimentos. Por exemplo, existem alguns mercados que deixam os seus carrinhos de compra estacionados na calçada e também encontramos terrenos em obra com tapumes ou cordas sem nenhum aviso prévio para o deficiente, o que seria possível através de um piso áspero. De igual modo, Exa., nossas praças que deveriam ser lugares acessíveis para todas as pessoas e que a cada governo novo passa por caríssimas reformas,ainda não contemplamos direitos de acessibilidade dos deficientes visuais.”

Tais reivindicações são de fato impactantes, pois antes de mais nada nos mostram como que o mundo é percebido através de um deficiente visual, algo que jamais passa pela cabeça da maioria das pessoas que não são portadoras das mesmas necessidades. Ainda mais numa sociedade egocêntrica como a nossa em que cada um está mais preocupado consigo mesmo do que com o bem estar do próximo.

Suponho que seja este o motivo pelo qual as nossas autoridades ainda não se deram conta em fazer cumprir uma lei que já existe há 10 anos no nosso ordenamento jurídico, apesar do número de pessoas portadoras de alguma deficiência ser bem expressivo no Brasil, segundo nos mostrou o censo de 2000. Ou seja, temos no Brasil 14,41% de pessoas de uma população total estimada em 170 milhões com necessidades especiais e 9,76% com deficiência visual, mas a grande maioria dos políticos não está nem aí para esses eleitores.

Quase dois milênios atrás, um homem importou-se com a condição das pessoas portadoras de deficiência. Jesus de Nazaré, durante o seu ministério de cerca de três anos e meio pelas terras da Palestina, procurou incluir não só os cegos, como também os surdos, os paralíticos, as pessoas perturbadas, os leprosos, os pobres, as prostitutas, os publicanos e todos os rejeitados da sociedade. Nos quatro Evangelhos, fala-se de curas físicas miraculosas feitas pelo Senhor, o que significa para os nossos dias um recado do Criador para que possamos entender qual a sua vontade no trato a ser desenvolvido com o próximo.

Pensando bem, qualquer um de nós pode ser considerado um deficiente. Pois, mesmo quando nossos cinco sentidos funcionam satisfatoriamente, podemos ser deficientes emocionais e afetivos, sendo todos nós carentes de atenção, respeito e aceitação.

Transportar todos esses conceitos para a nossa vida comunitária não é tarefa fácil. Só que a Igreja não deve esquecer de continuar lutando pela inclusão dos deficientes, não só orando para que eles sejam curados através de um milagre sobrenatural, mas também trabalhando e diversas outras maneiras pela inclusão de todas as pessoas com necessidades especiais com as quais devemos nos identificar.

No episódio da cura do cego de nascença, encontrado no capítulo 9 do Evangelho de João, Jesus demonstrou que muitos daqueles que enxergam perfeitamente com os olhos físicos são cegos quando escolhem deliberadamente a cegueira espiritual, tendo dito que: “Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem se tornem cegos”.

Desta forma, em que pese a obstinação das nossas autoridades políticas, não devemos jamais desistir desta nobre causa e sim persistirmos com as nossas reivindicações junto aos órgãos públicos e também em relação ao restante da sociedade, a qual precisa ser mais sensível às necessidades do próximo. Nossa congregações e os nossos corações igualmente precisam se adaptar para recebermos com mais carinho essas pessoas, começando por nós mesmos.

sábado, 8 de maio de 2010

O ministério de Filipe e a conversão do viajante etíope




O Novo Testamento da Bíblia conta sobre a história de dois discípulos de Jesus chamados Filipe. Geralmente nós associamos o nome Filipe à pessoa do apóstolo de Jesus, nascido em Betsaida, o qual havia certa vez chamado Natanael para que viesse conhecer o Messias (João 1:43-45) e que depois, na noite da Ceia, pediu ao Senhor Jesus que mostrasse o Pai (João 14:8).

Porém, no Livro de Atos dos Apóstolos, fala-se de um outro discípulo com o mesmo nome que foi um dos sete cristãos escolhidos para fazer as obras sociais da Igreja de Jerusalém junto com mártir Estêvão (At 6:5) e que, mais tarde, veio a se radicar na cidade de Cesareia, tornando-se pai de quatro filhas profetizas, sendo ele identificado como Filipe, “o Evangelista” (At 21:8-9).

O capítulo 8 de Atos conta que, após o assassinato de Estêvão, os perseguidores da Igreja, a partir de então, fizeram novas vítimas em Jerusalém, de modo que os cristãos daquela comunidade, menos os apóstolos, dispersaram-se pela Judeia e por Samaria (At 8:1) que são regiões próximas da cidade santa.

Porém, esta fuga dos discípulos não significou nenhum acovardamento desses nossos irmãos, os quais prosseguiam com fé anunciando a Palavra de Deus por todo canto (At 8:4). E, dentre os irmãos dispersos pela perseguição promovida por Saulo, estava Filipe, o Evangelista, a respeito de quem o autor de Atos fala na maior parte do capítulo 8, dando-nos uma verdadeira aula sobre o que é fazer um evangelismo que agrade a Deus.

Assim, ao ser disperso pela perseguição de Saulo, Filipe seguiu para Samaria, região situada ao norte de Jerusalém, ocasião em que anunciou as Boas Novas de Jesus aos samaritanos estando revestido de todo poder e autoridade concedida pelo Espírito Santo e atraindo multidões para o Reino de Deus:

“Filipe, descendo à cidade de Samaria, anunciava-lhes a Cristo. As multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia, ouvindo-as e vendo os sinais que ele operava.” (At 8:5-6)

Além dos sinais de cura que ocorreram em Samaria, houve também o maior dos milagres – a conversão dos ouvintes, os quais foram batizados (imersos na água), confirmando, desta forma, a decisão de fé que estavam escolhendo:

“Quando, porém, deram crédito a Filipe, que os evangelizava a respeito do reino de Deus e do nome de Jesus Cristo, iam sendo batizados, assim homens como mulheres” (At 8:12).

Para que a obra iniciada por intermédio de Filipe fosse consolidada, os apóstolos enviaram Pedro e João de Jerusalém para Samaria, quando então foi concedido o dom do Espírito Santo aos novos convertidos pelo ato de imposição de mãos. Isto porque era necessário que os irmãos recém nascidos na fé fossem também revestidos com o poder de Deus.

Contudo, a missão de Filipe em Samaria, naquele momento, ao que parece, já estava concluída e um anjo então lhe apareceu dando uma nova direção. Obediente, este nosso exemplar irmão do passado deixou aquela terra dos samaritanos e retornou para o sul, prosseguindo por um caminho deserto que ia de Jerusalém até Gaza (At 8:26).

Fico a indagar se, em alguns momentos, Filipe não ficou intrigado quando andou por aquele caminho deserto. O discípulo que antes falou para multidões multidões em Samaria agora seguia numa outra direção, andando aparentemente sozinho por um caminho deserto na expectativa de fazer alguma nova obra para Deus, embora sem ter nenhuma evidência no mundo físico sobre como seria o seu trabalho.

Num certo momento, Filipe viu um carro (de tração animal é claro) e recebeu uma ordem clara e direta do Espírito Santo para aproximar-se e acompanhar o veículo (At 8:29). Como que o Espírito lhe falou (se foi uma voz audível ou um sentimento despertado no seu coração), não faço nenhuma ideia. Porém, sensível à voz do Espírito, Filipe correu para alcançar aquela carroça e ouviu o seu passageiro lendo a passagem de uma profecia contida no capítulo 53 do Livro de Isaías.

O leitor daquele pergaminho (na época ainda não existia a imprensa) tratava-se de um homem culto proveniente da Etiópia e que exercia a função de superintendente das finanças da rainha de seu país. Fazendo parte de uma minoria do mundo antigo, ele era um dos poucos que sabia ler, mas que, certamente, não compreendia o sentido de todas aquelas palavras a respeito de quem o profeta se referia no texto.

Devido à função de confiança que exercia no seu país, aquele homem tinha sido vítima de uma imensurável atrocidade, provavelmente ocorrida em sua adolescência. Com frequência, em muitas regiões da Antiguidade, tais funcionários da realeza tinham os órgãos genitais operados antes de servirem na corte. Eram os eunucos, os quais, em muitas das vezes, tornavam-se responsáveis pelos haréns dos imperadores. E, por serem estéreis, os reis não corriam o risco de que os filhos nascidos de suas esposas pudessem ser de outro pai, sendo que, naqueles tempos, qualquer dúvida sobre a linhagem real poderia influenciar seriamente na sucessão do trono, comprometendo uma dinastia.

É possível que aquele eunuco, embora proveniente da Etiópia, fosse descendente de alguma família israelita que, em épocas passadas tivesse migrado para lá e, na ocasião, teria visitado Jerusalém para adorar a Deus, onde então adquiriu o Livro de Isaías e agora estava regressando para sua casa. Mas para a lei mosaica, os eunucos não poderiam jamais fazer parte da assembleia do povo israelita, provavelmente por ser a castração uma prática associada aos cultos pagãos.

Cumprindo as ordens do Espírito de Deus, Filipe aproximou-se daquele viajante no momento certo quando este estava lendo justamente a passagem da profecia que anuncia o sacrifício do Messias cumprido em Jesus. E, pelo que se compreende do texto em Atos, aquele etíope estava verdadeiramente sedento para conhecer a Palavra de Deus e saber de quem o profeta falava nos versos 7 e 8 do capítulo 53 do Livro de Isaías.

Daí por diante, deve ter sido fácil para Filipe anunciar Jesus, cumprindo fielmente com o seu dever de evangelizar aquela mente tão aberta e inteligente para as coisas de Deus. Um homem que, embora tivesse os seus órgãos genitais mutilados, não tinha amputada a sua sensibilidade pois, desejando receber a salvação, pediu logo para ser batizado nas águas antes mesmo de Filipe perguntar se ele queria aceitar a Jesus como seu Senhor e Salvador.

Apesar de ter sido breve o contato com Filipe, aqueles momentos foram suficientes para o viajante entender o plano da salvação de Deus. O Livro de Atos conta que, após ser batizado nas águas, o homem prossegui alegremente em seu caminho, podendo-se dizer que agora ele estava com o seu nome inscrito no rol daqueles que viverão eternamente com Deus e receberão um novo corpo verdadeiramente perfeito na ressurreição dos justos.

Certamente, por não ser mais necessário que Filipe permanecesse ali, a narrativa de Atos fala a respeito do arrebatamento sobrenatural daquele amado pregador do Evangelho de Cristo que, depois deste fato, veio a se encontrar numa cidade chamada Azoto, situada a uns 4 quilômetros do Mar Mediterrâneo. E, a partir dali, Filipe prosseguiu em direção ao norte, acompanhando o litoral e andando de cidade em cidade até chegar em Cesareia (At 8:40), onde acredita-se que ele tenha se estabelecido.

Após estes acontecimentos, nunca mais se lê notícias em Atos a respeito do viajante eunuco, o qual nem sabemos por fontes bíblicas se chegou mesmo ao seu destino, mas tão somente que prosseguiu em seu caminho cheio de júbilo (At 8:39). Teria ele recebido a visita de novos discípulos na Etiópia? Será que ele foi instruído diretamente pelo Espírito Santo lendo apenas o Livro de Isaías e depois formado uma congregação de seguidores de Jesus em seu país? Como que um recém nascido espiritual deve ter mantido a sua fé se em sua terra de origem não tinha nenhuma igreja onde pudesse frequentar alguma escola bíblica dominical? Só Deus pode dizer.

Já em relação a Filipe, o Livro de Atos conta que Paulo encontrou-o em Cesareia (possivelmente umas duas décadas depois), quando então o discípulo já tinha uma família estabelecida naquela cidade, com quatro filhas que tinham o dom de profecia (At 21:8-9).

Analisando o texto, pode-se dizer que Filipe viveu uma breve e emocionante aventura em que Deus o transformou em um verdadeiro ganhador de almas, aprendendo a pregar tanto para multidões quanto individualmente para uma só pessoa, curando a muitos e depois assistindo apenas o milagre da conversão de uma só vida. Pois, tal como Jesus em seu ministério discursou para um número praticamente infinito de gente nas suas andanças por Israel, também surpreendeu a seus discípulos quando foi visto por eles conversando com uma só mulher, sendo esta de origem samaritana e não judia (João 4:27), o mesmo experimentou Filipe.

Outras conclusões que podemos tirar da leitura dessa passagem de Atos é que Filipe ministrou o Evangelho ao viajante com grande espontaneidade, total confiança na direção de Deus e sem ficar ansioso com a finalização daquela obra que é de Deus e não dos homens. Tanto é que, no momento certo, Filipe veio a ser arrebatado pelo Espírito, pois não seria o discípulo quem iria dar continuidade com à consolidação daquela alma.

Descansar quanto às suas preocupações e saber que a obra é de Deus e não nossa foi algo que demorei bastante para aprender em minha trajetória de vida cristã. Pois não sou eu quem converto uma pessoa, mas é a ação do Espírito Santo sobre um coração que se abre que transformará o interior de alguém (comigo também foi assim quando aceitei a Cristo), de maneira que devemos nos contentar em sermos meros porta vozes de Jesus, fazendo a nossa parte e deixando que Ele faça a dele. E, confirmando esta observação, vejo que em nenhum momento o eunuco foi pressionado por Filipe para ser batizado, mas este explicou suficientemente que tal ato requer uma fé de coração no Senhor Jesus.

O próprio arrebatamento de Filipe ensina-me também que anunciar o Evangelho não pode ser sinônimo de convite para chamarmos pessoas para reuniões de nossas igrejas, tendo em vista que o eunuco etíope não se tornou membro de nenhuma instituição religiosa). Embora seja costume de várias comunidades da atualidade carimbar os folhetos da Sociedade Bíblica com o nome, endereço e horários do culto de suas respectivas congregações, precisamos manter o foco do evangelismo que é falar a respeito das coisas do Reino de Deus. Pois será que estamos de fato evangelizando ou apenas convidando nossas pessoas para irem numa reunião de nossas igrejas? Será que não estamos criando em nossas mentes ilusões de que algo mágico vai acontecer apenas pelo fato de um incrédulo entrar dentro de nossos templos e participar de um culto?

Evangelizar significa pregar as boas novas de Jesus, o que precisa ser feito de um modo espontâneo, sem aquelas velhas técnicas sufocantes ou a repetição de versículos que decoramos, pois só posso pregar aquilo que de fato eu vivencio no meu cotidiano. Isto porque é preciso ter uma experiência real de relacionamento do Deus no dia a dia para podermos transmitir uma mensagem que brote lá dos nossos corações.

Além disso, não podemos nos esquecer que evangelizar também é falar sobre a esperança de uma vida eterna, o perdão dos nossos pecados, a restauração de relacionamentos quebrados e o verdadeiro sentido de viver que só encontramos quando seguimos a Jesus. E, deste modo, a mensagem evangélica deve promover a cura e não a doença, a libertação e não a opressão, a vida e não a morte, a paz e não a guerra, o amor e não o ódio. E não pode jamais ser uma mensagem de ameaça do tipo “se você não virar crente e ir para a igreja vai para o inferno”, o que não é nada condizente com o significado da palavra Evangelho que quer dizer boas novas e não más notícias.

Acredito que meditando no exemplo de Filipe, poderemos aprender melhor sobre como falar para alguém a respeito das boas novas do Senhor Jesus, pois é isto que Ele quer que os seus discípulos façam em relação a todas as criaturas.


OBS: Ilustração acima referente ao quadro O Batismo do Eunuco, pintado por Rembrandt em 1626, conforme extraído do acervo virtual da Wikipédia em https://en.wikipedia.org/wiki/Philip_the_Evangelist#/media/File:Rembrandt,_The_Baptism_of_the_Eunuch,_1626,_Museum_Catharijneconvent,_Utrecht.jpg

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Ofertas e Avivamento

Muitos já pregaram ou escreveram sobre ofertas.

Tanto no Antigo Testamento bíblico quanto no Novo, as ofertas sempre receberam uma atenção especial, existindo inúmeras passagens relacionadas a este ato de generosidade nas Escrituras, desde Gênesis (4:3-7) até Apocalipse (4:10-11).

No entanto, foi lendo o capítulo 29 do livro de 1 Crônicas que certa vez me senti inspirado a empreender este estudo, o qual acredito que já estivesse sendo gerado por Deus em meu coração anteriormente.

Ao apresentar Salomão como o futuro monarca de Israel, perante os líderes de seu povo, Davi, voluntariamente, fez um gracioso ato em benefício da obra da Casa de Deus.

Embora fosse rico, Davi honrou a Deus com toda a sua força (1 Cr 29:2), dando um célebre exemplo a seu sucessor e a todo o seu povo durante os últimos dias de sua vida sobre a face da terra.

Seu ato generoso era fruto de um profundo amor que sentia pelo SENHOR (v. 3), o que o levou a fazer os preparativos para o Templo no decorrer de seus últimos anos, administrando, diligentemente, suas riquezas com um propósito pré-determinado, contagiando seus súditos a colaborarem (vs. 6-8) e fazendo tudo com muita alegria e grande júbilo (v. 9).

É certo que, assim como o rei Davi, inúmeros outros personagens bíblicos ofereceram suas ofertas em outros momentos da história. Tanto os patriarcas pré-diluvianos, os que peregrinaram na Palestina crendo numa promessa, os poderosos escolhidos por Deus, os primeiros cristão e algumas pobres viúvas tornaram-se iguais participantes das contribuições para a obra do SENHOR.

Também o próprio Deus ofertou o seu único Filho em favor da humanidade - Jesus, o qual derramou a sua vida numa cruz para que, por seu intermédio, alcançássemos o perdão dos pecados e a vida eterna.

Compartilho que, quando foi despertado no meu coração o desejo de fazer este estudo, fiquei cheio de alegria e de gratidão a Deus, crendo que esse sentimento tem grande proveito para a Igreja de Cristo, pelo que resolvi transferir esta mensagem para outras pessoas em meu blog.

Ora, sempre que Deus nos chama para ofertar é porque certamente Ele tem algum propósito neste mundo para conosco e algo grandioso para ser realizado através da obra praticada pela Igreja.

Além do mais, o ato de contribuir precede reflexos libertadores tanto sobre o mundo material quanto na esfera espiritual, quebrando cadeias e correntes pelo exercício da fé. Não que estejamos adquirindo bênçãos pela simples contribuição, mas sim porque estamos sendo obedientes a Deus e crendo na sua Palavra.


UM BREVE HISTÓRICO SOBRE DAVI

Não é por menos que Davi é conhecido como o homem segundo o coração de Deus!

Samuel não viveu o suficiente para ver por qual motivo Deus resolveu escolher justamente o mais novo dentre os filhos de Jessé, que apascentava as ovelhas do pai e não ostentava nenhuma aparência exterior para substituir Saul no trono de Israel.

Sem condições de vestir uma pesada armadura, Davi enfrentou um arrogante gigante, desbaratou os exércitos dos filisteus e foi vitorioso em inúmeras batalhas pela graça de Deus.

Ao tornar-se rei, Davi revelou o seu caráter em querer trazer para Jerusalém a Arca da Aliança feita por Moisés, a qual representava a presença de Deus. Pois, diferentemente de Saul, que nunca se incomodou em recuperar este precioso símbolo da nação israelita (1 Cr 13:3), Davi, com ardente desejo em seu coração de agradar a Deus, resolveu buscar a Arca que havia sido roubada pelos filisteus e havia ficado por anos esquecida na localidade de Quiriate-Jearim.

Entretanto, tal desejo trouxe-lhe uma experiência amarga na primeira tentativa em transportar a Arca num carro de boi, custando a morte de Uzá, sendo que o seu plano só foi concretizado quando os preceitos da lei do SENHOR prescritos na Torá passaram a ser devidamente observados (1 Cr 15:2).

Após ter Davi, finalmente, levado a Arca para Jerusalém, o seu desejo de agradar a Deus não cessou e o rei revelou então ao profeta Nata o seu ousado projeto de construção de uma casa para o SENHOR (17:1).

Até então, desde que os israelitas estavam acampados ao pé do Monte Sinai, sob a liderança de Moisés, a Arca esteve abrigada em tendas. Porém, séculos depois, numa época em que o povo já habitava em casas edificadas e o líder de Israel morava num palácio de cedros, não pareceu razoável aos olhos de Davi que a arca ainda permanecesse abrigada numa humilde tenda.

Sem dúvida que esta expressão do desejo de Davi balançou com o coração de Deus, o qual muito se agrada das atitudes sinceras e espontâneas que partem do coração do homem que, com sinceridade, pretende agradá-lo.

No entanto, aquela grandiosa obra não seria para Davi, mas estava destinada para o seu filho que ainda iria nascer o sucedê-lo no trono - Salomão. E, na mesma noite em que Davi compartilhou os eu desejo com Natã, Deus mandou seu profeta dizer ao rei que seria o seu futuro filho quem construiria o Templo, revelando-lhe um mistério profundo e grandioso – o estabelecimento de seu reino para sempre (17: 13-14).

Por ter sido homem de guerra, Deus não permitiu que Davi executasse a construção de seu Templo, impondo um limite ao seu ungido e demonstrando, assim, não só a sua santidade mas também o quanto a sua obra requer a mais profunda dedicação e reverência.

Obediente às ordens de Deus, Davi tornou-se o planejador do Templo e não perdeu o privilégio de preparar ofertas para que Salomão pudesse futuramente realizar a obra que tanto consumia o grato coração do rei.

Mesmo tendo adulterado com Bate-Seba e determinado o levantamento de um censo contra a vontade de Deus, Davi não perdeu o foco de sua missão. O arrependimento genuíno destes dois graves pecados trouxe a Davi duas revelações. Do consolo a Bate-Seba, em razão do castigo de morte a seu filho (2 Sm 12:24), nasceu Salomão, o qual tornou-se o construtor do Templo. E, através do altar que levantou na eira comprada de Ornã, afim de que Deus fizesse cessar a praga que consumia os israelitas devido ao pecado do censo, foi determinado onde seria o local do futuro Templo.

A partir de então, nos últimos anos de sua vida, Davi passou a concentrar as suas energias nos preparativos da edificação do templo, entesourando riquezas com este propósito até que cumpriu sua missão e morreu em uma feliz velhice.


UM AVIVAMENTO EXPERIMENTADO POR ISRAEL ANTES DA CONSTRUÇÃO DO TEMPLO

Pode-se dizer que, anos depois de ter sofrido o castigo de Deus por causa da desobediência do censo, os israelitas vieram a experimentar um verdadeiro avivamento que preparou a nação para realizar a grandiosa obra do Templo sob o governo de Salomão.

Sendo pai de um príncipe ainda inexperiente, Davi não só destinou recursos para a futura obra como também passou preciosas orientações a seu filho para que ele fosse forte, corajoso, não temesse e nem ficasse desanimado (1 Cr 22:13 e 28:20).

Ao congregar os líderes de seu povo a fim de apresentar Salomão como o seu sucessor, com ênfase na missão que lhe estava sendo confiada, Davi é usado poderosamente por Deus para conduzir Israel a um notável avivamento espiritual.

Na ocasião, Davi demonstrou de modo voluntário e espontâneo todo o seu desprendimento das coisas materiais dedicando até os seus bens particulares para a construção do futuro Templo. E, através de seu ato, os líderes de Israel ali presentes foram comovidos a ofertarem com generosidade, tornando-se igualmente participantes daquele tão ousado projeto de amor.

Aquelas ofertas foram dadas com integridade de coração, sem procurar o interesse próprio e com a finalidade única de contribuir para a obra de Deus. Não havia ali nenhum sentimento de auto promoção pessoal, ainda que toda a nação de Israel estivesse sabendo quais eram os donativos e a quem pertenciam. E também ninguém foi obrigado a contribuir (ou psicologicamente induzidos como ocorre em determinadas igrejas de hoje), pois todos deram espontaneamente e conscientes do ato praticado.

O resultado dessa liberalidade em favor da obra de Deus foi um grande sentimento de alegria verdadeira (1 Cr 29:9) e que produziu tanto louvor quanto adoração (v. 20), quebrando aqueles grilhões que prendem as mentes do crente de servir o SENHOR de uma forma mais espontânea.

Ora, todos estes acontecimentos no final da vida de Davi demonstraram o quanto ele amava a Deus com seu coração. Pois, mesmo sabendo que não viveria o suficiente para ver o templo construído, Davi foi capaz de ofertar com toda a sua força.

Assim, com o coração grato, Davi reconheceu que até a sua oferta procedia de Deus (vs 14 e 16), sentindo-se imensamente agraciado pela oportunidade de poder dar aquilo que do SENHOR recebera e para um projeto tão nobre.

Em suas últimas palavras registradas pelo cronista, Davi pediu a Deus que conservasse no coração de seu povo o mesmo sentimento que os israelitas tiveram naquele dia de oferta voluntária (v. 18).

Tal sentimento coletivo, como podemos ler no texto bíblico, não foi algo que partiu da emoção passageira causada por uma ocasião. Pois, no dia seguinte, foram trazidos inúmeros sacrifícios de animais em holocausto a Deus, o que significava a entrega total da oferta, tendo o povo novamente festejado com uma enorme alegria (vs 21-22).

Lendo atentamente a Bíblia, tenho percebido que poucos foram os momentos na história de Israel em que aquela nação experimentou momentos de avivamento e o que ocorreu no final do governo de Davi antecedeu não só a construção do Templo como um momento de grande prosperidade.


CONCLUSÃO

Tal como no final do reinado de Davi, Deus nos chama, nestes últimos dias, para sermos participantes de sua obra. E as ofertas de hoje devem ser utilizadas com a finalidade de se promover a obra missionária e assistir os nossos irmãos que vivem na pobreza.

É muito triste quando se ouve notícias de missionários que estavam começando uma obra no exterior e tiveram que retornar poucos meses depois porque as suas igrejas não puderam mais sustentá-los no outro país.

Também é lamentável saber que existem famílias de cristãos passando dificuldades financeiras enquanto outros membros de igreja vivem num verdadeiro luxo sonhando com uma vida de riquezas e deturpando a Bíblia a ponto de transformá-la numa receita para conseguir mais dinheiro, caindo na lábia de falsos pastores enganadores.

Neste sentido, as palavras de Tiago em sua epístola servem também como advertência para o comportamento errado de muitos cristãos dos dias de hoje:

"Atendei, agora, ricos, chorai lamentando, por causa das vossas desventuras, que vos sobrevirão. As vossas riquezas estão corruptas, e as vossas roupagens, comidas de traça; o vosso ouro e a vossa prata foram gastos de ferrugens, e a vossa ferrugem há de ser por testemunho contra vós mesmos e há de devorar, como fogo, as vossas carnes. Tesouros acumulastes nos últimos dias." (5:1-3)

Estamos mesmo nos últimos dias e do que adianta para os cristãos verdadeiros acumularem tesouros na terra? Mas, se decidimos viver generosamente, abraçando as missões e abrindo mão de determinados planos pessoais que tanto nos impedem de vivermos os planos de Deus, teremos então a grande oportunidade de experimentar aqui mesmo uma riqueza muito maior, algo que dará sentido às nossas vidas.

Ao ressurcitar, nas breves passagens registradas nos Evangelhos, nosso Senhor Jesus foi suficientemente claro quando falou a respeito de enviar seus discípulos para a obra missionária:

"Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século." (Mateus 28:19-20)

"Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco! Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio. E, havendo dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo." (João 20:21-22)

Mesmo que não estejamos nos sentindo capacitados para tão grande missão, o nosso Deus é poderoso para nos instrumentalizar dando condições para que possamos atingir o alvo que nos está sendo proposto. Jesus prometeu estar conosco todos os dias e recebemos do Pai o Espírito Santo, em quem podemos nos capacitar para dar enfrentamento aos desafios do Evangelho.

Neste últimos dias da Igreja, há uma grande obra a ser completada, a qual precede a volta de nosso Senhor Jesus. Deus então nos chama para ofertar de todo o coração e com toda a nossa força!

Assim como fizeram os cristãos primitivos, despojando-se do que tinham a ponto de venderem suas propriedades depositando os valores aos pés dos apóstolos (Atos 2:44-47 e 4:32-37), nós também somos convocados para experimentarmos o avivamento preparado para os nossos dias. Somos convidados a nos oferecer como um holocausto vivo diante de Deus, desapegando-nos de todas as coisas pertencentes a este mundo e mergulhando de cabeça na sua obra, com toda a nossa força, e servindo de coração ao nosso Senhor Jesus.

Sinto que este despertar não está distante, mas é preciso coragem e despreendimento. E daí eu sinto que a Igreja precisa atentar para a questão das ofertas tal como fizeram os nossos irmãos em Jerusalém no século I e os israelitas no final do reinado de Davi.

Que a graça de Deus seja com todos os que amam a vinda de nosso Senhor Jesus.