Antes que o sol raiasse, neste dia 11 de maio, dois trabalhadores de uma mesma empresa, João e José, encontraram-se num ponto de ônibus da Avenida Brasil a caminho do serviço:
José: Bom dia, João. É hoje!
João: Hoje o que, Zé? Bom dia.
José: Ué! O dia quando finalmente acontecerá aquela tão aguardada sessão dos senadores que irá decidir se eles concordam ou não com um tal de relatório favorável à aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
João: Pera aí! Não será hoje que ela perderá logo o seu mandato de presidenta dessa republiqueta de bananas que se chama Brasil?! Esse ridículo show vai continuar?
José: Ainda não será agora que Dilma cairá. Os caras vão decidir se admitem ou não o processo contra ela. E, pra que o processo seja instaurado, é preciso que compareçam à sessão pelo menos 41 dos 81 senadores. Se a metade mais um dos presentes aprovar, a mulher é afastada do cargo por até 180 dias e aí dão início à fase de produção de provas até chegarem no julgamento da presidente.
João: E isso vai mudar alguma coisa na vida da gente?
José: Acredito que sim. Tirando o engarrafamento na volta pra casa, por causa das manifestações, estou com esperanças de que o Brasil volte a crescer.
João: Duvido que vai melhorar. E sabe me dizer até que horas rola essa palhaçada?
José: A sessão está marcada para começar às nove da manhã. Cada senador que se inscrever poderá falar por até 15 minutos. Se passar disto, o Renan manda desligar o microfone.
João: Aí o sujeito não poderá votar mais?
José: Nada disso, João. Será diferente daquela votação que você assistiu na Câmara dos Deputados dia 17 de abril.
João: Eu não assisti nada! Tava dormindo a fim de descansar pra pegar no batente na segunda-feira seguinte. Só acordei quando o idiota do meu vizinho resolveu estourar um foguete. Mas continua. A que horas termina o circo?
José: Bem, depois dos pronunciamentos dos nossos excelentíssimos senadores, o ministro José Eduardo Cardozo apresentará mais outra defesa da presidenta, porém antes falará o relator do impeachment. Aquele homem que foi candidato ou governador de Minas.
João: Quem? O Aécio?
José: Não. É um tal de Anastácia. Ou Anastasia. Sei lá como é o nome dele. Mas sei que é um colega de partido do Aécio.
João: Duvido que seja gente boa. Mas prossiga. A que horas vai terminar essa coisa?
José: A sessão irá até de noite por causa dos pronunciamentos pois será dividida em três blocos com uma hora de intervalo entre cada um. De manhã, das nove ao meio dia; à tarde, da uma às seis; e à noite, de sete em diante. Eles não terão tempo para a sesta.
João: Coitados... Ganham tão pouco que nem poderão dar um cochilo depois do almoço... Agora me fale logo da votação. Preciso saber para planejar meu dia.
José: Quando o Cardozo cabar de falar, então será aberto o painel da votação. Os senadores votarão por sistema eletrônico com as opções sim, não ou abstenção. E será possível saber como cada um deles votou.
João: Mais rápido do que a Câmara, então?
José: Certamente. Pena que precisarei estar no serviço para acompanhar.
João: Olha o ônibus. Faz sinal!
Os dois embarcaram no velho coletivo da viação Expresso e encontraram mais uma colega da empresa, a Maria, secretária do patrão:
José: Oi, querida.
Maria: Bom, dia, Zé. Você sabe que me sinto honrada quando me chama de querida.
José: Pois é. Seu único defeito é ser a favor da Dilma. Do mais, você é uma tremenda gatona de quarenta.
Maria: Sempre votei no PT e não me arrependo, querido.
João: Mais uma boba que fica se ligando em política para ser enganada.
Maria: Não fale bobagens, João. Foi com Dilma e Lula que o Brasil conseguiu mudar tirando milhões da pobreza. Se estivesse de férias, eu viajaria a Brasília para protestar contra o golpe.
José: Que golpe?! O impeachment está lá na Constituição...
Maria: Tá. Mas que crime ela cometeu?
José: As pedaladas fiscais, ora bolas!
Maria: Querido, ela pegou empréstimo não autorizado com os bancos para impedir que faltasse dinheiro para os programas sociais. Vê se acorda, seu mané! E todos os antecessores dela fizeram o mesmo. Inclusive o Fernando Henrique Cardoso que não sofreu impeachment por isso.
José: Só que um erro não justifica o outro.
Escutando a conversa, o motorista Pedro interveio. Naquele momento, o dia já estava ficando claro:
Pedro: Meus amigos. Sei que não é muito educado entrar na conversa dos outros e muito menos bater papo com o passageiro estando o condutor ao volante, mas, como levo vocês todos os dias para o trabalho, tenho alguma intimidade para falar.
José: Pois diga. O que acha do impeachment?
Pedro: Apesar de toda a hipocrisia dos senhores senadores, acho necessário ela sair já que não quer largar o osso e meter o pé por sua conta. Não que o Temer será melhor. Pra mim, o PMDB dele é tão bandido quanto o PT e boa parte da oposição. Agora raciocinem comigo. Se queremos justiça, então tudo que está errado precisa ser corrigido, não?
Maria: Então você concorda que façam o impeachment dela sem ter havido crime?
Pedro: Senhora, se houve crime eu desconheço pois nunca me sentei numa faculdade de Direito e jamais seria advogado. Aliás, formei-me em professor de Biologia e ganho mais dirigindo ônibus, coisa que já fazia antes de terminar o ensino médio num supletivo aos vinte e seis anos de idade. Pois bem. Nesse tempo todo em que o PT governou o Brasil, Lula e Dilma fizeram mais pelos ricos do que pelos pobres. Sinto-me envergonhado com o dinheiro que gastaram construindo estádios para a Copa sendo que nos faltam hospitais, escolas, segurança e saneamento básico. Nesse tempo todo, os corruptos roubaram bilhões dos cofres públicos!
João: E vai mudar alguma coisa com o impeachment?
Pedro: Quase nada. Contudo, será mais um pequenino passo em meio a esse longo processo de limpeza pelo qual o Brasil passa. Algo que desejo estar plantando para meus bisnetos e tataranetos desfrutarem.
José: E você vai assistir o final da sessão do Senado quando voltar pra casa?
Pedro: Pretendo acompanhar, sim. Até porque amanhã estarei de folga. Mas não pensem que sou alienado por admitir que estou mais ansioso para ver o jogão dessa noite bebendo minha cervejinha com os amigos do bairro. É a porção que me cabe no latifúndio...
Maria: Freia que chegamos, motorista!
Pedro: Eu sei. Transporto vocês há anos e já estou diminuindo a velocidade. Tenham todos um bom dia!
OBS: Imagem acima extraída de uma página do portal EBC com créditos autorais a Marcello Casal Jr. da Agência Brasil.
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