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quarta-feira, 31 de julho de 2013

A família e a obra missionária do Reino

"As raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos; 
mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça
(Lucas 9:58; ARA)

Como vimos no artigo O progresso no Reino de Deus e a família, Maria e os irmãos de Jesus parecem não ter participado de sua obra ministerial. Alguns supõem que, naqueles dias, o Mestre chegou a fixar residência temporária em Cafarnaum mas é possível considerar também que ele teria feito de tal cidade um estratégico ponto de apoio para as viagens empreendidas pelo Mar da Galileia e visitar as aldeias circunvizinhas dali. E o que realmente é demonstrado pela leitura dos evangelhos sinóticos foi que o Senhor atuou mesmo como um pregador ambulante sem morada certa nesta Terra.

No contexto da caminhada para Jerusalém (9:51-19:44), como é confirmado pelo versículo 57 do capítulo 9 de Lucas, apresenta-se uma pessoa prometendo seguir a Jesus para onde quer que ele fosse. Porém a resposta que lhe é dada na citação acima deixa bem claro o caráter do discipulado cristão missionário. Quem desejasse seguir após o Mestre deveria estar plenamente consciente de que a obra revolucionária do Reino exige um desprendimento de quem decide tomar a frente da causa.

Nem todos estavam preparados para seguir Jesus no padrão discipular missionário exigido alcançando um nível elevado de desapego. Quando comissionou os doze apóstolos, o Mestre não quis que eles dependessem de recursos materiais para fazerem a obra de Deus. Já nos versos 57 a 62, ele pede uma desvinculação com a casa paterna e há quem o critique por ter desprestigiado a família, mas o certo é que nenhuma passagem do Novo Testamento diz que pessoas foram obrigadas a romperem os laços com ascendentes, descendentes, colaterais e cônjuges. Ainda assim, suas palavras foram bem duras quando um outro candidato a discípulo para ir primeiro sepultar o pai:

"Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e prega o reino de Deus" (verso 60)

Outro dia eu estava refletindo sobre a maneira como padres e freiras são condicionados ao celibato e a um afastamento de suas respectivas famílias. Trata-se de algo que contraria princípios basilares da vida que, a meu ver, ganharia apenas uma ressalva excepcional dentro de um contexto realmente missionário. Ou seja, seria quando um discípulo de fato vocacionado passa a se dedicar integralmente à causa do Reino por assumir riscos não podendo conciliar o ministério com os cuidados de sua casa. Ainda assim, não se pode proibir ninguém de se casar.

A questão, todavia, parece se resolver por meio de uma reflexão ética. Será que é justo um homem procurar o casamento para fazer a sua esposa infeliz deixando de lhe prestar a devida atenção em virtude de viagens constantes e de compromissos pastorais capazes de preencher quase todos os espaços em sua agenda? Como fica o papel na educação dos filhos de um ministro do Evangelho ausente em sua própria casa? Quem vira as costas para a família dessa maneira não estaria pecando?

Penso que sim. É pecado virar as costas para a família tendo responsabilidades domésticas a cumprir. Daí eu entender que, exceto quando marido e mulher se envolvem juntos na obra (não tendo filhos pequenos ou adolescentes), o comprometimento ministerial de quem tem o seu ninho familiar deverá ser, em via de regra, bem relativo. Não vislumbro possibilidades de alguém nesta condição tornar-se um agente da revolução do Reino, mas apenas um colaborador que desenvolve ações menores sacrificando a novela ou o futebol com os amigos no domingo. Um pastor ligado à família e sem trabalho secular, por mais que receba o suficiente da Igreja para uma dedicação exclusiva, ainda precisará destinar uma parte de seu tempo para cuidar dos seus. É inevitável!

Todavia, estar à frente de uma congregação não é o mesmo que virar um militante do Reino. Ser chefe de uma igreja, dá trabalho mas corresponde à função de um grande pai. Neste sentido, a experiência de ter se casado e criado filhos será de enorme utilidade para fins de aconselhamento. Como nem todo mundo tem aptidão para ser um agente da tropa de elite de Cristo, o desempenho pastoral na família eclesiástica cabe aos que não são (ou estão) totalmente aptos para serem missionários em campos desconhecidos.

Retornando ao texto bíblico em estudo (vv. 57-62), podemos ver como que Jesus pode ter sido hiperbólico e propositalmente radical para que os interessados estivessem conscientes acerca do discipulado proposto. Se um deles queria sepultar o pai (não sabemos se ele pretendia cuidar do genitor até a sua morte ou se o mesmo já estava para ser enterrado), o terceiro pediu somente para despedir-se dos familiares (v. 61). A este o Mestre respondeu em tom semelhante:

"Ninguém que, tendo posto a mão no arado, olha para trás é apto para o reino de Deus." (v. 62)

Vejo aqui que o Senhor não apenas pode ter identificado supostas desculpas psicológicas no indivíduo que resolve adiar a sua decisão de segui-lo na radicalidade como também ele pode ter pretendido tornar conscientes as escolhas feitas. É lógico que o Jesus não estrava proibindo o candidato a discípulo comparecer ao funeral do pai ou se despedir da família como Elias havia permitido a Eliseu na vocação deste (1Rs 19:20). As respostas que o Mestre deu serviram justamente para provocar o impacto necessário nas pessoas e elas entenderem a dimensão e a seriedade do trabalho para o qual estavam sendo chamadas.

Como alguém pode assumir um compromisso missionário se ele ou ela tem planos de se casar, arranjar um bom emprego, ter filhos e curtir a companhia dos pais, avós, tios e sobrinhos? Fazer missão não é excursionar pelo mundo conhecendo novas culturas em outros países para colocar depois num álbum de fotografias e exibir no Facebook. Trata-se, pois, da promoção do Reino de Deus, o que significa entrar de corpo e alma numa batalha espiritual com fortes reflexos dentro de cada sociedade alcançada. Algo que se faz não apenas com orações mas também por meio de atitudes ousadas que podem incluir os mais variados riscos como a vulnerabilidade a doenças, guerras, acidentes nos meios de transportes, necessidades alimentares e também as perseguições.

Sinceramente, não aprovo a maneira como boa parte dos padres e freiras católicos vivem até porque muitos deles não têm nada a ver com a obra missionária. Quem dirige uma paróquia ou administra uma região de igrejas ainda não está no nível de um agente revolucionário como ensinado por Jesus. Muito menos os que optam pelo refúgio num monastério e daí eu entender que o celibato em tais circunstâncias torna-se até perigoso para induzir o monge a uma vida de pecados sexuais. A luta contra um desejo que é natural pode tornar a pessoa espiritualmente improdutiva.

Como se vê, tanto a igreja católica quanto as denominações evangélicas ainda estão bem distantes do ideal revolucionário do Reino. Observo que o verdadeiro missionário acaba por depender muito pouco do apoio institucional e, na prática, grande parte desses heróis do Evangelho estão esquecidos em seus campos. Congregações que se comprometem em sustentá-los financeiramente nem sempre cumprem com o prometido. E talvez aí esteja a receita das ações bem sucedidas quando o guerreiro de Cristo precisa usar de sua fé sem bordão, alforje, pão ou dinheiro, vestindo uma só túnica.

Certamente eis aí uma questão para refletirmos e orarmos. Como a revolução do Reino ainda não está concluída, admito que ainda precisaremos de corajosos missionários dispostos a evangelizarem o mundo. Talvez a Igreja jamais teria sobrevivido aos primeiros séculos, debaixo da violenta perseguição romana, se não contasse com almas tão dedicadas a exemplo do apóstolo Paulo e tantos outros mártires que o imitaram.

Uma comunidade hostil no caminho de Jerusalém

Ao se estudar o Evangelho de Lucas, importa observar que uma boa parte do livro é literariamente estruturada dentro do contexto da peregrinação de Jesus indo da Galileia para Jerusalém (9:51-19:44).

Já avisado por Moisés e Elias, no episódio da Transfiguração (Lc 9:30-31), nosso Senhor parte em sua jornada final rumo à cidade sagrada dos judeus afim de apresentar-se para participar da Páscoa segundo os costumes de seu povo, consciente de que iria ser morto em tal ocasião (9:22,44).

"E aconteceu que, ao se completarem os dias em que ele devia ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém" (9:51; ARA)

Junto com Jesus, também caminha o leitor para Jerusalém. Assim, os acontecimentos e parábolas seletivamente registrados em Lucas, independente da ordem cronológica como são apresentados nos outros evangelhos, devem ser compreendidos aqui como ensinamentos para a Igreja aplicar em sua jornada mesmo sem a presença física do Mestre. Os discípulos de todos os tempos não poderiam deixar de trabalhar pela causa do Reino e jamais esquecerem de carregar a cruz.

Segundo os estudiosos, quando os peregrinos da Galileia viajavam para o Templo de Jerusalém nas ocasiões festivas (celebrações como as da Páscoa, Pentecostes ou das Cabanas/Tabernáculos), havia pelo menos duas rotas. Uma delas era pela parte central de Israel indo pelas regiões montanhosas. Só que, neste caso, seria preciso atravessar as terras habitadas pelas comunidades dos samaritanos com os quais os judeus não se davam bem. Por isso, muitos preferiam o percurso mais longo, pelo leste do país, atravessando o Jordão e acompanhando o rio pela margem esquerda até a altura de Jericó quando então encaravam uma subida bem íngreme até à Cidade Santa em meio a uma paisagem desértica votada para o Mar Morto.

A inimizade entre judeus e samaritanos tinha origens históricas muito antigas que nos remetem a um processo de ruptura após a invasão militar dos assírios, ocorrida nas últimas décadas do século VIII a.C. Uns duzentos anos mais tarde, já no período posterior ao exílio babilônico da nação judaica, as diferenças vão se acentuar cada vez mais por motivo de rivalidades políticas e culturais envolvendo, inclusive, o Templo e o sacerdócio. Por isso, os samaritanos chegaram a edificar um santuário próprio no Monte Gerizim, destruído por volta de 130 a.C., mas continuaram celebrando cultos nesta montanha, o que ainda ocorre até nos tempos atuais. Na época de Jesus, devido à grande hostilidade que havia, samaritanos nunca celebrariam a Páscoa em Jerusalém.

A festa sagrada estava próxima e se tornou perceptível que Jesus caminhava com seus discípulos para a comemoração judaica. Sem qualquer desejo de alimentar essas rivalidade estúpidas, o Senhor enviou mensageiros para anunciarem a hospedagem dele e de sua comitiva numa cidade samaritana. Esta negou-se a recebê-lo como é possível ler nos versos 52 a 53. Ou seja, queriam que o Mestre tomasse partido da causa deles e odiasse os judeus também.

Acredito que Jesus deve ter passado em outras vezes anteriores por comunidades samaritanas. Mesmo sem levarmos em conta o diálogo com a mulher que consta no capítulo 3 do Evangelho de João, pode-se notar apenas pelo texto de Lucas não ter havido restrições da parte do Senhor em pernoitar naquela aldeia. Porém, a rejeição de seus moradores contra os judeus era tanta que eles foram incapazes de receberem o Senhor perdendo a oportunidade de ouvir as boas novas do Reino de Deus e o seu maravilhoso ensino de vida.

Percebo que, no nosso caminhar, enfrentamos situações parecidas pela pela recusa de tomarmos partido de certas posições políticas, religiosas ou culturais. Se um ministro do Evangelho vai anunciar a sua mensagem num diferente segmento religioso, pode ocorrer que outra igreja deixe de recebê-lo posteriormente. Um pastor protestante que aceita o convite de um padre para pregar em sua paróquia, por ocasião de uma reunião ecumênica, passa a ser olhado com desconfiança no meio evangélico fundamentalista. Se pregar num grupo espírita então, aí ele vira "apóstata" a passa a ser considerado um agente de Satanás dentro da Igreja.

É de me deixar perplexo verificar que as mesmas hostilidades ocorridas nos tempos de Jesus ainda continuem hoje entre os que dizem crer nele. Aqueles samaritanos ouviram notícias dos ensinos e dos milagres operados pelo Mestre durante os três anos de seu ministério pela Galileia. Ainda assim, reusavam-se a recebê-lo oferecendo a hospitalidade, a qual era um dever moral dentro do contexto histórico de antigamente. E, da mesma maneira, a Igreja, com sua bimilenar história, permanece agindo de um modo bem equivocado por meio de suas atitudes ainda fechadas.

No estudo feito anteriormente, vimos ter Jesus repreendido João pela sua atitude sectária. Agora será este mesmo discípulo que, juntamente com o seu irmão Tiago, vai propor ao Mestre a destruição daquela aldeia samaritana por terem os seus moradores rejeitado o Senhor.

"Vendo isto, os discípulos Tiago e João perguntaram: Senhor,queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?" (verso 54)

A atitude dos dois irmãos corresponde às condutas daqueles que querem hoje impor o Evangelho pela velha coação psicológica do tipo "aceite Jesus ou você vai arder no inferno". João e Tiago, naquele momento, por mais que tivessem sido zelosos, não estavam permitindo aos membros da comunidade experimentarem o livre processo de escolha. Queriam um julgamento que importasse em condenação retribuindo aos samaritanos com  um sentimento implacável de ira.

A resposta dada por Jesus foi o que a Igreja deveria ter assimilado nestes séculos todos. O Mestre repreendeu os dois discípulos amorosamente dizendo-lhes:

"Vós não sabeis de que espírito sois. Pois o Filho do Homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las" (versos 55 e 56)

Tal como os samaritanos se achavam incompreensivos, Tiago e João portavam-se da mesma maneira tratando com hostilidade os incrédulos. Oras, se a missão de Jesus era salvar a humanidade de sua maldade, insensatez e ignorância espiritual, por que ele iria agir com violência contra pessoas que não souberam entendê-lo? Nosso Senhor veio propor a construção de algo novo - o Reino de Deus. Porém, se havia gente ainda fechada para esta realidade, jamais seria pela eliminação daquelas almas que tudo se resolveria e o planeta experimentaria uma transformação ética. Tão pouco pode a coação promover o amadurecimento existencial.

Era preciso dar tempo aos samaritanos e Jesus seguiu para outra aldeia (v. 56). O Mestre ensinou que o Reino se constrói com a inclusão evolutiva de todos e para tanto é necessário termos paciência. Ao procurar hospedagem em outro lugar, nosso Senhor não fechou as portas do céu para a comunidade que não quis recebê-lo. Antes ele entendeu não ter chegado ainda o momento da acolhida do Evangelho naqueles corações e resolveu não insistir assediando a consciência das pessoas. Tomou uma atitude semelhante a que teve no episódio de Gerasa, quando os moradores de lá pediram para que se retirasse da região de Decápolis, mas continuou apostando numa conversão futura de todos.

Como discípulos de Jesus, precisamos desenvolver tamanha sabedoria com paciência e fé. O Salvador não nos enviou para destruir almas! Na nossa caminhada rumo a Jerusalém espiritual, precisaremos nos comunicar abertamente, dialogarmos com as diferentes religiões, suportarmos as rejeições e compreendermos os incompreensivos sem nunca desistirmos de ensiná-los. É o que aprendemos com Cristo!

terça-feira, 30 de julho de 2013

Leis para punir o atraso na entrega de compras feitas na internet



Conforme noticiado no site da Câmara Federal, o deputado Major Fábio (DEM-PB) apresentou o Projeto de Lei n.º 5179/2013 propondo uma "indenização" a ser paga ao consumidor todas as vezes em que este receber com atraso uma compra encomendada pela internet. Se a lei for aprovada na íntegra, o empresário terá que restituir em dobro a quantia em todas as hipóteses sem nenhuma ressalva, conforme previsto no caput do artigo 2º da proposição legislativa:

"O fornecedor de produtos ofertados pela Internet fica obrigado a restituir o valor pago em dobro quando não entregar o produto adquirido pelo consumidor até a data acordada no momento da compra."

O texto da justificativa sustentada pelo parlamentar assim diz:

"(...) O que ocorre é que muitos fornecedores tem comercializados produtos que não existem em seus estoques, fazendo a chamada venda por demanda. O problema é que, depois da venda, esses comerciantes não consegue o produto vendido no prazo acordado com o cliente, gerando frustração e diversos tipos de problemas ao consumidor. O fato é que o fornecedor, seja fabricante, comerciante ou importador, é obrigado a organizar seu negócio e cumprir com os compromissos comerciais firmados com seus clientes. Se não puder entregar o produto na data desejada pelo consumidor, que seja honesto e sincero e estipule uma data real para a entrega, ao invés de iludir o consumidor somente para não perder a venda. Acreditamos que a proposição que oferecemos será uma boa fora de inibir as falsas promessas que são cada vez mais comuns no âmbito do processo eletrônico (...)"

Sinceramente, acho indispensável debatermos melhor a ideia de Sua Excelência. Se, por um lado, o comércio eletrônico (e também as vendas feitas por telefone) carecem de uma maior segurança, deve-se considerar que nem sempre a causa do atraso na entrega decorre do próprio fornecedor. Graças aos serviços falhos dos Correios, com o amparo do obsoleto monopólio estatal nos serviços postais, nem sempre ocorre o cumprimento dentro do prazo estipulado. Como já denunciei anteriormente aqui neste blogue e também ao Ministério Público Federal, há casos em que os carteiros até se recusam a apertar o interfone do apartamento do destinatário da correspondência em prédios sem porteiros! Por este e outros motivos, tão logo li a notícia no site da Câmara, expus resumidamente os meus comentários sobre a necessidade de ser incluída uma ressalva no PL, o que foi instantes depois publicado na presente data:

"Deve-se ponderar que, embora a responsabilidade do fornecedor de produtos seja objetiva, jamais o empresário deve ser condenado a pagar eventuais indenizações pelo atraso dos Correios. Sendo assim, é preciso garantir sempre a ressalta de que não ocorrerá a reparação caso o comerciante comprove ter postado a encomenda dentro do prazo legal ou do contrato."

Ocorre que a "indenização" proposta pelo nobre parlamentar tem mais um caráter de pena civil privada e segue o mesmo padrão do disposto no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor sobre a cobrança indevida/excessiva de débitos pagos. Trata-se de uma situação que, não sendo acordada entre as partes amigavelmente, só poderá ser reconhecida num processo judicial em que caberá ao magistrado avaliar a conduta do fornecedor para decidir se a restituição será em dobro ou se limitará à importância paga com juros e correção monetária. Tanto é que o texto legal do CDC, muito bem escrito, assim acrescenta: "salvo hipótese de engano justificável".

Como se vê, a ideia do deputado em combater a má-fé dos comerciantes é boa, mas precisa ser melhor elaborada para não causar problemas interpretativos da futura norma e nem alimentar a chamada "indústria das indenizações" em que consumidores e maus advogados se consorciam para lesarem as empresas. Atualmente, o PL aguarda parecer na Comissão de Defesa do Consumidor e, em 09/05, foi encerrado o prazo para emendas ao projeto sem que nenhuma delas fosse apresentada. Ou seja, nenhuma alma no Congresso se dispôs a analisar com atenção aquilo que está sendo proposto.


OBS: Foto do deputado extraída da página da Câmara Federal na internet em http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CONSUMIDOR/448291-ATRASO-NA-ENTREGA-DE-MERCADORIA-COMPRADA-PELA-INTERNET-PODE-GERAR-INDENIZACAO.html

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A construção do Reino versus o sectarismo

Em momento nenhum, Jesus veio criar uma nova religião. O Mestre não foi o fundador do cristianismo e nem pretendeu formar mais um segmento dentro do judaísmo de sua época. Antes, todo o seu ministério esteve voltado para o movimento construtivo do Reino de Deus que inclui a todos.

É certo que Jesus fez discípulos. Não só os doze o seguiram como também inúmeros homens e mulheres, sendo que pouco se sabe acerca destas. Nosso Senhor, porém, desejava enviá-los pelo mundo, pregando e curando, para que sua mensagem revolucionária fosse multiplicada através de uma onda de amor fraterno. Enquanto estavam sendo ensinados pelo Mestre, os alunos de sua escola ambulante precisariam compreender de que não era para eles agirem de um modo sectário e isto ficou bem claro na passagem bíblica encontrada em Lucas 9:49-50:

"Falou João e disse: Mestre, vimos certo homem que, em seu nome, expelia demônios e lho proibimos, porque não segue conosco. Mas Jesus lhe disse: Não proibais; pois quem não é contra vós outros é por vós" (versão e tradução ARA)

Curioso como que o próprio João, considerado o "apóstolo do amor", é apresentado pelos evangelhos sinóticos como um discípulo com falhas a serem corrigidas assim como o seu irmão Tiago e o colega de profissão Pedro. Todos tinham sido pescadores do Mar da Galileia e tiveram seus momentos de maior intimidade espiritual  com o Senhor a exemplo do episódio da Transfiguração (Lc 9:26-36). Porém, nenhuma daquelas experiências de poder iria fazer deles pessoas perfeitas em termos de caráter e o Mestre buscou remediar desde então a catástrofe proselitista na futura Igreja.

Tempos mais tarde, como podemos saber pela história eclesiástica, a ortodoxia cristã seria estabelecida na Igreja como sendo a versão verdadeira e autorizada do Evangelho. Os que divergissem do então "pensamento reto" seriam perseguidos pelo grupo dominante. Algo que, segundo a pesquisadora norte-americana Elaine Pagels, já estava ocorrendo muito antes de Constantino ascender ao poder quando, ainda no século II, os ortodoxos promoveram um afastamento dos "gnósticos" e dos judeus, criando, assim, uma auto-identificação cristã. Até o amor ficou restrito aos membros da seita.

Não devemos nunca agir dessa maneira! João pode até ter amado com restrições, mas Cristo jamais. Na passagem citada do Evangelho, o discípulo queria obrigar quem falasse em nome do Mestre a caminhar com o grupo sob pena de ser silenciado. Entretanto, nosso Senhor mostrou claramente que o critério de "seguir conosco" é flagrantemente errado. Jamais podemos tratar os benfeitores da humanidade como se agissem contra nós ou como inimigos da nossa causa. Em outras palavras, Jesus estaria dizendo que, no processo de construção do Reino, não há neutralidade. Ou a pessoa age pelos objetivos da causa ou trabalha contrariamente. Isso vai muito além das formas exteriores, das denominações por nós utilizadas, de estarmos nos congregando aqui, ali, acolá ou em nenhum lugar. Para cumprir as obras de Deus inexiste o requisito de portar a carteirinha de membro de uma determinada organização religiosa.

O que não são contra nós são por nós! Eis aí um critério que precisamos aplicar sempre ao outro sendo a receita para evitarmos o sectarismo e buscarmos estabelecer o diálogo construtivo. Pouco importa qual a orientação religiosa de quem "não segue conosco", se compactua ou não os mesmos rituais e maneira de pensar. Se o indivíduo ou grupo luta contra o mal, logo é nosso parceiro na causa do Reino.

Em Lc 11:23, Jesus falará que "quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha". E, se aplicarmos tais palavras a nós, precisaremos também tomar cuidado com aqueles que, na aparência, seguem conosco e também com agente mesmo porque podemos cair no auto-engano religioso. Pois, dentro da própria Igreja, surgem pessoas inimigas do Reino de Deus ainda que o confessem por meio de seus lábios. Gente que diz possuir idêntica doutrina mas que age contra.

Pelos frutos conhecemos a árvore! Há entre nós (e em nós) "joio" e "trigo", assim como nos demais "campos". Além de tolerantes, precisamos saber reconhecer quem está fazendo a obra de Deus para somarmos, tornando-nos todos cooperadores e termos cautela para não inibirmos a ação do Reino por intermédio do outro. Junto com o "não proibais" de Lc 9:50, vem o reconhecimento de que o outro age pelo mesmo mover divino.

Uma "Belíndia" ainda pouco melhorada

Da varanda de seu barraco, na Baixada Fluminense, Juninho tentava lavar o seu caneco através da goteira que caída do telhado. Chovia, mas a sua casa permanecia sem água. A companhia de águas e esgoto não tomava as providências necessárias para regularizar o abastecimento das residências da comunidade. Mesmo após três exibições do problema pelo telejornal que havia começado a acompanhar o caso há um ano.

"Dizem que aqui sempre foi desse jeito", comentou dona Maria, mãe de Juninho, a qual usava até água suja do rio para cozinhar e lavar as roupas das crianças enquanto o seu marido arrumava uns trocados vendendo picolés ilegalmente no trem da Supervia por apenas um real.

Seu Tião, o chefe da casa, andava desempregado fazia dois anos. Morava antes numa favela mais próxima do Centro da cidade do Rio de Janeiro mas, com a tal da "pacificação", teve que sair do morro porque os aluguéis aumentaram muito. Por causa disto, ele precisou sujeitar-se novamente à ditadura dos traficantes que não acabou, continuando a dormir todas as noites com o barulho de tiro.

- "Esta noite a PM matou o chefe do tráfico aqui na área. Cabeças vão rolar! Ora pra Jesus proteger meu filho", assim falou dona Isabel, vizinha do seu Tião e de dona Maria que buscava, com insistência, levar o casal para a sua igreja pentecostal e lamentava o fato do seu filho mais velho ter entrado nas drogas.

Antes de virar crente, ela tinha sido mãe solteira por três vezes. Agora que tinha deixado o mundão, já era também avó sem nem ao menos ter chegado aos 40. Sua filha Michele, com apenas 14 anos, cuidava de um bebê de seis meses cujo pai conheceu num baile funk. Juninho antes dizia que a bela adolescente com o corpão de mulher era sua namorada mas ela logo botou um parzinho de chifres na cabeça pretensiosa do moleque, após ter lhe dado falsas esperanças. "Quando você crescer eu me caso contigo", brincava a adolescente.

Juninho mal sabia o que era sexo, mas a sua boca pronunciava inúmeros palavrões. Repetia tudo o que os pais e os demais adultos diziam na comunidade. Até a dona Isabel soltava uns nomes feios uma vez ou outra quando acabava a água: "Essa CEDAE é uma eme..."

À tardinha, quando a chuva deu uma trégua e o sol apareceu, estavam todas as crianças brincando. Juninho observava as pipas no céu doido para aprender a empinar a sua e, de repente, passou um helicóptero sobrevoando o local. Todos pararam e viram o veículo aéreo pousando num campo de futebol perto da outra margem do rio. Para lá vieram várias viaturas da polícia, repórteres e um agente policial sem farda, num canto, dava notas altas de dinheiro a quem seria o novo chefe do tráfico para que ele não causasse problemas contra a ilustre personalidade que logo desembarcaria. A bandidagem poderia ficar tranquila que nada iria acontecer:

"Aqui não faremos nenhuma UPP! Vocês podem ficar vendendo o bagulho porque os gringos virão para a Copa sem saberem que este lugar existe. Nas eleições do ano que vem tem mais dinheiro. O governador só pede que coloquem pra fora daqui aquele líder comunitário chato. Hoje estamos aqui por causa da enchente da semana que saiu no jornal"

Naquele mesmo instante, um morador idoso olhava de sua janela para o helicóptero. Era seu Manoel, um dos mais habitantes da área e que estava ali desde quando a localidade ainda era zona rural e ele trabalhava nos antigos pomares de laranja. Vivia quieto no seu canto e assistia à degradação sócio-ambiental da Baixada. Nas décadas de 60 e 70, ajudou uns comunistas que lutavam contra a ditadura a se esconderem nas matas da Serra do Mar não muito distantes dali. Guardava muitas histórias para contar, mas sabia que precisava se conter e que aquela vizinhança nova não tinha consciência do passado.

A esta altura, Juninho já estava subindo numa árvore atacando as goiabas do velho e ele assim  advertiu:

- "Segure a carteira menino! Olha o ladrão!"

- "Pra que, seu Manoel? Mamãe diz que aqui na favela não tem assalto!"

- "Mas agora tem. É que o governador chegou..."


OBS: O termo "Belíndia" foi inventado no ano de 1974 pelo economista Edmar Lisboa Bacha, em sua fábula de fundo ideológico O Rei da Belíndia, na qual argumentava que o regime militar estava criando um país dividido entre os que moravam em condições similares à Bélgica e aqueles que tinham o padrão de vida da Índia.

Quem é o maior na dimensão do Reino de Deus?



Em Lucas 9:46-48, o evangelista narra uma discussão entre os seguidores de Jesus sobre qual deles seria o maior. Segundo o contexto literário, eles tinham sido enviados por Jesus às cidades e aldeias de Israel (9:1-2), anunciaram o evangelho curando as pessoas (v. 6), mas agora estavam disputando entre si a quem caberia o primeiro lugar naquele discipulado.

Certamente que o Senhor não deve ter gostado nem um pouco daquilo e logo percebeu o clima entre eles. Pois parecia que ninguém ali tinha aprendido a lição de se disporem permanente em servir o próximo como no episódio da multiplicação dos pães (versos 10-17). Nem tão pouco assimilaram suficientemente o ensino sobre cada qual negar às suas ambições egoístas carregando a cruz (vv. 23-27). E, de fato, muitas coisas ainda estavam encobertas para eles (v. 45).

"Mas Jesus, sabendo o que se lhes passava no coração, tomou uma criança, colocou-a junto a si e lhes disse: Quem receber esta criança em meu nome a mim me recebe; e quem receber a mm recebe aquele que me enviou; porque aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande."  (vv. 47-48; ARA)

Para melhor entendermos estas palavras de Jesus, precisamos considerar a ausência de status da criança naqueles tempos antigos do evangelista onde os pequeninos não tinham qualquer valor. Faltava-lhes poder dentro da sociedade sendo eles seres totalmente dependentes dos adultos como são até hoje apesar da Constituição e de leis como o ECA assegurarem aos menores uma proteção jurídica altamente digna no Brasil atual.

Junto de Jesus está a criança não o escriba ou o fariseu. Assim, a resposta do Mestre pode ser desdobrada em pelo menos dois tópicos em que deve o discípulo: (i) preocupar-se em acolher as "crianças"; e (ii) procurar o lugar sem status de importância perante os homens dentro ou fora da Igreja, tornando-se o "menor de todos".

Pode-se dizer que a criança torna-se figura de quem é humilde e a si mesmo se rebaixa. Quem se faz pobre, renuncia à reputação que tem e se torna amigo dos rejeitados tal como se comportou o nosso Senhor Jesus Cristo amando os pecadores. Por esse motivo, quem acolhe uma criança, seja no sentido literal ou metafórico, está recebendo o Mestre e também o Pai que o enviou. Desta maneira, o Evangelho ensina a nos tornarmos também crianças que desfrutam da felicidade da graça divina sem precisarmos de qualquer status de grandeza no meio eclesiástico ou fora dele.

O padre holandês Henri Jozef Machiel Nouwen (1932-1996) foi um dos maiores nomes da Teologia da Libertação nos Estados Unidos e no mundo. Tendo alcançado grande notoriedade, publicado dezenas de livros e trabalhado em duas renomadas universidades norte-americanas, eis que, nos seus últimos anos de vida, ele foi capaz de deixar seu magistério em Harvard para cuidar de portadores de necessidades especiais numa instituição situada nas proximidades de Toronto, Canadá. Ali ele pôde voltar-se para quem não tinha nenhum valor na sociedade, pastoreando pessoas com menos importância do que as crianças pequenas já que estas têm o potencial de se tornarem futuramente homens e mulheres prestigiados. Assim, para mutos, Nouwen parecia ter cometido um suicídio profissional e ministerial, mas para ele foi o que lhe deu sentido existencial. É o que o leitor poderá compreender através do livro Adam, o amado de Deus, publicado pela editora Paulinas.

Penso que, se os ministros eclesiásticos começassem a buscar os lugares menos importantes, mas necessários, sem fazerem da humilhação uma demagogia, as boas novas seriam melhor transmitidas ao mundo. Estar entre os doutores em Teologia e trocar conhecimentos com quem entende dos assuntos parece ser uma das coisas mais tentadoras para muitos dos intelectuais religiosos, mas quantas almas serão acolhidas entre os "escribas" da atualidade? E qual o valor dos altares dos templos repletos de gente "separada do mundo" para a dimensão revolucionária e inclusiva do Reino de Deus? Porém, irmos de encontro ao pobre, do pecador, do iletrado, do sem status e de quem nada tem a nos oferecer promoverá a transformação que tanto necessita o planeta a começar por nós.

Que possamos receber os pequeninos e nos tornarmos um deles! Aliás, como bem sintetizou o teólogo italiano Sandro Gallazzi, em seu livro O Evangelho de Mateus - uma leitura a partir dos pequeninos, publicado pela Fonte Editorial,

"Ekklesia [Igreja] é crianças recebendo crianças. Nada de mais singelo, de mais bonito, de mais alegre e gratuito. Inútil e improdutivo e, mesmo assim, tão rico!" (pág. 358)

 Não basta a Igreja proclamar os novos valores do Reino e deixar se levar por uma prática contrária ao que seus líderes pregam com a boca e simbolismos exteriores. Antes digo que será uma constante tentação no nosso caminhar esquecermo-nos do cuidado com os pequeninos tidos como os ícones da causa cristã. Então, para reencontrarmos a criança que se perdeu dentro de nós, muitas das vezes serão necessárias atitudes radicais como as de Henri Nowven para que, incluindo contatos com o necessitado nas nossas agendas, possamos também acolher a Jesus dentro do nosso coração, recebendo também ao Pai que o enviou.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro pintado pelo artista dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890). Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:ChristwithChildren_CarlBloch.jpg

domingo, 28 de julho de 2013

Papa fala sobre o "diálogo construtivo" e a "cultura do encontro" no Teatro Municipal do Rio



Ao discursar ontem (27/07) no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o papa Francisco preencheu minhas expectativas quanto ao recado político que eu esperava que desse à nação brasileira tal como havia exposto no meu artigo de boas vindas aqui publicado anteriormente. Falando para autoridades e líderes da sociedade civil, bem como para uma ampla plateia de diversas orientações religiosas, ele apontou a via do "diálogo construtivo" como solução:

"(...) termino indicando o que tenho como fundamental para enfrentar o presente: o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo com o povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: cultura popular, cultura universitária, cultura juvenil, cultura artística e tecnológica, cultura econômica e cultura familiar e cultura da mídia. É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição das energias morais numa democracia que evite o risco de ficar fechada na pura lógica da representação dos interesses constituídos. Será fundamental a contribuição das grandes tradições religiosas, que desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição confessional, respeita e valoriza a presença do fator religioso na sociedade, favorecendo as suas expressões concretas. Quando os líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e disponível, sem preconceitos. Só assim pode crescer o bom entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras livre de suposições gratuitas e no respeito pelos direitos de cada uma. Hoje, ou se aposta na cultura do encontro, ou todos perdem; percorrer a estrada justa torna o caminho fecundo e seguro (...)" - ler o discurso do papa na íntegra

Embora o que o papa falou também se aplique às relações entre grupos religiosos, quero focar aqui mais na questão política brasileira. Como iremos formar verdadeiramente essa "cultura do encontro" sem hipocrisias?

Há tempos que as nossas leis têm criado organismos de participação e de representação popular. São comitês, conselhos disto e daquilo, bem como audiências públicas divulgadas somente na imprensa oficial, consultas pela internet, entre outros meios de expressão mas que apenas fingem ouvir o cidadão. A insatisfação continua na sociedade brasileira e nada é resolvido.

No entanto, vejo que o problema maior está na surdez dos nossos governantes que ainda não foram capazes de abraçar o diálogo construtivo. É um problema ético da nossa nação! Os municípios brasileiros criaram seus conselhos de saúde, educação, transportes, meio ambiente e tantos outros temas administrativos, mas os senhores prefeitos não estão afim de conhecer as demandas populares e nem de se comprometerem com o diálogo. Muitos viram nesses organismos participativos uma maneira de conterem ou de acalmarem ilusoriamente as entidades da sociedade civil que antes compareciam às ruas causando muitas dores de cabeça. Outros governantes, porém, jamais entenderam o significado de chamar a população para se sentar em volta de uma mesa e debater conscientemente sobre os problemas da cidade. Tentam até hoje cooptar lideranças e intervir na representação das associações de moradores, de ONGs e sindicatos, corrompendo assim a democracia.

Como pode haver diálogo entre um governante e seu povo se aquele impede e dificulta que este se faça ouvir nos meios onde possa haver diálogo?

Ao que parece, nossos políticos ainda não entenderam como se comportar numa democracia e que precisam permitir o cidadão dizer tudo o que ele sente e pensa, encaminhar quais as suas reais demandas, bem como fazer conhecido aquilo que ele propõe. Então, como consequência dessa ausência de encontros reais com a população, tivemos os protestos de junho abrindo uma ferida no país que até agora ainda não cicatrizou. E não adiantam os prefeitos, os governadores e demais autoridades quererem tapar o sol com a peneira!

Em seu discurso, Bergoglio mencionou que esta "estrada justa" torna o caminho, além de seguro, "fecundo". Ou seja, todos podem sair ganhando com o diálogo construtivo. Governar com democracia verdadeira certamente dá trabalho, mas produz resultados excelentes. Pois, se um prefeito estiver disposto a ouvir o povo, ele poderá tomar as decisões mais acertadas para o bem da coletividade. Por isso, os organismos de participação precisam ser respeitados em todos os aspectos e a população encorajada a se manifestar.

Existe outra via além dos protestos violentos!


OBS: Imagem da Agência Brasil de Notícias extraída da internet em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-07-27/convidados-elogiam-mensagens-do-papa-de-resgate-valores-que-pareciam-perdidos

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O exercício da fé no ministério da Igreja



"No dia seguinte, ao descerem eles do monte, veio ao encontro de Jesus grande multidão. Eis que, dentre a multidão, surgiu um homem, dizendo em alta voz: Mestre, suplico-te que vejas meu filho, porque é o único; um espírito se apodera dele, e, de repente, o menino grita, e o espírito o atira por terra, convulsiona-o até espumar; e dificilmente o deixa, depois de o ter quebrantado. Roguei aos teus discípulos que o expelissem, mas eles não puderam. Respondeu Jesus: Ó geração incrédula e perversa! Até quando estarei convosco e vos sofrereis? Traze o teu filho. Quando se ia aproximando, o demônio o atirou no chão e o convulsionou; mas Jesus repreendeu o espírito imundo, curou o menino e o entregou a seu pai. E todos ficaram maravilhados ante a majestade de Deus. Como todos se maravilhassem de quanto Jesus fazia, disse aos seus discípulos: Fixai nos vossos ouvidos as seguintes palavras: o Filho do Homem está para ser entregue nas mãos dos homens. Eles, porém, não entenderam isto, e foi-lhes encoberto para que o não compreendessem; e temiam interrogá-lo a este respeito." (Lucas 9:37-45; ARA)


Dando continuidade ao estudo sequencial do Evangelho de Lucas, iniciado em junho neste blogue, chegamos agora a mais um caso de assédio espiritual em que Jesus liberta um menino da obsessão maligna.

Como podemos ler em seu contexto a passagem bíblica citada, o Senhor havia descido do monte da Transfiguração, onde passara a noite orando na companhia de Pedro, Tiago e João e tiveram uma experiência marcante com a aparição de Moisés e de Elias. Os outros discípulos, porém, permaneceram na planície à espera do Mestre e, pelo que dá para supormos, eles teriam sido procurados pelas multidões para atenderem seus pedidos de cura conforme a autoridade que lhes fora concedida anteriormente (Lc 9:1-2).

Se comparado com o relato original de Marcos 9:14-29, o texto de Lucas é bem mais breve, o que nos dificulta entender certos detalhes não explicados como, por exemplo, o motivo pelo qual os discípulos não conseguiram expulsar o demônio. Desconhecemos pelo 3º Evangelho os ânimos das multidões e a contenda formada anteriormente com os escribas. Porém, se o autor sagrado optou por uma versão mais curta, talvez foi porque desejou focar somente em alguns aspectos ao invés de todos.

Da mesma maneira como Moisés havia encontrado descrença entre os filhos de Israel, quando desceu do monte Sinai (Êxodo 32), algo semelhante sucede com Jesus aqui. Dentre a multidão, vem um pai atribulado por causa da doença espiritual de seu filho e relata ao Senhor o que sucedia ao menino bem como o insucesso dos discípulos diante da causa apresentada. Tratava-se, pois, do seu unigênito (verso 38), o que, certamente, aumentava todo o sofrimento numa situação capaz de deixá-lo impotente para resolvê-la. Provavelmente o filho significasse todo o sentido da vida daquele homem e ele não desistia de procurar a solução mesmo com o fracasso dos discípulos.

Em sua resposta (v. 41), Jesus parece impaciente. Sua admoestação é dura e não dá para precisar se ele dirige tais palavras às multidões ali presentes, aos discípulos, aos escribas não mencionados por Lucas ou ainda ao pai do menino (este é o que parecia ainda acreditar). Não descarto a possibilidade de que a todos ali estivessem faltando uma fé suficiente para enfrentarem as forças do mal. Seus seguidores que, anteriormente, foram comissionados para pregarem com êxito nas cidades e aldeias de Israel, desta vez mostraram inabilidade ao lidarem com o novo caso. Suponho até que aquela frustração tenha feito parte do ensino do Mestre, estando implícita nas palavras destacadas a predição de sua morte que é mais uma vez mencionada a partir do versículo 44.

Jesus encarou o desafio e curou o menino daqueles ataques espirituais sendo notada pelo evangelista a reação do demônio à sua presença e autoridade como no episódio de Gerasa (Lc 8:26-34). O novo caso de possessão era também uma prisão da comunidade onde Jesus se encontrava devido à falta de fé das pessoas. O espírito maligno é expulso como nas outras situações já vistas e, desta vez, não fala nada. No final, todos se maravilham dando crédito a Deus pelo milagre (v. 43).

Ainda assim, Jesus vai preparar os discípulos para a sua partida. Não era para eles continuarem na eterna dependência do Mestre. Quando se ausentassem, aqueles seguidores precisariam lidar com outras situações também difíceis em que não poderiam deixar de exercer liderança e serem persistentes no combate ao mal.

O Filho do Home estava para ser entregue (v. 44). Naquele momento, até a predição da morte de Jesus não era entendida ainda pelos discípulos. O versículo 45 não diz claramente como "foi-lhes encoberto para que não o compreendessem", isto é, o que teria impedido a cognição ou aceitação por eles quanto ao que falou nosso Senhor e vejo que o medo parece tê-los bloqueado. Os seus seguidores não queriam nem saber como ficaria a vida deles sem a presença física do Mestre. Até para tocarem no assunto faltava coragem!

Entretanto, como o mais brilhante professor/treinador que o mundo já conheceu, Jesus soube como ir trabalhando nas mentes dos discípulos para que eles dessem continuidade ao processo de construção do Reino de Deus após a sua inevitável partida. Ele sabia que o medo é um dos sentimentos que se opõe à fé e que esta seria o ingrediente necessário para a Igreja enfrentar os mares com suas ondas de lutas e de dificuldades. Como um bom líder, ele sabia que o ambiente da "planície" não era o mesmo do "monte" onde se refugiava nos braços do Pai nos íntimos momentos de oração.

Aprendemos, assim, várias lições com este episódio. Tanto para o exercício da liderança como em relação ao uso da fé. Em todos os casos, esta sempre precisará estar junto. Quem conduz um ministério, deve confiar permanentemente no Pai todas as vezes em que descer do "monte" e não encontrar as coisas fluindo como deveriam. Terá que acreditar sempre no sucesso do trabalho, não se esquecendo de que a obra não é de um homem só, mas de Deus. O pastor humano um dia deixa o rebanho, mas o Eterno continuará cuidando das ovelhas, ensinado a todas elas para que saibam apoiar umas às outras.

Tenhamos sempre fé!


OBS: A ilustração usada neste artigo refere-se a uma das gravuras do livro ilustrado Les très riches heures du duc de Berry (em português As três mui ricas horas do duque de Berry) do século XV. Extraí da imagem do cervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Folio_166r_-_The_Exorcism.jpg

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A memória do monte da Transfiguração na obra da Igreja



Nos evangelhos, os montes tornam-se lugares onde ocorre a revelação do novo. Jesus costumava orar nesses locais afim de buscar direções do Pai como já abordei num texto anterior. No episódio da Transfiguração, ele parte com os três apóstolos mais chegados (Pedro, Tiago e João) e rumam para uma marcante experiência oito dias após ter predito a sua morte e ensinado sobre o dever do discípulo carregar a cruz (Lucas 9:23-37).

Tudo encontra-se relacionado na narrativa evangélica e as ideias trabalhadas pelo autor sagrado vão se fazer representar com forte simbolismo na Transfiguração onde a glória liga-se à cruz. O branco resplandecente vem manifestar o acontecimento novo mas que inclui a partida do Mestre, "que ele estava para cumprir em Jerusalém" (Lc 9:31). Tal obra vitoriosa dará significado às Escrituras nas figuras de Moisés e de Elias. Este como o principal dos profetas e o primeiro como o transmissor da Lei de Deus aos filhos de Israel.

Sob certo aspecto, podemos dizer que, na Transfiguração, cumpre-se o que Jesus teria dito no verso 27 do capítulo estudado do 3º Evangelho, em que alguns daqueles discípulos não passariam pela morte "até que vejam o reino de Deus". Pedro, Tiago e João tiveram então a oportunidade de experimentarem uma visão da História em sua plenitude. O escritor bíblico resume ali toda a revelação do passado com a presença dos principais elementos da teofania do Sinai (Êxodo 19:18-19), isto é a montanha e a voz do meio da nuvem luminosa. A mensagem ouvida ali vem referendar a autoridade de Jesus e o seu relacionamento com Deus:

"Este é o meu Filho, o meu eleito, a ele ouvi" (Lc 9:35)

Em seu desígnio soberano, o Pai Eterno revelou ter enviado Jesus para que a humanidade viesse a escutá-lo. Era ele quem estava naquele momento cumprindo a obra de Deus na Terra, trazendo para todo o povo a mesma instrução da Lei e dos profetas de uma maneira vivificante ao contrário dos ensinamentos dos escribas. Pois, embora os teólogos da época lessem a Bíblia, nem sempre não compreendiam, por seus métodos interpretativos, qual a essência do recado divino dado aos ancestrais por meio de Moisés e de Elias.

O Evangelho de Cristo não veio suplantar as revelações passadas. O seu propósito é atualizar a mensagem dada a todas as gerações, abrindo os corações e as mentes para interpretarem com riqueza de significado as lições do Sinai e do Carmelo. A mesma nuvem que estava na tenda de Moisés, no deserto, estava ali também com a pessoa do homem humilde de Nazaré, o carpinteiro filho de José e de Maria que não se vestia com o luxo dos palácios, mas abraçava os pobres, acolhia as prostitutas e comia com os pecadores.

Contudo, dessa vez não havia mais a necessidade de se erguer novas tendas como propôs Pedro sem saber o que dizia (9:33). Os discípulos ali reunidos ao redor de Jesus, Moisés e Elias formavam todos a nova "cabana". Deste modo, tornava-se a Igreja de Cristo o tabernáculo vivo onde a revelação deve manifestar-se permanentemente, permitindo-se que a voz divina se faça ouvir com clareza em seu meio para todo o mundo.

Assim, compreendemos que a profecia não se cala! O Espírito de Deus que motivou o ministério de Elias passou a inspirar a João Batista, Jesus e a todos os novos profetas e profetizas que se dispõem a protagonizar a ação revolucionária transformando a História. E o esperado futuro glorioso não acontecerá pelo messianismo triunfalista, nem pela rebeldia violenta dos zelotes, que seriam hoje em dia os vândalos mascarados das nossas passeatas, mas sim pelo recado da cruz. A obra do nosso Senhor e da sua Igreja realiza-se na figura do filho do homem pregado no madeiro.

Deparando-nos com um momento difícil de flagrante apostasia, em que o Evangelho tem sido tão deturpado por falsos pastores, os quais enfatizam equivocadamente as curas e os milagres como sendo o alvo principal de Jesus, vale a pena retornarmos ao monte da Transfiguração. Aprendemos ali que é a cruz que deve ocupar a missão central de Cristo e da Igreja. Por isso, precisamos encarar sem medo esse desafio, crendo que, no "terceiro dia", Deus fará com que venhamos resplandecer junto com Moisés, Elias e o Senhor Jesus pelo seu poder.

No último monte, que será o do Calvário, nenhum milagre acontecerá. Na cruz, aquele que salvou a tantos outros recusa-se a operar qualquer milagre. As autoridades que dele zombavam, juntamente com os soldados (23:35-37), nada entenderam acerca da identidade e da obra do Escolhido. Contudo, como se confirmará na ressurreição (24:44-47), inaugurando o primeiro dia de uma nova semana, a morte do Senhor tratava-se do cumprimento do propósito divino predito nas Escrituras. Talvez daí se explique o porquê do evangelista iniciar a narrativa da Transfiguração com ênfase nos oito dias depois das palavras proferidas na passagem anterior (9:28).

Meus amados, creio que assim também se opera o anúncio do Evangelho do Reino pela Igreja em todas as nações. Não chegaremos a lugar algum sem a cruz, sem negarmos a nós mesmos e sem abrirmos mão de nossas ambições egoístas. A construção do novo impõe que guardemos o sentido da revelação do mone onde Jesus foi transfigurado pois, somente através de uma verdadeira renúncia, é que nos tornaremos agentes da transformação do mundo e verdadeiros porta-vozes da profecia. Do contrário, é brincar de religião.

Que o Eterno nos ilumine!


OBS: A ilustração acima trata-se do quadro do pintor dinamarquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890) sobre a Transfiguração de nosso Senhor Jesus Cristo. Foi extraído do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Transfigurationbloch.jpg

terça-feira, 23 de julho de 2013

Que papo é esse de "namoro santo"?



Por esses dias em que ocorre a Jornada Mundia da Juventude (JMJ), os noticiários da TV têm entrevistado rapazes e moças católicos sobre o que eles pensam do que se convencionou chamar de "namoro santo", em que o sexo só pode ser praticado depois do casamento. Trata-se de uma ideia também defendida com unhas e dentes pelos evangélicos em geral mas que, com toda sinceridade, vejo como um problema. Isto porque muitos não conseguem cumprir o padrão comportamental tornando-se uma das principais causas de afastamento dos jovens das igrejas.

A meu ver, a repressão sexual é um dos espinhos que sufocam os frutos da fé cristã, dificultando a disponibilidade dos jovens e para atuarem em outras frentes ministeriais hoje tão carentes de apoiadores. Negar o desejo do sexo e buscar um estilo de vida anti-natural só vai atrair conflitos psicológicos para o homem e para a mulher de modo que os "pecados da carne" viram a maior preocupação de conduta do indivíduo. Até o relacionamento é colocado em risco pela demora prolongada do casamento tornando-se este muitas das vezes até indefinido em termos de data.

Que os jovens precisem receber orientações para as áreas afetiva e sexual, não tenho dúvidas. Comportamentos de promiscuidade, ou de encontros libidinosos descompromissados, bem como a pornografia, não vão fazer bem. Viemos a este mundo para conhecer alguém com quem formaremos uma parceria construtiva em que um passa a contribuir para a caminhada evolutiva do outro. E, sendo assim, o sexo está ligado a essa edificação mútua, devendo ser visto como um presente do Criador, pelo que de fato os contatos desta natureza não podem ser banalizados tal como hoje em dia na nossa sociedade.

Analisando os valores pertinentes, chego à conclusão de que os jovens deveriam se casar mais cedo, com o apoio das famílias e das suas comunidades religiosas, sem prolongarem por tanto tempo o namoro. Ou então, a Igreja começaria a consentir com a realização do sexo quando o namoro se torna sério, tendo em vista que, em diversas ocasiões, por razões financeiras ou de dedicação aos estudos, as pessoas não têm como viver em conjugalidade formalizada deixando a casa paterna.

Numa das entrevistas dadas à Rede Globo, jovens católicos explicaram que o "namoro santo" não se limita à abstinência do sexo antes do matrimônio. Mas quanto a isto, eu pondero, sem querer enredar o comportamento humano, de que apenas seria salutar o estabelecimento de um período restritivo de amadurecimento entre os namorados, junto com o exercício da espiritualidade e do amor, antes das pessoas se envolverem mais intimamente. E aí o início do namoro sem haver sexo deve servir de oportunidade para as pessoas se conhecerem bem e escolherem melhor se vão querer prosseguir ou não no relacionamento.

Toda essa discussão, no meu ponto de vista, precisa ser bem racional, mas não custa consultarmos a experiência dos livros sagrados. Segundo a Bíblia, o sexo fora do casamento entre pessoas desimpedidas não chega a configurar um pecado ao contrário do que padres e pastores ensinam por aí. Devemos entender como eram os casamentos naqueles tempos antigos ainda livres de tantas exigências burocráticas sem o controle estatal da atualidade. Também se faz necessário compreender quais os reais significados de fornicação e de imoralidade sexual, o que de maneira alguma se aplica a dois jovens que, mesmo não tendo papel passado, transam com fidelidade e pureza.

Dentro dessa visão libertadora, a sabedoria do livro de Provérbios seria a instrução mais sensata para os nossos jovens. Nos capítulos de 5 a 7, o autor bíblico faz várias advertências contra as relações adúlteras e estimula o leitor a alegrar-se com a "mulher da mocidade", com ênfase explícita no prazer físico frequente:

"Seja bendito o teu manancial,
e alegra-te com a mulher da tua mocidade,
corça de amores e gazela graciosa.
Saciem-te os seus seios em todo o tempo;
e embriaga-te sempre com as suas carícias."
(Pv 5:18-19; ARA)

Se considerarmos a "mulher da mocidade" como sendo a esposa com a qual o homem casou ainda jovem, podemos extrair daí a relevância de não se adiar por muito tempo o sexo. Por isso eu entender que o verdadeiro namoro santo muitas das vezes poderá e deverá incluir a prática de relações sexuais antes do casamento. Aliás, hoje em dia, quando tenho a oportunidade de aconselhar um rapaz ou uma moça que esteja há algum tempo juntos, oriento-lhes a transarem normalmente com toda a dignidade. Se ainda não têm condições econômicas de constituírem um lar, não tem problemas. Basta evitarem filhos usando métodos contraceptivos como pílulas e preservativos.


OBS: Imagem acima usada em vários sites da internet para simbolizar o "namoro santo" entre os católicos.

O discípulo e a sua cruz



Na postagem anterior, sobre a confissão de Pedro, cheguei a iniciar uma abordagem muito breve dos versículos 23 e seguintes do capítulo 9 do Evangelho de Lucas. Eu pretendia ir hoje direto ao episódio da Transfiguração, mas percebi a necessidade de fazer um aprofundamento das sábias palavras atribuídas ao Mestre que, certamente, receberam uma redação conforme a significação dada pela Igreja décadas depois de sua morte.

"Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; quem perder a vida por minha causa, esse a salvará. Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se ou a causar dano a si mesmo? Porque qualquer que de mim e das minhas palavras se envergonhar, dele se envergonhará o Filho do Homem, quando vier na sua glória e na do Pai e dos santos anjos. Verdadeiramente, vos digo: alguns há dos que aqui se encontram que, de maneira nenhuma, passarão pela morte até que vejam o reino de Deus." (Lucas 9:23-27; ARA)

Sem dúvida que o contexto literário está primeiramente relacionado à predição de Jesus sobre sua morte (verso 22), o que vai ser confirmado na Transfiguração pelas palavras de Moisés e de Elias (v. 31). Porém, os ensinos transcritos acima convidam o leitor para se tornar também um protagonista caminhando nos passos do Mestre. Revelam-nos a inegável extensão do discipulado: carregar cada qual a própria "cruz" (v. 23).

Esses ditos do Evangelho abrem inúmeras possibilidades interpretativas e de aplicação pessoal. Cada discípulo tem uma cruz específica para colocar nas costas, isto é, uma área de sua vida onde precisará lutar contra os interesses egocêntricos que o alienam espiritualmente. É algo que somente o próprio seguidor poderá fazer porque se insere dentro das fronteiras do livre arbítrio. Logo, nem mesmo o Senhor Jesus ou a sua Igreja vão desempenhar para ele uma tarefa evolutiva que é exclusivamente pessoal.

Entretanto, o Mestre veio nos incentivar para lutar e vencer, continuando bem do nosso lado para transmitir o apoio que necessitamos. Ele nos mostra a recompensa que há em renunciarmos as ambições do ego que é ganhar/salvar a vida ao invés de perdê-la (v. 24). Tem-se, assim, uma positiva inversão de valores mas que vem nos levar à realidade existencial, libertando-nos das ilusões passageiras deste mundo.

Como alguém poderá achar a própria vida perdendo-a? Afinal de conta, que paradoxo é este?

A meu ver, Jesus não estava restringindo o seu discurso à escatologia e nem a recompensas póstumas. No verso 27, ele promete o alcance da visão do Reino de Deus antes mesmo do discípulo passar pela morte, embora nem todos chegarão a este nível de amadurecimento. E, quanto a isso, eu diria que se trata de entender intimamente o sentido da vida e de assumirmos o nosso papel existencial de relacionamento com o próximo. Compreendemos que a verdadeira alegria não se encontra no valor da conta bancária, no acúmulo de poder, bens materiais, prazeres e fama, mas reside numa vida para fora de nós mesmos numa atitude permanente de serviço. Por tal motivo, o triunfalismo do ego só pode conduzir a uma vitória vazia e a um auto-engano.

Ao longo da História, pelas escolhas de vida que fizeram, muitas pessoas parecem ter experimentado ainda aqui o Reino de Deus, o qual se encontra arraigado na eternidade, incluindo todas as dimensões da existência (lá e cá). Eu creio que o discípulo, ao partir, experimenta um gozo sem igual no reencontro de sua alma com o Criador sem as barreiras da fisicalidade. Contudo, estamos hoje aqui, chamados para sermos construtores deste jardim maravilhoso chamado Terra e temos muito a contribuir, pelo que precisamos aproveitar intensamente o tempo que nos é dado nesta breve experiência.

Confesso ter já idealizado demais as biografias daqueles que, aparentemente, teriam dado tudo de si por causas sociais ou religiosas. Cheguei à conclusão que para uns foi motivo de verdadeira realização enquanto outros se frustraram. E, se para eles deu certo, não quer dizer que servirá para todo seguidor de Jesus.

Há missionários que partem para a África, Haiti ou Timor Leste e se decepcionam. Descobrem que estavam vivendo mais uma fuga de si mesmos pelas escolhas de afastamento que fizeram ao invés de desenvolverem  o amor na proporção que caberia em seus corações. Esqueceram das possibilidades de atuação em suas respectivas cidades, juntos da companhia familiar, sem deixarem de trabalhar e de criar filhos, visitando os doentes de perto, os presídios, as clínicas psiquiátricas, os asilos, etc.

Mais adiante, no capítulo 14, o Mestre mostrará que o verdadeiro discipulado exige abnegação e aí adianto em lembrar das metáforas do homem que decide edificar a torre calculando primeiro as despesas orçamentárias e do rei que, antes de combater numa guerra, avalia o número de seu efetivo militar para saber se terá condições de dar enfrentamento ao adversário. Ou seja, é preciso nos conhecermos melhor praticando um auto-exame e, finalmente, concluir sobre qual área de nossas vidas requer uma renúncia. Jamais podemos nos esquecer que as escolhas poderão iniciar um processo novo ("dia a dia"), com causa e efeito, sendo muitas das vezes irreversível. Por isso, as decisões precisam ser sempre conscientes e maduras através das projeções feitas sobre o tempo e o espaço.

Inegável que esse ensino bíblico cause uma certa dose de angústia no leitor porque o autor sagrado vem justamente nos tirar das nossas zonas de conforto. Quando vier em sua glória, o Mestre não deseja se envergonhar de nós. Daí não é recomendável vivermos egocentricamente, mas devemos agir com cautela e descobrirmos qual o tamanho e o peso da cruz que iremos carregar para crescermos espiritualmente. Enfim, qual será a nossa participação no processo construtivo do Reino e preparação do mundo para a glória futura tanto desejada.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra do artista italiano Sebastiano del Piombo (1485-1547). Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em https://it.wikipedia.org/wiki/File:Christ_del_piombo.jpg

"Quem dizeis que sou eu?"

"Estando ele orando à parte, achavam-se presentes os discípulos, a quem perguntou: Quem dizem as multidões que sou eu? Responderam eles: João Batista, mas outros, Elias; e ainda outros dizem que ressurgiu um dos antigos profetas. Mas vós, perguntou ele, quem dizeis que eu sou? Então, falou Pedro e disse: És o Cristo de Deus. Ele, porém, advertindo-os, mandou que a ninguém declarassem tal coisa, dizendo: É necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e, no terceiro dia, ressuscite" (Lucas 9:18-22; ARA)


A identidade do ser humano é algo de enorme importância para a convivência entre as pessoas dentro de qualquer sociedade. Em praticamente todos os lugares, o nome de alguém possui um significado capaz de expressar um sentimento ou desejo dos pais, mesmo que estes tiveram por objetivo homenagear alguém. Em certas culturas, faz parte dos costumes atribuir nomes conforme as experiências de vida dos membros da comunidade enquanto que, entre nós, recebemos outras identificações.

De acordo com o Evangelho de Lucas, antes do Mestre ser concebido por Maria, o anjo revelou que o seu nome seria Jesus significando que "Deus é a salvação" e predizendo que ele seria chamado "Filho do Altíssimo" (ver Lc 1:31-32). Tal foi a expressão divina a seu respeito, apresentada ao leitor logo no início do livro, e que se cumprirá na sequência da narrativa. Quando, então, ocorre o nascimento aguardado, é comunicado aos pastores o recado celestial de que "hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor" (2:11).

Passados os acontecimentos do Natal, é como se as cortinas do teatro se abrissem e a história de Jesus recomeçasse até Maria esquecer do propósito da missão de Jesus e não compreender as palavras ditas pelo filho de que lhe "cumpria estar na casa de meu Pai". João Batista testemunhará que viria alguém mais poderoso do que ele (3:16-17), mas, para os moradores de Nazaré, cidade onde o Salvador foi criado, ele era apenas "o filho de José" (4:22).

A identidade de Jesus já havia sido testada durante a tentação no deserto. Por duas vezes, antes de lhe propor algo errado, o diabo iniciou a pergunta desta maneira: "se és filho de Deus???" (4:3,9). Porém, nos casos de pessoas assediadas por espíritos malignos, os demônios declaravam  ser ele "o Filho de Deus", embora tais testemunhos fossem censurados (4:41). Os fariseus ainda indagariam "quem é este que diz blasfêmias?" (5:21), os habitantes de Naim reconheceriam-nos como "grande profeta" (7:16), João duvidaria se de fato ele era "aquele que estava para vir" (7:19) e, quando a tempestade foi acalmada no Mar da Galileia, os discípulos se admiraram dizendo: "Quem é este que até aos ventos e às ondas repreende, e lhe obedecem?" (8:25).

 No capítulo 9, Jesus quer então saber o que aqueles homens, os quais andavam com ele, pensavam a seu respeito. Primeiro pergunta a respeito das ideias expressadas pelas multidões para, em seguida, ouvir dos mais chegados (sua nova família) sobre o que ele era para os membros do grupo que formou. Assim, o verso 19 repete o que já havia sido colocado anteriormente no 7 e no 8 quando fala da preocupação do rei Herodes: uma ressurreição de João Batista, de Elias ou de algum dos antigos profetas.

"Mas vós quem dizeis que sou eu?" (verso 20)

Creio que, quando formulou tal pergunta dirigida aos seguidores próximos, num íntimo momento de oração longe das multidões, nosso Mestre desejava ouvir algo sincero. Queria saber o que estava nos corações deles pois, pelo que se pode perceber de toda a narrativa de Lucas, Jesus não ficava se auto-proclamando o Messias esperado pelo povo judeu. A si mesmo referia-se modestamente com o o "filho do homem", ainda que o autor sagrado nos diga, desde as primeiras páginas, que ele era mesmo o Cristo. Somente Pedro teve a coragem e a ousadia de responder. O discípulo intrépido abre a sua boca e declara: "És o Cristo de Deus".

Chegamos aqui no clímax do livro em que pela primeira vez Jesus é reconhecido dessa maneira pelos que o seguiam. A afirmação não vem da boca  nem de anjo e nem de demônio. Foi um dos mais íntimos discípulos que fez a confissão!

No texto original de Marcos 8:27-30, o episódio em comento é imediatamente antecedido pela cura de um cego em Betsaida. Já em Lucas, seria pela multiplicação dos pães. Porém, considero importante levarmos em conta todos os eventos já apresentados pelo evangelista, como mencionei acima. Até este momento, os discípulos presenciaram Jesus pregando, curando, libertando pessoas do assédio de espíritos malignos, enfrentando a oposição dos religiosos e optando por conviver com os pecadores, sendo eles os destinatários do ensino secreto do Mestre acerca da interpretação das parábolas e o conhecimento dos "mistérios do Reino" (8:10).

De acordo com a versão ampliada do 1º Evangelho (Mt 16:17), a confissão de Pedro decorreu de uma revelação divina, indo além da mera descoberta humana. Já os textos de Lucas e de Marcos não mencionam isto, ainda que possamos ver a ação de Deus implícita no posicionamento do discípulo. Isto porque havia uma série de contradições sendo suscitadas pela vida de Jesus.

Como pode o Messias fazer de impuros pescadores seus discípulos, aceitar prostitutas e ir a uma festa na casa de publicanos ao invés de seguir o modo de vida "santo" dos fariseus? Muitas coisas que o Senhor fazia eram vistas como escândalos. Ele quebrava a principal algema de todos os tempos - a culpa incutida nas mentes humanas por causa do pecado. Ao declarar perdão ao seu semelhante, tais palavras eram tomadas como "blasfematórias" pelos religiosos que se arrogavam donos de Deus.

Pois bem. Pedro tinha sido até então um humilde pescador do Mar da Galileia que, ao separar os peixes comestíveis de todas as coisas capturadas em sua rede, tocava nos corpos dos animais impuros que eram tidos como impróprios para consumo pelos judeus. Sua profissão era por isso desprestigiada naqueles tempos de ignorância espiritual, mas foi o meio encontrado pelo discípulo para sobreviver até que o Mestre apareceu em sua vida e fez dele um "pescador de homens" (5:10). Jamais qualquer outro rabi iria tratá-lo com tanta dignidade e acolhimento.

Pedro e os demais apóstolos poderiam ter escolhido abandonar a Jesus porque ele se afastava do padrão de comportamento separado dos outros mestres. Contudo, os discípulos sabiam que também eram a causa do desprestígio que o Senhor sofria diante dos religiosos. Se o negassem, estariam rejeitando o único que lhes deu a oportunidade de serem incondicionalmente recebidos. Logo, aquela confissão foi a decisão mais acertada que Pedro fez.

A confissão de Pedro é seguida por uma advertência e explicação de Jesus sobre o que ainda iria lhe acontecer. O texto não diz o motivo pelo qual proibiu os discípulos de declararem ser ele o Messias. A meu ver seria porque Jesus pretendia distinguir-se do imaginário popular de que um messias viria libertar Israel da dominação estrangeira. Se os discípulos saíssem anunciando que ele era o Cristo, o seu ministério ainda em curso sofreria um desvirtuamento. Era a vontade de Deus que a contradição aumentasse ainda mais a respeito do nosso Senhor e só depois da rejeição, crucificação e ressurreição, os apóstolos poderiam compartilhar a descoberta de como identificaram Mestre. A partir daí, seria preciso fé para alguém, naqueles tempos, repetir a confissão de Pedro e significar Jesus de tal maneira.

Que paradoxo! De que maneira Jesus herdaria o trono de Davi, reinando para todo o sempre sobre a casa de Jacó, permitindo que fosse morto? Aquilo não poderia entrar na cabeça dos discípulos enquanto o Mestre convivia com eles. Mas considerando que o leitor da época da edição do 3º Evangelho já tivesse conhecimento sobre a pregação da obra redentora de Cristo, o autor sagrado passa diretamente para o ensino de que o seguidor deve carregar a sua cruz, pulado o trecho de Marcos 8:31-33. Será mostrada a necessidade de renúncia às ambições egoístas pela adoção de um novo estilo de vida capaz de promover o Reino de Deus. Aquela era a conquista que o nosso Senhor pretendeu alcançar pelas sábias contradições que suscitou.

Oras, a pergunta que não quer calar seria o que significa Jesus para o cristão na atualidade? Praticamente não há nada de desafiador alguém confessar ser Jesus o Messias no nosso tempo. O brasileiro, acostumado desde criança a chamar o Senhor de Cristo e ignorado qual o real significado do vocábulo (literalmente quer dizer "ungido"), só inovará se for seguir as mesmas atitudes polêmicas e aparentemente contraditórias do Mestre.

Pois bem. Quando vejo a Igreja criando obstáculos para a inclusão do pecador, não aceitando a condição dos homossexuais, exigindo das pessoas que, ao se converterem, sejam capazes de se adequarem num determinado padrão de comporta mento moral, percebo o quanto a cristandade ainda precisa conhecer melhor o seu Cristo. Do que adianta repetirem a confissão de Pedro se muitos líderes religiosos adotam atitudes incompatíveis com a obra feita por Jesus? Pois, quando rejeitam qualquer ser humano, é como se estivessem novamente pregando o Messias no madeiro!

Há um desvio de conduta nas igrejas que precisamos abolir. Aceitamos o pecador que se arrepende mas erramos em exigir dele um comportamento que se ajuste ao nosso, ignorando as dificuldades de cada um em se conduzir. Além do mais, pecamos em impor doutrinas e preceitos de homens tirando das pessoas a liberdade proposta em Cristo Jesus. Aliás, não faz muito tempo, durante uma missa rezada em 25/05/2013, o papa Francisco defendeu o batismo dos filhos das mães solteiras, advertindo os católicos com estas palavras:

"Essa mulher teve a coragem de continuar a gravidez. E o que encontra? Uma porta fechada?"

Se olharmos por esse prisma, continua sendo ousado e desafiador abraçar a causa de Jesus livre do fermento da religiosidade. Se imitarmos o seu comportamento escandaloso, seremos rejeitados pelos fariseus do presente. Seremos identificados pelos hipócritas como mundanos, apóstatas e hereges. Experimente, por exemplo, entrar num boteco e se sentar à mesa junto com algum necessitado espiritual que entorna um copo de cerveja para afogar as mágoas. Não vai demorar muito para que os "santinhos" comecem a dizer que você estava na "roda dos escarnecedores", citando equivocadamente o Salmo 1º.

Creio que esta é a cruz que temos para carregar seguindo os passos do Mestre. Do que adianta ao discípulo ganhar aplausos da Igreja inteira e se perder quanto ao verdadeiro propósito do Evangelho? Pois quem se envergonhar de conviver com o pecador, dele também se envergonhará o nosso Senhor quando vier encontrar-se conosco na sua glória. Portanto, não nos enganemos sobre quem foi Jesus: o maior "amigo dos publicanos e dos pecadores" (Lc 7:34).

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Seja bem vindo, papa Francisco!



Mesmo não sendo seguidor do catolicismo romano, estou feliz com a vinda do papa Francisco I ao Brasil nesta segunda-feira (22/07). O líder do maior grupo cristão do planeta chegou num momento bem oportuno e desejo que transmita uma mensagem de paz e de tolerância para o coração de todos. Algo que o nosso país tanto precisa ouvir no atual momento de reorganização da vida nacional após os confusos protestos de junho.

Minha expectativa é que Francisco volte o seu discurso para o social e inspire os jovens a construírem um futuro amoroso de justiça. O Brasil precisa muito de uma motivação capaz de levar o nosso povo a um direcionamento positivo. Algo que se relaciona intimamente com o resgate de uma cidadania baseada na disposição de dialogar e de trabalhar com vontade.

A juventude tem força e um enorme potencial para transformar o mundo. Lendo as Escrituras Sagradas podemos encontrar a seguinte passagem de encorajamento na primeira epístola de João:

"Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno" (1João 2:14c; ARA)

Sem dúvida que há males no mundo a serem vencidos. É o que devemos fazer cotidianamente. Para tanto, o jovem precisa reconhecer a si mesmo como sendo forte em Cristo e ter a Palavra do Senhor arraigada no seu interior. Não pode permitir que o amor pelo mundo, ou pelas coisas do mundo, o enfraqueçam, mas, sim, manter em si o foco espiritual que é o amor do Pai.

"Cristo bota fé nos jovens", assim afirmou o papa durante sua recepção no Palácio da Guanabara, reconhecendo o valor da juventude:

"(...) A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo e, por isso, nos impõe grandes desafios. A nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço; tutelar as condições materiais e imateriais para o seu pleno desenvolvimento; oferecer a ele fundamentos sólidos, sobre os quais construir a vida; garantir-lhe segurança e educação para que se torne aquilo que ele pode ser; transmitir-lhe valores duradouros pelos quais a vida mereça ser vivida, assegurar-lhe um horizonte transcendente que responda à sede de felicidade autêntica, suscitando nele a criatividade do bem; entregar-lhe a herança de um mundo que corresponda à medida da vida humana; despertar nele as melhores potencialidades para que seja sujeito do próprio amanhã e corresponsável do destino de todos (...)"

Assim, mais do que nunca é preciso investir na nova geração. São esses rapazes e moças, nascidos na última década do século XX, que desejamos ver brilhar. Muitos estão nesta Jornada Mundial da Juventude, ou seguindo outra orientação religiosa, seja cristã ou não. Outros, contudo, permanecem na alienação espiritual. Por isso, a transmissão de bons valores faz-se necessária para que a juventude caminhe e faça diferença com fé.


OBS: Foto acima sobre o discurso do papa no Palácio da Guanabara, Rio de Janeiro, durante a cerimônia de boas-vindas. Foi extraída do site da Agência Brasil com atribuição de créditos autorais a Tânia Rego.

domingo, 21 de julho de 2013

A multiplicação pela divisão



"E, tomando os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos para o céu, os abençoou, partiu e deu aos discípulos para que os distribuíssem entre o povo" (Evangelho de Lucas 9:16; ARA)


A multiplicação dos pães e a ressurreição do Senhor Jesus são os dois únicos milagres que constam nos quatro evangelhos. Em relação a Marcos 6:30-44, o texto de Lucas 9:10-17, sobre a passagem bíblica em cometo, apresenta-se mais breve, sem fornecer tantos detalhes que, talvez, não interessassem especificamente ao seu leitor original para fins de comunicação das boas novas.

Segundo a narrativa bíblica do 3º Evangelho, os apóstolos de Jesus tinham retornado da obra para a qual foram comissionados (Lc 9:10) , sobre o que escrevi no artigo anterior. Aqueles discípulos cumpriram a tarefa, pregando e ministrando curas nas aldeias, de modo que já deveriam estar cansados, precisando de um momento a sós com o Mestre afim de renovarem as forças.

Por esta razão, Jesus os chama para que se retirasse à parte sendo que o texto menciona o nome da cidade de Betsaida ("casa da pesca", em hebraico), situada a nordeste do Mar da Galileia, apenas alguns quilômetros de Cafarnaum. E, pelo versículo 12, podemos entender que o local exato da multiplicação dos pães teria se dado na circunvizinhança, numa área deserta. De qualquer maneira, a tradução do nome do lugar nos remete para o aprendizado já visto da pesca milagrosa.

Tudo já parecia preparado para o grupo poder passar a tarde e a noite por lá. Cinco pães e dois peixes seria o suficiente em termos de carboidratos e proteínas para os apóstolos e o Mestre satisfazerem as próprias necessidades nutricionais. Daria para cada um deles saciar a fome no pretendido picnic particular. Só que as multidões, ao saberem que se deslocavam para algum lugar, seguiram-nos. Jesus precisou mudar os planos de sua agenda e se dispôs a atender mais uma vez as pessoas, pregando e curando. O verbo acolher que consta no verso 11 torna-se então de grande importância para interpretarmos o ensino por rás do milagre.

Quando o dia começou a declinar, os doze apóstolos disseram a Jesus que despedisse as multidões para que as pessoas fossem às aldeias e propriedades rurais da vizinhança hospedarem-se e encontrarem alimento. Ou seja, teriam que comprar o que necessitavam e, na certa, muitos dos peregrinos já deveriam estar preocupados com o avançar da hora.

Contudo, Jesus planejava transmitir uma lição importante tanto para as multidões quanto para os discípulos. Algo que lhes mostraria como deveria ser no futuro o ministério deles sem a presença física do Mestre indicando o comportamento solidário da Igreja - a nova comunidade que se formaria. Com isto, a sua resposta foi desafiadora:

"Dai-lhes vós mesmos de comer" (verso 13)

E agora? O que fazer? Os cinco pães e os dois peixes não dariam para alimentar toda aquela gente. De acordo com o texto, eram uns 5.000 homens (v. 14) e, se considerarmos a presença das mulheres e das crianças, o número talvez chegasse perto dos 20.000. Era uma verdadeira multidão!

Comprar comida não solucionaria. Eles já traziam consigo o recurso. Bastava que os apóstolos abrissem mão do que tinham e os pães se multiplicariam. O milagre teria que depender da atitude de fé, ousadia e desapego dos discípulo. Como bos aprendizes eles deveriam optar por acolher as pessoas e não despedi-las. Não estavam ali para serem servidos e sim para cuidarem das necessidades do próximo.

Tal como Moisés organizava o povo de Israel no deserto, parece ter Jesus se inspirado em Êxodo 18:21. Possivelmente para que o alimento fosse melhor distribuído e o acontecimento ficasse bem registrado na memória eclesiástica. Pela matemática, passara a ter 100 grupos de 50 homens (v. 14), uma divisão fundamental para as obras assistenciais da Igreja darem certo. Tanto na ajuda espiritual quanto na troca de recursos materiais. Do contrário, um único pastor fica sobrecarregado de trabalho e deixa de atender melhor a todos.

Será que não podemos adotar organização semelhante dentro de nossas igrejas? É humanamente impossível para um líder ou assistente social conhecer as necessidades de milhares de famílias. Já num grupo de 50 fica mais fácil de ouvir a cada um, reuni-los e evitar fraudes. Por isso, mais do que nunca saber e querer descentralizar as grandes congregações afim de melhor organizá-las em células menores.

É importante notar que a distribuição dos pães não ocorreu sem a benção (v. 16). Pelos costumes judaicos, Jesus teria pronunciado uma proclamação de louvor antes de partilhar os pães como faziam os chefes de família. Ali era como se toda aquela multidão formasse uma comunidade de irmãos e recorda o episódio do maná quando os israelitas, vivendo ainda no deserto, receberam o sustento conforme a necessidade de cada um. E, mais de um milênio depois, com a benção de Jesus, a multidão é saciada. Sobram doze cestos de comida correspondendo ao número da plenitude do povo de Deus.

Pode-se dizer que, pela leitura da multiplicação dos pães, procurar a Igreja significa mais do que buscar curas e soluções para o sofrimento. Quem conduz o rebanho do Senhor deve ensinar solidariedade e levar as ovelhas a se importarem umas com as outras.

Milagres sobrenaturais nem sempre ocorrerão. Quando os filhos de Israel entraram na Terra Prometida, o maná cessou assim que a Páscoa foi celebrada e eles comeram do fruto da terra (ver Josué 5:10-12). Logo, se Deus tem dado a nós recursos pelos meios normais, precisamos fazer a multiplicação dos pães pela ação solidária coletiva. Esperar que as ajudas caiam do céu ou que cheguem pelo assistencialismo do governo por ser obrigação estatal, não me parece o caminho. Cabe à Igreja de Cristo, com sabedoria e discernimento diante de cada caso, buscar meios cabíveis para a promoção do bem de todos suprindo as necessidades das famílias nos mais diversos aspectos. Para tanto, precisamos usar de uma matemática invertida: dividir e não concentrar.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A multiplicação dos pães do artista francês James Tissot (1836-1902) que se encontra no no Museu do Brooklyn, Nova York. Foi extraída do acervo virtual da Wikipédia em http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brooklyn_Museum_-_The_Miracle_of_the_Loaves_and_Fishes_(La_multiplicit%C3%A9_des_pains)_-_James_Tissot.jpg



quinta-feira, 18 de julho de 2013

Um movimento que abalou o rei

"(...) o tetrarca Herodes soube de tudo o que se passava e ficou perplexo (...)" - Lucas 9:7; ARA


Um dos ingredientes do sucesso ministerial do Senhor Jesus foi ter apostolado (enviado) os discípulos para anunciarem as boas novas do Reino de Deus pelas aldeias e cidades de Israel. No capítulo 9 de Lucas, o autor falará de um tipo de estágio que aqueles primeiros seguidores fizeram ainda na companhia do Mestre, os quais deveriam imitar tudo aquilo que o Salvador já vinha fazendo anteriormente: curas, libertação do assédio espiritual maligno e a pregação do Evangelho (versos 1 e 2).

Deve-se observar que Jesus, o maior visionário de todos os tempos, estava criando um movimento de base popular capaz de incendiar o mundo pela mensagem transformadora do Evangelho. Movimento este que não necessitava de recursos financeiros, nem de uma sede fixa, inscrição no CNPJ do Ministério da Fazenda,, gráficas para a impressão de livros e tão pouco das redes sociais da internet. Os discípulos deveriam carregar o mínimo que necessitavam utilizar, dependendo exclusivamente da Divina Providência:

"E disse-lhes: Nada leveis para o caminho: nem bordão, nem alforje [bolsa de viagem], nem pão, nem dinheiro; nem deveis ter duas túnicas" (verso 3)

Notem que o escritor de Lucas foi propositalmente mais radical do que a orientação registrada no 2º Evangelho, no qual foi permitido levar ao menos um bordão (Mc 6:8). Penso que o autor sagrado, por causa de uma necessidade contextual de seus dias, pretendeu ressaltar a leveza da bagagem do discípulo comissionado. Não só para que eles alcançasse m uma maior disponibilidade para viajar como também desenvolvessem a fé pois, certamente, precisariam transmitir confiança aos seus ouvintes.

Assim como Jesus não centralizou o ministério que desempenhou na sua pessoa, o apóstolo itinerante seguiria o mesmo exemplo quando se colocasse a caminho. Em qualquer comunidade para onde fossem, fariam de uma casa de moradia o ponto de apoio para iniciarem a obra missionária. Teriam que contar com a hospitalidade alheia e, assim, desta relação bem próxima entre hóspede e anfitrião, seriam lançadas as primeiras sementes do Reino no local.

Embora o discípulo enviado também se dirigisse às multidões, ele teria a oportunidade de apresentar uma outra dimensão do Reino a uma família no abrigo acolhedor de um lar. Juntos com os anfitriões eles fariam refeições comendo à mesma mesa, compartilhariam algo de suas vidas, conheceriam os conflitos domésticos e participariam de alguma forma do drama da comunidade bem no interior da célula do tecido social. Quem os recebesse sob seu teto, ganharia um aprendizado de valor inestimável, sendo que o próprio discípulo aprenderia também.

Entre tantas famílias existentes numa cidade, os apóstolos só poderiam escolher uma só casa onde deveriam permanecer até partirem do lugar (verso 4). A meu ver, isto era uma estratégia e tanto do Mestre pois, através da obra feita num lar, o movimento do Reino iria desenvolver-se apoiado numa estrutura essencialmente humana onde o relacionamento interpessoal ocorre com maior intimidade.

O Evangelho não foi pregado para ser vivenciado somente em templos onde ninguém reside e onde o encontro entre as pessoas apresenta-se como algo distinto da realidade delas. O que assistimos muitas das vezes nas reuniões dominicais das igrejas é mais uma vida de aparência. Cuida-se, na verdade, de mais um programinha de caráter religioso em que cada qual veste a sua máscara de santidade. Terminada a missa/culto/sessão/palestra, todos retornam aos seus comportamentos superficiais de sempre, sem maiores envolvimentos espirituais entre si.

A figura da casa, e nunca o prédio de uma igreja, é que deve representar o movimento de Jesus em nossas mentes como um ideograma. A reunião das pessoas em templos só se justifica pela necessidade de um auditório e de se desenvolver outras atividades que precisem de espaço coberto. Só que tais locais em si mesmos não têm a essência de um cristianismo autêntico e verdadeiro e jamais serão extensões de uso pois é no ambiente familiar e inclusivo que as coisas precisam acontecer. A Igreja com "i" maiúsculo é uma realidade viva correspondente a uma enorme família presente no seio da comunidade onde se encontra estabelecida.

Contudo, seria possível que, ao chegarem numa cidade ou aldeia, os apóstolos de Jesus não fossem recebidos por ninguém. Numa época em que a hospitalidade ainda fazia parte dos costumes, deixar de acolher um pregador das boas novas talvez significasse mais do que indiferença pela condição vulnerável de um viajante e expressava um sentimento de repúdio à mensagem anunciada. Em resposta, Jesus orienta os seus discípulos a sacudirem a poeira dos pés "em testemunho" (verso 5).

Mas afinal, que costume era este? E por que os apóstolos deveriam agir assim?

Certamente que as pessoas daquela época entenderiam o recado e o motivo pelo qual os discípulos deveriam proceder daquela maneira publicamente. Nos tempos de Jesus, quando um judeu peregrino vinha da diáspora, era comum sacudir os calçados antes de entrar no território sagrado de Israel. Era como se eles estivessem se libertando da terra impura de onde tinham vindo para poderem pisar no solo da Terra Prometida.

No entanto, vejo no ato simbólico dos discípulos uma nova chance para a comunidade refletir e se abrir para as boas novas do Reino. Tratava-se de lembrar as pessoas de que a conduta delas não seria condizente com a pertença ao povo de Deus. Logo, quando o apóstolo vai ter que ir embora, por não ter sido recebido/escutado, sacudir a poeira não seria nenhuma expressão de desprezo ou de vingança.

Sem dúvida que aquele movimento incendiou a Galileia e deixou o rei Herodes bem preocupado. Ele que antes havia mandado decapitar João Batista, agora enfrentava algo muito mais forte e ameaçador para os seus interesses. Da maneira eficiente como Jesus estruturou a revolução do Reino seria impossível os governos do mundo conterem aquele novo processo histórico simplesmente apagando os líderes. Teriam que exterminar comunidades inteiras! Pois se tratava de um trabalho discipular que, aos olhos dos poderosos, multiplicava-se incontrolavelmente longe das portas dos palácios e dos templos sem a dependência de seus recursos econômicos.

Teria João ressuscitado dentre os mortos?

De certa maneira, sim. Os apóstolos eram agora vários clones do profeta que estavam surgindo naqueles povoados de Israel. A energia dos pregadores vinha da fé no Deus vivo e eles transmitiam isso às comunidades por onde passavam. Era mais fácil para eles organizarem-se a partir das casas das famílias humildes, lugares onde  os reis e os nobres não frequentavam porque amavam o luxo dos palácios. Parecia até que o profeta Elias tivesse retornado e voltado a caminhar nas estradas vestido com pele de cabra.

Se nos tempos de Acabe o perverso monarca de Israel não conseguiu achar Elias, também Herodes precisaria esforçar-se para ver se conseguiria encontrar Jesus (verso 9). Nosso Salvador também levava uma vida simples junto com seus discípulos e seus interesses não eram os mesmos daquele inescrupuloso governante. O Mestre não tinha nada a ver com os pseudo-evangelistas midiáticos do presente com seus carrões do ano, templos suntuosos e até aeronaves.

Na sequência da narrativa, isto é, no episódio da primeira multiplicação dos pães, Jesus vai continuar ensinando os discípulos a tarefa de anunciar as boas novas do Reino executando-as. Nos arredores de Betsaida, eles aprenderão a alimentar a alma das multidões, dando eles mesmos de comer (verso 13). Ao contrário dos reis que eram alimentados e servidos pelos impostos do povo, caberá ao apóstolo fazer o inverso.