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terça-feira, 3 de maio de 2016

Deve o consumidor ser indenizado apenas por adquirir alimentos "bichados"?




Na tarde de hoje, uma pessoa fez contato comigo via internet pedindo orientações sobre como proceder por ter ela aberto um produto alimentício e encontrado larvas em seu interior. O diálogo começou assim:

"Rodrigo
Tudo bem ?
Me dá uma ajuda. Acabei de abrir uma paçoca , da qual eu compro caixa . Inclusive tenho uma caixa dela em casa. É de dieta e é bem cara .
Acabei de abrir uma e achei uma larva
Gravei um vídeo .
Vc acha q da alguma coisa ?"

Orientei-a primeiramente a solicitar ajuda da Vigilância Sanitária em sua cidade e buscar providências na esfera administrativa. Não só pela sua indignação pessoal, mas também pela importância para a coletividade de consumidores a fim de que haja uma melhor fiscalização por parte do governo. Entretanto, quando indagado por ela se valeria a pena ter o trabalho de abrir um processo na Justiça, fiz algumas ponderações.

O fato é que casos assim, em que o consumidor adquire um alimento em condições impróprias para ser ingerido, mas não chega consumi-lo, nem sempre terá o dano moral reconhecido pelos magistrados. Apesar da perplexidade, da indignação e do asco que a situação causa, além do evidente aborrecimento em precisar trocar o produto junto ao fornecedor, a caracterização da lesão imaterial varia conforme o entendimento do julgador.

Deste modo, consultando a jurisprudência do Tribunal de Justiça daqui do Rio de Janeiro, encontrei algumas decisões desfavoráveis como esta da 27ª Câmara Cível em que foi mantida a sentença que havia determinado apenas a devolução do valor da caixa de bombom. Em primeiro grau de jurisdição, foi o autor condenado a arcar com as custas judiciais e honorários advocatícios, sendo estes fixados em R$ 800,00 para cada patrono dos réus, não tendo a relatora alterado em nada a sentença ao reapreciar monocraticamente o julgado. Aliás, ela se referenciou em diversos precedentes não só do TJERJ como do STJ: 

"APELAÇÃO. CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE ALIMENTO IMPRÓPRIO PARA CONSUMO. PRAZO DE VALIDADE VENCIDO E COM PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO. AUSÊNCIA DE INGESTÃO. INOCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS. Sentença de parcial procedência. Incontroverso que em agosto de 2014 o autor adquiriu junto à 2ª ré bombom de fabricação da 1ª ré, cuja data de validade se encontrava vencida desde março de 2014, além de ter sido constatada a presença de larvas no produto. Não obstante, tendo em vista a ausência de ingestão do alimento impróprio para o consumo, não restou caracterizado risco concreto de lesão à saúde e segurança do autor ou de sua família. "A orientação jurisprudencial esposada por esta Excelsa Corte é no sentido de que a ausência de ingestão de produto impróprio para o consumo configura hipótese de mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão indenizatória decorrente de alegado dano moral. Precedentes." (AgRg no AREsp 489.325/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/2014, DJe 04/08/2014). Precedentes TJERJ. Art. 557, caput, do CPC. NEGATIVA DE SEGUIMENTO." - Processo n.º 0024470-76.2014.8.19.0042 - APELACAO - 1ª Ementa - DES. MARIA LUIZA CARVALHO - Julgamento: 28/01/2016 - VIGESIMA SETIMA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR

Já neste outro caso, decidido por desembargador diverso do mesmo órgão fracionário do Tribunal, o consumidor teve a sua pretensão indenizatória reconhecida somente em grau de recurso e levou 2 contos de compensação pelos danos morais, mesmo sem ter ingerido o alimento: 

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA POR VÍCIO DO PRODUTO. BARRA DE CEREAIS FABRICADA PELA DEMANDADA, A QUAL SE ENCONTRAVA REPLETA DE LARVAS E, PORTANTO, IMPRÓPRIA AO CONSUMO, CONQUANTO AINDA NO PRAZO DE VALIDADE. ALIMENTO QUE NÃO FOI INGERIDO. VIOLAÇÃO DE EXPECTATIVA ESSENCIAL NA RELAÇÃO DE CONSUMO: A CONFIANÇA. FORNECEDOR GARANTE O PRODUTO OFERECIDO AO CONSUMO, RESPONDENDO PELA SUA QUANTIDADE E QUALIDADE. FORTUITO INTERNO. APLICABILIDADE DA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO. DANO MORAL QUE, NESTE CASO, DECORRE IN RE IPSA. À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE, E LEVANDO-SE EM CONSIDERAÇÃO AS CARACTERÍSTICAS DO CASO CONCRETO, SOBRETUDO EM ATENÇÃO À REPROVABILIDADE DA CONDUTA DA RÉ, SEM DEIXAR DE CONSIDERAR, AINDA, O CARÁTER PUNITIVO E A NATUREZA PREVENTIVA DA INDENIZAÇÃO, ENTENDO QUE O VALOR DA INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS, DEVE SER ARBITRADO EM R$ 2.000,00 (DOIS MIL REAIS), EIS QUE, FIXADO EM PERFEITA CONSONÂNCIA COM OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE, E OS PRECEDENTES DESTA CORTE. PROVIMENTO DO RECURSO." (Processo n.º 0021636-03.2013.8.19.0021 - APELACAO - 1ª Ementa - DES. ANTONIO CARLOS BITENCOURT - Julgamento: 24/09/2015 - VIGESIMA SETIMA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR)

Certamente que para brigar por questões semelhantes a essas, o cidadão precisa colher uma prova básica do fato e estar disposto a correr riscos, sabendo que, na hipótese de êxito, provavelmente receberá algo de baixo valor. E, se contratar um advogado, talvez nem consiga se ressarcir quanto ao pagamento dos honorários do causídico. Mas, de qualquer maneira, há que se produzir logo fotografias e, se for o caso, correr atrás de algum laudo médico (se apessoa ingerir o alimento vindo a passar mal). É como podemos ler nestas outra decisão também da lavra do des. Antonio Carlos Bitencourt considerando que pode ser aplicada a inversão do ônus probatório com fundamento no Código de Defesa do Consumidor (CDC):

"APELAÇÃO CÍVEL. Direito do Consumidor. Ação de indenização por danos morais. Alimento impróprio para consumo. Sentença de improcedência por falta de provas. Embalagem de biscoito contendo no seu interior larvas de insetos, que somente foi notado após ingestão. Conjunto probatório colacionado aos autos - atendimento médico e fotografias demonstra a veracidade das afirmações da parte autora. Desnecessidade de qualquer prova pericial, a qual, aliás, já estaria prejudicada, pelo decurso do tempo, afigurando-se dispensável neste estágio do processo. Insta destacar que realizar o consumo de uma mercadoria alimentícia sem efetivar a abertura do recipiente foge dos liames do razoável. Ré que não se desincumbiu do ônus que lhe cabia como determinam os art. 333, II, do CPC e 12, § 3º do CDC. Dano moral configurado. Diante da situação vivenciada pela autora - sentimentos de repulsa, nojo e insegurança - o dano moral restou configurado, já que desborda dos meros dissabores da vida cotidiana. Ademais Jurisprudência que vem entendendo que a situação configurada nos autos ultrapassa o mero aborrecimento cotidiano, frustrando a expectativa do consumidor que, ao adquirir o produto, confia no fabricante e no comerciante. Precedentes do STJ. PROVIMENTO DO RECURSO PARA CONDENAR A RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO VALOR DE R$1.500,00(HUM MIL E QUINHENTOS REAIS), COM JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA, BEM COMO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, COM FULCRO NO ARTIGO 557, § 1º A, DO CPC." - Processo n.º 0014162-86.2014.8.19.0007 - APELACAO - 1ª Ementa - DES. ANTONIO CARLOS BITENCOURT - Julgamento: 17/09/2015 - VIGESIMA SETIMA CAMARA CIVEL CONSUMIDOR

Os que lutam por essas causas não devem ser mal vistos por estarem abarrotando a justiça de processos, mas, sim, contribuindo para a aplicação das leis e prevenção de outras situações potencialmente danosas. Por isto, mais importante do que o consumidor acionar a empresa responsável pretendendo indenizações por danos morais, é notificar a Vigilância Sanitária a fim de que o Poder Público cumpra com o seu papel de fiscalizar e de punir quem coloca no mercado produtos capazes de por em risco a segurança alimentar da população.


OBS: Créditos autorais da imagem acima atribuídos a Miliane de Freitas/VC, conforme consta no portal do G1 em http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2013/08/armazenamento-e-vilao-da-larva-no-chocolate-dizem-anvisa-e-especialista.html

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