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sábado, 7 de dezembro de 2019

Créditos contra o governo com mais de cinco anos podem não estar prescritos ainda!



Uma das dúvidas que muitos contribuintes, servidores e cidadãos em geral têm é a respeito da prescrição de cinco anos quanto aos seus créditos contra a Fazenda Pública. 

Entretanto, nem todos sabem o que significa prescrição, a qual, tentando traduzir num português bem claro, seria a impossibilidade de alguém exercer um direito depois de permanecer inerte por um determinado lapso de tempo. Ou, em outras palavras, é quando a pessoa já não tem mais direito de mover uma ação na defesa de seu interesse porque, durante um período previsto em Lei, nenhuma providência cabível tomou em seu favor.

Como já dizia um ex-professor meu, repetindo um velho jargão jurídico, "o Direito não socorre aos que dormem". Pois, se bem refletirmos, causaria até uma intranquilidade e uma insegurança nas relações sociais caso se admitisse que uma pessoa tenha sobre outra uma pretensão possível de ser reivindicada ou não no decorrer dos tempos, dependendo exclusivamente de um ato de vontade.

Por outro lado, seria injusto exigir que, imediatamente após sofrer um prejuízo, as pessoas mostrem-se capazes de tomar as medidas jurídicas necessárias a seu favor, procurando logo a Justiça. Até porque levar todo e qualquer conflito aos tribunais não deve ser a primeira solução para resolvermos os problemas do nosso cotidiano, pois, do contrário, poderá até caracterizar uma atitude de flagrante má-fé.

Ora, quando se trata de, por exemplo, cobrar uma dívida do governo, ou exercer qualquer direito em face do Poder Público, deve-se ter em mente que, desde os tempos do então presidente Getúlio Vargas, tais pretensões "prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem", como prevê claramente o artigo 1º do Decreto n.º 20.910/1932. Ou seja, se o fato danoso se deu em 10/04/2013, o direito a mover um processo judicial contra o ente público causador do prejuízo findou em 10/04/2018.

Só que existe um porém!

Embora a prescrição impeça o indivíduo de pleitear a cobrança de um crédito que seja anterior ao quinquênio pretérito à propositura de uma demanda judicial, não se pode ignorar que aquele mesmo  Decreto que o Vargas assinou, junto com o ministro Oswaldo Aranha, diz no parágrafo único do seu artigo 4º o seguinte:

"Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.

Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano." (destaquei)

Acrescente-se que a jurisprudência do STJ já se pacificou no sentido de que o prazo de prescrição contra a Fazenda Pública é suspenso por pedido formulado na esfera administrativa, iniciando-se, novamente, o seu curso por ocasião da decisão final da Administração Pública. Senão vejamos:

"ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL. ADICIONAL NOTURNO. PAGAMENTO DE PARCELAS ATRASADAS. PEDIDO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE NEGATIVA EXPRESSA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 07/STJ. I – O acórdão recorrido foi proferido em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que não corre a prescrição enquanto perdurar, sem resposta, pedido realizado na órbita administrativa (STJ, AgRg no Ag 596.846/DF, Relator Ministro Felix Fischer, DJU de 8/11/2004). II – Tendo o Tribunal de origem decidido que não houve negativa expressa do pedido administrativo, entender de forma contrária demandaria o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos (Súmula 07/STJ). III – A questão concernente à ocorrência da interrupção da prescrição e do suposto decurso do prazo prescricional importa em apreciação da matéria fática do feito, reexame incabível, na via do Recurso Especial, atraindo, do mesmo modo, o enunciado da Súmula 07 desta Corte. IV – Agravo Regimental improvido." (AgRg no REsp 1068598/DF, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, DJe 01/03/2013).


"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. GRATIFICAÇÃO POR TITULAÇÃO. PARCELAS ATRASADAS. FORMULAÇÃO DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE RESPOSTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. Se a matéria veiculada no recurso especial não foi alvo de discussão na origem, apesar de opostos embargos de declaração, incide, no ponto, a Súmula nº 211 do STJ, a obstar a pretensão recursal, ante a ausência de prequestionamento. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que a formulação de requerimento administrativo suspende a contagem do prazo prescricional, cujo curso será retomado somente com a decisão final da Administração Pública sobre o pedido. Na espécie, a pretensão de receber os valores retroativos da Gratificação por Titulação veiculada na ação de cobrança não foi objeto das portarias que responderam parcialmente ao primeiro requerimento administrativo da servidora pública, uma vez que apenas concederam a vantagem pleiteada com efeitos prospectivos. Por isso é que o segundo requerimento administrativo, protocolado em 2/3/2003 e sem resposta do ente público, teve o condão de suspender o prazo prescricional, dado que se buscava o direito à percepção das parcelas atrasadas; ou seja, omissas. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag 1255883/SE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, DJe 15/02/2013). ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO PRAZO. ART. 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO 20.910/32. RENDIMENTOS PAGOS EM CUMPRIMENTO DE DECISÃO DA JUSTIÇA FEDERAL. DESCONTOS LEGAIS. ART. 27 DA LEI 10.833/2003. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. O requerimento administrativo suspende o lapso prescricional, nos termos do art. 4.º do Decreto 20.910/32, reiniciando-se a contagem do prazo na data da negativa do pedido. Precedentes do STJ. O Imposto de Renda sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão da Justiça Federal mediante precatório ou requisição de pequeno valor será retido na fonte pela instituição financeira responsável pelo pagamento e incidirá na alíquota de 3% (três por cento) sobre o montante pago, sem quaisquer deduções, no momento do pagamento. De acordo com o art. 27 da Lei n. 10.833/2003. Precedentes do STJ. Não ocorre afronta ao art. 535 do CPC, quando a matéria objeto do Recurso foi enfrentada pelo Tribunal a quo, na medida em que explicitou os fundamentos pelos quais não proveu a pretensão do recorrente. Não caracteriza omissão ou falta de fundamentação a adoção de posicionamento contrário ao interesse da parte. Agravo Regimental não provido." (AgRg no REsp 1283169/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 19/12/2012).


"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ATO DE REENQUADRAMENTO/RECLASSIFICAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO PRAZO QUINQUENAL. REINÍCIO DA CONTAGEM APÓS DECISÃO FINAL. PRESCRIÇÃO CONSUMADA. – Esta Corte pacificou o entendimento de que o ato de reenquadramento/reclassificação constitui-se em ato único de efeito concreto, que não caracteriza relação de trato sucessivo. Consumada a prescrição do próprio fundo de direito. – O requerimento administrativo suspende a contagem do prazo prescricional, na forma do art. 4º do Decreto n. 20.910/1932, que só se reinicia após a decisão final da administração. Precedentes. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 1260306/CE, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, DJe 23/08/2012).

Assim sendo, basta a abertura de um protocolo nas vias administrativas para que ocorra a suspensão desse prazo prescricional sendo que muitas das vezes é comum os processos ficarem abertos por um longo período e carecendo de uma decisão da autoridade competente.

Fato é que, em via de regra, quando temos qualquer problema com o Poder Público, há que se buscar primeiro as vias administrativas, encaminhando um requerimento ao protocolo, e então, apenas na hipótese de não se obter uma solução, a parte deve ingressar com ação judicial. Do contrário, corre-se o risco do juiz extinguir o processo sem julgamento de mérito

Certamente que ninguém vai ficar aguardando por vários anos para, depois desse tempo todo, constituir um advogado e entrar na Justiça. Pois, mesmo sem haver decisão administrativa no processo, é possível ajuizar a demanda. E há situações, como nos casos de uma indenização por danos morais, em que seria evidente perda de tempo (e movimento inútil da máquina pública) protocolar um requerimento pedindo uma reparação compensatória porque será indeferido.

Portanto, é bem provável que inúmeros cidadãos neste país que abriram protocolo numa prefeitura na década passada ainda tenham direitos que possam pleitear judicialmente. Sobretudo tratando-se de servidores públicos quando, por exemplo cobram o pagamento de resíduos salariais provenientes de exoneração, aposentadoria, pensão por morte ou valores retroativos de diferenças remuneratórias devidas.

Em todos esses casos, é sugestivo que o interessado vá até à repartição pública e solicite uma certidão de inteiro teor do seu processo administrativo. Trata-se de um serviço que, embora costume ser cobrado, permite saber tudo o que aconteceu nos autos, da primeira até á última folha, incluindo o requerimento inicial, as informações juntadas, pareceres e a decisão da autoridade administrativa. E pode ser solicitado tanto em relação a processos em andamento quanto aos que se acham no arquivo.

Por fim, com as cópias de inteiro teor em mãos, torna-se possível levar o caso para um profissional do Direito (advogado ou defensor público) analisar o processo administrativo e verificar se ocorreu ou não a prescrição da pessoa. E aí, caso haja alguma condição de litigar, o mesmo irá prestar o devido esclarecimento acerca do que ainda é possível fazer. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Professor contratado sucessivamente por Prefeitura tem direito ao FGTS!



O ano vai acabando e os prefeitos começam a fazer as suas covardias com os professores temporários nas redes municipais de ensino, dispensando-os do trabalho antes do término do prazo contratual, justamente para não ter que lhes pagar durante a época de férias e negar os direitos trabalhistas. 

Neste país de injustiças, onde as pessoas estudam a vida inteira esforçando-se para entrar e se manter numa faculdade, a fim de um dia se formar professor, não há um pingo de respeito na maioria das prefeituras. Pois, como os gestores recusam-se a abrir concurso público, muitos dos nossos profissionais do ensino acabam aceitando um contrato temporário de trabalho tendo os mesmos deveres e obrigações de um servidor efetivo, porém com um salário menor e sem os mesmos direitos. Então, como presente de boas festas, a Administração Municipal corta metade do salário de dezembro, o qual é proporcional aos dias letivos do mês. 

Infelizmente, por imperar uma verdadeira falta de vontade política entre os nossos governantes, os quais se recusam a aumentar os investimentos em educação e nem querem valorizar a carreira das professoras e professores, eis que a exceção do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal, que é a de "atender a necessidade temporária de excepcional interesse público", acaba se tornando quase uma regra. Até mesmo porque essa precarização do trabalho torna-se vantajosa nos aspectos financeiro e eleitoral.

Todavia, é preciso informar os professores acerca de seus direitos. Isto porque a extinção do contrato não somente pode gerar a obrigação de pagamento do saldo dos dias trabalhados, décimo terceiro salário e férias, proporcionais ou integrais, conforme o caso, como também o recebimento do FGTS.  

Em outras palavras, um contrato que deveria ser por tempo determinado, mas que é renovado sucessivamente (e acaba se tornando um único vínculo contratual "permanente" com o Município), pode ser declarado nulo pelo Judiciário. Desta maneira, o professor temporário passa a ter direito de receber as verbas de cunho trabalhista constantes na Constituição e também na legislação municipal aplicável ao cargo.

Importante esclarecer que esse entendimento tem sido totalmente acolhido pelos tribunais brasileiros sendo que o próprio STF, que é o órgão máximo do Poder Judiciário, já se deparou com o tema pacificando a questão (RE 902664; ARE 681.356-AgR; AI 767.024-AgR; AI 837.352-AgR). Logo, é preciso estar atento quanto aos depósitos do FGTS correspondentes ao período de serviço prestado, de modo que é recomendável procurar a Caixa Econômica Federal e retirar um extrato simplificado do recolhimento do fundo de garantia relativo ao período do vínculo com a Prefeitura.

Finalmente, deve ser esclarecido que pouco importa o fato de o contrato temporário dos professores ter natureza jurídica administrativa-estatutária e não natureza celetista. Pois, se houver o desvirtuamento para burlar a regra do concurso público, haverá direito ao recebimento do FGTS até os últimos cinco anos, tendo em vista o quinquênio prescricional.

Sabemos que o correto é a realização de concurso público e não a utilização de nomeação de servidores comissionados ou de contratações temporárias como forma de atender interesses políticos dos gestores. Logo, é preciso que os gestores respeitem a Constituição e, consequentemente, a dignidade do trabalhador bem como a qualidade dos serviços prestados.

Com a aproximação das eleições de 2020, chega o momento do eleitor brasileiro avaliar a conduta do prefeito de sua cidade e pensar numa mudança para os rumos da educação municipal. E, se o gestor não respeita o profissional do ensino, certamente não merece mais o nosso voto.

Ótima semana a todos!