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sábado, 26 de junho de 2021

Como Mangaratiba pode melhorar o seu Centro Histórico e Gastronômico?!

 



É possível que muita gente nem saiba, mas o Município de Mangaratiba possui um Centro Histórico e Gastronômico reconhecido pela Lei n.º 1.206/2019, cujo projeto foi de autoria do então vereador Fernando Freijanes, tendo sido a norma sancionada e publicada há pouco mais de dois anos.


Como se sabe, temos na área central da cidade uma antiga igreja tombada pelo IPHAN, cuja edificação é do final do século XVIII, além de vários casarões oitocentistas, um museu, um cruzeiro de pedra da época colonial e um centro cultural. Sem esquecermos também do próprio prédio onde funciona a Prefeitura.


Todavia, é preciso que, juntamente com a preservação de todo esse patrimônio, tenhamos melhorias estratégicas nas ruas do Centro, dentre as quais podemos acrescentar a construção de calçadões em determinados trechos, placas informativas sobre cada logradouro (e um relato sobre a pessoa cujo nome é homenageado), devendo a referida Lei Municipal ser colocada em prática em sua totalidade.


Certamente que a fiação subterrânea e a colocação de luminárias em formatos antigos, junto com o estabelecimento de padrões de conservação dos imóveis a serem definidos pela Fundação Mário Peixoto, leis de incentivo e quem sabe até uma réplica do trem "Macaquinho", contribuiriam decisivamente para melhorar o aspecto do lugar, proporcionando um salto de qualidade. E, por óbvio, todas essas intervenções influenciarão no desenvolvimento do turismo e do comércio local, atraindo mais visitantes para Mangaratiba durante o ano todo, não apenas na época de verão.


Em todo caso, há que se promover um amplo debate com a sociedade local, sendo, a meu ver, o uso das audiências públicas indispensável para que as opiniões e sugestões sejam colhidas para um grande projeto coletivo de melhorias dentro do espaço urbano.


Fica, portanto, compartilhada aqui a sugestão para que possamos, desde já, discutir como o Município conseguirá avançar.


Ótimo final de sábado a todos!

segunda-feira, 21 de junho de 2021

O homem que não se tratou



Há na Bíblia um personagem a respeito do qual poucos prestam a atenção. Trata-se de Caim que teria sido o primeiro filho do casal Adão e Eva, conhecido também como o primeiro homicida da humanidade e tido por invejoso, cuja história aparece por inteiro no quarto capítulo do Livro de Gênesis que citarei em parte a seguir:


"E aconteceu ao cabo de dias que Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor. E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante. E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar. E falou Caim com o seu irmão Abel; e sucedeu que, estando eles no campo, se levantou Caim contra o seu irmão Abel, e o matou" (Gênesis 4:3-8)


Refletindo acerca desse relato, reparo que os sentimentos que habitavam as emoções de Caim não são muito diferentes daqueles que muitas das vezes afloram em nós, muito embora cada um dê um curso diferente à ira e à frustração. Aliás, alguns reagem de uma maneira até pior cometendo crimes ainda mais qualificados com requintes de crueldade.


Ora, o Texto Sagrado diz que Deus não se agradou da oferta de Caim e explica adiante o motivo. Porém, o Senhor percebe em Caim a fúria estampada em sua aparência de decepção por não ter sido aceito e tenta, sem sucesso, dialogar com ele.


Observem que Caim, nesse trecho, não diz nenhuma palavra a Deus, sendo que as duas primeiras perguntas paralelamente tentam fazer com que ele mesmo refletisse procurando dentro de si a resposta. E podemos afirmar que ali, na verdade, foi uma conversa pedagógica, embora sem efeitos para uma mente e um coração endurecidos.


Podemos indagar se Caim estaria motivado pela inveja e/ou sentimentos de rejeição, bem como se ele teria consciência do que se passava dentro de si. E, nesse sentido, eu diria que Caim não estava disposto a se escutar de maneira que a ira e as frustrações o controlavam.


Entretanto, sendo Deus o Psicólogo Supremo, Ele faz uma terceira pergunta que considero autoexplicativa, na qual tentou direcionar Caim para uma avaliação da própria conduta. Pois seria preciso que ele mesmo reconhecesse a sua maneira errada de agir e entendesse o porquê de não estar sendo aceito.


É certo que Deus jamais precisaria receber ofertas de qualquer natureza. Porém, a apresentação dos produtos da agricultura e da pecuária seria a maneira que os homens da época encontraram para expressar uma devoção à Divindade. Só que as atitudes interiores são muito mais importantes do que os atos externos de ritual religioso, de modo que faltava a Caim arrependimento, compreensão, sinceridade e amor.


Não creio que Caim fosse uma pessoa rejeitada por Deus e nem amado menos pelo Senhor do que Abel. Pois o fato de sua oferta não ter sido aceita jamais significou que o Criador tivesse desistido dele. Porém foi Caim quem a si próprio abandonou e resolveu, de uma maneira traiçoeira, matar o próprio irmão, quando o chamou para sair ao campo em sua companhia, local onde poderia cometer o crime fora das vistas das demais pessoas.


Todavia, as Escrituras mostram que Caim poderia ter feito outra escolha que seria combater o seu ruim desejo, sendo que o texto nos leva a compreender pelo menos duas coisas: (i) o mal procedimento atrai outros delitos; e (ii) a vontade do homem em não querer praticar maldades pode desviá-lo da consumação do crime.


Certamente não podemos evitar que determinados apareçam em nossos corações e nas nossas emoções. Por exemplo, nada impede que, de uma hora para outra, uma pessoa sinta inveja do seu irmão, cunhado, vizinho ou colega de trabalho. Contudo, ao perceber que isso está acontecendo, ela mesma tem a oportunidade de dialogar consigo mesma procurando entender os motivos, embora muitos invejosos dificilmente alcançam essa percepção e daí eu concordar quando o pensador Leandro Karnal diz ser a inveja "um tipo de cegueira".


Infelizmente, muitos de nós não dialogamos. Há quem fique ressentido e frustrado porque o outro leva uma vida mais feliz do que a dele, mas tal pessoa se obscurece deixando que os sentimentos negativos passem a conduzi-la até que cometem alguma atitude ruim que não necessariamente precisa ser um homicídio. Por exemplo, elas podem levantar calúnias, proferir ofensas, hostilizar o próximo, prejudicar a vida profissional do outro e outras maneiras mais de agredir. Porém, ao contrário disso, podemos admitir o quanto somos pecadores invejosos e praticarmos aquilo que a grande maioria parecer fugir: o autoconhecimento.


O restante da narrativa sobre Caim e a maneira como o Senhor lida com ele após o assassinato de Abel encontra-se relatada no livro de Gênesis, sendo que me chama a atenção ele decidir afastar-se da presença de Deus, mantendo-se obscurecido já que continuava incapaz de arrepender-se. Isto é, de procurar tratamento e responder a ele em busca de sua cura interior.


OBS: Ilustração acima extraída de https://www.luteranos.com.br/textos/caim-ou-abel

terça-feira, 15 de junho de 2021

Os males da pandemia mudarão a humanidade?!



Lembrando do livro bíblico do Apocalipse, o último do Novo Testamento, observei algo de curioso quanto ao comportamento da humanidade diante dos flagelos que, segundo a profecia, atormentarão (ou já atormentam?) as pessoas em seus últimos dias. 


Diz o autor que, após o toque da sexta "trombeta", cujo resultado é a morte de um terço da população global, os sobreviventes "não se arrependeram das obras das suas mãos" (Ap 9:20), mantendo o mesmo comportamento delituoso que tinham antes. E tal conduta vem a se repetir na narrativa da referida obra quando ocorrem os julgamentos finais alegorizados pelas "taças da cólera" divina, mais precisamente pelos quarto, quinto e sétimo flagelos que se desenrolam no capítulo 16. Porém, a ausência do arrependimento é acompanhada da reação das palavras de blasfêmia contra Deus.


Apesar de recusar as interpretações literais da Bíblia e nem sair por aí identificando fatos do presente como se os mesmos fossem o exato cumprimento de uma determinada profecia, tento extrair lições para a vida de tudo o quanto leio atentamente nesse grande universo de informações, quer seja um texto considerado sagrado ou não. E aí busco uma maneira de significar o momento vivido visto que precisamos estar abertos para aprender e crescer com as experiências ao invés de nos endurecermos num entendimento equivocado, tal como fizera um perverso faraó na época de Moisés, tendo sempre "aquela velha opinião formada sobre tudo", conforme cantava o saudoso Raul.


Pois bem. Já são quase 490 mil mortos no Brasil por causa dessa pandemia, porém ainda há uma turminha que prefere negar os fatos, ignorando os riscos de uma doença e se aglomeram por aí em torno de um falso messias que anda de moto nas estradas espalhando esse vírus.


Todavia, muitos dos seguidores do "mito", como costumam chamar um certo ocupante do Palácio do Planalto, são pessoas que se acham "cidadãos de bem", frequentam alguma igreja e dizem ser "evangélicos". Acredito até que vários deles possam se intitular "pastores" e já teriam até lido as passagens bíblicas referidas na presente postagem, embora seja possível indagar se, por acaso, tiveram ouvidos para ouvir...


Complementando o meu pensamento, bem disse um ministro do STF acerca da existência de um "cristianismo do mal" no país. Durante um debate na Câmara dos Deputados, ocorrido em 09/06 do corrente, quando discursou contrariamente à ideia retrógrada do voto impresso, Barroso lamentou a atuação de milícias digitais que "disseminam ódio, mentiras e teorias conspiratórias":


"Escrevem coisas horríveis. Tem uma espécie de cristianismo do mal no Brasil, uma inovação horrorosa, em que o sujeito fala: ‘Em nome de Deus, eu quero que você morra, em nome de Jesus, eu quero que sua família seja destruída’. Quer dizer, é tão absurdo isso, pessoas totalmente do mal que invocam a religiosidade das pessoas"


Com toda a sinceridade, meus amados leitores, não acredito que os acontecimentos vividos por ocasião dessa pandemia serão capazes de mudar o ser humano e menos ainda o brasileiro. Pois não é nenhum fato externo que promove alterações no nosso modo de pensar ou agir, mas sim a nossa disposição interna em admitir erros e, a partir daí, esforçar-se para corrigir rotas.


Assim, espero que a pandemia um dia passe a fim de dar mais liberdade aos educadores de ministrar ensinamentos de vida capazes de despertar a consciência das pessoas e, inclusive, de uma minoria barulhenta que insiste nos erros apesar de todos os flagelos do nosso tempo.


Só a educação muda quando nos deixamos educar!

quarta-feira, 2 de junho de 2021

Os municípios não podem definir quais atividades seriam serviços considerados essenciais na quarentena



Na página 5, da edição n.º 1364, do Diário Oficial do Município (DOM) de Mangaratiba, foi publicado o Decreto n.º 4.484, de 02 de junho de 2021, o qual, ao atualizar as medidas de prevenção contágio da COVID-19, autoriza, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, a presença de público nos campos de futebol e similares até 50% (cinquenta por cento) da capacidade máxima do espaço esportivo.


Tal ato baseia-se na inconstitucional Lei Municipal n.º 1.339, de 27 de abril de 2021, publicada na página 4 da edição n.º 1340 do DOM, 28/04/2021, a qual declarou a prática de atividade física e de exercício físico como “serviço essencial”.


Ocorre que, embora a matéria em questão sobre a presença do público em estádios possa ser entendida como exclusiva do Poder Executivo, ainda assim deve-se observar que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o prefeito deve observar critérios técnicos, científicos e a orientação das autoridades de saúde pública, no caso específico de cada situação. Nunca se embasando numa lei local de iniciativa parlamentar como foi o caso do ato aqui mencionado.


Embora pareça ser de indiscutível interesse social proporcionar às pessoas saúde e qualidade de vida por meio da atividade física, no intuito de reconhecer o exercício físico como essencial, permitindo a atividade física durante essa fase de distanciamento social controlado, devido à pandemia, eis que o legislador municipal de Mangaratiba incorreu no vício de inconstitucionalidade, por ferir uma competência que é privativa do Estado e da União.


Em atenção precípua ao direito à vida e à saúde, entende-se que o sistema de distanciamento implantado em todo o Estado do Rio de Janeiro deve ser rigorosamente obedecido por cada um dos seus municípios. Até mesmo porque, infelizmente, o enfrentamento à pandemia não é uma exclusividade de Mangaratiba de modo que a Prefeitura só será bem sucedida quando houver justa cooperação, no âmbito de todos os entes federativos, com absoluto respeito aos mecanismos constitucionais de equilíbrio institucional e manutenção da harmonia e independência entre os poderes. 


Desse modo, a intenção do legislador local de proteger o direito fundamental à saúde, por meio do exercício físico, acaba, pois, é desprotegendo e desprestigiando o próprio direito à saúde de forma coletiva, já que a referida lei intenta criar uma exceção permanente, vigente tão somente no Município de Mangaratiba.


Frise-se que nem o enfrentamento à pandemia, nem o direito fundamental ao livre exercício da atividade física, e nem mesmo o direito fundamental à saúde, seriam exclusivos do Município de Mangaratiba, o qual se vê, portanto, absolutamente incompetente para criar suas próprias exceções e definir o que é ou não atividade essencial, em dissonância ao sistema de enfrentamento vigente e em inegável prejuízo ao próprio esforço conjunto dos demais Entes federados, não encontrando fundamento nos incisos I e II do artigo 30 da Constituição Federal, pois, ao que se propõe, vai muito além de eventual interesse local e suplementação da legislação federal e estadual.


Assim sendo, o objetivo visado na referida lei local afigura-se flagrantemente inconstitucional. Pois, à medida em que as mais complexas decisões restritivas adotadas, notadamente pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, baseiam-se, exaustivamente, em fundamentados estudos técnico-científicos multidisciplinares, não há como o Município de Mangaratiba, mesmo que se valendo de sua autonomia legislativa, amparada em suposto interesse local, carente, contudo, de qualquer amparo técnico nesse sentido, engendrar questionável subterfúgio para criar especiais exceções às regras a todos impostas.


No presente caso, a atividade em referência no Decreto, a ser autorizada por meio de lei municipal, tem o potencial de afastar-se das diretrizes estabelecidas pelo Estado ao abrandar a quarentena em relação aos serviços não essenciais, colidindo diretamente com a opção adotada pelo legislador federal e estadual. Logo, os dispositivos normativos almejados no ato violam o princípio federativo, invadindo a esfera de competência legislativa da União e do Estado em matéria de saúde. 


Ressalte-se que, diante das consequências que a medida pode acarretar sobre direitos e liberdades fundamentais das pessoas por elas afetadas (daí o resguardo do exercício e do funcionamento dos serviços públicos e das atividades essenciais), torna-se fundamental o respeito ao estabelecimento de um padrão uniforme de funcionamento. Ou seja, o tratamento normativo do resguardo de serviços e atividades de caráter essencial, no contexto de implementação de medidas voltadas à mitigação das consequências da pandemia do coronavírus, há de se dar de forma linear e coordenada em todo o território nacional ou pelo menos regional (Estado), sendo, portanto, questão inerente à norma geral sobre proteção da saúde. Caso contrário, haverá potencial prejuízo à população afetada em virtude da legitimação de uma multiplicidade de normas municipais em dissonância com as diretrizes e condicionamentos estabelecidos na legislação estadual e federal. 


Faltam argumentos para dizer que a matéria regulada no ato normativo local estaria dentro da competência concorrente municipal para legislar sobre proteção e defesa da saúde. Pois a legislação federal e a estadual sobre a matéria expressamente autorizam os municípios a legislarem sobre o tema, de modo a estabelecer medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus visando dar maior proteção à saúde, inclusive ampliando restrições, sem admitir, entretanto, a diminuição da proteção assegurada. 


Registre-se que ao município não se permite, a pretexto de exercer competência suplementar, com fundamento no art. 30, II, da Constituição da República, sobrepor por meio de normas locais a regulamentação da União e do Estado, estabelecendo medidas desarrazoadas ou mais brandas no tocante à quarentena, como no caso em análise. 


Desse modo, a norma municipal, no contexto envolvendo a pandemia do COVID-19, não poderá contrariar normas do Estado do Rio de Janeiro, podendo apenas suplementá-la para intensificar o grau de proteção dos direitos fundamentais à vida e à saúde, que possuem maior densidade que os demais. 


Pode-se dizer que o abrandamento de medidas de distanciamento social, como objetiva indiretamente a lei local em comento, não se mostra, pois, razoável e, ponderado, contraria também a Constituição Estadual, visto que substitui uma estratégia aceita como adequada para preservar um maior número de vidas, em observância das orientações da comunidade científica, por uma estratégia que arrefece inegavelmente o êxito no combate da pandemia. 


Desse modo, a lei municipal de Mangaratiba padece então de inconstitucionalidade material! 


Além disso, diga-se de passagem que, em decisão de 08 de março de 2021, o Exmo. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Fux, cassou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que autorizava o Município paulista de São José dos Campos a sair da fase mais restritiva da pandemia, por representar potencial risco de violação à ordem e à saúde pública,  constatando a necessidade de harmonia e coordenação entre as ações públicas dos diversos entes federativos e salientou que as medidas governamentais para o enfrentamento da pandemia extrapolam em muito o mero interesse local. Segundo ele, o decreto estadual já teria sido reconhecido como proporcional e razoável. 


Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2012112-35.2021.8.26.0000, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, tendo por objeto o Decreto nº 15.247, de 24 de janeiro de 2021, do Município de Bauru, na parte que autoriza o abrandamento da quarentena de que trata o Decreto Estadual 64.881/2020 (e alterações posteriores), mediante autorização de retomada de serviços e atividades não essenciais durante a pandemia do Covid 19 (artigo 2º), restou consagrado que os municípios não podem se afastar das diretrizes estabelecidas pela União e pelo Estado para proteção à saúde decorrente da pandemia, cabendo-lhes apenas suplementá-las para o fim de intensificar o nível de proteção, consignando que o abrandamento de medidas de distanciamento social, como determinado na norma municipal, em descompasso com as orientações da comunidade científica, coloca em risco os direitos fundamentais de proteção à vida e à saúde, além de não atender aos princípios da prevenção e precaução e, além disso, o abrandamento das medidas de isolamento social não se mostra razoável e ponderado, contrariando os artigos 111 e 144 da Constituição Estadual de São Paulo, visto que substitui uma estratégia aceita como adequada para preservar um maior número de vidas por uma estratégia que arrefece inegavelmente o êxito no combate da pandemia, daí porque a inconstitucionalidade da norma impugnada, por ofensa às disposições dos artigos 111, 144, 219, parágrafo único, 1, e 222, III, da Constituição Estadual e artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal. 


Desse modo, podemos dizer que um município, ao reconhecer uma atividade como essencial, o que se objetiva é impedir seu fechamento. Ou, em outras palavras, permitindo o seu funcionamento e, com isso, reduzindo a proteção fixada, em evidente contrariedade à legislação em vigência. 


Portanto deve-se reconhecer que o legislador federal impôs uma espécie de bloqueio legislativo ao legislador municipal, ao qual não se autoriza, nem mesmo a pretexto de legislar sobre assuntos de interesse local, flexibilizar os limites determinados na quarentena decretada em âmbito estadual, quer seja a suspendendo, quer seja ampliando as atividades e serviços estabelecidos pelo decreto estadual como essenciais, ou mesmo estimulando a circulação de pessoas para além das atividades ali discriminadas. 


Em outras palavras, aos municípios brasileiros não é autorizado afastar-se das diretrizes estabelecidas pela União e pelo Estado para proteção à saúde decorrente da pandemia, cabendo-lhe apenas suplementá-las nos termos dos artigos 30, I e II, da Constituição Federal para o fim de intensificar o nível de proteção por elas estabelecido, mediante a edição de atos normativos que venham a torná-las eventualmente mais restritivas. 


Assim sendo, por entender como violadora da Carta Magna a Lei n.º 1.339, de 27 de abril de 2021, do Município de Mangaratiba, bem como o Decreto Municipal n.º 4.484, de 02 de junho de 2021, que nela se baseia, passando este a padecer do mesmo vício de inconstitucionalidade, decidi tomar providências encaminhando uma representação ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, a fim de que este adote as medidas que forem cabíveis.