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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Risco de vida: planos de saúde recusam a disponibilizar transporte de emergência entre a casa do paciente e o hospital conveniado

Quando assistimos na TV as bem elaboradas propagandas das operadoras de plano de saúde, mostrando imagens de pessoas sendo conduzidas até por helicópteros, muitas das vezes somos induzidos a pensar que o serviço ofertado é seguro e de alta qualidade, um socorro certo nas mais horas incertas.

Tremendo engano!

Pouca gente sabe que, segundo a interpretação que as seguradoras fazem da Lei n.º 9.656/98, o transporte emergencial dos usuários dos planos de saúde não se inclui no rol de cobertura assistencial obrigatória que deva ser prestado pelas operadoras, exceto quando houver previsão contratual ou se tratar do transporte inter-hospitalar de pacientes. E tal posição, pasmem, é lamentavelmente apoiada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), autarquia federal que tem o dever de fiscalizar os planos de saúde.

Algumas semanas atrás, aqui na minha cidade, li um texto publicado na seção de cartas do jornal local A Voz da Serra com o título “Cadê as ambulâncias”, de autoria de Silvia Liborio, em que a leitora relatou um drama por ela vivenciado, compartilhando que a Unimed de Nova Friburgo negou-se a transportar sua mãe de casa até o hospital através da ambulância:

“Na noite de 25/07/10 precisei de ambulância para socorrer minha mãe, com suspeita de ataque cardíaco (cianótica e desorientada), caída no chão da cozinha de sua casa. O 192 informou que não tinha disponível, o Hospital Raul Sertã não atendia ao telefone e só consegui no Day Hospital, ambulância paga, mesmo assim por muito sorte. A Unimed NF informou que não pega paciente em casa, nem pagando. O que está acontecendo em Nova Friburgo? Eu soube que tinha alguém que implantou um serviço particular de ambulâncias na cidade, mas que teve de encerrar as atividades pois foi ameaçado pelo cartel do setor. Ora, não atendem e não deixam os outros atenderem? Alô políticos, só preocurados com o próprio umbigo: Isso é uma vergonha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Vou me lembrar do sufôco que minha mãe passou na hora de votar nessas eleições!!!!!!!!!!!!!! E olha que temos vários candidatos médicos...” - originais sem destaque

Após tomar conhecimento da situação e confirmar a omissão praticada pela cooperativa da Unimed Friburgo, através do seu Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), representei contra esta empresa perante o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro já que a referida operadora é a que tem o maior plano de saúde aqui em minha cidade, fato que justifica uma atuação de uma das nossas duas Promotorias de Tutela Coletiva na defesa dos interesses da maior parte da população.

Ontem (30/08/2010), quando voltei ao Ministério Público afim de acompanhar a minha representação, fiquei sabendo do seu indeferimento liminar com menção da promoção de arquivamento de um anterior inquérito civil público instaurado em 2003 (IC n.º 128), o qual havia tratado de questão semelhante. Em sua decisão, a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Nova Friburgo acolheu o mesmo entendimento por ela adotado anteriormente, baseando-se, em síntese, na ausência de obrigação legal das operadoras de planos de saúde em prestarem o transporte emergencial de seus consumidores, no sentido de removê-los de suas residências para a unidade de saúde. Foram estes os argumentos do respeitável Promotor de Justiça:

“(...) O Não obstante a causa nobre defendida pelo representante, não resta ao Ministério Público, meios legais de impor às operadoras de planos de saúde a obrigação de disponibilizarem o serviço de transporte aos pacientes, conduzindo-os de suas resistência até o hospital conveniado. Certo é que a legislação vigente, mais precisamente a Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, não inclui no rol de cobertura assistencial obrigatória, o transporte emergencial dos usuários dos planos de saúde. Ao contrário, atribui apenas aos planos a obrigação de realizar o transporte inter-hospitalar de pacientes, quando já conduzidos ao nosocômio público por ambulâncias do Município, a quem cabe a prestação do serviço que é caracterizado como público (…) Portanto, conclui-se que não há obrigação legal no sentido de conferir as operadoras de planos de saúde, a responsabilidade pelo transporte de seus consumidores, razão pela qual resta inviável a adoção de qualquer medida pelo Parquet para atender a pretensão deduzida na representação (…)” - original com parágrafos

Igualmente, a promoção de arquivamento do referido inquérito civil, mesmo reconhecendo as deficiências dos serviços de emergência prestados pelo Poder Público, também acompanhou a interpretação da ANS que favorece a pretensão das operadoras de planos de saúde:

“(...) Conclui-se, pois, que os planos de saúde não estão obrigados a transportar seus consumidores, ainda que em situação de emergência. Tal serviço é público, sendo atualmente realizado pelo SAMU. As deficiências do serviço público, contudo, sugerem a necessidade de revisão da lei – por isso os autos foram mantidos na Secretaria, aguardando-se eventual alteração do texto legal. No entanto, como tal alteração não ocorreu, o fato é que, de acordo com a lei hoje vigente, não se pode impor às operadoras de planos de saúde que realizem o transporte que a própria lei excluiu, sob pena de violação ao princípio da legalidade (…)” - original também com parágrafos

Hoje mesmo ingressei com recurso ao Conselho Superior do Ministério Público por entender que a Unimed, ao recusar-se a patrocinar um atendimento de urgência entre a residência do consumidor e a unidade hospitalar, está atentando perigosamente contra a dignidade humana, o que configura um flagrante desrespeito à à saúde e à vida das pessoas, bem como aos princípios básicos da nossa Constituição. Para mim, está claro que a interpretação adotada pela ANS e que fora acolhida pelo Ministério Público acaba obrigando o consumidor a se socorrer através do caótico sistema público de socorro de emergência que, notoriamente, funciona de modo bem precário no nosso país.

Ora, devemos nos conformar tão somente com a existência de normas positivadas, como se o rol de procedimentos obrigatórios das operadoras de planos de saúde estivessem restritos apenas a uma previsão legal taxativa, ou será que não caberia ao Ministério Público e às associações de defesa dos consumidores, como defensores da sociedade, construírem uma interpretação mais extensiva das normais legais e, desta forma, aplicarem o princípio da razoabilidade?

Independente de todas as posições jurídicas que possam ser adotadas, é incontestável a existência de lesão a interesses coletivos e da ocorrência de uma preocupante situação de vulnerabilidade às quais estamos todos expostos. Principalmente porque a má prestação dos serviços de socorro põe em risco vidas humanas, atentando diretamente contra um direito fundamental do indivíduo que é reconhecido pela nossa Constituição.

Certamente que não podemos indefinidamente esperar que a ANS adote uma interpretação mais favorável ou que o Ministério Público resolva ajuizar uma ação civil pública em favor dos usuários dos planos de saúde, a qual também dependeria de um posicionamento da Justiça. Devemos lembrar que este é um ano de eleições e, quando comparecermos às urnas, teremos a oportunidade de escolher os deputados e senadores que farão as leis deste país e que, portanto, estarão investidos de poder para alterar a Lei n.º 9.656/98.

Será que uma nova lei não poderia obrigar as seguradoras a prestar o serviço de transporte de emergência que remova o paciente de sua casa ao nosocômio?

A verdade é que os consumidores pagam caras mensalidades às empresas de planos de saúde, são iludidos pelas omissas informações publicitárias veiculadas nos meios de comunicação, mas, finalmente, quando vão usar os serviços, acabam se sentindo enganados. O descaso praticado pelas seguradoras é revoltante e a ANS está deixando muito a desejar. Este ano mesmo, mais precisamente em maio, a cooperativa Unimed Rio negou-se a prestar um atendimento de urgência à minha esposa que havia tido um aborto espontâneo e se encontrava com o feto morto no seu útero. Naqueles momentos de grande desespero, acabei tomando a decisão de interná-la num hospital público tendo depois ingressado com uma ação indenizatória por danos morais e ainda notificado o caso à ANS para que fosse feito o re-embolso aos cofres públicos.

Infelizmente, grande parte da população do país não está consciente quanto à frequência dessas situações, pois, só quando realmente precisamos acionar um serviço de emergência, como o 192 ou o 193, é que nos damos conta da nossa vulnerabilidade. Passamos a maior parte do tempo anestesiados com o futebol, as telenovelas, os programas de auditório, os sorteios da megasena e as demais distrações do cotidiano, deixando de acompanhar como estão as políticas na área de saúde.

Tudo isso tem me deixado cada vez mais convencido sobre a importância sobre termos um sistema público de saúde que realmente funcione, o que, inegavelmente, contraria diversos interesses porque há mafiosos de branco lucrando com o caos no SUS. Contudo, não são apenas os pobres que, repentinamente, podem vir a precisar de uma ambulância. Pessoas da classe média podem de uma hora para outra passar mal e aí descobrem que, nessas horas, estão todos no mesmo barco. Uma nau a ponto de naufragar nas profundas ondas de um oceano.

Que não nos esqueçamos de todas essas coisas quando sairmos de casa para votar daqui a algumas semanas e que, após a posse dos novos governantes e parlamentares, sejamos capazes de acompanhar os atos do Poder Público. A saúde precisa ser encarada como prioridade na pauta do governo brasileiro!

domingo, 29 de agosto de 2010

Os cristãos e a prevenção contra a AIDS

Por muitos anos, principalmente na década de 80, a AIDS esteve relacionada aos chamados “grupos de risco”, dentre os quais costumavam incluir os homossexuais, as profissionais do sexo, os usuários de drogas injetáveis e até mesmo os homofílicos. Era comum ouvir religiosos discursando que o aparecimento da doença seria uma espécie de castigo de Deus para quem tivesse relação sexual com pessoas do mesmo sexo, numa preconceituosa associação com a destruição das cidades Sodoma e Gomorra relatada no livro de Gênesis.

Entretanto, nos anos 90, essa ideia foi se tornando ultrapassada e casais começaram a ser diagnosticados como portadores do vírus HIV. Mulheres que estavam casadas há décadas com seus maridos, sem jamais terem praticado atos de infidelidade conjugal, tornaram-se vítimas inocentes dessa terrível enfermidade que passou a se manifestar não apenas entre os jovens mas também no meio de pessoas de meia idade e até entre idosos.

A partir daí, pode-se dizer que a sociedade brasileira foi tomando uma maior consciência dos riscos aos quais os heterossexuais estavam expostos tal como os homossexuais. Porém, verdade seja dita que, mesmo as pessoas casadas terem conhecido os mecanismos de transmissão do HIV, a maioria delas parece que não mudou suas atitudes de vulnerabilidade à doença e poucas adotaram aquilo que se considera um “comportamento de saúde sexual”.

Pois bem, derrubada a crença de que pessoas casadas não poderiam ser infectadas pelo HIV, coloco aqui a questão sobre como os casais devem ser orientados a luz da Bíblia para lidarem com esta questão.

Sem dúvida que quando falamos em fidelidade conjugal parece que a resposta para o problema seria óbvia. Porém, não quero que o assunto se esgote neste ponto como se bastasse um pastor pregar em frente ao púlpito que basta o marido e a esposa serem fiéis um ao outro para viverem imunes à AIDS. O ponto a ser trabalhado talvez seja como manter o comportamento de fidelidade conjugal e qual a ética mínima que as pessoas precisam ter para um relacionamento aceitável dentro da sociedade.

Certamente que devemos aqui traçar duas diferenças básicas entre um cristão praticante e quem não vivencia os valores bíblicos, o que exige a adoção de dois discursos: um para o crente e outro para o incrédulo ou infiel. Isto porque um cristão realmente fiel à Palavra de Deus não admitirá a hipótese de trair seu cônjuge, seja em que situação for. Só que esta visão de moral mais elevada não pode ser imposta a todos. A uma porque nem todas as pessoas na sociedade são cristãs ou seguem a fidelidade conjugal e, mesmo dentre os que se dizem cristãos, há um número bem expressivo de homens e mulheres que não obedecem a Palavra de Deus. Hoje quem está frequentando uma Igreja e observando os mandamentos tem todo o livre arbítrio de se afastar dos princípios de sua comunidade e começar a viver do jeito que lhe interessa, inclusive de negar a fé.

Algumas questões certamente causam polêmicas para cristãos e uma delas diz respeito ao uso de preservativos. Embora o sexo entre os casais seguidores da Palavra já não seja feito apenas com fins reprodutivos (a maioria de evangélicos e católicos já não vêem como pecado transar por prazer), a relação sexual habitual não costuma ir muito além do que se considera lícito (o coito vaginal) e há sérias divergências sobre métodos preventivos.

Por outro lado, mesmo dentre aqueles que não consideram pecado o uso da camisinha, esta prática ainda é mal vista como sendo a quebra da fidelidade conjugal entre os cônjuges. Mesmo com tanta informação, uma pergunta ainda fica no ar (geralmente nas mentes das esposas): será que, em condições normais, se eu propuser ao meu cônjuge o uso de preservativos nas nossas relações ele (ela) vai achar que estou com algum tipo de desconfiança? E ainda existe o medo de que se o cônjuge tomar a iniciativa do uso do preservativo, estará levantando suspeitas de infidelidade contra si mesmo.

Outro aspecto infeliz é que muitas esposas cristãs preferem correr o risco de serem infectadas pelo HIV para não se tornarem mulheres divorciadas de seus maridos infiéis. Cultiva-se ainda hoje nas igrejas uma cultura machista de que a mulher deve lutar a todo custo para restabelecer o seu casamento, mesmo em caso de flagrante adultério do marido. E, por causa disso, há inúmeros comportamentos errados que vão se perpetuando e trazendo riscos para a saúde do casal. Um deles seria a negação sistemática da infidelidade do marido apenar porque a esposa não quer acreditar na verdade.

Minha compreensão a respeito das Escrituras é que se torna um verdadeiro pecado se a esposa, ou o marido, descobre que seu cônjuge infiel mantém relações extraconjugais e ainda assim insiste em continuar praticando sexo mesmo de camisinha. Pois, se uma mulher permite que seu esposo, simultaneamente, relacione-se com outra mulher (ou com outro homem), já não há mais um matrimônio puro e sim a tolerância de um comportamento imoral que pode trazer indiscutíveis danos para toda a família. Inclusive, a infidelidade conjugal, no Evangelho segundo Mateus, foi declarada por Jesus como uma hipótese que fundamenta o divórcio, quando o Senhor deu a correta interpretação acerca da lei mosaica:

Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério” (Mt 5.31-32; versão de Almeira Revista e Atualizada - ARA)

É evidente que a regra que serve para homens, também se aplica às mulheres e vice-versa. Mas, nesta hipótese, quando há infidelidade conjugal, não poderia a esposa, ou o marido, lutar para ter de volta o seu cônjuge?

Na minha limitada compreensão acerca das Escrituras, parece-me que se trata de uma faculdade do cônjuge traído aceitar de volta sua esposa, ou seu marido infiel, o que, logicamente, independe do perdão. Não pretendo aqui discutir se há ou não possibilidade do cônjuge traído casar-se com outra pessoa com a aprovação de Deus. Porém, quero frisar que, conforme a Bíblia, a esposa traída tem não só o direito, mas o dever cristão, de suspender o relacionamento sexual com o marido que vive infielmente, bastando que tenha certeza da infidelidade, não um mero ciúme.

Apesar de tudo, não deixa de ser uma questão difícil de ser trabalhada na prática, pois algumas mulheres vivem dentro de uma ciumeira irreal enquanto outras ficam mentindo para si mesmas que a traição por ela descoberta nunca aconteceu mesmo negando todas as evidências. E, como diz a Bíblia, contraria a Palavra de Deus um cônjuge negar-se a ter relações sexuais com o outro sem que haja justificativa, segundo nos orienta o apóstolo Paulo:

O marido conceda à esposa o que lhe é devido, e também, semelhantemente, a esposa, ao seu marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, e sim o marido; e também, semelhantemente, o marido não tem o poder sobre o seu próprio corpo, e sim a mulher. Não vos priveis um ao outro, salvo talvez por mútuo consentimento, por algum tempo, para vos dedicardes à oração e, novamente, vos ajuntardes, para que Satanás não vos tente por causa da incontinência” (Primeira epístola de Paulo aos coríntios 7.3-5; ARA)

Outro ponto importante é que, se há dúvidas acerca da infidelidade de um dos cônjuges, considero fundamental a manutenção do diálogo e do acordo entre o marido e a esposa, dois ingredientes que, felizmente, costumam ser muito bem trabalhados nos ministérios voltados para casais dentro das igrejas. E, sendo assim, é recomendável que o homem e a mulher sejam sempre transparentes um com o outro sem terem nada a esconder. Então, caso a suspeita de ciúme não fique de vez resolvida, que os dois transem de camisinha, sendo que, enquanto houver dúvidas acerca da infidelidade conjugal, o cônjuge inocente não estará pecando por manter relações sexuais por motivo de consciência e, ao mesmo tempo, estaria protegendo a sua saúde.

Ressalto que o estilo de vida dos cristãos praticantes não pode ser imposto a todos a ponto de um pai não falar sobre métodos preventivos com a sua filha apenas porque ele é a favor da abstinência sexual até o casamento. O cirurgião presbiteriano Dr. Charles Everett Koop, quando esteve a frente do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, durante a maior parte da era Reagan, conseguiu manter seus elevados princípios morais quando determinou a distribuição de preservativos no seu país e, mesmo com suas posições conservadoras, angariou respeito e admiração das comunidades homossexuais numa época em que a ignorância ainda imperava na sociedade. Assim, penso que as igrejas não podem deixar de falar sobre a camisinha (dentro e fora do casamento), abordando o aspecto teológico juntamente coma a análise científica.

Independentemente daquilo que acreditamos (ou queremos acreditar), a AIDS é um fato que não pode ser jamais negado. Por isso, nós, cristãos, não podemos continuar levando a indevida fama de que seríamos sexualmente “aculturados”. E o fato de considerarmos determinados comportamentos como sendo pecado não significa que a cristandade deva ignorar a Medicina, a Psicologia ou a Ciência de um modo geral. Logo, as igrejas podem ter excelentes programas de educação sexual que conciliem a submissão à Palavra de Deus com o saber científico e o fato social, orientando tanto os cristãos praticantes quanto os demais dentro de uma visão ampla.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Valorize e ame quem sempre esteve ao seu lado!


Estava eu lendo um excelente artigo num blogue destinado para casais cujo título era “Colunas de sustentação de um casamento: apreço”, dos pastores Ismael e Cleire, quando então prendi minha atenção neste breve detalhe da mensagem:

(...) Porque será que tratamos com prioridade pessoas que nos tratam apenas como uma opção e tratamos como opção pessoas que deveriam ser tratadas como uma prioridade? Passamos boa parte da nossa vida dando o nosso melhor para pessoas que pouco se importam conosco, e dando o pior para aqueles que nos são mais importantes. É preciso mudar isto com urgência (...)

Tal questionamento é, sem dúvida, bem pertinente à natureza humana porque muitas pessoas não dão o devido valor a quem verdadeiramente se importa com elas, mas sim aos que exercem algum tipo de poder ou autoridade sobre determinados aspectos de suas vidas na expectativa de receberem alguma vantagem futura.

Infelizmente, é comum ver gente bajulando políticos, seus chefes e até estranhos que causam alguma impressão pela aparência. Já os cônjuges, pais, filhos, irmãos e amigos verdadeiros são colocados em segundo plano.

Identificar e admitir essa tendência negativa em nós parece ser o primeiro passo afim de que mudemos o nosso comportamento destrutivo. Já a segunda ação diz respeito ao cultivo de bons relacionamentos com as pessoas com as quais convivemos.

A grande verdade é que muitas vezes andamos cegos em relação aos “anjos” que Deus coloca em nossas vidas para nos apoiar e amar. Quando chega o Natal, o aniversário ou qualquer ocasião especial (dia das mães, dos pais ou dos namorados), alguns atém compram presentes bem caros para essas pessoas que estão a sua volta, porém ficam limitados a apenas isto durante a maior parte do ano.

Mas será que custa caro fazer as pessoas felizes?

No texto que eu mencionei, os autores dão excelentes dicas no trato com o cônjuge, incentivando o marido a praticar atitudes de apreço em situações comuns do nosso cotidiano:

Ter apreço por alguém fala do valor que atribuímos a esta pessoa, o quanto ela é importante para nós e o quanto nos importamos com ela, fazendo coisas para o seu bem estar. (...) Toda vez que elogiamos a macarronada da esposa, dizendo que ela faz a melhor macarronada do mundo, além de se sentir amada, ela irá caprichar ainda mais no próximo almoço (…) Quando você homem, usa de cavalheirismo para com sua esposa, é sinal de apreço, de estima. Você está, na verdade, lhe conferindo honrarias dignas de alguém que é bem vinda na sua vida. Quando você aguça a sua sensibilidade para atender aos apelos silenciosos dela, é apreço (...)

Podem parecer atitudes bem simples, mas que têm um impacto profundo sobre os sentimentos de alguém. Assim, ao invés de depreciarmos o outro, por que não passarmos a dizer palavras de elogio, de encorajamento e de gratidão?

Finalmente gostaria de compartilhar que fazer o bem não é algo que sempre executamos espontaneamente como se estivéssemos com as emoções tomadas de um belo sentimento pelo outro. Porém, podemos, intencionalmente, desejar a prática de coisas boas para agradar o próximo. Tal iniciativa significa que temos que sair da viciosa rotina centrada no “eu” para olharmos o mundo sob o ponto de vista do próximo, procurando entender o que a outra pessoa gostaria de estar recebendo de nós, o que se inclui no mandamento deixado por Jesus: amar o próximo como a si mesmo.

Peçamos a Deus que nos ajude a aproveitar ao máximo todas as oportunidades para fazermos felizes as pessoas que estão conosco afim de que nossos olhos estejam abertos para praticarmos o amor nas ocasiões do cotidiano.

Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação” (Epístola de Paulo aos Romanos 15.2; ARA)

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Lavando os pés uns dos outros

“Um pouco antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que havia chegado o tempo em que deixaria este mundo e iria para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim. Estava sendo servido o jantar, e o Diabo já havia induzido Judas Iscariotes, filho de Simão, a trair Jesus. Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus; assim, levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da cintura. Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura. Chegou-se a Simão Pedro, que lhe disse: “Senhor, vais lavar os meus pés?” Respondeu Jesus: “Você não compreende agora o que estou lhe fazendo; mais tarde, porém, entenderá”. Disse Pedro: “Não; nunca lavarás os meus pés!”. Jesus respondeu: “Se eu não os lavar, você não terá parte comigo”. Respondeu Simão Pedro: “Então, Senhor, não apenas os meus pés, mas também as minhas mãos e a minha cabeça!” Respondeu Jesus: “Quem já se banhou precisa apenas lavar os pés; todo o seu corpo está limpo. Vocês estão limpos, mas nem todos”. Pois ele sabia quem iria traí-lo, e por isso disse que nem todos estavam limpos. Quando terminou de lavar-lhes os pés, Jesus tornou a vestir sua capa e voltou ao seu lugar. Então lhes perguntou: “Vocês entendem o que lhes fiz? Vocês me chamam 'Mestre' e 'Senhor', e com razão, pois eu o sou. Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. Digo-lhes verdadeiramente que nenhum escravo é maior do que o seu senhor, como também nenhum mensageiro é maior do que aquele que o enviou. Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem.” (Evangelho segundo João 13.1-17; Nova Versão Internacional – NVI)

Inúmeros ensinamentos podem ser extraídos desta bela e comovente passagem bíblica. Na ocasião da Última Ceia, Jesus deu um grande exemplo de humildade lavando os pés de seus discípulos, numa perfeita demonstração de amor.

Naquela época, as pessoas andavam vários quilômetros pelas poeirentas estradas da região palestina calçando suas sandálias. Às vezes, era comum que os andarilhos se ferissem pelo caminho topando em alguma pedra, pisando num espinho, ou mesmo por causa do contato entre as tiras do calçado e a pele. Então, quando um convidado chegava na casa de alguém, geralmente o anfitrião mandava que um escravo lavasse os pés de seu visitante.

Muitos já escreveram a respeito do princípio cristão de liderança com base nesta e em outras citações dos Evangelhos. Porém, quero neste texto focar justamente na humildade que precisamos ter para com Deus e em relação aos nossos irmãos, no sentido de admitirmos as nossas necessidades perante os outros e, ao mesmo tempo, estarmos dispostos a satisfazer as necessidades dos demais.

Como se pode ler no texto acima citado, a princípio Pedro não queria que Jesus lavasse os seus pés. A sua impulsiva objeção é explicada pelo fato de que ele ainda não tinha compreendido aquela atitude de Cristo, a qual foi bem diferente do que faziam os governantes, os sacerdotes e os rabinos da época.

Entretanto, Jesus quer que lavemos os pés uns dos outros, o que me parece uma prática fundamental para que os cristãos experimentem a verdadeira comunhão. Jesus disse a Pedro que, se ele insistisse naquela objeção, “não terás parte comigo”.

Há momentos em que devemos servir, mas também precisamos aceitar que outros nos sirvam. Não fomos chamados para viver em isolamento e muito menos numa situação de auto-suficiência. Precisamos uns dos outros e não podemos deixar de compartilhar com o nosso irmão os dramas que sofremos. Temos que aceitar abertamente o apoio que a nossa comunidade quer nos oferecer.

O pastor Rick Warren em seu livro “Juntos somos melhores”, da Editora Vida, trás um relato surpreendente sobre a falta de amor que existe nos dias atuais a ponto de uma pessoa falecer em sua residência e ficar esquecida por amigos, vizinhos ou parentes:

“Em 2004, foram divulgadas notícias sobre Jim Sulkers, um morador de Winnipeg, Manitoba (Canadá), que morreu em sua cama e ficou lá durante dois anos antes de algum vizinho descobrir seu corpo. O homem morou ali durante vinte anos, mas ninguém sentiu sua falta. Por que relutamos tanto em admitir nossas necessidades uns para os outros? Há pelo menos duas fortes razões: Primeira: nossa cultura exalta o individualismo. Admiramos os independentes, autossuficientes, que parecem viver bem por si sós. Mas a triste verdade é que, apesar dessa confiança aparente, normalmente a pessoa é insegura, com um coração cheio de dor. A solidão é a doença mais comum neste mundo, e, ainda assim, continuamos a construir muros em vez de pontes entre nós. Segunda: somos orgulhosos. Muitas pessoas, especialmente os homens, sentem que pedir ajuda ou expressar uma necessidade é sinal de fraqueza. Mas não há nada de vergonhoso no fato de precisarmos dos outros. Deus nos formou assim! Ele quer que seus filhos dependam uns dos outros.”

Os ensinamentos do apóstolo Paulo nos mostram que fazemos parte do corpo de Cristo. Somos membros uns dos outros de maneira que há entre nós uma interdependência de modo que precisamos amar e deixar que sejamos amados, servir e sermos servidos.

No meio evangélico é comum o uso da expressão “aceitar a Cristo”. Porém, num país de cultura cristã, como é o caso do Brasil ou dos Estados Unidos, quase todo mundo confessa com a boca sem reservas que aceita Jesus como o seu Senhor e Salvador. Uns dizem que já aceitaram Cristo desde a infância porque foram batizados numa igreja ou levantaram as mãos durante algum “apelo”. Porém, o que significa verdadeiramente aceitarmos Jesus nas nossas vidas?

Verdadeiramente aceitar Jesus é um ato de humildade em que reconhecemos nossa completa impossibilidade de merecermos a vida eterna pela prática de boas obras e que somos pecadores. E, quando isto ocorre, renunciamos à nossa autossuficiência espiritual aceitando que Cristo foi capaz de pagar o preço dos nossos erros e falhas através de seu sacrifício na cruz. Ou seja, precisamos aceitar o serviço que Jesus fez por nós recebendo com humildade o perdão oferecido por Deus.

Em seu livro Ágape, publicado pela Editora Globo, Marcelo Rossi, padre católico, ao comentar sobre a atitude de Jesus na ocasião da última Ceia, compartilha seu pensamento sobre a humildade:

“Antes da Última Ceia, Jesus resolve dar uma lição de humildade aos seus discípulos (…) Jesus nos ensina a reconhecer a nossa condição de seres limitados. Não há filho de Deus de primeira categoria e de segunda categoria. Não há viajante, na estrada da vida, de classe executiva ou econômica. Somos todos feitos do mesmo barro, da mesma condição humana, dos mesmos riscos de pecado e das mesmas possibilidades de santidade.”

Quantas vezes impedimos que Deus nos sirva através de irmãos que têm uma condição mais humilde do que nós! Há momentos em que, quando ouvirmos o sermão de um pregador de pouca instrução, ficamos julgando seus erros de português, ou deficiências teológicas, ao invés de prestarmos a atenção no recado que o Espírito Santo está querendo transmitir para os nossos corações. Pessoas deixam de se congregar numa igreja apresentando como desculpa o fato de encontrar pecadores que têm tantas falhas quanto elas.

Durante doze anos vivi afastado da Igreja. Neste período isolei-me e resolvi viver do meu próprio jeito. Em 2005, quando decidi retornar, resolvi colocar de lado minhas diferenças culturais, econômicas e teológicas. Percebi que precisava estar em comunhão com os meus irmãos e que deveria aceitar as pessoas como elas são com todas as suas deficiências reconhecendo que também sou deficiente em várias áreas de minha vida.

A Igreja deve ser a comunidade onde precisamos aprender a ter comunhão com todo tipo de gente. Jamais a Igreja poderá se tornar um grupinho fechado de pessoas que se identificam entre si por faixa etária, posição social, sexo, etnia ou nacionalidade. É onde um jovem estudante de classe média estará celebrando a Deus junto de um pai de família fracassado que luta para vencer o vício da bebida, bem como junto de uma senhora idosa com problemas de saúde que se torna repetitiva e carente de atenção e junto de uma mãe cujo filho hiperativo fala insistentemente durante as pregações.

Num mundo onde as pessoas são frequentemente descartadas porque não mais se encaixam no mercado, ou não conseguem ser úteis dentro dos padrões mesquinhos da sociedade, os ensinamentos de Jesus fazem diferença. Na Igreja, devemos acolher e integrar qualquer pessoa que vem a Cristo, buscando desenvolver o potencial de cada um e suprindo suas debilidades, servindo-as permitindo que elas também nos sirvam.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Combatendo o mal com o bem

“Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam todo o possível para viver em paz com todos. Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor. Ao contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele”. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.” (Epístola aos Romanos 12.17-21; Nova Versão Internacional – NVI)

Acho muito edificante esta passagem bíblica em que o apóstolo Paulo encoraja os seus leitores de sua carta em Roma a vencerem o mal fazendo o bem.

Quando me deparo com tal ensinamento, admiro a maneira como Deus quer que seus filhos atuem no combate ao mal, sem usar as mesmas armas malignas do adversário. A razão humana ainda não explica como isto acontece, mas podemos considerar que se trata de um princípio bíblico plenamente adequado aos propósitos divinos que é ganhar vidas para o seu reino celestial.

Há muitos séculos, na Europa, um homem chamado Francisco, oriundo da cidade de Assis e tido pelos católicos como um santo, dirigiu-se a Deus com estas célebres palavras que ficaram conhecidas como a “Oração da Paz”, a qual exemplifica um pouco o que Paulo havia nos escrito em sua epístola:

“Senhor! Fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver dúvidas, que eu leve a fé.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe.
É perdoando que se é perdoado.
E é morrendo que se vive para a vida eterna.”


Maravilhosas palavras estas de Francisco de Assis e creio que ele estava mesmo inspirado pelo Espírito Santo de Deus quando fez sua sincera oração, a qual nos faz pensar profundamente a respeito de como combater o mal com o bem.

Posso dizer que em minha caminhada cristã tenho tentado experimentar isto no cotidiano, embora muito me falte para que eu seja um adequado instrumento nas mãos do Senhor para promover a paz.

Certamente que nos apegando à Palavra de Deus (conhecendo-a e meditando nela) estaremos dando nossos primeiros passos para que possamos ser as pessoas certas nas horas incertas. Se algo nos deixa desanimados a ponto de ficarmos desesperados, por exemplo, é bom que nos recordemos das promessas do Senhor, conforme escreveu o profeta Jeremias em suas Lamentações:

“Quero trazer à memória
o que me pode dar esperança.”
(Lamentações 3.21; ARA)

Sermos pessoas construtivas num mundo destrutivo certamente não é tarefa fácil. Porém é algo que depende de nós e não dos outros. Pois o que precisamos fazer é cultivar coisas boas nos nossos relacionamentos com as pessoas, aplicando o amor de Deus a cada situação em que nos envolvemos. E isto envolve desde as relações mais simples nos meios familiares, entre vizinhos, ou nos ambientes de trabalho, como também diante de complicadas questões políticas.

Mohandas K. Gandhi (1869-1948), mais conhecido como o Mahatma Gandhi, não era cristão. Era chamado de “santo” (pelos hindus) e conseguiu contribuir decisivamente para mudar a história de seu país. Nasceu na Índia, formou-se em Direito em Londres onde chegou a exercer a advocacia, mudou-se para a África do Sul e, finalmente, retornou para a Índia quando então travou uma persistente resistência pacífica contra o Império Britânico. A seu respeito escreve Philip Yancey em “Alma sobrevivente: Sou Cristão, Apesar da Igreja”:

“A mais famosa contribuição de Gandhi, a técnica de desobediência civil, evoluiu gradualmente (…) Enquanto o Império Britânico apertava os parafusos, Gandhi passava longas horas meditando sobre uma ação apropriada. A idéia veio-lhe à mente numa madrugada, nos momentos entre o sono e a consciência. Ele decidiu conclamar um dia quando não haveria nenhum tipo de atividade. A Índia responderia a seus senhores simplesmente recusando-se a cooperar. As lojas ficariam fechadas, o tráfego pararia, o país ficaria fechado por um dia (…) A seguir, Gandhi atacou o sistema econômico colonial. A Grã Bretanha plantava algodão na Índia, transportando-o para a Inglaterra para moagem e manufatura, e então exportando o produto manufaturado de volta para a Índia, para ser vendido a altos preços. Para quebrar esta cadeia, Gandhi pediu a todo indiano, quer do campo, quer da cidade, que passasse pelo menos uma hora por dia numa roca, fiando (…) Em resposta ao monopólio britânico sobre o sal, um gênero necessário a todo o mundo, Gandhi contra-atacou com a famosa Marcha do Sal, uma dolorosa e lenta viagem de 380 quiômetros até o mar. Como os oficiais de Londres seguiam cuidadosamente cada passo, um milhão de camponeses juntaram-se a seu séquito por todo o caminho (…) Gandhi colocou-se como um espinho no Império Britânico porque os meios formais de controle não tiveram efeito contra seus protestos nada ortodoxos. Quando os policiais tentavam barrar os manifestantes batendo neles com cassetetes, os rebeldes colocavam-se em fila para receber os golpes. Os indianos logo encheram as cadeias até superar sua capacidade, o que era exatamente seu intento. Quando as autoridades levaram o próprio Gandhi aos tribunais e o ameaçaram com prisão, ele calmamente pediu a pena máxima (…) Mais tarde, Gandhi imaginou uma forma de protesto que se mostrou a mais poderosa de todas: ele simplesmente se recusou a comer. Planejou seu jejum com o mesmo cuidado que um general elabora sua estratégia militar, às vezes jejuando por um período de tempo específico, e em outras ocasiões alertando que faria um jejum até à morte, caso certas exigências não fossem atendidas.”

Diferente de muitos líderes revolucionários, Gandhi não fazia uso da violência e aplicou princípios bíblico à sua luta pois teve contato com o Evangelho e chegou a se corresponder com o escritor cristão russo Leon Tolstoi, tendo lido a obra “The Kingdom os God os Within You”, de maneira que ele tentou por em prática os ensinamentos de Jesus do Sermão da Montanha no que diz respeito a amar os inimigos.

Mas voltando à Oração da Paz de Francisco de Assis, vejo ali um grande segredo entendido por este valente discípulo de Cristo, mostrando o quanto ele compreendia o sentido da mensagem do Evangelho. Trata-se de abrir mão de sua própria vontade, do seu eu, colocando Deus no centro e não o seu eu.

É bem verdade que todos temos necessidades de sermos consolados e compreendidos quanto aos nossos dramas ou problemas. Queremos ser de todas as formas amados pelas demais pessoas. Porém, não temos que ficar esperando alguém fazer por nós tudo o quanto desejamos. Precisamos nos tornar doadores de coisas boas, pois, se continuarmos sendo meros receptores, poderemos não compreender aquilo que talvez já estejamos recebendo.

Deus já demonstrou o seu imensurável amor pela humanidade dando o seu Filho unigênito para que, através de Jesus, pudéssemos ter a vida eterna de modo que agora cabe a cada cristão retribuir sua gratidão ao Pai amando o seu semelhante. Aliás, foi este o mandamento que Jesus nos deu:

“O meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu os amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vocês serão meus amigos se fizerem o que eu lhes ordeno. Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido. Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai lhes conceda o que pedirem em meu nome. Este é o meu mandamento: Amem-se uns aos outros.” (Evangelho segundo João 15.12-17)

Observem que não foi Jesus quem primeiramente foi escolhido e amado pelos seus discípulos. O Senhor decidiu amar a humanidade, escolhendo a nós todos ao invés de preferir a si próprio. Ele nos deu o perfeito exemplo amando-nos até seu último instante de vida quando esteve pregado naquela dolorosa cruz, sem que nada tivéssemos feito por Ele.

Amar não se trata de um sentimento e sim de uma ação. Trata-se do Ágape que os gregos já conheciam na época em que foi escrito o Novo Testamento, o que é algo relacionado a uma decisão que tomamos generosamente, sem esperar qualquer retribuição.

Só o amor pode vencer o ódio! Só o amor pode transformar este mundo decaído e trazer sentido às nossas vidas que do contrário não teriam significado. Só o amor é capaz de desarmar o nosso adversário.

Que Deus nos ensine e nos ajude a vencer o mal com o bem através da prática do amor!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Como está seu casamento HOJE?

Hoje, na caixa de spam de meus e-mails, encontrei uma mensagem cujo título era “Casamento...”

Resolvi a princípio não apagá-la já que, freqüentemente, ocorre que alguns e-mails vão parar lá por causa dos erros do filtro do Yahoo e muitas das vezes trata-se de alguém querendo fazer contato comigo. Abri a mensagem e lá dizia: “Vale a pena ler esse testemunho, pois é absolutamente verídico e se passou nos Estados Unidos”

Até que eu tinha encontrado um spam interessante! Ao invés de correntes, anúncio de produtos, coisas sobre pornografia ou picaretagens como sobre ganhar dinheiro, finalmente eu tinha aberto uma mensagem edificante, falando a respeito de um homem que, embora casado, estava fechado dentre dele mesmo. No texto, o personagem ser feliz divorciando da esposa e passando a viver com a amante.

Infelizmente há vários casos semelhantes também aqui no Brasil. E tenho observado que tanto homens quanto mulheres se perdem quando deixam de extrair momentos de felicidade no convívio familiar. Cometem um dos maiores erros de suas vidas quando se iludem achando que vão se realizar buscando outra pessoa e se esquecem que o ser feliz pode estar escondido na simplicidade do nosso cotidiano.

Nem todas as pessoas infelizes no casamento se divorciam ou procuram novos parceiros. Há casais que já vivem separados dentro de suas próprias casas. Muitos cônjuges dão mais atenção aos amigos, ao computador, ao trabalho, aos jogos de futebol, à moda, à novela e à própria casa do que ao seu companheiro. E pasmem, tem maridos que jamais disseram pra sua esposa uma declaração do tipo “eu te amo”.

A história que compartilho a seguir pareceu-me trágica. Se é verídica, não tenho condições de afirmar. Porém, o relato nos serve de reflexão para que cuidemos bem do nosso casamento, ou do nosso convívio familiar, no dia que se chama HOJE porque amanhã poderá ser tarde demais. Porém, o importante é que você pode neste dia começar a escrever uma nova história para sua vida.


Vale a pena ler esse testemunho, pois é absolutamente verídico e se passou nos Estados Unidos

Naquela noite, enquanto minha esposa servia o jantar, eu segurei sua mão e disse: "Tenho algo importante para te dizer". Ela se sentou e jantou sem dizer uma palavra. Pude ver sofrimento em seus olhos.
De repente, eu também fiquei sem palavras. No entanto, eu tinha que dizer a ela o que estava pensando. Eu queria o divórcio. E abordei o assunto calmamente.
Ela não parecia irritada pelas minhas palavras e simplesmente  perguntou em voz baixa: "Por quê?" 
Eu evitei respondê-la, o que a deixou muito brava. Ela jogou os talheres longe e gritou "você não é homem!" Naquela noite, nós não conversamos mais. Pude ouví-la chorando. Eu sabia que ela queria um motivo para o fim do nosso casamento. Mas eu não tinha uma resposta satisfatória para esta pergunta. O meu coração não pertencia a ela mais e sim  a Jane. Eu simplesmente não a amava mais, sentia pena dela. 
Me sentindo muito culpado, rascunhei um acordo de divórcio, deixando para ela a casa, nosso carro e 30% das ações da minha empresa. 

Ela tomou o papel da minha mão e o rasgou violentamente. A mulher com quem vivi pelos últimos 10 anos se tornou uma estranha para mim. Eu fiquei com dó deste desperdício de tempo e energia mas eu não voltaria atrás do que disse, pois amava a Jane profundamente. Finalmente ela começou a chorar alto na minha frente, o que já era esperado. Eu me senti libertado enquanto ela chorava. A minha obsessão por divórcio nas últimas semanas finalmente se materializava e o fim estava mais perto agora. 

No dia seguinte, eu cheguei em casa tarde e a encontrei sentada na mesa escrevendo. Eu não jantei, fui direto para a cama e dormi imediatamente, pois estava cansado depois de ter passado o dia com a Jane.
 
Quando acordei no meio da noite, ela ainda estava sentada à mesa, escrevendo. Eu a ignorei e voltei a dormir.

Na manhã seguinte, ela me apresentou suas condições: ela não queria nada meu, mas pedia um mês de prazo para conceder o divórcio. Ela pediu que durante os próximos 30 dias a gente tentasse viver juntos de forma mais natural possivel. As suas razões eram simples: o nosso filho faria seus examos no próximo mês e precisava de um ambiente propício para prepar-se bem, sem os problemas de ter que lidar com o rompimento de seus pais. 

Isso me pareceu razoável, mas ela acrescentou algo mais. Ela me lembrou do momento em que eu a carreguei para dentro da nossa casa no dia em que nos casamos e me pediu que durante os próximos 30 dias eu a carregasse para fora da casa todas as manhãs. Eu então percebi que ela estava completamente louca mas aceitei sua proposta para não tornar meus próximos dias ainda mais intoleráveis. 

Eu contei para a Jane sobre o pedido da minha esposa e ela riu muito e achou a idéia totalmente absurda. "Ela pensa que impondo condições assim vai mudar alguma coisa; melhor ela encarar a situação e aceitar o divórcio" ,disse  Jane em tom de gozação. 
 
Minha esposa e eu não tínhamos nenhum contato físico havia muito tempo, então quando eu a carreguei para fora da casa no primeiro dia, foi totalmente estranho. Nosso filho nos aplaudiu dizendo "O papai está carregando a mamãe no colo!" Suas palavras me causaram constrangimento. Do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa, eu devo ter caminhado uns 10 metros carregando minha esposa no colo. Ela fechou os olhos e disse baixinho "Não conte para o nosso filho sobre o divórcio" Eu balancei a cabeça mesmo discordando e então a coloquei no chão assim que atravessamos a porta de entrada da casa. Ela foi pegar o ônibus para o trabalho e eu dirigi para o escritório.

No segundo dia, foi mais fácil para nós dois. Ela se apoiou no meu peito, eu senti o cheiro do perfume que ela usava. Eu então percebi que há muito tempo não prestava atenção a essa mulher. Ela certamente tinha envelhecido nestes últimos 10 anos, havia rugas no seu rosto, seu cabelo estava ficando fino e grisalho. O nosso casamento teve muito impacto nela. Por uns segundos, cheguei a pensar no que havia feito para ela estar neste estado.

No quarto dia, quando eu a levantei, senti uma certa intimidade maior com o corpo dela. Esta mulher havia dedicado 10 anos da vida dela a mim.

No quinto dia, a mesma coisa. Eu não disse nada a Jane, mas ficava a cada dia mais fácil carregá-la do nosso quarto à porta da casa. Talvez meus músculos estejam mais firmes com o exercício, pensei. 

Certa manhã, ela estava tentando escolher um vestido. Ela experimentou uma série deles mas não conseguia achar um que servisse. Com um suspiro, ela disse "Todos os meus vestidos estão grandes para mim". Eu então percebi que ela realmente havia emagrecido bastante, daí a facilidade em carregá-la nos últimos dias. 

A realidade caiu sobre mim com uma ponta de remorso... ela carrega tanta dor e tristeza em seu coração..... Instintivamente, eu estiquei o braço e toquei seus cabelos. 

Nosso filho entrou no quarto neste momento e disse "Pai, está na hora de você carregar a mamãe". Para ele, ver seu pai carregando sua mãe todas as manhãs tornou-se parte da rotina da casa. Minha esposa abraçou nosso filho e o segurou em seus braços por alguns longos segundos. Eu tive que sair de perto, temendo mudar de idéia agora que estava tão perto do meu objetivo. Em seguida, eu a carreguei em meus braços, do quarto para a sala, da sala para a porta de entrada da casa. Sua mão repousava em meu pescoço. Eu a segurei firme contra o meu corpo. Lembrei-me do dia do nosso casamento. 

Mas o seu corpo tão magro me deixou triste. No último dia, quando eu a segurei em meus braços, por algum motivo não conseguia mover minhas pernas. Nosso filho já tinha ido para a escola e eu me vi pronunciando estas palavras: "Eu não percebi o quanto perdemos a nossa intimidade com o tempo". 

Eu não consegui dirigir para o trabalho.... fui até o meu novo futuro endereço, saí do carro apressadamente, com medo de mudar de idéia...Subi as escadas e bati na porta do quarto. A Jane abriu a porta e eu disse a ela "Desculpe, Jane. Eu não quero mais me divorciar". 

Ela olhou para mim sem acreditar e tocou na minha testa "Você está com febre?" Eu tirei sua mão da minha testa e repeti "Desculpe, Jane. Eu não vou me divorciar. Meu casamento ficou chato porque nós não soubemos valorizar os pequenos detalhes da nossa vida e não por falta de amor. Agora eu percebi que desde o dia em que carreguei minha esposa no dia do nosso casamento para nossa casa, eu devo segurá-la até que a morte nos separe. 

A Jane então percebeu que era sério. Me deu um tapa no rosto, bateu a porta na minha cara e pude ouví-la chorando compulsivamente. Eu voltei para o carro e fui trabalhar. 

Na loja de flores, no caminho de volta para casa, eu comprei um buquê de rosas para minha esposa. A atendente me perguntou o que eu gostaria de escrever no cartão. Eu sorri e escrevi:  "Eu te carregarei em meus braços todas as manhãs até que a morte nos separe". 

Naquela noite, quando cheguei em casa, com um buquê de flores na mão e um grande sorriso no rosto, fui direto para o nosso quarto onde encontrei minha esposa deitada na cama - morta. 
Minha esposa estava com câncer e vinha se tratando a vários meses, mas eu estava muito ocupado com a Jane para perceber que havia algo errado com ela. Ela sabia que morreria em breve e quis poupar nosso filho dos efeitos de um divórcio - e prolongou a nossa vida juntos proporcionando ao nosso filho a imagem de nós dois juntos toda manhã. Pelo menos aos olhos do meu filho, eu sou um marido carinhoso.

Os pequenos detalhes de nossa vida são o que realmente contam num relacionamento. Não é a mansão, o carro, as propriedades, o dinheiro no banco. Estes bens criam um ambiente propício a felicidade mas não proporcionam mais do que conforto. Portanto, encontre tempo para ser amigo de sua esposa, faça pequenas coisas um para o outro para mantê-los próximos e íntimos. Tenham um casamento real e feliz!

Se você não dividir isso com alguém, nada vai te acontecer.

Mas se escolher enviar para alguém, talvez salve um casamento. 
Muitos fracassados na vida são pessoas que não perceberam que estavam tão perto do sucesso e preferiram desistir.. 

UM CASAMENTO CENTRADO EM CRISTO É UM CASAMENTO QUE DURA UMA VIDA TODA.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O sexo é uma benção de Deus!


Grande parte do mundo cristão ainda tem uma visão deturpada a respeito da sexualidade, algo que interfere na qualidade de vida de muita gente pode até limitar o crescimento espiritual.

Dentro das igrejas, o pecado sexual costuma ser visto como a maior de todas as transgressões, algo escandaloso e desmoralizador. Algumas comunidades chegam a banir do convívio entre os irmãos, e até da celebração nos cultos, pessoas que cometem adultério, jovens que mantêm relações sexuais sem estarem casados e os homossexuais, muito embora tolerem fofocas, mentiras, falsidades e a abominável manipulação do povo de Deus por lideranças que só visam o poder.

É possível que a raiz desse comportamento de falsa pureza tenha a ver com a invenção acerca da virgindade eterna de Maria e também com a imposição do celibato aos padres católicos, duas aberrações teológicas que negam a vida.

Ao contrário do que prega o catolicismo, os Evangelhos não afirmam que Maria tenha permanecido virgem até morrer. Os livros que homenageiam Mateus e Lucas relatam que de fato Jesus nasceu de uma virgem, mas também mencionam que o Senhor teve também irmãos e irmãs, dentre os quais dois escritores das epístolas universais do Novo Testamento (Tiago e Judas), o que dá a entender que Maria e seu esposo José fizeram sexo.

Neste sentido, pode-se dizer que o texto bíblico de Mateus diz claramente que a abstinência de relações sexuais de Maria só durou mesmo até o nascimento de Jesus, inexistindo ali qualquer afirmação capaz de confirmar o dogma católico de virgindade eterna:

“Ao acordar, José fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado e recebeu Maria como sua esposa. Mas não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho. E ele lhe pôs o nome de Jesus.” (Mt 1.24-25 - Nova Versão Internacional – NVI)

A explicação para o nascimento virginal de Jesus em nada tem a ver com a ideia de que o sexo seja algo impuro. Além disso, pelo texto hebraico da profecia de Isaías 7.14, que é diferente da tradução grega da Septuaginta, usada pelo escritor de Mateus, nem haveria necessidade de que o Messias precisasse nascer de uma virgem. Isto porque o termo usado pelo profeta foi ´almah que designa jovem em idade de casamento, enquanto que bethulah sim é que seria a palavra específica para virgem. Contudo, é óbvio que as jovens hebraicas costumavam ser entregues pelo pai ao marido quando ainda virgens ou do contrário o matrimônio poderia ser anulado e a moça apedrejada.

Mas então por que Jesus não era filho de José e foi gerado pelo Espírito Santo de Deus no ventre de Maria?

Embora uma convincente explicação teológica afirme que se Jesus fosse filho de José com Maria, teria sido portador do gene do pecado, pra mim suficiente o entendimento de que, apenas pela concepção sobrenatural, o Messias poderia ser chamado de Filho de Deus o que, por sua vez, significa a encarnação da própria divindade – o Emanuel (“Deus conosco”):

“Por isso o Senhor mesmo lhes dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel”. (Is 7.14)

Quanto ao celibato, inexiste qualquer fundamento bíblico que obrigue os ministros do Evangelho a se abster do casamento e do sexo. O apóstolo Paulo que é tido como um celibatário por opção, segundo consta no verso sete do sétimo capítulo da primeira carta aos coríntios, também escreveu estas instruções a seu discípulo Timóteo:

“O Espírito diz claramente que nos últimos tempos alguns abandonarão a fé e seguirão espíritos enganadores e doutrinas de demônios. Tais ensinamentos vêm de homens hipócritas e mentirosos, que têm a consciência cauterizada e proíbem o casamento e o consumo de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ação de graças pelos que crêem e conhecem a verdade. Pois tudo o que Deus criou é bom, e nada deve ser rejeitado, se for recebido com ação de graças, pois é santificado pela palavra de Deus e pela oração.” (1Tm 4.1-4)

Na visão das Escrituras hebraicas, isto é, do nosso Antigo Testamento bíblico, o casamento e a fertilidade sempre foram honrados no meio dos israelitas. Ao contrário do clero católico, o sacerdócio no templo judaico, no que diz respeito à apresentação das ofertas, jamais poderia ser exercido por um homem que fosse portador de determinados defeitos físicos, dentre os quais a incapacidade de gerar descendentes, o que, na versão de João Ferreira de Almeida, é traduzido com o termo “testículo quebrado” (ver Levítico 21.17-20).

No Shir Hashirim, livro clássico da poesia lírica hebraica que também se apresenta nas nossas bíblias como Cântico dos Cânticos, a sexualidade (tanto do homem quanto da mulher) é enaltecida de modo que a obra chega a conter alguns versos que poderíamos de certa maneira considerar como “picantes”, senão vejamos algumas passagens:

"Ah, se ele me beijasse, se a sua boca me cobrisse de beijos...
Sim, as suas carícias são mais agradáveis que o vinho" (1.2)

“Leve-me com você! Vamos depressa!
Leve-me o rei para os seus aposentos! (1.4)

“O meu amado é para mim como uma pequenina bolsa de mirra
que passa a noite entre os meus seios” (1.13)

"Você é um jardim fechado, minha irmã, minha noiva;
você é uma nascente fechada, uma fonte selada.” (4.12)

"Acorde, vento norte!
Venha, vento sul!
Soprem em meu jardim,
para que a sua fragrância se espalhe em meu redor.
Que o meu amado entre em seu jardim
e saboreie os seus deliciosos frutos." (4.16)

"Entrei no meu jardim, minha irmã, minha noiva;
ajuntei a minha mirra com as minhas especiarias.
Comi o meu favo e o meu mel;
bebi o meu vinho e o meu leite." (5.1)

Na parte que fala sobre o "jardim", o texto refere-se à relação sexual do casal. Reparem no texto que a esposa até um certo momento era um "jardim selado" (virgem). Quando, então, o rei entra no jardim, a relação sexual é consumada.

Embora os preceitos da Torah fossem bastante rígidos quanto ao adultério, o homossexualismo e as relações incestuosas, seria um equívoco achar que a sociedade israelita, na época em que teria sido escrito o Shir Hashirim (século X a.C.), vivesse debaixo de uma angustiosa repressão moral a ponto de inibir as expressões da sexualidade tal como passou a fazer a Igreja na Idade Média.

Outra passagem que se encontra em Gênesis dá a entender que o sexo na cultura hebraica podia ser experimentado de forma plena entre um casal. A narrativa conta que Isaque, o filho prometido de Abraão, encontrava-se na região de Gerar já fazia muito tempo. Certo dia, Abimeleque, rei dos filisteus, estava olhando do alto de uma janela quando viu Isaque acariciando Rebeca, sua mulher (Gênesis 26.8).

Bem, o verbo hebraico que corresponde à palavra "acariciava" escolhida pelos tradutores da Bíblia para o português seria brincar e que vem da mesma raiz do nome do patriarca Isaque (Riso). Ora, isto pode significar que Isaque e Rebeca estavam fazendo uma brincadeira de conteúdo sexual, coisa que gera perplexidade para o moralismo equivocado dos tradutores da Bíblia e até mesmo para boa parcela do público de leitores dos livros sagrados.

Como se vê, uma vida sexual apimentada e intensa entre um homem e sua mulher é benção de Deus. Trata-se de uma dádiva que deve ser mesmo recebida com orações e ações de graças, conforme escreveu Paulo a Timóteo no texto citado, de maneira que a união do macho com a fêmea celebra um verdadeiro culto ao Criador.

Para terminar, faço menção desta citação do livro de Provérbios em que o autor, depois de fazer uma séria advertência contra o adultério, inventiva o homem a se alegrar no relacionamento com a sua mulher:

"Seja bendita a sua fonte!
Alegre-se com a esposa da sua juventude.
Gazela amorosa, corça graciosa;
que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer,
e sempre o embriaguem os carinhos dela."
(Pv 5.18-19)


OBS: A ilustração acima refere-se a uma obra do pintor alemão Albrecht Altdorfer que viveu entre os anos de 1480 a 1538.

sábado, 14 de agosto de 2010

A Graça regeneradora versus a Culpa inútil: um breve paralelo entre Rúben e Judá, filhos de Jacó

Geralmente, quando nos lembramos da vida dos doze patriarcas israelitas, isto é, os filhos de Jacó (também chamado de Israel), pensamos logo na pessoa de José cuja história muitos já conhecem através dos filmes que costumam passar na época do Natal ou no feriado da Semana Santa.

Sem dúvida que, nos últimos capítulos do livro de Gênesis, José parece assumir um lugar de destaque nas narrativas que falam da vida de um homem justo que, sem o conhecimento do pai, foi vendido traiçoeiramente pelos irmãos como escravo vindo a se tornar, no final, o primeiro ministro do império egípcio. Quando sobrevém uma grande fome na região do Oriente Próximo, a família de Jacó passa a procurar alimento no Egito, quando então ocorre o re-encontro entre o pai e o filho tido até então como morto.

No entanto, o personagem centrar de toda história bíblica será sempre Deus e as narrativas de Gênesis conta-nos que Lia, a primeira esposa de Jacó, teve ao todo seis filhos e uma filha. O primogênito de todos eles chamou-se Rúben e o quarto Judá:

Quando o SENHOR viu que Lia era desprezada, concedeu-lhe filhos; Raquel, porém, era estéril. Lia engravidou, deu à luz um filho, e deu-lhe o nome de Rúben, pois dizia: “O SENHOR viu a minha infelicidade. Agora certamente o meu marido me amará”. Lia engravidou de novo e, quando deu à luz outro filho, disse: “Porque o SENHOR ouviu que sou desprezada, deu-me também este”. Pelo que o chamou Simeão. De novo engravidou e, quando deu à luz mais um filho, disse: “Agora, finalmente, meu marido se apegará a mim, porque já lhe dei três filhos”. Por isso deu-lhe o nome de Levi. Engravidou ainda outra vez e, quando deu à luz mais outro filho, disse: “Desta vez louvarei o SENHOR”. Assim deu-lhe o nome de Judá. Então parou de ter filhos (…) Deus ouviu Lia, e ela engravidou e deu a Jacó o quinto filho. Disse Lia: “Deus me recompensou por ter dado a minha serva ao meu marido ao meu marido”. Por isso deu-lhe o nome de Issacar. Lia engravidou de novo e deu a Jacó o sexto filho. Disse Lia: “Deus presenteou-me com uma dádiva preciosa. Agora meu marido me tratará melhor; afinal, já lhe dei seis filhos”. Por isso deu-lhe o nome de Zebulom. Algum tempo depois, ela deu à luz uma menina a quem chamou Diná. (Gn 29.31 e 35-30.17-21; Nova Versão Internacional - NVI) – original sem destaques

Na cultura hebraica, assim como entre outros povos orientais, a escolha do nome de um filho geralmente expressa um significado para os pais ou se presta a homenagear algum antepassado. Assim, os nomes de Rúben e de Judá refletiam o sentimento da mãe na luta que travava contra o desprezo e a infertilidade. No quarto nascimento, Lia louvou ao SENHOR, numa atitude de espontânea adoração, de modo que Judá significa “louvor” ou “louvado”.

Verdade é que a Bíblia não esconde as falhas humanas e, segundo o Livro de Gênesis, os dois irmãos em comento foram pecadores bem devassos. Diz o texto que o primogênito Rúben teve relações sexuais com a concubina do pai enquanto que Judá procurou uma prostituta cultual, sem saber que estava levando para cama a própria nora Tamar:

Na época em que Israel vivia naquela região, Rúben deitou-se com Bila, concubina de seu pai. E Israel ficou sabendo disso. (Gn 35.22)

Quando a viu, Judá pensou que fosse uma prostituta, porque ela havia encoberto o rosto. Não sabendo que era a sua nora, dirigiu-se a ela, à beira da estrada, e disse: “Venha cá, quero deitar-me com você”. (Gn 38.15-16a)

Numa outra ocasião, quando os irmãos de José pretenderam matá-lo por inveja, Rúben evitou que tal tragédia ocorresse e foi de Judá a ideia de vendê-lo como escravo aos mercadores de uma caravana:

Assim foi José em busca dos seus irmãos e os encontrou perto de Dotã. Mas eles o viram de longe e, antes que chegasse, planejaram matá-lo. Mas eles o viram de longe e, antes que chegasse, planejaram matá-lo. “Lá vem aquele sonhador”, diziam uns aos outros. “É agora” Vamos matá-lo e jogá-lo num destes poços, e diremos que um animal selvagem o devorou. Veremos então o que será dos seus sonhos.” Quando Rúben ouviu isso, tentou livrá-lo das mãos deles, dizendo: “Não lhe tiremos a vida!” E acrescentou: “Não derramem sangue. Joguem-no naquele poço no deserto, mas não toquem nele”. Rúben propôs isso com a intenção de livrá-lo e levá-lo de volta ao pai. Chegando José, seus irmãos lhe arrancaram a túnica longa, agarraram-no e o jogaram no poço, que estava vazio e sem água. Ao se sentarem para comer, viram ao longe uma caravana de ismaelitas que vinha de Gileade. Seus camelos estavam carregados de especiarias, bálsamo e mirra, que eles levavam para o Egito. Judá disse então a seus irmãos: “Que ganharemos se matarmos o nosso irmão e escondermos o seu sangue? Vamos vendê-lo aos ismaelitas. Não tocaremos nele, afinal é nosso irmão, é nosso próprio sangue”. E seus irmãos concordaram. Quando os mercadores ismaelitas de Midiã se aproximaram, seus irmãos tiraram José do poço e o venderam por vinte peças de prata aos ismaelitas, que o levaram para o Egito. Quando Rúben voltou ao poço e viu que José não estava lá, rasgou suas vestes e, voltando a seus irmãos, disse: “O jovem não está lá” Para onde ireis agora?” Então eles mataram um bode, mergulharam no sangue a túnica de José e a mandaram ao pai com este recado: “Achamos isto. Veja se é a túnica de teu filho”. (Gn 37. 17b-32)

Nesta passagem transcrita acima, a conduta de Rúben demonstrou que ele se sentia sobrecarregado de culpas e, provavelmente, buscava fazer algo positivo afim de reconquistar o prestígio perdido junto ao pai por causa do adultério praticado com Bila no capítulo 35. Quando soube que José não estava mais no poço, entrou em desespero a ponto de praticar o costume oriental de “rasgar as vestes” porque o fato certamente manchava a sua liderança diante de seus irmãos como primogênito visto que cabia ao filho mais velho zelar pela segurança dos demais na ausência do pai.

Anos mais tarde, quando José governava o Egito e dez dos seus irmãos foram juntos até lá comprar alimento, um novo episódio marcou aquela família. Nenhum deles sabia que o administrador daquele país era o mesmo José que havia sido vendido por eles aos mercadores como escravo. Isto porque o faraó tinha mudado o nome de José passando a chamá-lo de Zafenate-Panéia (Gn 41.45), além dos diferenciados trajes egípcios que ele agora vestia e que eram condizentes com sua nova posição (Gn 41.42b). Contudo, José reconheceu seus irmãos e logo colocou em prática um estratagema capaz inicialmente de prender seus irmãos por espionagem e mais tarde trazer até ele a família.

Quando interrogados por José, seus irmãos lhe disseram que não eram espiões, falando acerca do irmão mais novo que não estava na companhia do grupo:

E eles disseram: “Teus servos eram doze irmãos, todos filhos do mesmo pai, na terra de Canaã. O caçula está agora em casa com o pai, e o outro já morreu”. José tornou a afirmar: “É como lhes falei: Vocês são espiões! Vocês serão postos à prova. Juro pela vida do faraó que vocês não sairão daqui, enquanto o seu irmão caçula não vier para cá. Mandem algum de vocês buscar o seu irmão enquanto os demais aguardem presos. Assim ficará provado se as suas palavras são verdadeiras ou não. Se não forem, juro pela vida do faraó que ficará confirmado que vocês são espiões!” E os deixou presos três dias (Gn 42.13-17)

Colocados nesta complicada situação os dez irmãos de José passaram a ver aquele acontecimento como um castigo assim como Rúben, expressando seu pesado sentimento de culpa:

Rúben respondeu: “Eu não lhes disse que não maltratassem o menino? Mas vocês não quiseram me ouvir! Agora teremos que prestar contas do seu sangue”. (Gn 42.22)

Simeão, um dos irmãos, permaneceu preso no Egito como garantia de que os outros nove iriam retornar trazendo consigo o caçula. Quanto então regressaram a Canaã, relataram ao pai o que lhes tinha acontecido. Jacó a princípio não concordou que levassem Benjamim na próxima viagem, rejeitando a proposta de Rúben tida como tola:

E disse-lhes seu pai Jacó: “Vocês estão tirando meus filhos de mim! Já fiquei sem José, agora sem Simeão e ainda querem levar Benjamim. Tudo está contra mim!” Então Rúben disse ao pai: “Podes matar meus dois filhos se eu não o trouxer de volta. Deixa-o aos meus cuidados, e eu o trarei”. Mas o pai respondeu: “Meu filho não descerá com vocês; seu irmão está morto, e ele é o único que resta. Se qualquer mal lhe acontecer na viagem que estão por fazer, vocês farão estes meus cabelos brancos descerem à sepultura com tristeza”. (Gn 42.36-38)

Por causa da fome, todo o cereal adquirido no Egito foi consumido pela família de Jacó. O pai ordenou aos filhos que retornassem ao Egito para comprar mais alimento. Novamente é retomado o debate acerca de levarem Benjamim na viagem. Judá corajosamente entrou em cena, agindo como um verdadeiro líder no lugar de Rúben:

A fome continuava rigorosa na terra. Assim, quando acabou todo o trigo que os filhos de Jacó tinham trazido do Egito, seu pai lhes disse: “Voltem e comprem um pouco mais de comida para nós”. Mas Judá lhe disse: “O homem nos advertiu severamente: 'Não voltem à minha presença, a não ser que tragam o seu irmão'. Se enviares o nosso irmão conosco, desceremos e compraremos comida para ti. (…) “Deixa o jovem ir comigo e partiremos imediatamente, a fim de que tu, nós e nossas crianças sobrevivemos e não venhamos a morrer. Eu me comprometo pessoalmente pela segurança dele; podes me considerar responsável por ele. Se eu não o trouxer de volta e não o colocar bem aqui na tua presença, serei culpado diante de ti pelo resto da minha vida. (Gn 43.1- 4,8-9)

Ouvindo estas palavras e sabendo que outra alternativa não lhe restava, pois seria arriscar ou morrer de fome, Jacó autorizou que Benjamim fosse ao Egito na companhia de seus irmãos. Quando chegam à presença de José foram bem recebidos com uma satisfatória refeição. Porém, nenhum deles ainda sabia que era José.

Durante a partida de retorno dos irmãos para Canaã, José colocou em pratica a segunda parte de seu plano. Mandou que mordomo colocasse secretamente sua taça de prata junto com a bagagem do caçula e, quando o grupo já havia deixado a cidade, vieram a ser interceptados e levados novamente à presença de José para julgamento pelo furto do objeto. Corajosamente Judá defendeu Benjamim:

Quando Judá e seus irmãos chegaram à casa de José, ele ainda estava lá. Então eles se lançaram ao chão perante ele. E José lhes perguntou: “Que foi que vocês fizeram? Vocês não sabem que um homem como eu tem poder para adivinhar?” Respondeu Judá: “O que diremos a meu senhor? Que podemos falar? Como podemos provar nossa inocência? Deus trouxe à luz a culpa dos teus servos. Agora somos escravos do meu senhor, como também aquele que foi encontrado com a taça”. Disse, porém, José: “Longe de mim fazer tal coisa! Somente aquele que foi encontrado com a taça será meu escravo. Os demais podem voltar em paz para a casa do seu pai”. Então Judá dirigiu-se a ele, dizendo: “Por favor, meu senhor, permite-me dizer-te uma palavra. Não se acenda a tua ira contra o eu servo, embora sejas igual ao próprio faraó. Meu senhor perguntou a estes seus servos se ainda tínhamos pai e algum outro irmão. E nós respondemos: Temos um pai idoso, cujo filho caçula nasceu-lhe em sua velhice. O irmão deste já morreu, e ele é o único filho da mesma mãe que restou, e seu pai o ama muito (…) Além disso, teu servo garantiu a segurança do jovem a seu pai, dizendo-lhe: Se eu não o trouxer de volta, suportarei essa culpa diante de ti pelo resto da minha vida! Por isso agora te peço, por favor, deixa o teu servo ficar como escravo do meu senhor no lugar do jovem e permite que ele volte com os meus irmãos. Como poderei eu voltar a meu pai sem levar o jovem comigo? Não! Não posso ver o mal que sobreviria a meu pai”. (Gn 44.14-20,32-34)

Diferente do Judá que antes havia sugerido vender José como escravo aos mercadores, sua atitude desta vez provou a grande mudança de caráter experimentada pelo patriarca dos judeus, prefigurando também o sacrifício substitutivo de Jesus quando o Senhor se ofereceu para cumprir a pena de toda a humanidade por causa do pecado. Ao contrário de Rúben que, diante do pai, tinha jurado pela vida de seus filhos, Judá colocou a si próprio para sofrer a punição que poderia ser aplicada a Benjamim.

No livro Men of the Bible, publicado no Brasil com o título de Eles, pela editora Mundo Cristão, Ann Spangler e Robert Wolgemuth assim comentam a respeito da liderança exercida por Judá:

“Embora não fosse o primogênito, Judá era um líder entre os filhos rebeldes de Jacó. Sua liderança salvou a vida de José e provavelmente de sua família mais ampla, porque conseguiu persuadir Jacó de que Benjamim precisava ir com ele buscar mais mantimentos no Egito. Seu ato mais impressionante de liderança foi oferecer sua própria vida em penhor da liberdade de Benjamim, invertendo assim, de certa forma, seu ato anterior de traição a José.”

Finalmente José se deu a conhecer a seus irmãos, livrando-s de qualquer castigo e mandou trazer sua família para o Egito que foi apresentada ao faraó. Depois disso, Jacó ainda viveu alguns anos naquele país e, quando adoeceu e estava para morrer, chamou seus filhos abençoando a cada um, tendo dito o seguinte acerca de Rúben e de Judá:

“Rúben, você é meu primogênito,
minha força, o primeiro sinal do meu vigor,
superior em honra, superior em poder.
Turbulento como as águas, já não será superior,
porque você subiu à cama de seu pai,
ao meu leito, e o desonrou.
(…)
Judá, seus irmãos o louvarão,
sua mão estará sobre o pescoço dos seus inimigos;
os filhos de seu pai se curvarão diante de você.
Judá é um leão novo.
Você vem subindo, filho meu, depois de matar a presa.
Como um leão se assenta;
e deita-se como uma leoa; quem tem coragem de acordá-lo?
O cetro não se apartará de Judá,
nem o bastão do comando de seus descendentes,
até que venha aquele a quem pertence,
e a ele as nações obedecerão.
Ele amarrará seu jumento a uma videira
e o seu jumentinho, ao ramo mais seleto;
lavará no vinho as suas roupas,
no sangue das uvas, as suas vestimentas.
Seus olhos serão mais escuros que o vinho;
seus dentes, mais brancos que o leite.

(Gn 49.34,8-12)

Tal relato mostra que, enquanto Rúben perdeu sua porção dobrada de primogênito na herança paterna decorrente do pecado sexual contra a família, a descendência de Judá ficou com a melhor parte – a benção de ter trazido ao mundo o Messias Jesus, o Rei Ungido que governará os povos por toda a eternidade. Aqui, o outro sentido do nome de Judá (louvor ao SENHOR ou louvado) é aplicado a Jesus pela sua descendência, mostrando que o Cristo é digno de receber o mesmo louvor que deve ser ministrado a Deus.

Judá verdadeiramente ficou livre de sua culpa enquanto Rúben sofreu consequências pelo mal praticado. Judá produziu obras dignas de arrependimento, enquanto Rúben apenas tentou infrutiferamente mudar sua imagem perante ao pai. No final, Judá se torna um canal para a manifestação da graça divina que se cumpre em Jesus Cristo.

Todos nós, a semelhança de Rúben e de Judá cometemos pecado. Contudo, temos a oportunidade de alcançar perdão não pelos nossos méritos e sim pelo perdão oferecido por intermédio do sacrifício de Jesus. Jamais as nossas obras poderão encobrir erros do passado ou curar a nossa culpa, mas o que Deus espera de nós é que experimentemos uma mudança de caráter de maneira que nossos atos passem a refletir um verdadeiro arrependimento.

Libertos por Jesus da condenação do pecado, somos também incentivados por sua Palavra a darmos nossas vidas em favor de nossos irmãos da família espiritual. Tal exemplo foi seguido mais tare pelos apóstolos e por inúmeros cristãos verdadeiros durante a história, uma expressão autêntica de fé nas promessas de vida eterna.

Será que estaríamos prontos para seguirmos os passos de Jesus e dos apóstolos a ponto de entregarmos nossas vidas em favor de alguém? Posso dizer que eu ainda não me sinto preparado, mas fico incentivado quando observo que, anos depois de ter vendido José como escravo, Judá ofereceu a si mesmo para sofrer a pena de Benjamim.

Que Deus te abençoe e nos conceda uma excelente semana em sua presença!

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Compartilhando reflexões no dia do advogado

Todo dia 11 de agosto é comemorado o dia do advogado, uma data em que a OAB costuma organizar diversos eventos, dentre os quais alguns são destinados ao público em geral enquanto outros tornam-se mais específicos para o público em geral.

Há cinco anos que estou exercendo a advogacia e, desde que recebi minha carteirinha da OAB, a profissão já se encontrava em crise. Ainda estagiário, eu escutava os meus futuros colegas reclamando do excesso de profissionais que estavam sendo despejados semestralmente no mercado pelos inúmeros campi das faculdades privadas no país. Muitos deles, por exemplo, defendiam desde então que ficasse restrita a criação de novos cursos de Direito e a OAB andava patrulhando os cursos de Direito.

Sem desconsiderar as preocupações desses nobres colegas, eu procurava também enxergar benefícios no aumento de bacharéis em ciências jurídicas como um ingrediente positivo na luta pelos direitos sociais. Via que, numa cidade de 180 mil habitantes como é a minha, a passagem de várias centenas de alunos pelas duas únicas faculdades de Direito aqui estabelecidas de alguma maneira ou de outra estava ajudando na construção da nossa cidadania, mesmo faltando mercado para absorver todos os que se formam.

Recordo que daqueles que concluíram o curso comigo na Estácio de Sá (segundo semestre de 2004), cada um parece ter tomado o seu próprio caminho. Nem todos passaram de imediato na provinha admissional da OAB e suponho que alguns nem desejaram ter a carteirinha para advogar. Mas o certo é que a grande maioria talvez não esteja exercendo a profissão, embora continuem de alguma maneira, direta ou indiretamente, trabalhando com o Direito.

Tive colegas que se mudaram de Nova Friburgo para advogar em lugares como no Rio de Janeiro, Niterói, Região dos Lagos ou São Paulo. Outros retornaram para suas cidades de origem pois tinham se mudado para cá apenas com o objetivo de se graduarem. Muitos resolveram prestar concursos públicos. Lembro, por exemplo, que dois dos melhores alunos da turma alcançaram êxito. Um deles foi aprovado para a magistratura estadual conseguindo uma admirável colocação enquanto o outro hoje é defensor público, após ter trabalhado por uns tempos como analista da Justiça Federal.

Diante deste quadro angustiante em que se encontra a advocacia, fico a indagar se nós advogados continuaremos com as velhas ideias sobre como criaremos novas necessidades, no sentido de obrigar a sociedade a depender de nós para determinados atos, ou se iremos nos voltar verdadeiramente para as reais necessidades do mercado procurando nos encaixar nestes novos tempos.

Verdade seja dita que, apesar de toda a concorrência e dos salários estáveis pagos pelo Poder Público para determinados cargos jurídicos, a advocacia ainda promete excelentes oportunidades para quem se dedica e consegue se colocar profissionalmente. Tratam-se dos advogados das grandes causas que não estão sendo afetados pelo número excessivo de novos alunos formados, pois para eles não há concorrência. Ou seja, concorrem com si mesmos.

Por outro lado, não quero que deixemos de buscar soluções para o exercício da advocacia apenas porque existe um grupo de pessoas que conseguem se colocar muito bem num dos aspectos da vida. Jamais podemos esquecem que existe gente que não tem as mesmas ambições profissionais e que se satisfaz tendo apenas o necessário para comer, morar e se vestir, fato que precisaremos sempre respeitar, de modo que este grupo nem sempre está pensando nas maneiras de inovar.

Acredito que um dos desafios da advogacia diz respeito à inclusão dos profissionais do Direito no mercado de trabalho, o que, necessariamente, não significa que todos devam precisar da Justiça para ganhar o pão de cada dia. E, por causa disto, acho que as faculdades devem preparar o aluno sobre como ele poderá ser útil numa empresa, prestando consultas, prevenindo conflitos, elaborando contratos e auxiliando na parte administrativa.

Infelizmente, nossas faculdades ainda estão mais focadas na preparação dos acadêmicos de Direito para o concurso público. Posso dizer que hoje até o exercício da advocacia contenciosa parece que já nem é mais o foco principal dos professores. Com isso, as instituições de ensino tornam-se a vitrine dos sonhos da maioria dos vestibulandos que desejam um emprego estável, como se o governo poderá ser eternamente o maior empregador do país. Contudo, as instituições de ensino superior estão falhando no que diz respeito á preparação do indivíduo para enfrentar o mercado de trabalho.

Mas será que a solução se passa unicamente pelas faculdades? Não seria a OAB, sob um certo aspecto, a segunda faculdade do advogado?

A meu ver, a OAB e os próprios advogados podem fazer bastante pela inclusão profissional. E, neste sentido, penso que a OAB deve ser menos institucional para se tornar, verdadeiramente, uma família do advogado onde as pessoas, sem se esconderem atrás da formalidade típica do Direito, possam de fato auxiliar umas às outras, suprir necessidades, dialogar mais e, juntas, estudarem soluções.

Ultimamente tem-se oferecido muitos cursos de atualização profissional através da OAB, o que considero muito válido. Porém, percebo que os advogados estão precisando mais é de uma troca de experiências, de relacionamentos e de reflexões. Isto porque o cotidiano de audiências, de elaboração de peças processuais e de cumprimento de prazos acaba nos levando a momento de alienação. Vivendo apenas neste mundinho, nossa interatividade fica menor, perdemos até a sensibilidade para ouvir o cliente e corremos o risco de nos fechar dentro de uma rotina exaustiva de trabalho.

Recordo que, no dia quando recebi minha carteira da OAB, o então presidente da subseção local, Dr. José Carlos Alves, discursou que a Ordem jamais deixará de ser a nossa primeira casa e poderia ser também a última. Ou seja, mesmo se passássemos em concursos públicos nos tornando juízes, promotores ou delegados, um dia voltaríamos a advogar e daí a importância de sempre mantermos o devido respeito pelo exercício da profissão ao contrário do que fazem determinadas autoridades do Poder Judiciário.

Ora, sem dúvida que tal reflexão é pertinente porque, quando um magistrado é obrigado a se aposentar compulsoriamente aos setenta anos, qualquer profissão que vier a realizar no campo jurídico, com exceção do magistério, será a advocacia. E, mesmo fora do contencioso, a exemplo da prestação de consultorias, não deixa de ser uma advocacia no sentido amplo.

O dia de hoje é para ser celebrado e apoiado por todos, o que inclui o restante da comunidade jurídica e demais pessoas da sociedade brasileira. Mesmo em crise, a advocacia continuará sendo indispensável para a prestação da Justiça. Sempre que sofrer uma ameaça, ou lesão aos seus direitos, o cidadão poderá ter acesso à jurisdição e aí entra a importância do advogado para defender a sua causa em juízo ou fora dele. Empresas, entidades públicas, pessoas ricas, pessoas pobres, militares, civis, trabalhadores, empregados, consumidores, fornecedores, vítimas, criminosos, adultos, crianças, idosos, homens, mulheres, magistrados, promotores de justiça e até mesmo um colega de profissão poderão precisar ter ao seu lado a presença de um advogado que atue adequadamente em seu favor, agindo como se fosse o próprio cliente.

Chego ao final deste texto afirmando que o bem da profissão de advogado é um assunto deve interessar a todos. A presença de poucos profissionais nunca será boa porque os jurisdicionados poderão encontrar dificuldades de acesso à justiça conforme frequentemente ocorre no que diz respeito ao acesso á saúde quando há poucos médicos numa cidade. Entretanto, a falta de absorção do grande número de advogados pelo mercado poderá trazer um efeito negativo no futuro porque se tornará cada vez mais difícil achar o profissional adequado no meio de muitos colegas desestimulados. Logo, todos devemos desejar que a advocacia funcione satisfatoriamente neste país.

Deixo um abraço a todos que estão lendo e acompanhando este blogue, aproveitando para dar meus parabéns a todos os advogados do Brasil.

sábado, 7 de agosto de 2010

Os quatro pastores e o projeto de igreja

Numa tarde de sábado no Rio de Janeiro, quatro pastores evangélicos combinaram de se encontrar num local discreto para discutirem entre si a criação de mais uma nova igreja. Um deles, o pastor Paulo de Tarso, já estava sentado no banco de uma praça debaixo da sombra de uma frondosa árvore.

- Fala, Paulo! Como tem passado?

- Apesar daquela derrota vergonhosa por quatro a zero que meu time sofreu no campeonato de futebol, estou muito bem e bastante animado com a reunião que marquei pra hoje ali no restaurante. E você, Carlos? Resolveu aquele probleminha da sua conta telefônica

- Cara, nem me fale! Com este salário de professor que a igreja nos dá mal consigo para pagar meus compromissos em dia. Precisei parcelar a conta para a empresa religar a minha linha. Por isso é que você só fala com este celular da minha esposa que está sem crédito.

- Já sei! Aquele celular “pai de santo” que só recebe chamadas...

- Sai fora! Tá amarrado!

Pastor Paulo deu uma gargalhada.

- Me diz aí, cara. Quem são as outras pessoas que você chamou para esta reunião? Conheço algum?

- Talvez você só tenha ouvido falar do pastor Ricardo que costuma vender por aí aqueles CDs de louvor sertanejo misturado com outras músicas que ele grava por sua conta.

- Sei. Você está falando daquele cara que quase foi processado uma vez por piratear canções gospel gravadas durante os cultos nas igrejas?

- Se ele foi processado nem estou sabendo, mas não acho que gravar um louvor ao vivo cantado numa igreja seja errado.

- E quem é o outro sujeito que você convidou? Pelo visto da nossa igreja só devem vir eu e você. Estou errado?

- Claro que não! O outro pastor se chama Davi de Jessé. Foi meu colega no seminário, fez missão por um ano na África, voltou para o Brasil e foi dar aulas numa faculdade em Curitiba onde também trabalhava como pastor auxiliar numa igreja pentecostal. Depois disto, rompeu com a denominação, mudou-se para trabalhar numa empresa em Curitiba, foi demitido ano passado, divorciou-se da esposa e agora está novamente pelo Rio morando com a sua família na Tijuca.

- Este Davi não seria aquele rapaz que dividia o quarto contigo e que fazia os trabalhos do seminário pra você?

- É ele mesmo em pessoa! Meu amigão Davi é um dos caras mais inteligentes que já conheci e, quando soube que ele estava aqui pelo Rio procurando emprego, resolvi chamá-lo para esta reunião?

- Mas então, pelo que você me contou, parece que ele está desviado? E, se ele também se separou da mulher, pode ter alguma coisa de errado no seu currículo.

- Não tenho certeza se ele anda se congregando em algum lugar ou não. Mas o que interessa isto, Carlos? Importa é que ele tem potencial para estar no ministério com agente e a sua participação agrega valor. É mais experiente do que você.

- Tá! E se amanhã descobrem o cara tendo um relacionamento sexual ilícito com alguma mulher? E o que vão falar de um pastor divorciado dirigindo a nossa futura igreja? Você não sabe como as pessoas são dentro do meio evangélico?

- Cara! Estou muito firme no que estou fazendo. Relaxa! O pastor Davi é um homem de minha inteira confiança. No seminário, éramos quase que uma só carne. Tínhamos uma relação de cumplicidade e ele sempre me ajudou nas horas mais difíceis. Até hoje lhe sou grato por ter enganado o professor quando quase me pegaram colando na hora da prova. Nas sextas-feiras, agente ia juntos pras festinhas pegar mulher nos velhos tempos da lambada...

- Tudo bem. E o pastor Vicente? Ele não pode saber que agente está aqui.

- É lógico que, por enquanto, ele nem desconfia de nada. Mês que vem serão as férias dele e quem estará presidindo os próximos cultos serei eu, você, o pastor José e outros irmãos do conselho da igreja.

- Olha lá! Não quero que este plano dê errado e eu ainda acabe perdendo meu emprego. Estou cheio de dívidas pra pagar. Nem o pastor Vicente e nem o imbecil do pastor José podem saber disto aqui, ou do contrário estaremos fritos.

- Carlos, já falei pra você ficar despreocupado. Conheço muito bem aquela igreja e sei quem são as pessoas que nos acompanhariam quando fundarmos a nossa própria congregação. Por isso é que tenho feito tantas visitas ultimamente nas casas e não estou nem um pouco me importando com o puxa-saco do José. Na ausência do pastor Vicente, aquele cara não é capaz de me enfrentar numa disputa de opinião.

Neste momento, um motorista num carro velho buzinou. Era o pastor Ricardo chegando em seu Fusca verde ano 78.

- A paz do Senhor, meus queridos!

Paulo acenou e disse:

- Grande levita e varão de guerra!

- Demorei muito?

- Que nada! São duas e dez no meu relógio e chegar atrasado neste país é super normal. Ainda estamos esperando mais um colega que deve estar vindo aí.

- Beleza! Vou ver se encontro um lugar pra estacionar aqui perto.

- Pode parar ali na vaga do restaurante. É para lá que iremos daqui a pouco. Já reservei a nossa mesa.

- Tudo bem.

Pastor Carlos arregalou os olhos e reclamou com o pastor Paulo:

- Cara, você sabe que eu estou duro e não vou ter como pagar esta conta. As faturas dos meus cartões de crédito estão todas vencidas e o banco já deve ter mandado meu nome para o SERASA.

- Fica frio, malandro, que depois eu pago a sua despesa no restaurante. E depois você não tem que esquentar a cabeça com nome sujo. Já te expliquei um dia desses que primeiro o banco vai negativar o seu CPF. Vão fazer muita pressão para ver se você paga a dívida com aquelas ameaças nos call center de cobrança. Então, se nada der certo, o banco te coloca no rol de inadimplentes, abate a dívida no imposto de renda da empresa e, tempos depois, te manda uma proposta de acordo bem menor do que o débito inicial.

- Você está dizendo isto porque não é o teu nome que está em jogo.

- Bicho, eu já parei de contar as vezes que fiquei pendurado no SPC e até hoje vivo quebrando com o devido planejamento antecipado. Nestas ocasiões, movimento o dinheiro que tomei de empréstimo na conta de minha esposa e, quando chega uma proposta boa, sem aqueles juros horrorosos, em poucos dias o banco tira meu nome do pau após o pagamento e ainda me mandam um novo cartão de crédito pra eu fazer nova dívida. Esta é uma das vantagens de ser um homem casado...

Carlos deu uma falsa gargalhada.

- Paulo, tem horas que eu queria ser malandro como você.

- Você ainda vai chegar lá e pode acreditar que, dentro de um ano, quando nossa igreja estiver cheia, seus problemas financeiros vão se resolver. Mas agora vamos parar com o papo que eu tenho coisa mais objetiva pra tratar com o pastor Ricardo.

Trazendo consigo uma maleta preta, o pastor Ricardo se aproximou da dupla.

- Quantos dólares tem nesta bolsa? - perguntou o pastor Paulo.

- Dólares? Não tenho nem trinta reais no bolso. Fui cantar numa igreja nesta quinta e a oferta do dia não chegou nem a 100 contos.

- Qual igreja? Aquela Meu Deus é Rico para todos que o invocam que você costuma ir lá em Caxias?

- Esta mesmo. E o pastor de lá prometeu que eu iria ficar com metade da arrecadação do dia e todo o dinheiro da venda dos disquinhos. Só que hoje cedo eu soube que, no culto de domingo, tinha vindo um pregador de São Paulo e fez aquele apelo de ofertas, os famosos “desafios de fé”, e aí quase todo o povo deve ter esvaziado os bolsos da noite para o dia. Pior é que não consegui vender nada depois do culto.

- Depois de uma dessas é um absurdo o pastor ainda ter te dado só a metade da oferta. - interveio Carlos.

Nesta hora chegou um rapaz andando numa cadeira de rodas e oferecendo balas.

- Senhores, compra uma jujuba pra me ajudar. São só dois reais.

Pastor Paulo virou a cara para o lado, desprezando a presença do jovem. Já o pastor Carlos deu um sorriso amarelo mostrando os bolsos vazios:

- Estou sem nada agora. Fica pra outra vez. Vai na paz.

Quando o rapaz já estava se retirando do meio deles, o pastor Ricardo abriu sua mala e ofereceu um CD para o jovem que tinha na capa uma foto de festa caipira com o título “Arraiar de Jesus”.

- Espera aí. Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho te dou! Leva um disquinho meu e Jesus vai te abençoar. - disse o pastor Ricardo ao rapaz usando palavras ditas por Pedro no livro de Atos dos Apóstolos.

- Muito obrigado, mas não posso aceitar. Lá em casa somos todos crentes e não frequentamos nada de festa junina apesar de recebermos cesta básica de uma igreja católica do bairro.

- A paz do Senhor, meu irmão! Este CD é de músicas sertanejas evangélicas. Não tem nada de adoração a João Batista, Pedro ou Santo Antônio. Sou pastor, tenho um ministério ambulante de louvou e eu mesmo é quem gravo. Algumas composições são de minha própria autoria!

- Neste caso, te agradeço de coração. Valeu pelo CD.

- Qual o seu nome, jovem?

- Marcos.

- Então, Marcos, se gostar do CD fala para o pastor de sua igreja e também pro padre que vou lá tocar para vocês. Meu telefone está aqui atrás. Estarei orando por ti, meu irmão! Deus é o mesmo de ontem, hoje e eternamente!

- Amém! Fica com esta jujuba.

Quando o rapaz já estava se afastando, o pastor Paulo propôs ao grupo que fosse para o restaurante:

- Gente, vamos entrar de uma vez. Estou ficando cansado. Nossa mesa já está reservada e não quero ficar mais nenhum minuto aqui fora aturando esta gente pegajosa.

- E se este seu amigo do seminário chegar? Como ele vai encontrar-se com agente? - perguntou o pastor Carlos preocupado.

- Mando um torpedo SMS pra ele avisando. Relaxa, cara.

Nesta momento, o celular “pai de santo” da esposa do pastor Carlos tocou.

- Quem é?

- Sou eu, amor. Estou ligando da casa da vizinha.

- Oi, amor! Estou numa reunião importante com o pastor Paulo e com aquele cantor de gospel sertanejo, o pastor Ricardo.

- Você está aí na igreja?

- Não, amor. Lembra que eu te falei que agente tinha combinado de se encontrar numa praça na Zona Oeste?

- Olha lá! Não tem nenhuma mulher aí com vocês?

- Claro que não. Só tem homem feio.

- Tá bom. Não demora não. Sábado é o único dia que agente tem pra ficar junto.

- Vou fazer o que posso. Beijos.

- Beijinho.

Meio irritado, o pastor Paulo olhou para o pastor Carlos:

- Você contou tudo o que estamos fazendo pra sua esposa?

- Claro que não.

- Tá. Vê se não estraga a coisa. Por enquanto, só nós quatro sabemos do plano de fundar uma nova igreja. Mais ninguém, escutou?!

- Nem eu quero que, por enquanto, outras pessoas fiquem sabendo também - disse o pastor Ricardo.

- Mas por quê? - perguntou o pastor Carlos.

- Quando você está vinculado a um ministério pastoral de qualquer denominação fica mais difícil entrar nas igrejas para tocar sua música e dar uma mensagem no púlpito. Os pastores ficam achando que a sua intensão será levar as ovelhas deles para a sua igreja.

- Tem muito o que aprender este rapaz! – disse o pastor Paulo referindo-se ao pastor Carlos.

Os três entraram no restaurante e o pastor Paulo começou a escrever sua mensagem de texto para o pastor Davi.

- A esta hora não servimos mais refeições. O que vocês querem para beber? - perguntou a garçonete sorridente.

Tanto o pastor Carlos quanto o pastor pediram uma coca-cola e dois copos.

- E pra você? - dirigiu-se a garçonete para o pastor Ricardo.

- Pode me trazer um chopp bem gelado num daqueles copos descartáveis de guaraná.

- Desejam comer algum aperitivo?

- Por enquanto, não – finalizou o pastor Paulo.

Um conhecido do pastor Ricardo que estava acabando de almoçar com a família acenou para o grupo sandando-o com a paz do Senhor.

- Cara, você tem muito conhecido aqui? - perguntou o pastor Paulo.

- Neste bairro, quase ninguém. Aquele era um irmão que devo ter tocado na igreja dele. Acho que ele é batista... Não! Minto! É da Metodista.

- Tudo bem. Daqui a alguns minutos o pastor Davi deverá estar chegando e o restaurante já estará quase vazio. Até às cinco da tarde poderemos conversar sossegados.

- Mas não se esqueçam que, às cinco e meia, tem um jogo do Flamengo com o São Paulo e que o estabelecimento vai ficar lotado de torcedores enchendo a cara e gritando palavrões. Então nem é bom que vejam agente por aqui porque, se aparecer um irmão da igreja, poderão dizer que estamos assentados na roda dos escarnecedores. - disse o pastor Carlos.

- Olha, não falem mal do meu time! - falou o pastor Ricardo.

Chegou então o chopp espumando num copão descartável e o refrigerante com dois copos para os outros pastores. Logo que a garçonete afastou-se da mesa, o pastor Ricardo pôs-se a perguntar:

- Pastor Paulo, você acha que consegue trazer quantas pessoas de sua igreja? Qual o número atual de membros de lá?

- Cadastrados no sistema são mais de mil, mas apenas uns oitocentos participam ativamente, contando com os que não são membros ainda. Tem gente que já morreu, outros que se desviaram e mais aqueles que passaram a frequentar outra igreja.

- Mas quantos te acompanham?

- Pelo menos duzentos. Nos cultos de cura e libertação, que faço todas às sextas-feiras, dificilmente dá menos de cem, dos quais nem todos são membros.

- Como assim?

- É que uma parte dos frequentadores é de pessoas de fora, muitos andam até envolvidos com o espiritismo, mas que frequentam a reunião sem assumirem um compromisso institucional concosco – explicou o pastor Carlos.

- Mas não vamos contar só com isto. Eu espero que o pastor Ricardo possa trazer o seu pessoal e juntos possamos formar uma congregação de seus duzentos membros, o que talvez proporcione uma arrecadação de mais de R$ 5.000,00 contando também com as ofertas.

- Pastor Paulo, quantos contribuintes efetivos você imagina que teremos?

- Talvez uns setenta. E, pagando o aluguem do galpão que já estou vendo, mais despesas de água, luz e telefone, talvez sobre uns R$ 4.000,00 para distribuirmos entre nós no começo.

- É menos do que eu recebo hoje – reclamou Carlos.

- Cara, já te falei que se quiser melhorar de vida você vai ter que dar uma segurada. Deixa as contas atrasarem por um tempo. Paga só o essencial e invista no nosso trabalho. Depois de um ano agente vai ficar numa boa.

O telefone celular do pastor Paulo tocou.

- Alô!

- Sou eu, Davi. Já estou aqui na praça. Qual o nome do restaurante? Não estou conseguindo me localizar.

- Espera que vou até aí te buscar.

- Ok.

Quando o pastor Paulo saiu, os pastores Carlos e Ricardo conversaram entre si:

- Este sujeito que vem aí é careta?

- Não sei. Não conheço ele. É um colega do pastor Paulo da época em que ele estava no seminário.

- Tá certo. Pelo sim e pelo não, vou parar logo com este chopp e pedir um refri.

- Sei lá. Acho que ele é um malandro igual a nós. Mas se você não se sente a vontade, pede outra coisa.

- Ei, garçonete, agora me trás um guaraná.

- Pastor Ricardo, faz mais de uma década que eu nem sei o que é beber cerveja.

- Por quê? Acha que é pecado ingerir bebida alcoólica?

- Lógico que não! Mas na nossa igreja o pastor Vicente prega que crente não pode beber e, por causa disto, não quero que outros crentes me vejam tomando chopp.

- E o pastor Paulo bebe?

- Pelo que sei, bebe uma vez ou outra. Mais quando ele sai de férias com a família. Só que ele é um cara muito discreto e que também prega ser pecado qualquer tipo de bebida alcoólica.

- Você não vai me dizer que na igreja de vocês o pastor Vicente nega que Jesus tenha tomado vinho na Ceia, né?

- Bom, ele nunca entrou nesta questão em público, mas, se baseando na epístola aos romanos, diz que, por amor aos irmãos mais fracos, não devemos beber nenhuma gota de álcool. O próprio pastor Vicente não bebe nada e tem uma alimentação parecida com os adventistas.

- Besteira! Eu só evito beber cerveja em público por causa do que outros crentes vão dizer, pois não quero perder meu espaço nas igrejas. Sabe como que é o povo evangélico...

Expressando uma alegria incomum, o pastor Paulo retornou para a mesa apresentando o pastor Davi aos demais colegas.

- Irmãos, este aqui é o pastor Davi, um amigo meu de longa data.

- Muito prazer. Pastor Ricardo, seu servo.

- O prazer é todo meu, amigos. Mas, por favor, não fiquem me chamando de pastor. Somos todos irmãos e pra mim pastor não é título, mas apenas uma função.

Chegou a garçonete.

- Senhores, vão querer mais alguma coisa?

- Uma água mineral gasosa, por gentileza – respondeu o pastor Davi com um olhar sedutor para a moça.

Neste instante, o pastor Carlos não conseguiu esconder a sua reprovação, embora tanto ele quanto o pastor Ricardo, ambos casados, dessem suas olhadas discretas para o corpo escultural da jovem garçonete. Já o pastor Paulo mostrou total indiferença diante da situação. Não lhe interessava censurar o comportamento de seu colega de seminário e nem apreciar a beleza da funcionária.

- Conforme já havia lhes falado, este é o pastor Davi, o melhor aluno de minha turma no seminário, e decidi convidá-lo para esta reunião porque acredito muito em seu trabalho e confio na sua pessoa.

- Fico feliz por estar aqui, Paulo. Principalmente porque, desde que voltei ao Rio, ainda não encontrei nenhum grupo de de irmãos com os quais me senti a vontade para me congregar e participar ativamente de um projeto comum. Estive visitando algumas congregações perto da casa de minha família, mas não me identifiquei com o propósito de nenhuma delas. Fui até em alguns cultos da igreja onde meus pais me criaram, só que não suportei aquele tradicionalismo deles. Não dá pra viver uma vida cristã dentro das formalidades.

- Quer dizer que o pastor Davi é mais um desigrejado? - ironizou o pastor Ricardo.

- Sem denominação, quer dizer, pois continuo parte da Igreja de Cristo que é universal. Mas me conte, Paulo, sobre o que você tem em mente? Quais são seus projetos?

- Como eu havia te falado outro dia no telefone e também conversei com os pastores Ricardo e Carlos, pretendo trazer parte da igreja onde trabalho como pastor auxiliar.

- Não é bem isto que eu quero saber. Meu interesse na pergunta diz respeito à concepção de igreja que pretendemos construir.

- Como assim, pastor Davi? Seja mais direto, por favor.

- Vamos começar falando do ponto que considero principal, sobre a doutrina de salvação. No que vocês crêem?

- Somos salvos pela graça de Deus – respondeu o pastor Ricardo.

- Acho que não devemos fugir do assunto da pauta. O tempo é curto, hoje é sábado, meu único dia de descanso, e logo mais quero estar com minha família – interrompeu o pastor Carlos.

- Deixa ele colocar o que pensa – interveio o pastor Paulo.

Continuou o pastor Davi:

- Lembra, Paulo, que, na época do seminário, defendíamos ser uma vez salvos, salvos para sempre? Ainda crê nesta doutrina?

- Claro! E acho que todos aqui também.

- Mas pelo que estou sabendo, não o que prega o pastor Vicente. Ele diz no seu programa de rádio que, se o crente pecar, e morrer sem pedir perdão, perde a salvação. Correto?

- Sim. O pastor Vicente alerta que, se dissermos para o povo que eles estão salvos de uma vez por todas, as pessoas na igreja vão começar a pecar deliberadamente. E isto seria o caos – respondeu o pastor Carlos.

- Então, Carlos, o que o Vicente prega não é o que os pastores da igreja dele acreditam?

- Lógico que não. Ele se baseia na passagem de João 16.12 quando Jesus disse que ainda teria muito o que dizer para os discípulos mas que eles ainda não podiam suportar naquele momento de modo que determinadas doutrinas na nossa igreja são apenas reservadas ao ministério pastoral e aos diáconos que participam do conselho administrativo. Nós pastores temos a consciência de que somos eternamente salvos desde o momento que, arrependidamente, aceitamos a Jesus como o nosso único Senhor e Salvador. Caso eu cometa um pecado e morra no instante seguinte, a graça de Deus é suficiente para me salvar. Mesmo se tiver que pedir perdão antes do último suspiro, certamente Deus me dará a oportunidade para me desculpar.

- O contexto não diz que Jesus estivesse encobrindo dos discípulos toda a verdade, pois seria uma contradição com o texto de João 8.32 quando o Senhor fala que a Verdade liberta. Também não entendi por que impor um pesado jugo ao povo de Deus? Quero que todos tenham a oportunidade de conhecer a graça de Deus e experimentem uma transformação de caráter livres do medo. Nem Deus se agrada que falemos coisas incorretas a seu respeito.

O pastor Paulo interveio:

- Meu caro pastor Davi. Eu entendo o que quer dizer e também compreendo os motivos pelos quais o pastor Vicente faz isto. A princípio, não desejo levantar discórdias a respeito desta doutrina, mesmo me parecendo ser um excelente pano de fundo para eu dividir aquela igreja. Porém, tenho um ousado projeto de médios e longos prazos para colocar em ação pois pretendo construir uma poderosa denominação evangélica neste país com mais de mil templos dentro de uma década de modo que a doutrina de ser salvo sempre salvo não me interessa.

Os pastores Carlos e Ricardo arregalaram os olhos. O pastor Paulo continuou.

- Não sei se todos aqui sonham alto como eu, mas a minha mente não se prende a situações do momento. Quero apenas levar comigo uma parte da igreja do pastor Vicente para nos manter financeiramente durante um período e nos servirmos de alguns obreiros para então iniciar um grandioso plano de expansão.

- E o que isto tem a ver com a doutrina de salvação? - perguntou o pastor Ricardo.

- Muita coisa! Quero concentrar toda a energia das pessoas na igreja nesse ousado projeto de crescimento rápido. Por isso, quero que tanto os membros quanto os obreiros estejam sempre bem dispostos a frequentar assiduamente os cultos e a cumprir o nosso comando.

- E a graça de Deus atrapalha? - questionou o pastor Davi.

O pastor Paulo fez uma pausa e prosseguiu:

- Não é isto. A graça será sempre um amparo nas situações difíceis que, estrategicamente, ministraremos para aliviar a mente de alguns membros mais confusos, evitando que eles fiquem surtados e deixem de ir na igreja. Mas quero que as pessoas sintam a necessidade de conquistar a salvação a cada dia, trabalhando com afinco para convidar outros para participar dos cultos.

- Permita-me interrompê-lo, Paulo. Penso que se alimentamos sentimentos equivocados nas mentes das pessoas, não só estaremos formando nelas uma ideia errada a respeito de Deus como também teremos uma igreja escravizada pelo medo, o que não é nada bom para alcançarmos um crescimento de qualidade. Ou você não se lembra que “o amor perfeito lança fora o medo”?

- Pastor Davi, não se esqueça qual é a religião que mais cresce no mundo. Não são os cristãos, mas sim os muçulmanos e eles morrem de medo da Geena que é o inferno. O Alcorão não dá nenhuma certeza de que o crente será salvo. Até o fato de alguém se converter é vontade de Alá, algo que vagamente lembra também a doutrina da predestinação do calvinismo, mas negando a graça. Em 2050, a maior parte do continente europeu será muçulmano.

- Discordo de você, Paulo. Os muçulmanos estão aparentemente crescendo mais do que os cristãos porque o número de filhos de uma família muçulmana é bem maior do que a taxa de fecundidade das mulheres cristãs. Além disso, raramente alguém que é cristão se converte ao Islã porque significa romper com valores fortíssimos de nossa cultura.

- Sua análise é considerável neste ponto, pastor Davi, mas o colega não pode se esquecer que raramente um muçulmano abandona sua religião e muito menos as raízes culturais. Dificilmente um árabe aceita o Evangelho porque pra eles é uma blasfêmia confessar Jesus como Filho de Deus porque, segundo Maomé, Alá não procria. Eles têm Jesus como um profeta, nada mais que isto.

- Só que você quer montar uma igreja cristã e não uma mesquita islâmica, pastor Paulo – interveio o pastor Ricardo.

- Quero ser pastor de uma igreja que tenha milhões de membros em todo o mundo e, obviamente, estarei salvando muitas almas do inferno mesmo que eles desconheçam que estarão salvos de uma vez por todas. E pra alcançar este objetivo quero que as pessoas sintam medo de nos deixar ou de falarem mal dos seus pastores.

- Você pretende atacar outras igrejas? - perguntou o pastor Ricardo.

- Não vamos nos opor diretamente a qualquer denominação. As pessoas só precisam pensar que a nossa igreja foi escolhida dentre todas as outras para executar o plano de Deus. Mas quanto aos católicos, os testemunhas de Jeová, os espíritas e outras religiões vou me opor abertamente. Até porque tirar pessoas do espiritismo tem sido a minha especialidade nos cultos de libertação que deverão ser feitos justamente nas sextas-feiras.

- Muito bem pensado! - exclamou o pastor Carlos – pois sexta-feira é o dia que o brasileiro gosta de ir pra macumba.

- Acho que devemos evitar a intolerância para não declararmos nenhuma espécie de guerra santa – comentou o pastor Davi.

- Meu caro colega. Não vou atacar os espíritas, mas sim o espiritismo. Não sei se você já me ouviu pregando no programa de rádio quando faço a oração da meia noite e, cinco minutos, chamo espíritas, católicos, budistas e evangélicos de outra igreja de “meus irmãos”, mesmo sabendo que só os crentes são filhos de Deus - esclareceu o pastor Paulo.

- Tanto é que, nos cultos de libertação, aparecem pessoas de várias religiões, mas principalmente ex-macumbeiros. Muitos dos que hoje são membros da nossa igreja são ex-macumbeiros, ex-viciados, ex-prostitutas e ex-travestis que passaram pelos cultos de libertação do pastor Paulo – complementou o pastor Carlos.

O pastor Paulo deu um soco na mesa e disse:

- Fui eu quem suei a camisa para trazer mais da metade dos membros pra aquela igreja e agora não estou mais disposto a carregar o pastor Vicente nas costas. Ele tira mais de dez mil reais por mês, vai viajar com a família pra um resort na América Central e dirige um Corolla do ano. Eu troquei o meu automóvel semana passada por um carro mais inferior para investir neste projeto, mas garanto a vocês que, dentro de alguns anos, todos nós vamos ter um BMW na garagem

- E você não acha que fica estranho um pastor sair desfilando de carrão pela cidade? - perguntou o pastor Davi ao pastor Paulo.

- Muito pelo contrário! Expor a minha futura Ferrari será um tremendo marketing. As pessoas vão dizer “como que este pastor é abençoado, pois é pra igreja dele que eu vou”.

- Paulo, não me diga que você vai se tornar mais um desses teólogos da prosperidade?

- Por que não? Minha ideia é escrever muitos livros que falem sobre você se tonar uma pessoa rica. Grana é a maior necessidade das pessoas hoje em dia, logo temos que adequar o nosso discurso a esta realidade. Você já reparou quantas vezes a Bíblia fala sobre dinheiro.

- A Bíblia tem é muitas advertências sobre o amor ao dinheiro, assunto que foi várias vezes debatido por Jesus. Ou você se esqueceu disto?

- Mas é claro que não me esqueci, pastor Davi. E vou combater a concentração de riquezas incentivando a generosidade das pessoas de darem as suas ofertas para o nosso projeto missionário. Lançarei ousados desafios de fé e prosperidade pedindo altas contribuições financeiras.

- No começo, as pessoas da sua igreja que nos acompanharão vão estranhar esta atitude porque o pastor Vicente vez ou outra critica os teólogos da prosperidade – ponderou o pastor Ricardo.

- Eu sei! Por isto é que eu pretendo adiar um pouco estes desafios de fé. Vamos começar pela união do grupo e, no momento certo, direi que tive alguma visão ou um sonho sobre termos o nosso próprio programa de rádio para evangelizarmos mais pessoas. Você e outro pastor compartilham que também tiveram este mesmo tipo de sentimento e aí eu faço aquele apelo de oferta para que os irmãos se comprometam. Tiro até do meu bolso uma quantia das ofertas anteriores e coloco a grana no envelope na frente de todo mundo, dizendo que vendi uma propriedade em Minas Gerais que um tio me deixou de herança pra investir na obra de Deus. Falarei que não será motivo pra ninguém se preocupar porque receberão muito mais nesta vida e na outra. Então, o povo vai ficar comovido e, certamente, vai contribuir mais.

- Pastor Paulo, você é um gênio! - exclamou o pastor Carlos.

- Eu discordo! – disse o pastor Davi – Pois, além de faltar com a sinceridade, as pessoas logo vão perder o entusiasmo e, quando a situação financeira apertar, elas acabarão saindo da igreja procurando outro pastor.

O pastor Ricardo interveio:

- Me desculpa dizer isto, pastor Davi, mas se você não está interessado em participar do projeto ninguém aqui está te obrigando. Basta procurar outra igreja.

- Olha, estou aqui porque eu quero e, na hora em que esta conversa me cansar, pago minha conta e entro no meu ônibus. Só vim na reunião porque o Paulo me chamou. Antes eu imaginava que iria fazer parte de uma igreja que estivesse mais disposta a viver plenamente o Evangelho, mas agora permaneço aqui porque estou com pena de você e quero que reflitam sobre o sério equívoco que todos estão cometendo.

- Você não está na minha pele, pastor Davi. Não suporto mais esta vida de cantor de músicas evangélicas. Raramente alguém resolve comprar meus CDs e fico mendigando o pão de igreja em igreja. Quero uma renda mais estável que me permita não apenas trocar de carro, mas também pagar um plano de saúde pra minha família, sair do aluguel e matricular meu menino num colégio particular. Esta semana minha esposa teve que chegar às cinco da manhã no hospital para conseguir ser atendida pelo médico do SUS daqui um mês. Infelizmente eu não pude fazer uma faculdade de Teologia igual a você e o pastor Paulo. Meu pai era operário de fábrica e criou a mim e meus nove irmãos com bastante sacrifício. Pra ter meu carro, fiquei meses procurando peças nas oficinas do Rio de Janeiro até que consegui reformá-lo. Não quero ser rico, mas apenas viver com mais conforto e tranquilidade.

- E eu só quero pagar minhas dívidas! - resmungou o pastor Carlos - Fui ordenado pastor tem poucos anos. Se pudesse voltar no tempo, não teria entrado para o ministério e hoje talvez fosse funcionário público concursado ou então estaria trabalhando numa grande empresa. Às vezes até penso em estudar pra sair desta situação, mas me falta tempo.

Tentando retomar o controle das discussões, o pastor Paulo chamou a garçonete:

- Ei, menina! Trás aí uma porção de fritas para os meus amigos.

- Vocês querem mais alguma coisa? - perguntou a funcionária

- Estou satisfeito com a água mineral – disse o pastor Davi.

- Se for por tua conta, pode me trazer mais um refrigerante – falou o pastor Carlos ao pastor Paulo sem se acanhar.

- Fiquem tranquilos que eu pago. E você, pastor Ricardo, outra cerveja ou um guaraná?

- Você está perguntando se cachorro quer carne? - indagou o pastor Ricardo – Pode mandar logo uma Skol gelada na tulipa mesmo que agora não tem ninguém no bar.

O pastor Paulo resolveu descontrair o ambiente:

- Se cachorro tivesse religião, qual seria?

- Não faço a mínima ideia – respondeu o pastor Carlos.

- Cãondomblé! Esta é velha! - disse o pastor Ricardo.

A princípio ninguém riu. Em seguida exclamou o pastor Carlos e a turma toda caiu na gargalhada:

- Tá amarrado! - exclamou o pastor Carlos.

- A piada foi sem graça, mas o pastor Carlos é muito engraçado – comentou o pastor Ricardo.

- Uma vez ou outra não poderemos nos esquecer de convidar algum ex-pai de santo ou ex-bruxo para dar testemunho em nossa futura igreja. De preferência aqueles que deram consultas para pessoas famosas como artistas e políticos. Sabem que o povo evangélico sente muita falta de assistir a novela das oito e as pessoas precisam escutar um depoimento chocante de preferência contado por quem já teve passagem pelas religiões afro-brasileiras. - disse o pastor Paulo.

- Eu acho nojento o candomblé! – falou o pastor Carlos – Ainda mais depois que eu soube da quantidade de homossexuais que fazem parte desses cultos aos orixás.

- Não suporto gays! - bradou o pastor Ricardo.

- Então quer dizer que você não iria cantar o seu sertanejo gospel na Igreja da Comunidade Metropolitana que costuma sair naquelas passeatas GLS? - ironizou o pastor Davi.

- Tá amarrado! - exclamou novamente o pastor Carlos.

- Pra te dizer a verdade, não sei se eu recusaria um convite destes, pois estou precisando de grana, mas ficaria bem atento para não me agarrarem lá dentro.

- Já pensou se o pastor deles te tasca um beijo na boca e você gosta? - ridicularizou o pastor Paulo.

- Vou compartilhar com vocês que, ultimamente, tenho mudado minha visão a respeito da homossexualidade – surpreendeu o pastor Davi.

- Mas a Bíblia não diz claramente que este tipo de comportamento é pecado?! - disse o pastor Carlos.

- É tão pecado quanto um heterossexual fazer sexo com a esposa de alguém. É tão pecado quanto mentir, enganar, ofender as pessoas, roubar, matar. No fundo, todos nós somos pecadores decadentes e que continuamos carecedores da graça de Deus. - explicou-se o pastor Davi.

- Mas irmão, a Bíblia não diz claramente que os homossexuais não entrarão no reino dos céus?! Então você quer mudar aquilo que está escrito? - insistiu o pastor Carlos.

- As citações bíblicas falam não só de homossexuais como de qualquer de outro pecador, se decidir depender de seus próprios atos de justiça. Por isso, sou contra excluir das igrejas gays e lésbicas mesmo que eles continuem tendo seus relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. Defendo a integração deles como nossos irmãos em Cristo que, semelhantemente a qualquer crente, está lutando contra o pecado em suas vidas e se abastecendo com a graça de Deus.

- Então você é a favor que pastores celebrem casamentos entre homossexuais?! - perguntou o pastor Paulo ao pastor Davi.

- Claro que não, assim como a Igreja não deve ficar celebrando qualquer tipo de casamento mesmo entre pessoas heterossexuais. O que estou dizendo é que o fato de não concordarmos com o ato homossexual, isto não pode se tornar motivo para pregarmos atitudes de intolerância entre as pessoas. A nossa atitude precisa ser inclusiva e não exclusiva. Cada homem, ou mulher, deve ser aceito na Igreja mesmo com suas imperfeições.

- Você se refere ao casamento entre pessoas divorciadas, pastor Davi? - perguntou o pastor Carlos.

- Refiro-me a qualquer tipo de união que não esteja de acordo com o pensamento da Igreja, conforme fez João Batista reprovando o relacionamento de Herodes com Herodias, mulher de Filipe, seu irmão. Tratando-se de pessoas divorciadas, parece que cada caso é um caso e que merece ser tratado particularmente. Há também casais não casados no papel que vivem juntos há anos e que, portanto, merecem mais respeito da Igreja do que muita gente casada no civil e no religioso.

- Nesta questão de aprovar novos casamentos de pessoas divorciadas prefiro ser mais flexível. Temos como justificativa o fato de que a separação ocorreu quando a pessoa se encontrava no mundo ou afastada dos caminhos de Deus. Se não der mais pra reconstruir o casamento antigo, agente celebra um novo. Além disso, se a culpa for de quem traiu ou quem deu causa à separação, tem-se justificativa para as novas núpcias. Importante é que o sexo ocorra sempre dentro do casamento - tentou pacificar o pastor Paulo.

O pastor Davi então surpreendeu a todos:

- Pra mim, o casamento não precisa do papel, pois, dependendo do nível de relacionamento entre um homem e uma mulher, o matrimônio pode ser considerado como uma aliança já existente perante Deus e, portanto, temos todo o dever de incluir na Igreja as famílias que se encontram formadas esta condição. Precisamos abençoar tal relação, incentivar os companheiros a formalizarem o casamento no cartório, conforme as possibilidades deles, e não proibi-los de participar da Ceia ou de eventos para casais como retiros e jantares.

- Mesmo sem estarem casados? - perguntou o pastor Carlos.

- Sim! E acho também que não devemos agir com tanta discriminação quanto aos jovens namorados que fazem sexo antes do casamento. Temos que parar de impor um jugo pesado às pessoas, ameaçando-as com este papo de que serão amaldiçoadas. Prefiro que dois jovens façam bastante sexo e se casem do que interromper o relacionamento deles a ponto de induzi-los a uma vida de imoralidade.

- E sexo antes do casamento não é fornicação? - contestou o pastor Carlos.

- Não necessariamente. Fornicar pra mim é ter uma vida sexual desregrada transando com qualquer pessoa, ou mesmo praticando atos libidinosos no estilo “ficar” que se banalizou entre os adolescentes dos anos 90 pra cá. Se um homem e uma mulher se amam de verdade, mas não podem viver juntos por razões econômicas, quem sou eu para acusá-los de fornicação se os dois namorados vivem na mais completa fidelidade mesmo tendo relação sexual? Cabe à Igreja valorizar o compromisso assumido entre os dois e transmitir aos mais jovens esta noção desde cedo afim de que não errem banalizando o relacionamento.

- Discordo do irmão! - exclamou o pastor Ricardo – O pecado no meio da Igreja é como um fermento que faz levedar toda a massa de pão. Temos que lançar fora do nosso meio pessoas imorais afim de nos tornarmos uma nova massa! Como que o irmão interpreta, por exemplo, a passagem do capítulo 5 da primeira epístola aos coríntios quando o apóstolo Paulo mandou que expulsassem da Igreja o homem que tinha transado com a madrasta?

- Ali se tratava de uma situação em que um membro daquela comunidade eclesiástica estava pecando deliberadamente e, com isto, induzindo outros a fazerem o mesmo. Ele não estava na Igreja para procurar ajuda! Aquele homem impedia a comunhão entre os irmãos e precisava de disciplina e o único meio era retirá-lo do meio do povo de Deus.

Mostrando desinteresse pelo assunto, o pastor Paulo tentou introduzir outro tema:

- Vocês estão muito ansiosos. Acredito que, na nossa igreja, não vai ser necessário tomar medidas extremas deste nível a ponto de expulsarmos pessoas que estejam fora dos padrões que iremos estabelecer. Não vou ficar vigiando a conduta de ninguém, exceto dos que estiverem colaborando na obra para evitarmos escândalos. Uma vez por mês, faremos o culto do amor para pessoas que estão solteiras, viúvas e divorciadas, quando então serão feitas orações pela vida sentimental de cada um.

- Mas pastor Paulo, o divórcio não é pecado? - indagou o pastor Ricardo.

- Como já disse tem várias interpretações e o pastor Davi sabe muito bem disso. Tanto é que ele não tira o olho da garçonete que tem idade para ser quase sua filha.

- Eu não nego que senti atração por ela – falou o pastor Davi – Estou divorciado há algum tempo, minha ex-mulher resolveu me deixar, já arrumou outro homem e não acho que estou condenado a ficar sozinho pra sempre ou até que, finalmente, fique viúvo. Não tenho o dom pra celibatário e vocês também estão de olho na garota do restaurante, embora sejam casados!

- Nos cultos do amor, que poderemos fazer no último sábado de cada mês, o pastor Davi vai ter muitas oportunidades de ficar desencalhado, ainda mais sendo ele um dos pastores. Vai chover mulher na horta dele! – comentou o pastor Paulo.

- E quem disse que eu farei parte deste ministério ou que frequentarei estas reuniões casamenteiras? Agradeço muito ao Paulo por ter me convidado para vir aqui passar esta tarde com vocês, mas estou fora deste esquema! Um projeto desses é mais um fermento pecaminoso que a verdadeira Igreja de Cristo dispensa.

Todos emudeceram. Neste momento chegaram as batatas fritas e, por alguns instantes, todos se calaram saboreando o alimento.

- Gente, agora vamos comer? - sugeriu o pastor Paulo.

- Ei menina. Trás logo o sal! – exigiu o pastor Ricardo de olho nas pernas da garçonete.

Depois de se alimentarem, tanto o pastor Carlos quanto o pastor Ricardo se retiraram juntos com o objetivo de retornarem para às suas casas afim assistir a partida de futebol do Flamengo, ficando a sós apenas os velhos colegas de seminário.

- Faz um tempão que eu não comia frituras - disse o pastor Davi.

- Nem eu. Pedi batata frita porque sei que aqueles dois gostam – referiu-se o pastor Paulo aos pastores Carlos e Ricardo que já tinham partido.

- Então por que escolheu este cardápio? - perguntou o pastor Davi.

- Aprendi determinadas regras de socialização quando trabalhei na campanha de um candidato a vereador que nossa igreja apoiou dois anos atrás. O sujeito adora comer queijo brie com vinho fino, tem uma alimentação toda balanceada durante a semana, mas, quando estava fazendo o corpo a corpo com o eleitor, parou numa carrocinha e pediu um cachorro quente de lingüiça.

- Era o personagem dele...

- Exatamente. Assim como eu tenho o meu personagem, quando estou pregando no púlpito ou no programa de rádio “Falando com Deus”, os políticos criam o deles.

- Não concordo muito com isto. Mesmo se estiver pastoreando uma igreja, quero compartilhar com todos a minha humanidade, ser quem eu verdadeiramente sou, confessar em público meus erros e defeitos, chorar como Jesus fez por causa da morte de Lázaro e pedir ajuda para os outros irmãos. Já cansei de ver gente de máscaras dentro das igrejas. Em casa elas são uma pessoa, mas, quando estão no culto, fingem ser doces, puras, tolerantes e até mesmo estampam uma falsa alegria no rosto.

- Eu respeito o seu estilo, Davi, e lamento que não queira fazer parte deste ministério. Resolvi te chamar porque também quero te ajudar. Pensei até na hipótese de te lançar como candidato a deputado federal daqui alguns depois que agente crescesse e aí nem precisaria ficar vindo depois nos cultos, pois sua vida passaria a ser em Brasília.

- Dispenso a proposta de candidatura e, se eu aceitasse este tipo de ajuda, estaria fazendo um mal para mim mesmo. Vou acabar levando uma vida de fachada e me distanciando de um relacionamento autêntico com Deus e com meus irmãos.

- Tudo bem. Não leve a sério esta ideia.

- Mas você falou sério como se estivesse tentando me seduzir.

- Tá bom. Esqueça! Só quero que saiba o quanto preciso de você, pois acho que não conseguiria liderar sozinho este ministério. Suas opiniões, mesmo sendo divergentes, são muito importantes porque preciso ter uma noção a respeito das falhas e das vulnerabilidades do meu trabalho.

- Você continua inseguro, Paulo!

- Por que acha isto? Com ou sem você eu vou começar o ministério e estou fazendo uma poupança pra poder investir durante uns seis meses até me estabilizar financeiramente.

- Se você vai criar mais uma igreja neste país provocando uma divisão, não tenho dúvidas de que isto possa ocorrer e também não duvido do seu potencial para criar uma futura denominação.

- Então me diz por que me falta segurança?

- Simples. Se você tivesse segurança em Deus, não precisaria controlar as pessoas, prendendo-as pelo medo, pela culpa, pela necessidade ou pelas falsas expectativas.

- Que delírio! Da onde você tirou isto? Estamos todos aqui conversando abertamente e não escondi de nenhum dos quatro o meu maquiavelismo.

- Em parte, você escondeu sim e impôs um certo limite entre você e o Carlos e quanto ao Ricardo. Até em relação a mim você não está sendo totalmente transparente.

- Esta não! Agora você vai ficar parecendo minha mulher querendo discutir a relação?

- Me diz uma coisa, Paulo. Você crê em Jesus? Como está o seu relacionamento com Deus? Se você morrer hoje, acredita que vai entrar no céu?

Por um instante o pastor Paulo pensou sobre como iria se posicionar. Preferiu representar:

- Jesus pode voltar agora mesmo que eu tenho certeza do meu arrebatamento. Sei que tenho pecado, mas estou salvo pela graça. Ele perdoa, compreende minhas motivações e tem me usado para salvar muitas. Até hoje devo ter ganhado mais de vinte mil almas, contando com a audiência do programa da igreja na rádio e aqueles que não fazem mais parte do rol de membros.

- Por mais que seu trabalho seja útil para a Igreja de Cristo, não esqueça que Judas e os sacerdotes do templo executaram o plano de Deus quando entregaram Jesus. O que você faz nem sempre importa para o teu Criador, pois vale diante Dele é quem você realmente é.

Pastor Paulo não se controlou e, entre alguns palavrões, respondeu:

- Você está pregando pra mim? Vê se te enxerga! Eu chamei você aqui porque soube que estava desempregado e precisando de uma oportunidade, mas agora estou vendo que sua participação neste projeto só vai me atrair problemas. E sabe do que mais? A escolha de continuar pobre, andando de ônibus e morando na casa da família é toda sua. Depois não vai se arrepender quando estiver me assistindo num programa de TV ou quem sabe com a minha própria emissora de televisão.

- Vamos encerrar por aqui. Vejo que já cumpri o dever com a minha consciência falando a verdade e reprovando suas atitudes.

- Já me cansou mesmo.

- Ei menina, a conta!

Os dois pastores saíram e foram caminhando sem nada dizer um para o outro. Estava começando a escurecer e o restaurante já estava ficando lotado de torcedores de futebol. Ambos foram para o mesmo ponto de ônibus afim de aguardar a condução para o centro do Rio, o que demorou uns vinte minutos. Neste tempo o celular do pastor Paulo tocou:

- Pronto! Quem é?

- Sou eu, pastor Carlos!

- Amanhã esteja na minha casa depois do culto da noite e chame o pastor Ricardo.

- Desta vez, não. Ele acabou de sofrer um acidente aqui na auto-pista enquanto me dava carona. O freio do carro quebrou e batemos. Por sorte eu escapei. Ninguém quer parar para nos socorrer e não consigo falar com o Corpo de Bombeiros. Não sei se ele vai sobreviver. Está perdendo muito sangue.

- Esta não! Onde vocês estão? Alô!

Repentinamente a chamada telefônica caiu. Pastor Paulo tentou fazer outras ligações para o celular do pastor Carlos, mas não teve jeito.

- Pastor Davi, você não conhece ninguém por aqui que tenha carro e possa nos dar uma ajuda. O pastor Ricardo acabou de sofrer uma acidente e na certa devia estar dando uma carona pro Carlos. Não deu pra saber onde eles estão. Estimo que o local fique uns dez minutos daqui.

- Vamos pegar um táxi! Você não fez uma poupança para investir na futura igreja? Olhe! Tem um caixa 24 Horas logo ali e uma agência do Itaú aqui do lado.

- Eu estou com quatrocentos reais na carteira.

- Ótimo! Tem um táxi parado logo na outra esquina. Vamos?!

Os dois pastores entraram no táxi e logo chegaram ao ponto onde houve o acidente. O pastor Ricardo estava desmaiado.

- Pra colocar gente com hemorragia no meu carro vai te custar mais caro. Sabe como é, vou perder o dia e ainda terei que paga ruma limpeza – reclamou o taxista.

- Depois agente acerta, bicho. Vamos logo pro hospital! - respondeu o pastor Paulo.

Ao chegar no hospital, o atendimento de emergência estava lotado com várias pessoas também gemendo de dor no banco de espera.

- Estamos sem médicos neste plantão – respondeu a funcionária.

- O quê? Uma pessoa sofre um acidente, está sangrando e vocês não têm como prestar socorro? Este homem tem mulher e filho pra sustentar! - reclamou o pastor Davi.

- Só podemos prestar os primeiros socorros e aguardar a chegada da ambulância pra transportá-lo para uma outra unidade de saúde. Logo adiante tem um outro hospital, mas é particular. Quais são os dados dele pra eu fazer a fichinha?

- E agora? Ele vai ter que ficar aqui mesmo já que o pastor Ricardo nunca teve plano de saúde – disse o pastor Paulo.

- Nada disso! Numa situação de emergência até o hospital particular é obrigado a atender. Vamos pra lá.

Apressados, levaram o pastor Ricardo para o hospital particular.

- Pois não. Em que posso ajudá-los – perguntou o rapaz da recepção.

- Este nosso amigo acabou de sofrer um acidente e está inconsciente e perdendo sangue. - respondeu o pastor Paulo

- Qual é o convênio?

- Não tem plano. É uma emergência.

- Neste caso, os senhores terão que fazer uma caução de três mil reais.

- Mas eu não tenho este dinheiro!

- Se tiver cartão de débito agente aceita. Cheques não.

- Mas isto é errado. Vocês não podem se omitir. Meu amigo está morrendo.

- Sinto muito. São normas da empresa.

O pastor Davi interveio:

- Cara, você vai amarelar. Se tem dinheiro no banco, dê esta oferta ao seu próximo. Lembre-se da parábola do bom samaritano.

O pastor Paulo pensou um pouco e disse pro recepcionista:

- Tudo bem. Pode passar o cartão, mas antes vou ter que transferir uma quantia do fundo de aplicações pra conta porque o cheque especial sozinho não cobre. Não serve cartão de crédito?

- Só débito!

- O próximo!

- Me empresta o telefone! Deixa eu ligar pro banco.

- Aqui, senhor.

- O call center do banco estava com defeito emitindo sinal de ocupado.

- Tem como passar só dois mil no cartão de débito? Depois volto aqui e complemento.

- Senhor, hoje é sábado e a esta hora já não tem ninguém da diretoria que possa autorizar uma caução num valor menor. Procure outro hospital.

Nesta hora o pastor Carlos interveio, dirigindo-se ao funcionário:

- Devo ter uns seiscentos reais no meu cheque especial. Vai me quebrar, mas não tem outro jeito. Será que dá pra passar dois cartões?

- Pode. Faltam ainda quatrocentos!

- Eu tenho duzentos na minha poupança do Bradesco! – disse o pastor Davi.

- Tenho mais uns trocados que sobraram da corrida do táxi. - falou o pastor Paulo.

- Faltam só cinquenta! - alertou o recepcionista.

- Não dá pra você aceitar neste valor? - perguntou o pastor Paulo.

- Você não quer que eu perca o meu emprego, né?

- Vê no bolso e na mala dele! - disse o pastor Carlos.

- Caramba! Ainda não fechou! Vão faltar vinte reais! - lamentou o pastor Paulo.

- Moço, você não aceita ficar com estes CDs em garantia?

- O que? Parece que é tudo pirata. Olha, vocês estão atrapalhando o meu atendimento. Se não tem como pagar vão procurar um hospital público! Quem mandou não fazer plano de saúde?

- Ei, tem dois CDs originais aqui dentro! Um é daquela cantora famosa de Gospel, a Alice no País das Adoradoras e o outro do grupo Sou Vitorioso com Cristo!

- O quê? Vocês têm o CD desta banda! Aleluia! Eu sou da Igreja “Caminho da Prosperidade” do pastor Zacarias. Estou há dias louco por este CD. Podem me dar que eu libero o atendimento pro amigo de vocês. Vou chamar os enfermeiros. Querem café? A paz do Senhor, meus irmãos.

- Você é crente? - perguntou o pastor Paulo ao recepcionista.

- Desde criancinha. Quando tinha onze anos eu cantava no coral da igreja de meus pais e hoje trabalho com as crianças com o pastor Zacarias. Querem que eu chame algum irão pra orar pelo amigo de vocês.

Transtornado com o comportamento do funcionário, o pastor Paulo não se conteve e, fechando os punhos, cobriu de socos o recepcionista, dizendo:

- Seu hipócrita, safado! Meu amigo é pastor e está morrendo naquela maca. Você foi incapaz de ao menos de mover uma palha. É de falsos crentes como você que as igrejas estão cheias! Imprestável! Inútil!

- Para com isto, Paulo! Não vai adiantar nada brigar! - interveio o pastor Davi.

Nisto chegaram os seguranças do hospital que eram policiais militares a paisana, os quais conduziram o pastor Paulo para a delegacia.

- Carlos, você fica aí e avisa a família do pastor Ricardo. Telefone também pro pastor Vicente. Eu vou acompanhar o pastor Paulo na DP.

- Não vai dar! O meu celular está sem crédito e estou sem nada no bolso. Lá em casa o telefone está cortado.

- Liga a cobrar pro meu telefone fixo e pede pra alguém de minha família fazer as ligações. Fica com o meu cartão!

- Felizmente, o pastor Ricardo apresentou melhora e, dias depois, foi transferido para uma enfermaria do SUS onde permaneceu internado durante duas semanas. Já o pastor precisou pagar as despesas do hospital e mais os honorários de seu advogado que conseguiu livrá-lo de um processo por agressão física. Um mês depois, todos voltaram a se reunir no mesmo restaurante:

Depois desta luta toda, estamos nós aqui novamente firmes e fortes - disse o pastor Carlos.

- Vamos aproveitar para agradecer a Deus aqui mesmo nesta mesa – compartilhou o pastor Ricardo.

- Sua poupança deve estar zerada, pastor Paulo? - perguntou o pastor Davi.

- Praticamente zerada, mas, graças a Deus, tenho o suficiente para pagar a conta de hoje no restaurante com o serviço de pintura de paredes que fiz ontem pra um vizinho meu. Paguei meu advogado, comprei uns remédios pro pastor Ricardo e ajudei este mané a pagar sua dívida com a Telemar – referiu-se ao pastor Carlos.

- E o projeto de igreja? Você deixou de lado, amigo? - perguntou o pastor Davi.

- De jeito nenhum! Pedi ao pastor Vicente pra ser mandado embora e estou esperando que acertem minhas contas. Agora eu e o Carlos temos nos reunido lá na casa do pastor Ricardo. Somando nossos familiares, amigos e vizinhos somos, por enquanto umas quinze pessoas.

- Que bom! Uma hora vou lá fazer uma visita.

- Só visitar? Agente não pretendia falar nada agora, mas o pastor Ricardo está te convidando como nosso anfitrião para você ser o nosso pastor. - disse Paulo.

- Embora eu esteja assoberbado de trabalho porque passei a dar aulas num seminário teológico, acho que não tenho como recusar.

- Isto merece um brinde! Parabéns pelo novo emprego, Davi - falou o pastor Carlos

- Ei, menina! Trás logo uma cerveja e quatro copos pra nós comemorarmos! - Gritou o pastor Ricardo.

- Cara! Isto é jeito de falar com a minha mulher? - reclamou o pastor Davi.

- Espera aí? Você já está de caso com a garçonete do restaurante? - perguntou o pastor Paulo com um ar de curiosidade.

- O quê? Ficamos noivos ontem. Afinal, qual o significado deste o anel de compromisso na minha mão direita? Ainda não sabem como são os crentes?

- Conta melhor esta história, Davi.

- É isto mesmo. Eu e a Helena passamos a namorar. Na semana seguinte ao acidente, voltei aqui e a chamei para conversar. Disse que estava interessado nele e que queria conhecê-la melhor. Passei a vir outras vezes trazendo bombons e cartões artesanais que eu mesmo fabrico. Então passamos a namorar.

- Mas ela deve ter a metade da sua idade.

- Não dá tanta diferença. Eu faço quarenta em dezembro e Helena tem vinte e um. Eu e ela somos divorciados e já temos nossos filhos.

- Não me diga que o irmão avançou o sinal com a menina? - perguntou o pastor Ricardo sem conseguir esconder a sua reprovação.

- Calma, gente. Estou guardando a merenda pra quando começar o recreio. Só que nós dois estamos com a ideia de iniciar a festa logo depois que dermos entrada nos papéis no cartório.

- Sei não. Não parece que fica bem pra um pastor evangélico iniciar uma união estável antes do processo do casamento terminar.

- Pastor Paulo, você não quer celebrar o nosso compromisso de casamento um dia desses? Ficou melhor assim?

- Tudo bem, pastor Davi. Mas com uma condição. Cancela a cerveja e pede logo uma daquelas garrafas de vinho chileno. Vamos bebemorar por sua conta desta vez.

- Demorou! Eu pago a conta desta vez, pois estou num bom emprego.

- Amém! Faz uma oração de agradecimento, pastor Ricardo.