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terça-feira, 30 de março de 2021

A nossa Páscoa na pandemia



Judeus e cristãos comemoram a Páscoa cada um a seu modo, sendo essa uma antiga festa que relembra a vitoriosa saída dos israelitas escravizados no Egito rumo à Terra Prometida, sob a liderança de Moisés.


Entre os cristãos, a Páscoa ganhou novo significado com a ressurreição de Jesus, mas que se reporta à sua dolorosa morte na cruz. Daí surgiu a tradição de celebrar a chamada "Semana Santa", a qual inicia com a triunfal chegada do Mestre a Jerusalém, no Domingo de Ramos.


Em ambos os episódios, tem-se em comum a celebração de uma passagem, como nos ensina a própria etimologia do termo hebraico pessach (Páscoa). Pois, tanto na formação de um povo livre e soberano, chamado para ser "santo" (separado) entre as nações, quanto na vitória do Filho do Homem sobre os grilhões da morte, recebemos uma mensagem que se traduz em superação e em mudança de estado ou condição.


Acredito que sempre estamos de passagem e cabe ao ser humano tentar compreender qual o seu caminho a percorrer tanto no plano individual quanto no coletivo. Afinal, não queremos levar uma vida vazia, sem propósito e errante que, no fim das contas, acaba é produzindo separações/segregações ao invés de construções.


Nesta terceira década do século XXI, convivendo há mais de um ano com a pandemia, a humanidade foi confrontada com um grande desafio que nos impõe mudança de hábitos, mais compreensão, maior respeito pelo próximo e o enfrentamento de um inimigo invisível a olho nu, mas que causa verdadeiras tragédias.


Certamente que, em nossa primeira Páscoa durante a pandemia, não tínhamos ainda a consciência de quão grave esse problema seria para o mundo inteiro. Havia muitos negacionistas da doença e os ignorantes sentiam-se mais á vontade para discursar contra as medidas de afastamento social de prevenção à COVID-19. Sem falar nos áudios, memes e demais brincadeiras que circulavam pelas redes sociais de mensagens instantâneas.


Entretanto, o problema global tem mostrado a sua complexidade com sucessivas "ondas" de infecção do coronavírus e o surgimento das perigosas variantes do vírus. Apesar da chegada das vacinas, não há uma imunização totalmente eficaz. E hoje vivemos no nosso período mais mortal desde o início da pandemia, com recordes sucessivos do número de mortes e de casos de COVID-19, de modo que assumimos em março a liderança global do ranking de países com mais óbitos diários.


Por coincidência, a pandemia fez com que tivéssemos neste ano um longo período de descanso entre março e abril, apesar de nem todos estarem conseguindo paralisar suas atividades para desfrutar o momento. Pelo menos aqui, no Estado do Rio de Janeiro, os deputados aprovaram a criação de feriados circunstanciais, através da Lei n.º 9.224/2021, de maneira que, em tese, todos poderíamos celebrar por completo a Semana Santa, embora dentro das regras de afastamento social estabelecidas.



Mais do que nunca é preciso fazer a nossa passagem da morte para a vida e isso vai exigir de todos um certo grau de esforço e de atenção à ciência, incluindo uma postura de mais respeito às normas sanitárias. Pois adotar essa atitude saudável em toda a sua amplitude é a Páscoa que temos para viver em 2021!


Que nada será como antes, tenho total certeza disso, porém não duvido que a humanidade sairá machucada desse "deserto", com tantas perdas de parentes e amigos que têm nos deixado. Contudo, precisamos enfrentar a pandemia até que os sobreviventes celebrem a vitórias sabe-se lá quando.


Feliz Páscoa a todos!

segunda-feira, 8 de março de 2021

Secretários municipais não deveriam jamais presidir conselhos de participação!

 



Uma matéria recente do jornal O DIA, com o título MP recomenda que Cabo Frio modifique legislação que permite secretário de Saúde presidir o Conselho Municipal, despertou o meu interesse para verificar como estaria a situação desses organismos de participação aqui em Mangaratiba.


Diz a publicação que a 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo Cabo Frio expediu, no último dia 23/02, uma Recomendação para que o Chefe do Poder Executivo Municipal encaminhe à Câmara da cidade, em prazo máximo de 20 dias, projeto de lei para reformar a Lei Municipal 1.545, de abril de 2001, que estruturou o Conselho Municipal de Saúde (CMS).


Aqui em Mangaratiba, felizmente, sei que, há tempos, o Presidente do CMS é eleito entre os membros efetivos em reunião plenária específica, como previsto na Lei Municipal n.º 839, de 28 de dezembro de 2012, embora a Secretária de Saúde seja considerada "membro nato" do Conselho Municipal de Saúde no segmento governamental.


Todavia, o mesmo não ocorre com o nosso Conselho Municipal de Meio Ambiente!


A Lei n.º 1.209, de 06 de junho de 2019, do Município de Mangaratiba, que dispõe sobre o Código de Meio Ambiente do Município de Mangaratiba, ao alterar o artigo 1º da Lei Municipal n.º 1.012, de 21 de junho de 2016, previu, em seu artigo 17, que o secretário municipal de meio ambiente será o presidente do Conselho Municipal de Meio Ambiente.:


“O Conselho de Meio Ambiente do município será presidido pelo secretário municipal de Meio Ambiente, ao qual caberá a inclusão de pautas e integrado por dezesseis membros com direito a voto, nomeados pelo Prefeito municipal, mediante indicação dos respectivos órgãos assim definidos”


Pois bem. Até então o Conselho de Meio Ambiente do Município era presidido por um membro escolhido entre os próprios conselheiros, através de votação aberta com maioria simples e integrado por 16 (dezesseis) membros com direito a voto, como previa o referido dispositivo da norma anterior.


Ocorre que tem sido muito questionada a incompatibilidade entre as funções de gestor e a de presidente de conselho municipal, tendo em vista que a autonomia representativa do colegiado constitui premissa básica para as funções de fiscalização e controle de gastos, tal como bem se posicionou a 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Cabo Frio, ao expedir a Recomendação de n.º 03/2021, nos autos do Inquérito Civil n.º 78/19 (MPRJ n.º 2017.00535819) quanto à lei que estruturou o CMS de lá:


“(...) o exercício da presidência do Conselho pelo Secretário de Saúde acaba por esvaziar a ideia de democracia participativa, na medida em que impõe uma ingerência indevida dos governantes no espaço reservado pelo poder constituinte ao exercício direto do poder pela sociedade civil, comprometendo a própria cidadania”


Ora, o meio ambiente é direito de todos, devendo ser garantida a participação comunitária na proteção ambiental, inclusive através da democracia participativa no Conselho Municipal.


Dentre os vários tipos de democracia existentes (representativa, liberal, participativa), esta última é uma das mais relevantes, pois chama os cidadãos a contribuírem de alguma forma com as atividades do Estado que visam melhorar as condições de vida da população. Contudo, essa proposta democrática nem sempre ocorre a contento, sendo que o atual Código Ambiental do Município causou um inegável retrocesso capaz de gerar um esvaziamento e um descrédito institucional que beneficia o grupo político que hoje conduz a Prefeitura. 


Nesse sentido, vale aqui citar o historiador Eric Hobsbawm:


“O ato de expressar assentimento à legitimidade do sistema político, por meio do voto periódico nas eleições, por exemplo, pode ter importância pouco mais do que simbólica, e, com efeito, é um lugar-comum entre os cientistas políticos reconhecer que, em países de cidadania de massa, apenas uma minoria modesta participa constante e ativamente dos assuntos do Estado ou das suas organizações de massas. Isso é útil para os dirigentes e, na verdade, políticos e pensadores moderados há muito tempo mostram preferência por certo grau de apatia política.” (HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo. tradução José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pág. 103)


Lamentavelmente, a política ambiental municipal em Mangaratiba estabeleceu mais um obstáculo à integração dos movimentos sociais, os quais são cada vez mais enfraquecidos por valores individualistas, competitivos, monetários e egocêntricos. Em virtude disso, a participação comunitária e a cooperação entre os munícipes estão sendo cada vez mais reduzidas na atual gestão do senhor prefeito Alan Campos da Costa e enfraquecendo um importante organismo de participação que é o Conselho Municipal de Meio Ambiente.


Sendo assim, é de fundamental importância que o Núcleo de Angra dos Reis do Ministério Público proceda a instauração de inquérito civil e tome medidas idênticas em relação ao Conselho de Meio Ambiente do Município de Mangaratiba, sendo sugestivo ao Promotor expedir uma Recomendação a fim de que seja encaminhada mensagem à Câmara Municipal capeando projeto legislativo, em até vinte dias, para reformar a Lei n.º 1.209, de 06 de junho de 2019, do Município de Mangaratiba, a fim de que o secretário de meio ambiente deixe de presidir o colegiado e haja sempre eleições entre seus membros para a escolha do representante do órgão.