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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

29/02: um dia a mais em nossas vidas



"Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria." (Salmos 90:12; NVI)

O ano bissexto, no qual é acrescentado um dia extra no final de fevereiro, costuma despertar algumas curiosidades, mitos e tradições entre os povos que seguem o calendário solar gregoriano. Sua motivação existe por razões astronômicas para se corrigir a discrepância entre o ano-calendário convencional e o tempo de translação da Terra em volta do Sol. 

O que ocorre é que o nosso planeta leva aproximadamente 365,2422 dias solares para completar a sua volta completa ao redor do Sol, enquanto o ano-calendário comum, por convenção, tem 365 dias solares. Logo, a cada ano, sobram, aproximadamente, quase seis horas (mais precisamente 5h:48m:46s que corresponde a 0,2422 dia). E, devido a isto, as horas excedentes são somadas e adicionadas ao calendário na forma inteira de um dia (4 vezes 6h = 1 dia) de quatro em quatro anos.

Assim sendo, são bissextos todos os anos múltiplos de 400 (por exemplo: 1600, 2000, 2400, 2800..) bem com o todos os múltiplos de 4 e não múltiplos de 100 (ex: 1996, 2004, 2008, 2012, 2016…). E, por exclusão, não são bissextos todos os demais anos. Ou então, para facilitar ainda mais a vida de quem detesta Matemática, basta prestar a atenção nos dois maiores eventos esportivos que ocorrem alternadamente nos anos pares: quando houver Olimpíadas será bissexto enquanto que, nos anos de Copa do Mundo, não.

Deixando de lado essa contagem meramente numérica. bem como as convenções adotadas, prefiro introduzir uma reflexão mais profunda a partir do sentimento de que hoje, 29/02/2016, simplesmente ganhamos um dia extra nas nossas vidas. Ou seja, embora se trate de uma segunda-feira de compromissos e trabalho, fomos presenteados com vinte e quatro horas a mais. E aí que tal sairmos um pouco da rotina, encarando os afazeres do cotidiano com outra perspectiva? Ou o que você acha de parar um pouquinho para repensar suas condutas habituais, seus planos de vida, sonhos, interesses e valores?

Inegavelmente, todas as manhãs os raios solares nos proporcionam um dia extra em nossa existência terrena. Cada alvorecer constitui uma nova oportunidade de aprendizado, de fazermos as coisas um pouquinho melhor. Mas o que você faria hoje se estivesse com a vida contada, tipo, se o seu médico, após ler o resultado de um exame, lhe desse muito pouco tempo para viver? Como significaria os instantes finais que lhe restam?

Há quem prefira nem pensar a respeito, porém considero sábio e prudente a tomada da consciência de que a nossa passagem por aqui é breve, o tempo voa e somos surpreendidos pelos acontecimentos. A cada minuto, morremos, mas também podemos fazer de cada momento uma eternidade. Podemos encontrar um propósito relevante para as nossas ações e descobrirmos qual o papel que temos nesse mundo dentro das relações estabelecidas.

Considerando que os anos bissextos no Brasil coincidem não só com os jogos olímpicos mas também com as eleições municipais, proponho aí outra reflexão. Que tal pensarmos um pouquinho sobre como anda a gestão das nossas cidades? A política no município onde vivemos ou votamos é satisfatória? Será que não está na hora de mudarmos os atuais prefeitos e vereadores colocando sangue novo no poder?

Portanto, deixo cada qual com seus botões, como diz uma antiga expressão idiomática que figura o intimo pessoal do indivíduo. Sem mais nada a dizer, pois é o próprio ser humano que elabora suas conclusões acerca da vida que lhe é dada, resta-me desejar a todos o meu Carpe Diem (aproveitemos o tempo presente). 


OBS: Imagem extraída de http://www.turminha.mpf.mp.br/nossa-cultura/datas-especiais/por-que-2012-e-um-ano-bissexto

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Rumo a um consumo responsável




Embora a humanidade esteja muito distante de compreender e adotar uma ética sócio-ambiental voltada para o consumo, considero importante investir na educação das pessoas em relação a isso a fim de que elas contribuam para a construção de um mundo melhor.

Um dos pontos que devemos observar inicialmente diz respeito aos resíduos. E, embora muito se tenha falado em reciclagem nas últimas décadas, questiono se não poderíamos de algum modo contribuir para reduzi-los? Por exemplo, as garrafas de PET e as latinhas de alumínio são reaproveitáveis, mas, se você puder consumir o seu refrigerante numa embalagem de vidro, a qual é 100% reutilizável, a princípio não seria uma conduta melhor para a natureza?

Igualmente, se vou às compras num supermercado, por que não sair de casa portando uma sacola retornável? Sei que nem sempre é possível as pessoas terem esse planejamento devido à estressante correria do cotidiano e muitas das vezes as sacolinhas plásticas são bem-vindas quando utilizadas para armazenar o lixo doméstico. Só que, infelizmente, acabamos acumulando um excesso de sacolas, as quais acabam parando nos aterros sanitários quando não ficam esparramadas pelo ambiente, poluindo logradouros públicos, quintais e até os oceanos (muitas tartaruguinhas morrem asfixiadas porque confundem o plástico com água-viva por ser um alimento natural delas).

Ainda que não esteja ao alcance de todos, é fundamental promover a produção sustentável, incentivando as cadeias produtivas com certificações, rótulos ambientais, alimentos orgânicos, éticos e de comércio justo. Compreendo que um produto sem agrotóxicos muitas vezes só cabe no bolso de uma classe média culta de poder aquisitivo mais elevado. Porém, penso que seja possível sermos um pouco mais seletivos e/ou criteriosos mesmo na compra de algo convencional, olhando outros aspectos além do preço somente.

Mas como se vê, não são apenas os danos à natureza que precisam ser avaliados! Há que se considerar também o ser humano e a sua inclusão social por meio do processo produtivo adotado. Por exemplo, quem é que procura saber se fornecedor do carvão usado para acender a churrasqueira não se utiliza da mão-de-obra infantil? 

E quanto ao alimento consumido? Será que a nossa comida vem de pequenas ou de grandes propriedades rurais? Quantos se preocupam em ajudar um assentamento agrícola ou com a fixação do homem no campo?

Além disso, por que muitos de nós ainda preferimos fazer a nossa compra do mês nos estabelecimentos das grandes redes de varejo, chegando a enfrentar longas filas, se, na mercearia do vizinho, os preços dos produtos não promocionais são quase os mesmos? Afinal, não seriam as microempresas que mais geram empregos e distribuem renda? Só que uma boa parte dos consumidores se deixa levar pelo marketing publicitário ou se prende à agiotagem dos cartões de determinadas lojas ou bancos de modo que viram escravos de um terrível sistema financeiro concentrador de riquezas.

Junto com o microempresário e o pequeno produtor rural, há que se lembrar também dos artesãos, dos ambulantes, dos profissionais liberais e dos prestadores de serviço autônomos. Existem ainda as cooperativas, dentre as quais temos as de catadores e de recicladores, sendo todas essenciais para a promoção de um desenvolvimento comunitário nas milhares de localidades espalhadas por esse país.

Evitar desperdícios de energia, melhorar a eficiência energética e incentivar a auto-suficiência são medidas que jamais podemos ignorar. Para muitos pode ainda custar caro colocar em seu imóvel uma placa de energia solar (eu mesmo não tenho), porém há soluções simples que podem sair mais baratas tipo o biodigestor rural com o aproveitamento do esterco de boi capaz de substituir o gás de cozinha. Neste caso, chega a ser até mais rentável para o homem do campo.

E quanto à água? Por acaso o armazenamento domiciliar das chuvas não se refletiria nos gastos com os serviços de abastecimento hídrico e proporcionaria mais conforto aos moradores de uma residência? Isto porque as águas pluviais podem muito bem ser utilizadas para molhar plantas, jardins, ajudar na faxina e dar descarga no vaso sanitário. Do mesmo modo, as águas do chuveiro passariam a ter um segundo destino antes de serem lançadas na rede de esgoto.

Outra coisa! Você já pensou em reduzir o seu consumo de carne? Pois, além de melhorar a sua saúde, a sua atitude vai contribuir para que menos áreas do planeta (inclusive da Amazônia) sejam ocupadas com a pecuária. Quer seja diretamente, em razão das extensas pastagens, ou com a produção de ração animal. Assim, os ecossistemas nativos podem ser melhor preservados e a produtividade rural atender a uma população global cada vez maior.

Admito que até aqui foquei mais no consumo individual, mas não posso deixar de abordar também as compras públicas com as quais raramente nos preocupamos. Por exemplo, quantos pais se interessam pela merenda de seus filhos e comparecem a uma reunião do conselho de alimentação escolar na cidade onde vivem? Será que vamos permitir que o mercado institucional das prefeituras continue se comportando sem nenhum critério de inclusão sócio-ambiental?

Acredito que, com mais consciência e participação cidadã, podemos paulatinamente fazer com que a humanidade caminhe rumo a um desejável consumo sustentável estabelecendo assim a cultura do cuidado. É algo que projeto para longo prazo porque depende da educação das pessoas e, ao mesmo tempo, de políticas públicas eficientes. Muitas são as informações para serem refletidas, divulgadas e compreendidas pela população, o que nos convida a fazermos a nossa parte nas pequenas coisas bem como discutirmos com racionalidade ideias construtivas para o futuro.


OBS: Ilustração acima extraída de uma página da Fecomercio de São Paulo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Deve o beneficiário restituir valores à Previdência por erro administrativo do próprio INSS?!




Não é raro o INSS cometer erros nos cálculos de pensões e aposentadorias. Há inúmeros casos no país em que o trabalhador, quando resolve descansar, após longos anos de contribuição, tem a sua renda mensal inicial fixada num valor acima ou abaixo do que realmente tem direito. E, em qualquer das hipóteses, o segurado acaba tendo uma dor de cabeça danada.

Se o beneficiário for aposentado com uma renda menor, basta ele entrar com um processo de revisão para obter tanto o reajuste como a diferença atualizada de tudo quanto deixou de receber nos últimos cinco anos. Porém, caso seja o contrário (quando o INSS calculou uma RMI superior e depois verificou que havia errado), a Previdência exige que a pessoa restitua o que recebera indevidamente. E, para tanto, a autarquia chega a proceder a cobrança através de consignação no benefício mantido ao aplicar friamente os artigos 114 e 115, II da Lei Federal n.º 8.213/91 combinados com o artigo 154, inciso II do Decreto n.º 3.048/99 que assim dispõe:

Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:   
(...)
II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;
(...)
§ 3º - Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

Entretanto, a aplicação das normas jurídicas não pode ser feita de maneira literal a ponto de afrontar a dignidade do ser humano. Pois, no caso, há que se levar em conta sempre a boa-fé do segurado e também o caráter alimentar das verbas previdenciárias. Por isso, muita gente já procurou se socorrer da Justiça, tendo muitos obtido êxito nas suas pretensões enquanto outros não.

Felizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem se manifestando quanto à "impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115 , II , da Lei nº 8.213 /91, e 154 , § 3º , do Decreto nº 3.048 /99" (AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO AI n.º 849529/SC. Data de publicação: 14/03/2012). Também num outro julgado relativamente recente, assim decidiu a Turma Nacional de Unificação dos Juizados Especiais Federais (TNU) ao reconhecer a natureza alimentar dos benefícios previdenciários:

"Ementa: DEVOLUÇÃO DOS BENEFÍCIOS RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO DE BOA-FÉ. OS VALORES AUFERIDOS A MAIOR FORAM RECEBIDOS PELA AUTORA DE BOA-FÉ E POR ERRO EXCLUSIVO DO INSS. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADEDOS ALIMENTOS. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO" (TNU - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL PEDILEF 200772590034304 SC (TNU) - Rel. JUIZ FEDERAL JOSÉ EDUARDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 02/08/2011 - Data de publicação: 18/11/2011)

Há que se levar em conta também, por analogia, esse julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), que faz a seguinte ressalva sobre à impossibilidade de devolução de valores nas hipóteses de interpretação errônea de uma lei:

"(...) quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público”. (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012)

Ora, o mesmo acontece nos casos de pagamento a maior do benefício previdenciário em que, dentro do prazo decadencial, o INSS tem o direito de revisar os valores pagos, mas não pode obrigar o segurado a devolvê-los. É como consta neste julgado do 4º Tribunal Regional Federal:

"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-SUPLEMENTAR. PAGAMENTO INDEVIDO. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. A restituição dos valores pagos a maior pelo INSS em razão de erro administrativo na concessão do auxílio-suplementar não é possível, pois recebidos de boa-fé. Ademais, tendo em vista a natureza alimentar das referidas prestações, a jurisprudência pátria não vem acolhendo a tese da possibilidade de repetição dos valores. Precedente da Terceira Seção deste Tribunal." (TRF-4 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO : APELREEX 3852 RS 2008.71.12.003852-6 - Data de publicação: 10/02/2010)

Em que pesem os posicionamentos contrários, entendo que, uma vez evidenciada a boa-fé do beneficiário, este não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, dada a finalidade de prover os meios de subsistência a que se destina uma aposentadoria, auxílio-doença ou pensão. E assim, para que o cidadão não fique sujeito à angustiante "loteria" do Judiciário, melhor solução seria os nossos excelentíssimos parlamentares modificarem  a legislação previdenciária em vigor para impedir tais abusos praticados pela Administração Pública. 

Para terminar, ressalto o quanto é indiscutivelmente revoltante um homem ou uma mulher que trabalhou honestamente a vida inteira repentinamente ser surpreendido com a revisão de sua renda mensal em que, após a redução, ainda começa a sofrer contínuos descontos de até 30% (trinta por cento) para ressarcimento ao erário. Principalmente numa época em que o indivíduo passa a ter mais necessidades em razão da idade ou da doença, devendo ser poupado de aborrecimentos, sentimentos de insegurança, perdas financeiras, etc.

Portanto, meus leitores, lutemos contra essas injustiças!


OBS: Imagem acima extraída de uma página da da Agência Brasil de Notícias com créditos autorais a Antonio Cruz.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O lado simpático de um psicopata




Em seu recente livro Holocausto nunca mais, um romance histórico-psiquiátrico sobre os bastidores da Segunda Guerra Mundial, publicado em 2015 pela editora Planeta, o psiquiatra Augusto Cury nos trás dados impressionantes sobre o maior psicopata do século XX - Adolf Hitler (1889 - 1945).

Tendo estudado por anos a personalidade desse demônio em forma de gente, Cury expõe o gosto do Führer pelas artes, por música clássica, ópera e também pelos animais. Se com uma mão ele acariciava sua cadela de estimação Blondie, com a outra ele telefonava para seus subordinados assassinarem de uma só vez milhares de seres humanos num campo de concentração nazista. Na página 484 do livro, o autor mostra uma citação de Hitler sobre o seu cachorro Foxl que tivera na época da Primeira Guerra Mundial:

"Como eu gostava daquele bicho. Sempre que alguém encostava em mim, Foxl ficava furioso. Nas trincheiras, todos o amavam. Durante as marchas corria ao nosso redor; tudo observava, nada o distraía. Compartilhávamos tudo. À noite dormia ao meu lado" (DELAFORCE, Patrick. O Arquivo de Hitler, p. 32. São Paulo: Panda Books, 2010)

No entanto, o que mais chamou a minha atenção sobre Hitler foi o poema que escreveu em 1915, durante a guerra das trincheiras, quando estava apenas com 26 anos e servia ao exército alemão levando recados do comando ao front de batalha. É como consta na página 496 da obra de Cury que se utilizou da mesma fonte bibliográfica acima:

"Frequentemente sigo em noites frias 
Ao Carvalho de Odin no calmo bosque 
Tecendo com negra magia uma união 
A lua traça runas com seu feitiço 
E sua mágica fórmula humilha 
Os que se enchem de orgulho à luz do dia! 
Forjam suas espadas em fulgurante aço 
- mas, em vez de lutar, 
Congelam como estalagmites. 
Assim se distinguem as almas - as falsas das verdadeiras 
Penetro um ninho de palavras 
E distribuo dádivas aos bons e aos justos 
E minhas mágicas palavras lhes trazem bênçãos e riquezas." 

Ora, quem fizer um estudo atento desse inegável salmo satânico observará traços de uma personalidade doentia. Por trás das palavras aparentemente belas, esconde-se não só a sua inclinação para um perigoso messianismo, a ponto de Hitler pensar que era um abençoador dos homens, como também podemos perceber a maneira como ele já criava a sua perversa distinção entre pessoas. Algo que, em pouco mais de duas décadas, vai se evidenciar nas suas perseguições a judeus, ciganos, eslavos, marxistas, doentes mentais e homossexuais.




Entretanto, o romance de Cury nos faz refletir sobre a possibilidade de novos hitleres chegarem ao poder em tempos de crise, quando a má formação educacional dos cidadãos permite a condução de psicopatas ao poder dando ouvidos às "mágicas palavras". Pois como explicar a simpatia de muitos eleitores norte-americanos pelas loucuras do bilionário Donald Trump, pré-candidato republicano à Casa Branca, o qual propõe expulsar muçulmanos do seu país e construir um muro na fronteira com o México?




Nessas horas, pergunto se estamos de fato prevenidos ou se nos deixaremos manipular por esses radicais. Questiono como alguém semelhante a Hitler não chegaria facilmente ao poder num Brasil cheio de ignorância considerando que o ditador alemão ascendeu numa das nações mais cultas do planeta, e berço de inúmeros filósofos da humanidade? Por isso, mantenho minhas preocupações quanto aos políticos da chamada "bancada da bala", os quais propõem coisas absurdas tipo a pena de morte. E, quanto à tão defendida pré-candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência, como vejo em postagens nas redes sociais do Facebook, confesso que eu seria até capaz de votar no Lula (em alguém apoiado pelo governo), caso ele dispute as eleições de 2018 e consiga ir para o segundo turno.




Portanto, que ninguém se engane! Como já havia dito Jesus de Nazaré há quase dois mil anos em seu Sermão Profético no Monte das Oliveiras, muitos viriam em seu nome se dizendo o Cristo (Mt 24:5). Ou seja, o Mestre dos mestres, na sua profunda análise da História, expôs os terríveis riscos do messianismo, prevendo a sua possível repetição no futuro. E aí espero que o Brasil, sendo um país majoritariamente cristão, não se deixe iludir.

Holocausto nunca mais!


OBS: Artigo publicado originalmente no blogue da Confraria dos Pensadores Fora da Gaiola, conforme consta em http://cpfg.blogspot.com.br/2016/02/o-lado-simpatico-de-um-psicopata.html

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

"Doutor, quanto tempo vai demorar o meu processo?"




Com muita frequência, recebo comentários de internautas neste blogue perguntando-me sobre quanto tempo os seus processos podem demorar na Justiça. Uns chegam a relatar um pouco de seus casos, mencionam que estão assistidos por um advogado e dá para perceber o quanto encontram-se ansiosos ou apreensivos no aguardo de um resultado.

Questões assim confesso que não tenho como responder e nem considero ético emitir opiniões sobre processos em que a parte já possui um advogado representando-a nos autos. Infelizmente, como bem sabemos, a Justiça brasileira ainda é bem lenta de modo que nem os profissionais do Direito têm como estimar com precisão quanto tempo uma ação pode levar até o seu trânsito em julgado (quando não há mais como recorrer de decisões definitivas).

O que tenho a dizer para um leigo é que vários incidentes podem ocorrer num processo por mais simples que seja o rito adotado. Um exemplo disto seriam os Juizados Especiais Cíveis, criados pela Lei Federal n.º 9.099/95 para darem maior celeridade às demandas de menor complexidade e cujo valor da causa não ultrapasse a quarenta salários mínimos. Pois, devido à enorme procura das pessoas por esses órgãos, principalmente em relação aos casos envolvendo relações de consumo, houve um abarrotamento de ações. E aí as pautas dos magistrados e dos conciliadores não puderam dar conta num prazo razoável de modo que se tornou comum em várias comarcas as audiências de instrução e julgamento rolarem quase um ano depois da distribuição. Até as petições dos advogados passaram a ficar meses aguardando para o juiz apreciá-las superando a lentidão no andamento em muitas varas cíveis da Justiça comum. 

Outras insatisfações que encontro por aí dizem respeito à Justiça do Trabalho. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, posso afirmar que, após a adoção do excludente processo eletrônico pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), a tecnologia, por si só, não foi capaz de sanar definitivamente o velho problema da lentidão das reclamações dos empregados. Com isso, os patrões continuam se dando bem ao proporem acordos muito inferiores aos valores das indenizações devidas ao trabalhador. E, numa época de crise econômica, quando o emprego falta, o reclamante acaba aceitando logo uma oferta pequena para poder comprar comida, pagar o aluguel, manter em dia a pensão dos filhos, não deixar o nome parar nos cadastros de inadimplentes, etc.

Só que dor de cabeça maior não há que enfrentar um processo criminal. Seja para a sociedade, para a vítima e também para o acusado. Como escreveu certa vez o jurista Dr. Aury Lopes Jr, em seu artigo Direito à duração razoável do processo tem sido ignorado no país, publicado dia 25/07/2014, no Consultor Jurídico, eis que "o direito a razoável duração do processo penal é um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro".

Acontece que, conforme muito bem aprendi na faculdade, "justiça lenta é injustiça". Assim, como se vê,  o tema ora discutido é de tamanha importância que ganhou destaque em tratados internacionais sobre direitos humanos, o que demonstra preocupação internacional em relação ao assunto. O art. 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), por exemplo, assevera que:

"Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza." - destaquei

Finalmente, há que se falar também das demandas de interesse coletivo a exemplo da ação civil pública ou de recursos com repercussão geral como os dois extraordinários no STF comentados por mim na postagem E os expurgos referentes aos planos "Bresser" e "Verão"?!. Pois, muitas das vezes, são casos que acabam esquecidos e lesando um número bem expressivo de pessoas na sociedade.

Penso que esse "capítulo", como se expressou o doutor Aury, pode ser escrito de diversas maneiras. Uma delas seria a responsabilização estatal pela demora excessiva de processos judiciais quando o órgão jurisdicional tiver dado causa. Outra solução possível é a adoção de punições administrativas mais severas a funcionários e magistrados para condutas culposas ou dolosas. E aí aconselho aos advogados, partes e interessados que não tenham o acanhamento de reclamarem fazendo uso das ouvidorias dos tribunais, representarem perante as corregedorias, conselhos de magistratura e, se preciso for, irem até o Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Pois quem se cala quanto aos seus direitos não os merece.

Um ótimo final de semana a todos!


terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

A infeliz idade dos nossos pobres




Apesar da existência de leis que defendem formalmente os direitos dos idosos em nosso país, viver a "melhor idade" não é nada fácil para o cidadão brasileiro de baixa renda depois que passa dos 65 anos.

Poucos dias antes do Carnaval, conheci uma senhora daqui mesmo de Mangaratiba que disse precisar catar latinhas na rua junto com o marido (também idoso) para poderem comprar remédio. Perguntei-a se o casal não estava recebendo alguma assistência farmacêutica do SUS, porém ela me respondeu que nem todos os medicamentos a Prefeitura anda fornecendo. Apenas os mais simples. E, deste modo, sugeri que ambos procurassem o primeiro atendimento da Defensoria Pública nas manhãs de 3ª e de 4ª feira lá no prédio do Fórum da Comarca.

O que essa cidadã me contou é verdadeiro! 

Não cheguei a entrar em detalhes acerca de quais remédios ela e o esposo faziam uso continuamente, porém tenho acompanhado o caso de alguns munícipes de Mangaratiba, inclusive as três ações de minha mulher, e verificado o flagrante descumprimento das decisões judiciais em inúmeros processos. Pois, mesmo com uma multa diária estabelecida pelo magistrado local em favor do jurisdicionado, é comum alguns remédios de Núbia não chegarem e eu ter que mexer no nosso apertado orçamento indo comprá-los numa farmácia com recursos próprios. Apesar de cobrarmos o ressarcimento pelas vias judiciais, até hoje não levantamos nenhum centavo do que se gastou. 

Por ironia, o prefeito de Mangaratiba, Dr. Ruy Tavares Quintanilha, é um médico... Mas reconheço que situações assim não são exclusivas de uma cidade só! Sei de problemas idênticos que se repetem em outros municípios sendo que o Estado do Rio de Janeiro, embora riquíssimo em petróleo, também tem sido réu em inúmeras ações sobre fornecimento de medicamentos. E, tal como se vê por aqui, o Sr. Pezão anda também descumprindo decisões judiciais. Uma vergonha!



Como se já não bastasse o idoso receber serviços de saúde ineficientes e inadequados, a sua renda vai sendo reduzida com o passar do tempo. Isto porque, com reajustes inferiores ao aumento do salário do mínimo, o beneficiário do INSS acaba sofrendo uma considerável perda do poder aquisitivo em face do elevadíssimo custo de vida. E o pior é que as necessidades vão só se multiplicando com o envelhecimento da pessoa.

Lamentável essa maneira criminosa como o Estado cuida de quem trabalhou a vida inteira! Brasileiros que contribuíram por longas décadas com a expectativa de se aposentarem com uma renda maior foram vitimados por sucessivas reformas da Previdência Social desde a década de 1990 (e continuadas pelos governos petistas) sem haver regras de transição capazes de protegê-los eficazmente.

Além das injustiças estatais, temos ainda aquelas praticadas pela sociedade. Não raras vezes, motoristas de ônibus deixam de parar para o embarque de passageiros idosos. As filas de quem tem prioridade no atendimento nas instituições financeiras chegam a andar mais lentamente que as comuns e até nos planos de saúde há uma repugnante discriminação quanto à faixa etária do consumidor de modo que muitos velhinhos precisam se socorrer da Justiça.




Eu, que completo 40 em abril, sei que poderei ser mais um idoso em 2041. Provavelmente ainda não estarei aposentado aos sessenta e cinco tendo em vista as futuras mexidas nas regras previdenciárias que deverão vir por aí. Contudo, poderemos ser a maioria da população e o governo nos tratará como um número indesejável a ser eliminado.

Hipocritamente, vejo governantes criando programinhas paliativos com a vã promessa de oferecerem mais qualidade de vida aos idosos. Um deles seriam as chamadas ATIs (Academias da Terceira Idade) em que os prefeitos apenas colocam uns aparelhinhos de ginástica nas praças para ficarem pegando chuva ao relento. Executam projetos muitas vezes super faturados e sem disponibilizarem depois um professor de educação física para dar aulas. Enfim, criam maneiras de se omitirem quanto às políticas sociais mais básicas e essenciais.

Ao contrário do Brasil, temos um exemplo a ser mostrado no outro lado do mundo. No país do "Sol Nascente", o idoso vive com dignidade e a sociedade sabe valorizar os seus velhinhos. Se você for visitar algum povoado do interior japonês, provavelmente encontrará algum cidadão centenário gozando de boa saúde, convivendo com as outras pessoas e ainda se ocupando libertariamente com atividades laborais. Neste caso, fica óbvio que o trabalho praticado torna-se um fator positivo para o bem estar do indivíduo ao invés de massacrá-lo como costuma ocorrer por aqui.

Meus caros leitores, será que não podemos mudar a nossa triste realidade e seguirmos os passos das nações mais desenvolvidas?! Não se esqueçam de que outubro está chegando... Que tal fazermos um Brasil diferente?!




OBS: Primeira ilustração acima extraída da USP enquanto a segunda imagem (com Pezão e Dr. Ruy Quintanilha à sua direita) encontrei o original na página da Prefeitura Municipal de Mangaratiba. Já a terceira, com atribuição de autoria a Marcelo Camargo/Agência Brasil está em http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-11/mp-pede-fim-da-leitura-biometrica-para-acesso-gratuito-onibus-de

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

E os expurgos referentes aos planos "Bresser" e "Verão"?!




O ano era 2007. Milhares e milhares de brasileiros mobilizavam-se para ingressar com suas respectivas ações na Justiça antes que a prescrição vintenária ocorresse, conforme o prazo do Código Civil anterior. Eu mesmo fui um deles pois, embora fosse menor de idade no final da década de 80, era credor de um pequeno depósito judicial no antigo BANERJ aplicado em caderneta de poupança cujo aniversário era no dia 14. Tratava-se da pequena herança deixada pelo meu falecido pai resultante da venda de uma moto que lhe pertencera.

Pouca gente lembra (e muitos nem eram nascidos ainda), mas, com o advento do denominado Plano Bresser, no dia 12/06/1987, houve alteração na remuneração das cadernetas de poupança que, até então, ocorria pelo OTN (em junho/1987, atingiu o patamar de 26,69%, já acrescidos dos 0,5% de juros contratuais). E, segundo a determinação do Decreto-lei nº 2335/1987, as contas de poupança passaram a ser remuneradas pelas Letras do Banco Central – LBC, que, em junho/1987, variou 18,61%, já acrescidos de 0,5% de juros contratuais.

Ora, as cadernetas de poupança afetadas indevidamente com tal correção aniversariavam entre os dias 01 e 15 do mês, situação em que se enquadravam as contas de milhões de brasileiros! Os bancos deixaram de remunerar corretamente seus clientes no aniversário em julho de suas contas relativas a junho de 1987, com base na Resolução nº 1.338/87, do BACEN, violando assim direito adquirido dos consumidores. 

Certamente, muitos entraram com processos na Justiça contra seus antigos bancos (no caso do BANERJ, a instituição fora adquirida pelo ITAÚ na época do governador pinguço Marcello Alencar). Houve quem tomou esta providência bem antes de 2007, ganhou e recebeu o dinheiro sem problemas. Porém, um montão de gente, por motivo de desinformação ou comodismo, só resolveu se mexer antes que seu direito prescrevesse devido às constantes notícias divulgadas pela mídia. E aí veio uma enxurrada de ações...

Tudo já poderia ter ficado resolvido com todos esses feitos no arquivo judicial se, em 2010, o Ministro Dias Toffoli do STF, nos Recursos Extraordinários nºs 591.797/SP e 626.307/SP, não houvesse determinando a suspensão dos processos relativos aos expurgos inflacionários dos Planos Collor, Bresser e Verão até uma decisão final do Excelso Pretório. Tal liminar acabou beneficiando as instituições financeiras porque, ao suspender todas as decisões e recursos em tramitação no Judiciário que versam sobre a correção das cadernetas de poupança por causa dos citados planos econômicos (ressalvadas aquelas que estivessem em fase de execução após o trânsito em julgado da sentença), a decisão tem impedido que os poupadores recebam o que é deles por direito.

O mais revoltante é não haver prazos para julgamento, o que me causa grande indignação e perplexidade com a Justiça brasileira visto que muitos consumidores já faleceram bem como vários advogados que defenderam as pessoas em seus processos. Os anos vão passando e lá se vão quase três décadas de injustiças cometidas contra o povo brasileiro na era Sarney até hoje não reparadas.

Pois é, brasileiros e brasileiras, será que vamos novamente nos conformar com os fatos?!

Que tal os interessados protestarem nas redes sociais, assinarem petições da internet, reclamarem com o Conselho Nacional de Justiça e pressionarem o Supremo criando um clamor nacional?!

Lembro que, numa época de crise econômica, a liberação dessa grana seria muito bem vinda para o mercado brasileiro porque ajudaria a aquecer o consumo ao mesmo tempo em que estaria corrigindo uma tremenda injustiça histórica contra a caderneta de poupança. Um investimento quase que sagrado por ter sido a fonte de sobrevivência dos pobres naqueles tempos de inflação alta mas que os governantes da época tanto desrespeitaram.

Vamos em frente! Não podemos parar! Passada a semana do Carnaval, hoje efetivamente começa 2016 e podemos colocar essa antiga questão nas nossas agendas de luta por um país melhor.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A comunicação entre cliente e advogado




Constantemente recebo mensagens de pessoas solicitando ajuda sobre algum processo em curso na Justiça ou em relação a conflitos que pretendem solucionar. Muitas delas já expõem que têm um advogado acompanhando o caso e, ainda assim, pedem auxílio a este internauta. No blogue, as postagens onde mais chegam solicitações seriam estas: Os julgamentos na segunda instância judicial, Direitos de aforamento - uma relíquia jurídica que ainda atrapalha muita gente em várias cidades brasileiras e A responsabilidade por cartão de crédito roubado.

Por razões de ética profissional, procuro não entrar no caso concreto quando respondo. Pois, além do dever de respeitar o trabalho de um outro colega, considero importante a valorização dos serviços advocatícios. O meu objetivo ao escrever artigos sobre qualquer tema não inclui a prestação de serviços jurídicos e/ou de simples consultas via internet. Sei que muitos se sentem angustiados e fatigados no enfrentamento de situações relacionadas a um conflito. Mas, por outro lado, entendo que qualquer assistência prestada por mim via internet deva ficar facultativamente limitada à generalidade de um assunto acadêmico para não se tornar algo anti-ético e que acabe desorientando o internauta. Inclusive para nunca tirar o ganha pão de muitos outros causídicos já que o profissional do Direito, após ter se dedicado por anos numa instituição de ensino superior, investido em livros e se privado de tantas outras coisas imediatas, precisa ser adequadamente remunerado neste país.

Outrossim, é desaconselhável um cliente pegar informações na internet e tentar, por sua conta e risco, a tomada de certas decisões quando ter o conhecimento técnico se faz necessário. É o que muitos têm feito se arrogando no lugar de advogados, como se bastasse consultar o dr. Google. Pois tão perigoso quanto ler o resultado negativo de um exame médico e achar que está tudo bem com a sua saúde, seria outra atitude temerária alguém encontrar um artigo sobre leis na internet e pensar que a sua situação está tranquila ou possa ser resolvida de uma determinada maneira.

Ora, mas por que essas situações ocorrem? 

Afinal de contas, o que tem faltado na comunicação entre o cliente e seu advogado? 

E por que tal diálogo nem sempre flui como deveria?

Sinceramente, não acho correta a responsabilização do advogado sempre que a comunicação com o cliente dá errado. Há pessoas que são mesmo bem difíceis de lidar e nem sempre compreendem (ou querem compreender) certos limites vivendo um eterno inconformismo por não terem suas pretensões satisfeitas. Dependendo do caso e/ou da própria ansiedade do sujeito, nenhuma resposta de posicionamento será suficiente para oferecer a tranquilidade desejada. Ainda mais quando se trata de clientes hipersensíveis.

Entretanto, acho que os advogados não só podem como devem melhorar a comunicação! Claro que nem sempre será possível explicar para leigos determinados detalhes técnicos de uma ação. Porém, quando passamos a entender um pouco da dor do outro e nos organizamos para prestar um atendimento decente ao público, acredito que as coisas ficam um pouco mais fáceis de desenrolar.

Assim, para os clientes recomendo que não se preocupem demasiadamente tentando acompanhar todos os andamentos na internet, nem colecionem opiniões de terceiros (principalmente dos que não são operadores da área jurídica), mas procurem cultivar uma relação de confiança com o advogado. Sejam sempre sinceros não escondendo nenhuma informação e muito menos mentindo pois é um dever do causídico manter sigilo sobre tudo o que conversou secretamente com a pessoa atendida tendo o dever de ser parcial na defesa dos seus interesses (o juiz, sim, é que precisa agir com imparcialidade).

Quanto aos advogados, sugiro que sejam sempre transparentes, simples, acessíveis e usem a didática o quanto for possível, deixando de lado o esnobe "juridiquês" das faculdades de Direito. Jamais digam, por exemplo, que uma causa seja "ganha" ou "perdida" porque podem pintar surpresas desagradáveis no curso da ação. Esclareçam o cliente sobre os riscos da demanda, alertem em relação ao prazo prescricional, recorram das decisões desfavoráveis quando houver fundamento para tanto, redijam contratos  compreensíveis que sejam capazes de abranger com suficiência tanto o objeto dos serviços quanto o pagamento dos honorários e jamais abandonem o assistido à sua própria sorte. No que diz respeito às prestações de contas sobre o andamento do processo, uma ideia seria combinar uma data mensal para o interessado ser informado, o que não afasta o dever do advogado em fazer contato quando surgir algo urgente ou de grande relevância.

Muito mais coisas eu precisaria ainda escrever sobre essa relação cliente e advogado, mas deixo o assunto aberto ao debate na expectativa de ler aqui as mais diversas opiniões que possam trazer enriquecimento em relação ao tema.

Um abraço a todos e tenham um ótimo fim de semana!


OBS: Foto divulgação/internet.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O papo bobo de dois ex-sambistas invangélicos




Na saída do culto de uma igreja fundamentalista, dois amigos (João e José) encontraram-se.

João: A paz do Sinhô, meu irmão!

José: A paz. E aí? Como foi lá no retiro esses dias?

João: Benção pura! O fogo desceu pra valer e quase falei em línguas estranhas. Acho que dessa vez a minha vida vai mudar e conseguirei prosperar no negócio que estou abrindo.

José: Aleluia! Glória ao Sinhô!

João: Agora me conta o que fez durante o Carnaval? Evangelizou as almas perdidas junto com os obreiros na noite de terça-feira? Voltou pro mundo não, né?

José: Que isso, meu irmão! Eu já morri para as coisas dessa vida...

João: Vem cá. Fiquei ciente de que a Mangueira ganhou o desfile na Sapucaí.

José: Como você soube disso se estava no retiro?

João: É que dei uma espiadinha pelo celular quando estava voltando de ônibus na tarde desta quarta-feira.

José: Não foi assistir pela internet as mulheres desfilando quase nuas na avenida?

João: Eu quero ir pro céu, brother! Além disso, sou casado, tenho três filhas adolescentes, ajudo o pastor a servir a Santa Ceia no segundo domingo do mês e o sinal do celular não pegava de jeito nenhum naquele sitio que a congregação alugou em Teresópolis. Mas, como o irmão sabe, já fomos mangueirenses. Então, quando estava naquele engarrafamento horroroso da Washington Luiz, voltando pra cá, toda hora consultava as notícias do Google a fim de acompanhar os resultados da apuração.

José: Sei... Conheço você de velhos carnavais...

João: E, no fundo, confesso que fiquei muito feliz porque a escola pela qual trabalhei durante mais de duas décadas finalmente quebrou o seu jejum de treze anos. A campeã voltou!

José: Olha que eu estou suspeitando dessa vitória.

João: Por que, mano?

José: Escutei no programa de rádio de uma outra igreja evangélica que tudo não teria passado de uma conspiração satânica para homenagear os orixás da Maria Bethânia. Não duvido de que o Plim Plim esteja por trás! Ou você ignora as ligações desta emissora com a macumbaria e com os grupos gays?!

João: Tá amarrado!

José: Só não vê quem não quer...

João: Seja como for, continuo contente com o resultado. E acho que lá no céu o velho Jamelão também deve estar muito feliz. 

José: Você quer dizer no inferno.

João: Que isso! Por que o nosso Gzuis iria mandar um cantor tão talentoso como o Jamelão para arder no andar de baixo?! 

José: Pera aí! O irmão já não se lembra mais das aulas que recebeu do pastor antes de passar pelas águas no batismo? Se uma pessoa morre sem se arrepender dos pecados e não aceitar Gzuis, sua alma vai torrar no inferno por toda a eternidade. Tá no Evangelho! Basta você estudar mais a Bíblia.

João: Conheço a parte do Evangelho do meu xará da Galileia quando o Mestre diz que "quem não crer já está condenado". Só que você precisa interpretar melhor as Escrituras e considerar as inúmeras possibilidades de conversão e de fé. Também não se esqueça de que, assim como eu, foi mangueirense tendo tirado até fotos com o Jamelão e a Dona Zica. Inclusive chegamos a conhecer o Cartola que foi esposo dela.

José: Sim, mano. Mostro essas fotos para todo mundo nos testemunhos que dou pelas igrejas do Rio juntamente com as imagens que guardo do antigo Maraca quando o Mengão consagrou-se como tricampeão brasileiro no começo da década de 80. Aquilo sim era time...

João: E aí? Vai esconder que, no fundo, não ficou torcendo pela Mangueira?

José: Lógico que não. Agora só falta o irmão falar que vai sábado na Sapucaí celebrar o Enterro dos ossos!

João: Como dizia aquele saudoso samba de 94, o qual nós dois pulamos muito, 'atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu'.

José: Sabia que você não era convertido! Olha, irmão, não basta você ir a retiros de Carnaval, comer a Ceia ou frequentar cultos para conseguir entrar no céu. O caminho salvação é estreito enquanto as portas do inferno são bem largas. Tem que tirar o mundo de dentro de você!

João: Acho que o amigo caiu na minha pegadinha. Quá! Quá! Quá!

José: Como assim?

João: Só vai atrás da Mangueira quem ainda não morreu. Porém, nós dois já morremos pra esse mundo e estamos crucificados com Gzuis.

José: Se é assim, amém. Até o culto de domingo, irmão. A paz do Sinhô!

João: Vai na paz.

Quando chegou o sábado, os dois ex-sambistas (agora "crentes") compareceram na festa da Mangueira. Para evitarem de ser reconhecidos na Avenida, chegaram lá fantasiados. João vestiu-se de mulher colocando uma peruca rosa com um top verde claro enquanto José arrumou emprestado uma máscara de jacaré ao inventar a desculpa de que iria fazer um teatro para "evangelizar" o público infantil, tomando todo o cuidado para não ser visto por alguém da comunidade. Sem um saber quem era outro, ambos vieram a se esbarrar pelo caminho tendo João derramado um pouco de Proibida no amigo:

José: Ei, moça. Toma mais cuidado pra não deixar cair a sua cerveja na minha fantasia. Essa máscara pertence a um vizinho meu!

João: Irmão José? A paz do Sinhô!

José: Quieto! Não conte pra ninguém que me viu aqui. O pastor, se souber, exclui meu nome do corpo de obreiros e vai me colocar novamente para esquentar banco.

João: Pois é. Atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu...

José: Para todos os efeitos, acabo de ressuscitar.

João: Só tome cuidado com a ressurreição dos ímpios pois estes sairão dos túmulos para o terrível Lago de Fogo do Apocalipse.

José: Faz de conta que ressuscitei somente hoje pro mundão a fim de comemorar brevemente a vitória da nossa ex-escola. Tal como foi com o Lázaro ou a filha de Jairo, tornarei a morrer outro dia.

João: Esquece o Lázaro de Betânia, mano! Hoje é dia de homenagearmos a nossa querida Maria que não é a irmã da Marta mas, sim, do Caetano. Portanto, festejemos com muita aleluia ou axé, coisa que jamais podemos fazer na igreja.

José: Bem, como dificilmente Gzuis volta nesta noite e considero improvável morrermos subitamente aqui, aproveitemos bem esses passageiros instantes de folia porque daqui a pouco começa o domingo.

João: Amém!


OBS: Ilustração acima extraída do WikiRio em http://www.wikirio.com.br/Esta%C3%A7%C3%A3o_Primeira_de_Mangueira

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O reencontro dos bebuns




Numa universidade do interior de Minas Gerais, havia uma turma de amigos aparentemente muito unida e que se reunia quase sempre num boteco da cidade chamado Recanto dos Bebuns. Eram cinco rapazes de seus vinte e poucos anos, todos do último período de faculdade. Chamavam-se Michel, Alexandre, Pablo, Rogério e Felipe. 

No último dia do curso, a galera resolveu se encontrar mais uma vez no referido bar para uma despedida visto que, na manhã seguinte, cada qual retornaria para a sua respectiva cidade. Rogério, filho de um rico pecuarista de Goiás, era quem costumava custear as extravagâncias do grupo com a gorda mesada de quase dez contos recebida em sua conta no Banco do Brasil.

Rogério: Vamos bebemorar, pessoal? Hoje vai ter champanhe pra todo mundo!

Felipe: Pra começar, vai um espumante. E terminaremos todos na pinga. Ou melhor, com umas doses extras de whisky 18 anos, ou, quem sabe, um delicioso Blue Label. Claro! Se o nosso amigo pagar a conta...

Pablo: Pode ser aquela vodka mesmo. Não dá é pra ficar sem o destilado. Cerveja pra nós é água!

Michel: Que nada! Eu não posso é ficar sem aquela morena ali.

Alexandre: Vai lá, cara. É uma tremenda gatinha. Eu já fiquei com a irmã dela. O nome da garota é Sheila.

Michel: Agora não. Deixa em beber primeiro que depois chego na mina. Ela faz o quê?

Alexandre: Estuda Letras. A mãe dá aulas no departamento de História e a família toda é daqui. Se quiser, eu apresento a garota. Tenho a irmã dela no WhatsApp e posso pedir o número dela.

Michel: Já disse depois.

Alexandre: Como é?! Tá com medo? Ei, garçom, trás logo uma dose daquela pinga da casa aqui pro meu amigo.

Houve uma apresentação artística no bar e a banda começou a tocar aquelas músicas sertanejas da moda que fazem uma explícita apologia ao álcool. Após tomar uns três goles da cachaça, Michel tentou se aproximar de Sheila, mas levou logo um fora da menina. Pablo também não conseguiu arrumar nenhuma companhia feminina sendo que apenas Rogério e Felipe deram sorte no final. Antes disso, porém, quando já passava da meia noite, Alexandre propôs aos colegas:

Alexandre: Galera, vamos prometer que, mesmo depois da faculdade, iremos nos reencontrar?

Rogério: Lógico, amigão! Continuaremos sempre unidos e beberemos capeta no Paraíso como fizemos daquela vez quando viajamos para Porto Seguro.

Michel: No inferno, você quer dizer, né?!

Rogério: Que inferno nada?! Se tiver bastante cachaça, qualquer lugar vai ser como o céu para mim. Tomarei uma para cada santo que encontrar por lá?

Todos caíram na gargalhada e o papo continuou.

Michel: Menos pro São Paulo. Não foi ele quem escreveu numa das cartas da Bíblia que é melhor não comer carne e nem beber vinho.

Rogério: E disse também para os gregos que não era bom pro homem tocar numa mulher. Acho que o santo não era chegado na fruta...

Alexandre: Não é bem assim! Fui criado em igreja crente e lembro perfeitamente que, na escolinha dominical, certa vez o pastor leu sobre uma recomendação do Paulo a Timóteo para que este ingerisse um copo de vinho porque o discípulo sofria de problemas no estômago. Acho que eram úlceras, salvo engano, pois há anos não leio a Bíblia.

Rogério: Ei, Pablo. Você que fez Medicina pode explicar para nós se isso realmente procede? Vinho cura dor no estômago mesmo?

Pablo: Não sei. Pelo menos ajuda a curar a nossa ressaca no dia anterior.

Todos riram novamente e, antes que tombassem de bêbados, Rogério reuniu a turma para jurarem que voltariam a se reencontrar a fim de tomarem outra.

Rogério: Vocês prometem por tudo o que é mais sagrado que vamos nos encontrar outra vez para tomarmos uma dose da marvada com limão? Pode ser caipirinha ou capeta! Do contrário, ninguém entrará no céu!

Todos juraram exceto o Alexandre que, após ter vomitado, acabou desmaiando de tanto beber. Percebendo que o amigo dormia, colocaram-no no carrão importado de Rogério e o levaram até à república estudantil onde os alunos menos abastados moravam. No dia seguinte, todos voltaram para as suas próprias cidades. Michel era paulistano, Alexandre carioca, Pablo argentino de Buenos Aires, Rogério do interior goiano e Felipe mineiro de Belo Horizonte. 

Cada qual tentou trabalhar na profissão em que se formara e acabou que se esqueceram uns dos outros deixando de manter contato. Mas antes de partir, Alexandre procurou Sheila e disse que o seu amigo Michel havia se interessado por ela. Sugeriu à moça que reconsiderasse o fora da noite anterior e desse mais uma chance para os dois se conhecerem melhor. Renata, irmã de Sheila, pediu ao seu ex-ficante que não se esquecesse do último encontro que tiveram e trocaram telefones. Daquele dia em diante, passariam a se falar quase sempre.

Ambos os amigos vieram a se casar com as irmãs. Porém, tiveram relacionamentos trágicos. Principalmente Michel. Pois, devido ao vício da embriaguez, o casal brigava constantemente e Sheila resolveu deixar o marido apos registrar uma ocorrência na Delegacia por motivo de violência doméstica. Pegou a filha de quatro anos e voltou a viver na residência dos pais em Minas Gerais.

Deprimido, Michel afundou-se cada vez mais na bebida e experimentou outras drogas também. Acabou demitido do emprego que arranjara numa indústria paulista e não demorou para ser despejado do apartamento onde morava, passando a viver nas ruas como indigente. Quando começou a consumir crack, até a própria família afastou-se dele.

Renata também viveu momentos difíceis por causa da embriaguez diária do marido. O casal teve três filhos e quase se separou no início. Contudo, Alexandre não ficava agressivo quando bebia embora pagasse cada vexame horrível na frente das pessoas, bem como deixava vencer as contas da casa de modo que a esposa nunca parava de reclamar do seu comportamento. 

Quando soube que Sheila havia deixado Michel, Alexandre viajou até São Paulo a procura do amigo e o encontrou dormindo debaixo de um viaduto. Não soube como ajudá-lo mas ficou perplexo ao ver o seu estado de degradação temendo que o mesmo pudesse ocorrer consigo, caso não procurasse ajuda.

Alexandre: Michel, sou eu Alexandre. Levanta daí, cara. Vim ajudá-lo.

Ainda sem reconhecer de imediato quem era que lhe falava, respondeu:

Michel: Me deixa! Vai embora.

Alexandre: Não sei como ajudar você. Diga o que posso fazer. Quer um almoço? Um banho?

Michel: Não quero comida! Paga uma cerveja que eu me levanto. Se for de fato o amigo que tive na faculdade e marido de minha ex-cunhada, certamente você não vai negar esse pedido.

Mesmo sentindo saudades dos velhos tempos, Alexandre preferiu não comprar bebida para o amigo. Olhou para o braço todo picado de Michel (por causa das aplicações de cocaína) e resolveu afastar-se.

Michel: Volta aqui, Alexandre. Deixa pelo menos uns dez reais.

Alexandre: Não posso. Tenho que ir.

Michel: Pode ser cinco ou três reais.

Alexandre: Cara, não rola.

Michel: Um real então? Volta aqui!

Naquele dia, Michel assaltou uma idosa que havia terminado de sacar o dinheiro da aposentadoria no banco. Apesar de levar uma guarda-chuvada na cara, carregou a bolsa da velinha. Após pegar a grana e os pertences de valor, deixou para trás os documentos pessoais dela indo logo comprar pó na favela. Procurou um lugar onde não fosse visto e cheirou até sofrer uma parada cardíaca.

Ao morrer, Michel encontrou São Pedro guardando o Portal do Paraíso, mas este não deixou que ele entrasse no Céu:

São Pedro: Mano, você tem que ficar aí do lado de fora esperando os seus outros amiguinhos da faculdade para tomarem aquela dose caipirinha ou de capeta. Tá lembrado?!

Michel: Que legal, Pedrão! Ótimo saber que vai ter cana e limão no Paraíso. E como faço para arrumar o gelo?

São Pedro: Cana e limão você achará no antigo lar de Adão e Eva que é o Jardim do Éden pois lá existe todo tipo de fruta. Quanto ao gelo, como estamos acima da atmosfera terrestre, aguarde passar uma nuvem de granizo e você colhe a quantidade que precisar. Mas, por enquanto, não deixarei atravessar esse portal até os seus amigos chegarem aqui também.

Não demorou muito e Rogério morreu num acidente de carro quando estava dirigindo bêbado numa estrada a bela Ferrari do seu pai. Ao forçar uma ultrapassagem perigosa, o carro colidiu frontalmente com um ônibus de excursão que vinha no sentido oposto. Ao todo, doze pessoas morreram e vinte e oito ficaram gravemente feridas. Junto com ele, estavam a namorada grávida de seis meses e mais dois amigos no banco de trás, sendo que nenhum dos caronas sobreviveu. Sua alma juntou-se com a de Michel.

Rogério: Fala, cara. Você por aqui?

Michel: Pois é, meu. Fiquei à sua espera. O Pedrão não está querendo me deixar entrar no céu. Diz ele que só quando a nossa turma da faculdade estiver aqui reunida.

Rogério: Que chato! Se ao menos houvesse cachaça no céu... Ei, São Pedro, não tem como eu reencarnar ou dar um rolé no inferno?

São Pedro: Não tenho como decidir nada, filho. Apenas cumpro as ordens do Altíssimo.

Rogério: Que tédio! Isso é maldade e você vai acabar perdendo essa sua aureola. Se ao menos eu pudesse doar metade da minha herança aos pobres e ressuscitar?

São Pedro: Não tem como. Primeiro você não era dono de nada. Continuou vivendo de mesada mesmo depois de formado. Segundo que seus pais ainda vão durar uns trinta anos e chorarão a sua morte até descerem à sepultura. Além do mais, é vontade do Todo Poderoso que vocês cumpram aquele juramento do último dia de aula.

Um ano se passou e foi a vez de Pablo morrer. Embora fosse médico e desse plantões num hospital de Porto Alegre, cidade onde passou a clinicar, teve cirrose hepática. Não conseguiu um fígado para doação que fosse compatível com o seu organismo. Continuava bebendo diariamente mesmo sabendo do diagnóstico e prometia a si próprio começar a cuidar da saúde a partir do dia seguinte. Só que nunca conseguia cumprir e p seu fim foi uma morte solitária no CTI do lugar onde trabalhava. São Pedro recebeu sua alma:

São Pedro: Seja bem vindo ao portal do Céu, doutor! Infelizmente, o Brasil conta hoje com menos um médico.

Pablo: Posso entrar?

São Pedro: Por enquanto, não. São ordens do nosso Paizão Celestial. Aguarde ali do lado dos seus amigos Rogério e Michel até que Felipe e Alexandre também desencarnem e os cinco cumpram o juramento do último dia de faculdade.

Rogério: Oi, Pablo. Chega aqui! Estávamos todos ansiosos pela sua chegada para bebermos aquela deliciosa Caninha da Roça com limão e açúcar. Digo, a caninha dos céus.

Pablo: Se ao menos tivesse uma loura gelada no Paraíso eu já ficaria satisfeito. Nem me importo que seja Itaipava.

São Pedro: Loiras aqui têm muitas, gente. Só que são mulheres e não cerveja. E como esse é um céu cristão, vocês e elas serão todos anjinhos quando entrarem por essa porta. Só no céu muçulmano é que tem aquelas virgens de peito durinho como diz no Alcorão. Mas pra entrar lá é preciso ser seguidor do Maomé, ter visitado Meca e falar árabe.

Rogério: E tem cachaça no paraíso islâmico?

São Pedro: Claro que não. No céu muçulmano, os caras tomam chá de hortelã o tempo todo. Nada de álcool!

Rogério: Então deixa eu passear no inferno, Pedrão!

São Pedro: Fique quieto! Já expliquei que essas decisões não dependem de mim. Agora esperem pelos seus outros dois amigos chegarem aqui. Tenham paciência! Como dizia o sábio rei Salomão, há tempo para casa propósito debaixo do sol...

No dia de seu aniversário de trinta anos, foi a vez de Felipe morrer. A família estava reunida em casa aguardando-o para uma festinha surpresa. Porém, ao sair do trabalho, ele resolveu entrar num bar da periferia de BH, pediu uma cerveja escura e não saiu mais de lá. O celular tocou várias vezes seguidas, mas Felipe não atendeu às chamadas e ainda desligou o aparelho.

Quando foi lá pelas dez da noite, dois caras da mesa ao lado iniciaram uma discussão por motivo fútil. Um deles sacou uma arma e disparou duas vezes no companheiro. Um tiro acertou também Felipe, pegou na cabeça e ele morreu na hora. O assassino evadiu-se imediatamente do local e, quando chegou a Polícia, a família foi avisada sobre o fato.

Para todos os parentes e amigos de Felipe a notícia foi um choque. Naquele ano, ele havia acabado de passar num concurso público e fora nomeado para exercer sua nova função fazia um mês. Também dizia para os seus familiares que tinha parado de beber mas, não raras vezes, sofria uma recaída indo parar na UPA. Só que, na noite do seu níver, levaram seu corpo para o Instituto Médico Legal. Já a sua alma foi conduzida pelos anjos para junto dos amigos Michel, Rogério e Pablo, os quais partiram antes dele.

São Pedro: Acordem, seus ex-pinguços! Olhem quem chegou!

Rogério: É você, Felipão?

Felipe: Uai! Nem estou acreditando que morri, Rogério. Repentinamente apaguei e, no caminho pra cá, os anjos contaram que eu havia sido baleado por um bandido no boteco.

Michel: Estou vendo a lesão na sua testa. Quando estava vivo, tomei tiro três vezes da Polícia, mas sobrevivi.

Felipe: E aí, galera? Quando entraremos no céu? Seremos julgados antes? Como vai ser essa parada?

Rogério: Agora temos que esperar o Alexandre chegar por causa daquele nosso juramento infeliz feito no último dia da faculdade. Consegue lembrar?

Felipe: Eta, sô! Para ser sincero, não...

Pablo: Estávamos bebemorando a formatura no Recanto quando então concordamos em nos reencontrar parar tomarmos capeta no Paraíso.

Felipe: Que diabo! Mas não duvido que eu tivesse concordado com um absurdo desses naquela época. Pois, sempre que enchia a cara, tomava decisões impensadas. Lembro que, antes de passar no concurso para a Prefeitura de Belzonte, abri um escritório e fui fechar negócio com um fornecedor. Ofereceram-me uma bebidinha e não me dei conta quando assinei o pior contrato de minha vida. Precisei fechar as portas da empresa e ainda pagar uma advogada parar defender-me nas ações.

Rogério: Que rabuda, amigo! Mas agora que estamos aqui só nos resta esperar pelo Alexandre para a gente bebemorar a nossa entrada no Céu.

Pablo: Olha, depois desses anos de de espera, já nem sei se quero mais beber outra caninha. Se pudesse voltar atrás, nunca teria concordado com aquela asneira. Aliás, procuraria apoio médico.

Michel: A culpa é toda sua, Rogério! Quem é que teve essa ideia de jerico?

Rogério: Vocês todos eram maiores e vacinados! Além disso, eu não estava falando sério.

São Pedro: Calma, senhores. Jesus acabou de me enviar uma mensagem SMS dizendo que é pra vocês se controlarem e terem paciência. Não se esqueçam de que o Mestre tem nas mãos as chaves da morte e do inferno, podendo fazer o Alexandre durar mais do que o Matusalém, avô de Noé. Por favor, não atrapalhem as orações dos santos no lado de dentro!

Rogério: Epa! É melhor ficarmos quietos. Mas será que Jesus não poderia adiantar o resultado do nosso julgamento?

São Pedro: O Rabi não falou nada a respeito comigo. Mas peguem este meu celular e acompanhem a vida do Alexandre no Rio de Janeiro. Aqui vocês assistirão tudo o que acontece sobre a face da Terra, exceto as mulheres tomando banho, trocando de roupa ou os casais fazendo sexo. Vou tirar uma soneca e. se chegarem mais almas, peço que me acordem. Saboreiem esse peixinho lá do Mar da Galileia que acabei de preparar.

Todos agradeceram ao santo pelo prato menos Rogério porque para ele "sem cerveja não tem graça". Mesmo assim, como não tinham nada para fazer, começaram a acompanhar a vida do Alexandre na Cidade Maravilhosa torcendo para que o amigo se juntasse logo a eles. E todas as vezes em que o amigo se aproximava de um copo de bebida oravam para os anjos afastá-lo do vício.

Numa última briga com Renata, ela deu seu ultimato a Alexandre quando este recuperou-se de seu porre por causa de mais um rebaixamento do Vasco no Brasileirão:

Renata: Na próxima não vou mais tolerar, caso não tome uma atitude e procure tratamento contra essa doença que é o alcoolismo. Venho sendo mais tolerante com você do que minha irmã em relação ao seu amigo falecido Michel. Só que a paciência tem limites! Não é essa a vida que eu quero...

Alexandre: Amor, jamais encostei as mãos em você...

Renata: Mas você me violenta de outras maneiras. E não quero que nossos filhos recebam maus exemplos do pai. Por duas vezes marquei consulta na clínica com o terapeuta e você não foi.

Alexandre: Desculpa, amor. Prometo que vou mudar.

Renata: Não prometa, Alexandre. Tome a atitude certa dessa vez pois já sabe o que deve fazer.

No mesmo dia, Alexandre procurou um vizinho que fazia parte dos Alcoólicos Anônimos e pediu para acompanhá-lo numa reunião.

José: Boa tarde!

Alexandre: Boa tarde, seu José. Por favor, leve-me a um dos encontros do AA e me ajude.

José: Claro, vizinho. Você será muito bem vindo. Passo amanhã à noite para buscá-lo.

Ambos foram juntos à reunião e Alexandre foi parabenizado pelas primeiras vinte e quatro horas sem álcool tendo sido calorosamente recebido pelo grupo. Seu vizinho passou a lhe prestar apoio e deu umas três literaturas informativas da instituição:

José: Lembre-se, vizinho, de que é um dia de cada vez. O primeiro passo você já deu que foi admitir a sua dependência alcoólica e procurar ajuda. Peça ao nosso Pai Maior que te dê serenidade e jamais desista de sua caminhada. Se precisar de um médico, vá até à clínica. Eu mesmo fui encaminhado pelo psiquiatra do CAPS para uma terapia de grupo quando comecei a parar de beber. Caso precise, não tenha vergonha de conversar com o doutor daquela clínica ali no outro bairro.

Alexandre: Acho que vou lá esta semana. Não quero perder minha mulher e nem decepcionar meus filhos. Pena que precisarei ir de ônibus à consulta porque fui pego no bafômetro uns dias atrás quando voltava de uma festa. E ainda terei que pagar uma multa bem cara.

José: Há males que são para o nosso bem, vizinho. Reconheça que a sua família continua ao seu lado. Você tem alguma religião? Acredita em Deus?

Alexandre: Fui crente quando criança e me desviei na juventude. Não sei se estou preparado para voltar à igreja agora. E, quanto à fé, ando meio ateu ultimamente.

José: Bem, no meu caso, fui católico praticante desde criança, porém acabei me tornando espírita. No AA, não temos nenhuma religião. Somente oramos ao Poder Maior que é Deus. Sinta-se à vontade para frequentar a religião que desejar ou nenhuma delas. Aceite-nos como uma fraternidade para além de qualquer crença ou doutrina. Agora já sabe qual o caminho de nossa sede.

Alexandre: Muito obrigado, seu José. No próximo encontro estaremos juntos.

Os anos passaram e Alexandre nunca mais ingeriu qualquer gota de bebida alcoólica. Virou um assíduo frequentador do AA, tornando-se um excelente pai e marido. Viu os filhos crescerem, casarem-se e lhe darem netos. A esposa nunca mais pensou em deixá-lo e, no trabalho, virou o melhor profissional da empresa onde era empregado de modo que foi promovido a chefe de seu setor. Aos cinquenta e cinco anos, voltou a congregar-se na igreja de seus pais, resolveu cursar Teologia e foi ordenado pastor assim que pediu aposentadoria uns dez anos depois.

Mesmo idoso, Alexandre iniciou um bonito trabalho para ajudar dependentes de álcool e de drogas criando uma ONG que homenageava o falecido amigo Michel, também pai da sobrinha de sua esposa, a qual adotara com o falecimento prematuro de Sheila. Usando as ferramentas das redes sociais, conseguiu fazer contatos com os familiares ainda vivos dos demais colegas de faculdade tragicamente mortos por causa da embriaguez, tendo contribuído bastante para ajudar tais pessoas a superarem os traumas da perda. Principalmente os parentes de Felipe.

Em frente ao portal celeste, os colegas de Alexandre acompanhavam atentamente cada ato dele na Terra de modo que nem sentiram o tempo passar. Inclusive o Rogério.

Quando Alexandre já era bisavô, tendo quase cem anos, chegou a hora de sua alma partir e São Pedro apresentou-o aos seus quatro amigos:

São Pedro: Amado irmão Alexandre, seja bem vindo ao portal do céu. Seus amigos o aguardam!

Todos lhe acenaram sendo que tanto Felipe como Michel não cessavam de agradecê-lo pelos benefícios feitos aos seus familiares.

Michel: Obrigado por ter cuidado de minha filha, Alex. Onde eu estava com a cabeça quando esqueci que era pai e me afundei nas drogas?!

Alexandre: Amigo, por que você e os demais não entraram ainda no Céu?

Michel: Foi por causa de uma promessa que fizemos sobre nos encontrarmos um dia para ainda bebermos uma caipirinha. Juramos no último dia da faculdade.

Alexandre: Soube disso mas, na hora H, não confirmei nada porque havia apagado. Portanto, acho que estou livre da obrigação.

Rogério: Pior é que você demorou tanto que todos já perdemos a vontade de beber...

Alexandre: Apóstolo Pedro, como fica a minha situação então? Telefona pra Jesus pois ele é o meu advogado aqui perante Deus. Que eu me recorde, não confirmei o juramento e parei de beber há mais de sessenta anos!

São Pedro: Espere pois vou passar um SMS já.

Antes que São Pedro enviasse o torpedo, Jesus materializou-se no meio deles e se dirigiu a Alexandre:

Jesus: Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação do mundo. Mas, primeiro, tomarão o drink que prometeram.

Alexandre: Senhor, não quero mais beber e acho que meus amigos também não.

Jesus: Fica tranquilo, meu filho. Você apenas vai preparar a caipirinha pra galera. Entra ali no Éden, colhe as frutas da estação, corte uns pezinhos de cana e depois pegue uns gelos lá naquela nuvem de granizo. Só tome cuidado com o fruto do bem e do mal para que eu não precise ser crucificado novamente a fim de salvá-lo.

Alexandre: Poder deixar, Mestre. Nem tocarei naquela planta.

Seguindo as orientações de Jesus, Alexandre fez os coquetéis para seus amigos tomarem. Sentia-se enojado com o cheiro da cachaça mas, ainda assim, obedeceu e preparou as bebidas voltando para perto de Jesus:

Alexandre: Senhor, eis aqui o que me pediu.

Jesus: Servo bom e fiel, não tema. Apenas creia!

Alexandre: Mestre, vai mesmo embriagar as almas deles?

Jesus: Claro que não! Nunca leu o que fiz certa vez num casamento em Caná da Galileia?!

Alexandre: Sim! Como eu pregava sobre isso nas igrejas quando falava sobre a importância do matrimônio! E foi o que fez no meu relacionamento com Renata tão logo parei de beber.

Jesus: Homem de pequena fé, se transformei água em vinho, por acaso não poderia fazer o contrário em relação à cachaça? Portanto, ordeno que todo álcool nesses copos vire H2O!

Assim, num clima de celebração, todos beberam o delicioso suco de frutas feito por Alexandre. As portas do Paraíso se abriram e os cinco amigos foram recebidos com festa pela comunidade celestial. Fizeram um santo Carnaval que foi a mais pura alegria sem ressaca.