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terça-feira, 31 de julho de 2012

O direito a visita íntima dos pacientes internados em clínicas psiquiátricas

Dando continuidade às reflexões pertinentes ao tema da reforma psiquiátrica, inicialmente abordado no artigo Precisamos aprender a reciclar vidas, de 15/06/2012, quero expor hoje na internet uma questão mais específica e que considero de grande importância para os direitos humanos.

Há algumas décadas atrás, iniciou-se esse brilhante movimento afim de mudar as maneiras como as pessoas portadoras de transtornos psíquicos eram tratadas no Brasil e que teve por objetivo acabar com os manicômios, humanizando o atendimento de pacientes internados em clínicas e hospitais psiquiátricos. Graças a isto, muita gente já está sendo cuidada em sua própria casa, na companhia dos familiares, cabendo a todos (sociedade e instituições de psiquiatria) a tarefa de promover a inclusão do próximo no convívio cotidiano.

Entretanto, ainda há muito o que se fazer para que a dignidade dos pacientes internados seja realmente respeitada nos locais para tratamento de problemas psiquiátricos ou de dependência química. Pois, não raras vezes, tais pessoas apresentam alguma recaída e entram em crise tornando-se impossível mantê-las na residência da família. E, nestas horas difíceis, os parentes não encontram outra solução a não ser procurar a internação até que as coisas se estabilizem.

Acontece que, entre os que vão parar numa clínica dessas, muitos são casados e têm até filhos. Outros, mesmo sem estarem com o vínculo conjugal reconhecido no papel, já possuem um relacionamento de companheirismo muito forte igual ao matrimônio formal. Só que os hospitais e locais de internação psiquiátrica, geralmente os conveniados ao SUS (ou voltados para uma clientela de baixa renda), impedem qualquer contato íntimo entre os cônjuges e companheiros, pondo em risco o casamento de muita gente.

Ora, numa época onde até os presos que cumprem suas penas em regime fechado já desfrutam da regalia de receberem visitas íntimas, não vejo justificativas plausíveis para que pacientes de clínicas psiquiátricas recebam um tratamento pior. Ainda mais quando a ciência reconhece amplamente a associação entre a regularidade nas relações sexuais do casamento com uma vida saudável.

Além da nossa Constituição tutelar valores como a intimidade das pessoas e a dignidade do ser humano, creio que há questões de relevância espiritual a serem consideradas, pois o casamento é algo valorizado pela Bíblia, devendo ser honrado e incentivado no meio social como uma condição bem melhor do que os relacionamentos sem compromissos que têm por aí. E, nesse sentido, importa citar as seguintes passagens das Escrituras:

“E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a” (Gênesis 1:27-28a)

“Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne.” (Gênesis 2:24; destaquei)

“Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade. Como cerva amorosa, e gazela graciosa, os seus seios te saciem todo o tempo; e pelo seu amor sejas atraído perpetuamente.” (Provérbios 5:18-19)

“Por isso deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á a sua mulher, e serão os dois uma só carne; e assim já não serão dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.” (Marcos 10:7-9; palavras atribuídas ao Senhor Jesus Cristo)

“Mas, por causa da prostituição, cada um tenha a sua própria mulher, e cada uma tenha o seu próprio marido. O marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher ao marido. A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no o marido; e também da mesma maneira o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no a mulher. Não vos priveis um ao outro, senão por consentimento mútuo por algum tempo, para vos aplicardes ao jejum e à oração; e depois ajuntai-vos outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência.” (1 Coríntios 7:2-5)

“Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição, e aos adúlteros, Deus os julgará.” (Hebreus 13:4)

Acho interessante observar que a Bíblia estimula a freqüência no sexo entre o homem e a sua mulher, o que entendo como uma prevenção quanto ao adultério, bem como em relação à prática de vícios tipo a pornografia que anda espalhada pelo mundo. E o apóstolo Paulo, embora tenha sido um celibatário por opção, foi capaz de compreender muito bem a importância de um casal manter a regularidade na convivência íntima como se verifica na mencionada epístola à Igreja em Corinto, cidade portuária grega onde havia muita prostituição naqueles tempos antigos.

Desenvolvendo as concepções humanistas, chegamos à conclusão de que qualquer um deve ter respeitado o direito de vivenciar a sua sexualidade com a pessoa amada, inclusive os portadores de necessidades especiais. Hoje em dia, agindo de uma maneira tão espontânea que chega a ultrapassar a sinceridade de muitos casais considerados “normais”, rapazes e moças com Síndrome de Down já trocam afeto e fazem sexo sem qualquer impedimento.

Pensando assim, questiono por que a situação deveria ser diferente com os pacientes internados em hospitais psiquiátricos públicos ou clínicas conveniadas ao SUS?

Qual a razão de haver um tratamento tão hostil em tais instituições que ainda negam um atendimento digno ao cidadão que tem problemas psíquicos? Espero que, em breve, este aspecto pertinente à reforma psiquiátrica seja levado em conta no país.

Concluindo meu texto, quero lembrar aqui da corajosa luta do deputado mineiro Paulo Delgado que muito brigou pelo fim dos manicômios a ponto de alguns parlamentares ignorantes terem ridicularizando-o nos anos 90 quando falaram que o colega estaria “legislando em causa própria”. Porém, foi graças a iniciativas como a dele e de vários grupos/lideranças da sociedade que quase já não ouvimos falar das torturantes sessões de choques elétricos nos pacientes bem como outros procedimentos agressivos que só pioravam a condição da pessoa internada.

Como já dito, ainda restam muitas batalhas a serem vencidas nessa área afim de que conquistemos uma maior humanização e acho que a criação de novas normas protetivas seria a melhor solução para garantir o direito ao sexo tanto dos pacientes quanto de seus cônjuges ou companheiros. E, enquanto o legislador não positivar algo que é implicitamente fundamental, penso ser válido a sociedade socorrer-se através do Ministério Público (interesses coletivos) e do Poder Judiciário (casos individuais).

Que, com a ajuda de Deus, possamos construir uma nova realidade verdadeiramente inclusiva onde haja maior respeito pela condição do outro, valorizando a liberdade e a igualdade de cada um.


OBS: A ilustração acima foi extraída do site da Prefeitura Minicipal de Camaçari (BA) em http://saude.camacari.ba.gov.br/sesaunews/index.php/component/content/article/1-latest-news/614-reforma-psiquiatrica-brasil-tem-avancos-mas-ainda-esta-no-meio-do-caminho.html

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O sentido existencial do serviço amoroso ao próximo

Muitas são as religiões que propõem recompensas aos seus seguidores pela prática de boas ações. Para uns, quando o sujeito alcança um certo grau evolutivo, ele é promovido para uma outra dimensão superior ficando livre da “roda das reencarnações”. Outros, porém, acreditam que a pessoa passa a ocupar uma posição mais elevada na hierarquia do Paraíso como se lhe fosse atribuída uma autoridade sobre os demais. E há ainda quem pense na inexistência de quaisquer diferenças entre os habitantes da gloriosa Nova Jerusalém. Eu, porém, entendo que aprender a servir já seria em si a própria manifestação graciosa da salvação proposta por Deus em Cristo.

Segundo os evangelhos, a família de Tiago e João, dois conhecidos apóstolos de Jesus, certa vez pediu ao Mestre para que um dos irmãos se assentasse à sua direita e o outro à esquerda quando fosse estabelecido o tão aguardado reino messiânico. Entretanto, a resposta dada por Jesus em seu ensino universal foi capaz de explicar o mistério do verdadeiro propósito de nossa existência – servir.

“Então se aproximou dele a mãe dos filhos de Zebedeu, com seus filhos, adorando-o, e fazendo-lhe um pedido. E ele diz-lhe: Que queres? Ela respondeu: Dize que estes meus dois filhos se assentem, um à tua direita e outro à tua esquerda, no teu reino. Jesus, porém, respondendo, disse: Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber, e ser batizados com o batismo com que eu sou batizado? Dizem-lhe eles: Podemos. E diz-lhes ele: Na verdade bebereis o meu cálice e sereis batizados com o batismo com que eu sou batizado, mas o assentar-se à minha direita ou à minha esquerda não me pertence dá-lo, mas é para aqueles para quem meu Pai o tem preparado. E, quando os dez ouviram isto, indignaram-se contra os dois irmãos. Então Jesus, chamando-os para junto de si, disse: Bem sabeis que pelos príncipes dos gentios são estes dominados, e que os grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; mas todo aquele que quiser entre vós fazer-se grande seja vosso serviçal; E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo; Bem como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos.” (Mateus 20.20-28; ACR)


Que ninguém considere isto algo enfadonho, mas o certo é que fomos criados por Deus para servirmos uns aos outros alegremente em amor. Ou seja, não estamos no mundo simplesmente para mandarmos e darmos ordens no nosso semelhante. Nem tão pouco exercermos algum poder como um fim em si mesmo. Nada disso!

Geralmente, quando imaginamos o Paraíso, pensamos logo num lugar de repouso, o que, sob certo aspecto, não seria errado porque o descanso sabático também compreende a realidade espiritual/existencial “assim na terra como no céu”. Só que, ao pensar nos anjos e nas suas atividades descritas na Bíblia, percebo que eles são espíritos que trabalham pela nossa salvação (Hebreus 1.14). Do contrário, por que motivo os anjos, seres considerados como “superiores” aos homens, estariam em movimento ao invés de repousando? O que podemos aprender com isso?

Acredito que haja uma obra de Deus a ser feita neste nosso planeta azul. Aos anjos não foi concedida a tarefa de anunciar o Evangelho do Reino, mas sim aos homens já que se trata de um ministério que envolve a fé, consciência e responsabilidade coletiva das pessoas. Porém, cabe a esses seres celestiais, dentre outras coisas, zelar pelo nosso bem para que se cumpra o propósito divino dos agentes do Reino (ver como Pedro foi ajudado em Atos 12.7-17).

Será que algum dia, quando deixarem esta terra, os homens atuarão como os anjos no propósito de Deus?

Embora eu não me preocupe tanto com as coisas não reveladas por considerá-las sem utilidade para a nossa edificação, considero bastante esta última indagação feita acima como uma hipótese justificada nas Escrituras. Contudo, o certo é que o Senhor Jesus já nos explicou sobre o sentido da vida oculto no serviço ao próximo. Algo que, infelizmente, a grande maioria dos crentes ainda desconhece porque as pessoas esperam receber a felicidade como elas sonham esperando ter coisas materiais, um relacionamento afetivo correspondente como gostariam, um trabalho com status social, casa própria, saúde boa, etc.

Curioso que raramente se pensa na realização pessoal como um doador ao invés de continuarmos sendo meros receptores. De acordo com a Bíblia, Jesus teria ensinado que “mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (Atos 20.35), algo que é inexplicável pela lógica humana mas que se torna perceptível quando experimentamos na prática esta valiosa lição do Mestre. Pois é nos tornando doadores de vida que encontramos a verdadeira felicidade no nosso interior porque passamos a incluir o outro na nossa satisfação e nos nossos projetos. Neste momento, então, percebemos que já estamos vivendo no Reino de Deus embora na condição de peregrinos num mundo bem caótico cheio de imperfeições humanas, inclusive as nossas próprias.

Se quisermos aprender a servir devemos olhar firmes para Jesus e considerarmos o quanto ele se dispôs a doar o seu tempo, suas palavras sábias, sua força, sua bondade, seu carinho e até mesmo a vida em favor do próximo. Além do exemplo humilde na lavagem dos pés (João 13.3-17), encontramos em sua pessoa a disposição de perdoar sempre e de ajudar sem esperar nada em troca, nem mesmo um agradecimento, além da atitude de quem semeia amor nos corações não colhendo resultados imediatos.

Adquirirmos a expectativa paciente de Jesus torna-se fundamental para não nos frustrarmos mais com o outro e nem desanimarmos pela opção por uma vida de serviço. Isto significa compreendermos que a pessoa objeto do nosso amor precisa de tempo para crescer, amadurecer e dar frutos. Significa também o quanto devemos ser tolerantes com os defeitos alheios e com o nível de consciência de cada um.

Assim, creio na possibilidade real de cultivarmos jardins verdes e floridos nas áridas paisagens deste mundo hostil onde ninguém mais quer plantar nada de bom. Desejo que, com fé, esperança e amor, trabalhemos incansavelmente para que, nos relacionamentos mais difíceis, as coisas se transformem e, então, um lindo bosque cresça em meio a um deserto.

Uma excelente semana a todos!


OBS: A ilustração acima trata-se de um quadro mostrando Cristo lavando os pés dos apóstolos por Meister des Hausbuches, 1475 (Gemäldegalerie, Berlim), conforme extraído da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Meister_des_Hausbuches_003.jpg

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O pastor que comprava cigarros

Era uma vez um pastor chamado Oseias que vivia numa pacata cidade do interior. Com vocação desde jovem, casou-se cedo e logo iniciou seu ministério como um obreiro auxiliar. Teve dois filhos com sua esposa Rute e, no ano seguinte ao nascimento do mais velho, foi dirigir uma congregação.

Sendo homem íntegro, Oseias sempre procurou ser um marido e pai presente, desejando que seus filhos seguissem seus passos. Educou ambos na instituição de ensino mantida pela Igreja e os exortava através da Bíblia para que os meninos aprendessem a viver segundo a verdade. Nunca deixava de dialogar com eles por mais que estivesse compromissado com as tarefas do ministério eclesiástico ou de seu trabalho como professor de Filosofia na faculdade.

Com doze anos de idade, morreu o seu primeiro filho Paulo, ficando apenas Marcelo que veio a se tornar um adolescente rebelde. E, apesar do rapaz ter se batizado nas águas, foi rapidamente afastando-se dos ensinamentos da Bíblia preferindo andar com as más companhias do colégio.

Na época em que Marcelo entrou no ensino médio, ele se envolveu com drogas. As coisas começaram a sumir dentro de casa e o pai sentiu-se desconfiado dos furtos domésticos, mas em momento algum duvidando da idoneidade da empregada embora a esposa a culpasse. Um dia foi o dinheiro que estava na carteira. No outro, as jóias de Rute, E, finalmente, Marcelo facilitou que bandidos entrasse na garagem e levassem o automóvel da família para um desmanche, entregando aos bandidos as chaves do veículo afim de saldar uma dívida contraída com o tráfico.

Quando este fato ocorreu, Oseias ficou sabendo de tudo pela confissão do próprio filho e pediu ajuda ao pastor dirigente da convenção das igrejas. Com isto, a família conseguiu logo uma vaga para Marcelo ser internado numa clínica religiosa que cuida de dependentes químicos na capital do estado. Ali o rapaz permaneceu por um semestre para desintoxicar-se. Todavia, Oseias foi orientado a não expor em púlpito todo o seu problema para a congregação, exceto para o conselho da igreja.

No dia da alta de Marcelo, Oseias fez uma festa e o recebeu com muitos abraços e beijos. Animou sua esposa para que ela vencesse o sentimento de decepção com o filho e chamou os amigos íntimos. Todos fizeram um culto de ação de graças e se fartaram com um delicioso bolo de chocolate.

Consciente de que precisava encaminhar o filho para tratamento médico, Oseias conseguiu que Marcelo fosse rapidamente atendido por um psiquiatra e uma psicóloga. Sob o efeito de remédios controlados, ele permaneceu por uns tempos longe da cocaína já que estava substituindo uma droga ilícita por outra lícita. E, apesar de ter perdido o período letivo, voltou a estudar no ano seguinte.

Infelizmente, pouco antes de completar seus 18 anos, Marcelo sofreu outra recaída. Parou de tomar os comprimidos do psiquiatra, não mais compareceu às sessões de psicoterapia e passou a beber. Não demorou muito ele voltou a cheirar e a apresentar um comportamento estranho. Andando com falsos amigos, o rapaz engravidou uma moça que era usuária como ele e a fez abortar. Para sustentar o vício, desta vez a sua opção foi sair de casa e se juntar ao tráfico de drogas na cidade.

Com terrível desgosto sentido por Oseias, o filho ainda desencaminhou outros jovens de cabeça fraca da própria igreja que o imitaram em alguns de seus erros. Todos na congregação focaram sabendo da má conduta de Marcelo e alguns irmãos desligaram-se da membresia por não aceitarem a liderança de um pastor que tivesse um filho envolvido com as drogas.

- “Se este homem é incapaz de cuidar da própria família, como vai administrar a casa de Deus?!” – disse um senhor revoltado.

- “Duvido que este pastor seja realmente ungido por Deus. Se fosse o seu filho não estaria metido nessas coisas. Quero estar numa igreja onde pessoas são curadas e libertas dos vícios. Amanhã mesmo eu vou na corrente da igreja do tal apóstolo Argemiro que assisto diariamente na televisão!” – comentou uma mulher que estava há poucos meses congregando.

Certo dia, Marcelo foi pego pela polícia portando drogas e armas. Ele estava na cidade vizinha transportando a “mercadoria” para a boca de fumo da qual era cliente e já era investigado por um assalto a uma farmácia. Mas tão logo ocorreu o flagrante, o jornal local, sem ter nenhum assunto importante na pauta, noticiou o fato com letras grandes na primeira página:

“FILHO DE PASTOR É PEGO COM MEIO QUILO DE PÓ”

Assistindo o próprio filho algemado pela TV, Oseias correu para a delegacia. Contratou um influente advogado que era diácono da igreja (um dos melhores da cidade) e evitou que Marcelo recebesse apoio jurídico do tráfico. Porém, com toda a experiência do profissional não era possível ao indiciado responder o processo em liberdade. O rapaz teria que permanecer em custódia até o julgamento e depois, quando já sentenciado, ser transferido para um presídio.

Embora fosse membro da igreja, o advogado não aceitou diminuir os honorários e ainda exigiu pagamento adiantado. Oseias precisou vender rapidamente o carro e a casa, passando a viver de aluguel com a esposa. O comprador pagou pelos bens menos do que o valor de mercado, aproveitando-se da urgência da família, e o dinheiro mal serviu para custear as despesas e o trabalho do causídico. Até para contratar o frete da mudança o casal precisou contrair um empréstimo junto ao banco.

Ainda assim, Oseias não deixou de amar o filho e, toda semana, no único dia de visita, jamais deixava de comparecer à penitenciária levando algo de comer e maços de cigarro já que o psiquiatra tinha recomendado à família sobre a substituição de um vício pior por outro de menor nocividade. Além do mais, numa cadeia, os cigarros tornam-se uma espécie de moeda de troca formando um mercado paralelo entre os presos já que é uma das maneiras que os detentos encontram para aliviar a ansiedade.

Entretanto, certo dia, um membro de outra igreja viu Oseias saindo de um boteco com um pacote de cigarros na mão. Perplexo, querendo também arrumar motivos para escandalizar o pastor e arruinar seu ministério, o homem registrou o fato através da câmera do celular, transmitindo as imagens por email ao conhecimento do conselho da congregação. Como ninguém lhe respondeu, o homem compartilhou o arquivo com outras pessoas na internet e a notícia logo espalhou-se pelas redes sociais no meio religioso.

- “O pastor Oseias anda fumando!” – alardeou uma senhora fofoqueira da igreja.

- “Se ele estivesse firme com Deus, não faria algo deste tipo. Este homem não está liberto!” – julgou uma das lideranças dos jovens.

- “Já que até o pastor está fumando, quem é ele pra me dar conselhos dizendo que preciso largar a bebida?! Vou continuar tomando minhas pingas depois do serviço. Afinal, eu me garanto e quando quiser consigo parar.” – disse o marido alcoólatra de uma irmã chamada Maria José que andava desviado da igreja e já tinha agredido a esposa duas vezes.

Secretamente o conselho da igreja reuniu-se para discutir a situação de Oseias sem nem ao menos ouvi-lo previamente. O líder do coral assim propôs aos presentes:

- “Irmãos, vocês sabem que os problemas do pastor com o filho têm causado terríveis danos à imagem da igreja. Pessoas estão pedindo o desligamento do rol de membros e andam até comentando que o chefe da congregação passou a fumar. Agente sabe não ser isto verdade, mas o fato é que aquela foto divulgada no Facebook tem causado um impacto negativo bem forte e a situação está ficando cada vez mais difícil de se explicar. Até a denominação acabou levando má fama! Sendo assim, proponho convencermos o nosso mano Oseias a pedir por ele mesmo um afastamento provisório afim de cuidar da família e que escreva uma carta justificando o porquê de ter comprado aquele pacote de cigarros.”

O parecer foi do agrado de todos exceto da própria irmã Maria José esposa do homem alcoólatra. Sendo ela uma liderança feminina dentro da igreja, reagiu nestes termos:

- “Discordo de todos vocês! A Bíblia ensina que o poder de Deus aperfeiçoa-se na fraqueza. A cada pregação do pastor, tenho aprendido mais sobre a graça de Deus. Mesmo convivendo com o vício, a ignorância e a agressividade do meu marido, sei que ele é responsável por suas escolhas e está usando como desculpa a imputação injusta feita ao nosso irmão Oseias. E, ainda que ele comprasse cigarros para si, compreendo que cada qual tem suas próprias dificuldades pessoais, não sendo o uso de cigarros algo que desabone sua conduta. Logo, cabe à Igreja incluir as pessoas no Reino de Deus ao invés de afastá-las. Seja do convívio ou mesmo do ministério.”

Ainda assim, o conselho eclesiástico preferiu dar ouvidos às palavras ministro do coral e fechou a sua posição por decisão da maioria antes da reunião formal com o pastor que foi extraordinariamente convocada para apurar sua conduta tida como indecorosa.

Notificado então do que se tratava, Oseias orou e, apresentando-se ao conselho, deu a seguinte resposta aos presentes:

- “Irmãos, visto que não é do agrado de Deus que eu me afaste do ministério pastoral, pois o Senhor tem me usado para a sua obra até mais intensamente do que antes destes últimos problemas, não vejo razões para afastar-me das funções que exerço aqui. Sempre que visito meu filho no presídio, falo do amor de Cristo para muitos jovens que estão lá perdidos e percebo que eles estão se convertendo. Amanhã mesmo faremos um culto lá na cadeia e convido vocês a virem comigo.”

Um senhor enraivecido e que era membro antigo da igreja interrompeu com arrogância:

- “O irmão não vai fazer mais nenhum trabalho em nome da nossa igreja! Um pastor que entra num bar de prostitutas para manter o vício do seu filho desviado não está demonstrando fé no poder divino. Mesmo assim, este conselho está te dando a chance de se sair bem desta situação, afastar-se por uns tempos do ministério e recomeçar tudo em outra congregação fora da cidade. Propomos que você mesmo peça o afastamento das funções eclesiásticas que exerce e continuaremos a pagar o seu salário por um ano até que a convenção te indique para assumir um novo serviço. Também terá que escrever uma carta explicando porque comprou cigarros para seu filho aquele dia assumindo seu lamentável erro.”

Replicou Oseias:

- “Caro irmão, sei que o senhor é um dos fundadores daqui, mas eu obedecerei a Deus primeiramente e estou de consciência limpa quanto a ter comprado cigarros para meu filho, pelo que vou continuar fazendo isto enquanto for necessário, inclusive indo naquele mesmo bar onde um dia desses uma jovem largou a prostituição para seguir a Jesus. Também um bêbado arrependeu-se de sua vida errante e disse que pretende visitar nossa igreja. Ora, sinceramente não desejo que meu filho continue viciado, nem mesmo em cigarros que, como bem sabemos, fazem mal à saúde. Só que, por enquanto, não vejo outra razão para agir diferente.”

A reunião durou até tarde e terminou com Oseias sendo excluído das funções de pastor e, depois disto, ele mesmo pediu sua retirada do rol de membros acompanhado pela irmã Maria José e também pelas professoras da escola bíblica dominical das crianças. Em seu lugar, ficou o líder do coral até que a convenção das igrejas enviasse outro pastor substituto. Nenhum detalhe foi dito à congregação sobre o que ocorreu e as lideranças optaram por abafar os acontecimentos com o intuito de evitar comentários a respeito da saída do pastor.

Contando apenas com o seu salário na faculdade, Oseias precisou sobrar a carga de trabalho dando aulas pela manhã e à noite. Continuou serrvindo a Deus e celebrando cultos aos domingos dentro de sua própria casa na companhia de uns poucos irmãos corajosos. Jamais abandonou o filho e, todo dia de visita, ele e um grupo tomavam um ônibus até o presídio trazendo bíblias, lanches e um pacote de cigarros.

No mês seguinte, o grupo informal de cristãos reuniu-se para a primeira Ceia e, no final do culto, a irmã Maria José levantou uma questão:

- “Amados! Um novo mês acaba de começar e até agora nada foi falado sobre o que faremos com os nossos dízimos e ofertas. Amanhã a Prefeitura depositará o meu pagamento de enfermeira do posto de saúde e quero saber o que devo fazer com aquela parte do dinheiro que costumava contribuir para a igreja?”

Oseias respondeu:

- “Minha prezada irmã! No momento, esta congregação não necessita de nenhum centavo para se manter. Dobrei o meu salário trabalhando na faculdade e este acréscimo representa muito mais do que a antiga congregação pagava e mais o que economizaria caso não tivesse aluguel, visto que estou sendo promovido a diretor. Os gastos do nosso grupo, por enquanto, não são mais do que os humildes elementos desta ceia que acabamos de fazer, coisas que resolvemos com uma vaquinha dividindo as despesas de dez reais do supermercado. Então, como não tenho ainda um propósito em vista, sugiro que cada irmão, por enquanto, destine um percentual de sua respectiva renda para ajudar o próximo que cruzar seus caminhos. Pode colaborar também com um orfanato, um asilo, um missionário em outro país ou até mesmo aquela instituição de ajuda às pessoas portadoras de necessidades especiais que fica na esquina do Fórum com a praça.”

Mais uma vez a irmã Maria José interveio:

- “Irmão Oseias, eu discordo de você sobre esta ausência de propósitos. A nossa igreja já tem um grande ministério acontecendo que o irmão talvez não tenha percebido. Todas as vezes quando vamos ao presídio visitar seu filho, mais e mais pessoas estão entregando suas vidas a Cristo, dentre os quais encontram-se homens totalmente esquecidos por suas famílias. Então, proponho que passemos a contribuir trazendo para cá pacotes de cigarros, além de roupas e alimentos não perecíveis para as próximas visitas na cadeia.”

A proposta da irmã Maria José foi aprovada por unanimidade e ninguém se opôs à idéia de que parte das ofertas fossem apresentadas através de pacotes de cigarros. Com isto, novos irmãos cujos partentes tinham problemas com álcool, drogas ou estavam presos, foram juntando-se ao grupo que, dentro de pouco tempo, virou uma associação de pais e amigos cristãos de dependentes químicos. Ou seja, uma verdadeira Igreja em ação.


OBS: Ilustração extraída de http://www.ufv.br/dah/tabaco/04.html 

sábado, 14 de julho de 2012

Sete meses depois, estou novamente deixando o Rio



Parece mentira, mas não é. Neste mês de julho, estou de mudança do Rio de Janeiro para Muriqui, distrito de Mangaratiba. Saio daqui debaixo de muita luta e dificuldades.

Nasci aqui e vivi na companhia de meus pais nos primeiros anos da infância sempre morando no Grajaú. Com o falecimento de papai (1983), minha mãe mudou-se para Petrópolis e, após cursar a 1ª série lá (1984), fui viver com o avô paterno na cidade mineira de Juiz de Fora a partir de 1985. Ainda no final da década de 80, retornei ao Rio onde novamente estive morando no Grajaú só que com a avó paterna e no atual apartamento onde me encontro hoje. No finalzinho de 1992, outra mudança para Juiz de Fora e, em 1999, transferi-me para Nova Friburgo, lugar onde permaneci por treze anos até decidir sair de lá conforme relatei no artigo Despedindo-me desta inesquecível cidade, de 01/12/2011, onde relatei minha experiência lá na serra.

Posso dizer que, neste curto tempo em que fixei residência aqui, muita coisa se passou e realmente acredito que tive uma missão a cumprir. Creio que Deus usou a mim e a Núbia para apoiarmos a avó materna nos seus últimos meses de vida.

Chegamos à Cidade Maravilhosa dia 11/12. Era finalzinho de primavera, mas as temperaturas ainda não estavam tão quentes. O caminhão com a mudança teve muita dificuldade para estacionar porque, aos domingos e feriados, a pracinha do Grajaú é fechada pela Prefeitura para fins de lazer. Núbia já tinha vindo um dia antes com a nossa gata Sofia e, naquele final de semana, ela acabou dormindo na casa de minha mãe que fica no outro quarteirão, na avenida Engenheiro Richard.

Quem passou parte de sua vida no interior e volta a viver numa cidade grande sente grande diferença como foi o meu caso e também o de Núbia já que ela estava há seis anos em Nova Friburgo e se adaptando ali. Lá na serra, poucas vezes precisávamos tomar ônibus e os médicos de minha esposa, bem como sua fisioterapeuta, o dentista e a psicóloga, ficavam todos próximos de nosso apartamento bem no Centro. Eu já conhecia bem a região devido às caminhadas feitas desde 99. No inverno, curtíamos o frio tomando deliciosos chocolates quentes e comendo maravilhosas tortas nos cafés. Indo aos restaurantes de lá pagávamos bem menos por quantidades bem mais fartas do que no Rio.

Todavia, foram as ideias de alcançar uma vida melhor, conseguir trabalho, fazer um mestrado, aproveitar oportunidades pra ganhar dinheiro e ter novas experiências que me trouxeram dessa vez ao Rio de Janeiro. E, no fundo, eu também pensava se estar junto de pessoas da família também não seria parte da missão que Deus teria pra mim, sendo que a minha identificação com as causas de Nova Friburgo tinham diminuído se comparado com outros anos anteriores quando fui um militante sócio-ambiental com maior atuação naquela cidade.

Nos meses de dezembro e janeiro, ainda estava difícil a nossa adaptação. Passamos o Natal aqui e o final do ano em Muriqui com a sogra e a cunhada. E tão logo retornamos, levei a avó materna para um passeio por lá numa viagem de táxi afim de proporcioná-la uns dias alegres perto da praia. Porém, infelizmente, a doença não permitiu que ela aproveitasse conforme eu desejava. Pois, estando já bem convalescida e senil, até um passeio de carro ou na cadeira de rodas era um sofrimento.

Em fevereiro, esforcei-me por adaptar-me melhor ao Rio, fazendo passeios turísticos com Núbia, caminhadas ecológicas e me interessando por causas sócio-ambientais. Devido à demorado na instalação da internet, comecei a publicar no blogue vários textos que havia escrito em meu caderninho. Foram vinte postagens só naquele mês! No Carnaval, não saímos daqui.

Mas aquele deslumbramento foi logo interrompido com o agravamento do estado de saúde de minha avó de modo que mal foi possível comemorar meu sexto ano de casamento (04/03). Em março, ela foi caindo tão rapidamente que precisamos interná-la. A família já não conseguia dar banho nela e nem fazê-la se alimentar. Estando minha mãe ocupada também com os cuidados com o neto, enquanto minha irmã saía de casa para trabalhar, acabei responsabilizando-me pela avó. Depois que ela ficou dias na UPA da Sans Peña e estava precisando urgente de uma hemotransfusão, ingressei com uma ação judicial na qualidade de curador para que houvesse transferência para um hospital com melhores condições. E só por ordem da Justiça foi que Estado e Município se mexeram. Mesmo assim, vovó não resistiu e faleceu dia 21/03 no CTI do Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari (ver artigo).

Nos dois meses seguintes procurei ocupar-me com passeios e caminhadas dentro da cidade. Conheci bastante esta área do Rio de Janeiro onde me criei na tenra infância. Andei por trilhas, subi morros, entrei dentro de algumas comunidades já pacificadas, visitei museus, conheci prédios históricos e ainda estabeleci contatos com moradores atuantes para desenvolvermos um trabalho ecológico, social e cultural, trabalhando transversalmente a questão da espiritualidade. Reunimos por algumas vezes no bairro vizinho do Andaraí para tratarmos da fundação da ONG Espaço Cultural Amigos do Rio Joana e discutirmos problemas locais. Também, mesmo com a ausência da vovó, não deixamos de festejar os aniversários de abril (de minha mãe, meu e de Núbia). Já em maio, meu avó materno chegou de Costa Rica e permaneceu uns dias hospedado aqui em casa. E, em junho, foi a vez de comemorar os dois anos de vida do sobrinho Henrique.

Sobre a ONG, considero que esta foi uma das sementes que estou deixando quase que plantada (só falta legalizar a documentação). Desde que me interessei pelo movimento ecológico, morando ainda em Nova Friburgo, eu já pensava no meio ambiente do Grajaú aqui no Rio. Desejava em meu coração que houvesse um trabalho de resgate da história e de valorização da natureza e da cultura do bairro. Pensava na qualidade de vida da localidade e, quando cheguei no Rio, estava idealizando uma aproximação com as comunidades carentes situadas no entorno, em especial as do Complexo do Andaraí que são mais perto. Aí, entrando em contato com pessoas pela internet, fiquei sabendo da existência de um movimento pela defesa do rio Joana que é um importante afluente do Maracanã cujas nascentes estão nas serras do Grajaú e do Andaraí. Abracei então a causa e sonhei com a possibilidade de promover alguma aproximação entre moradores do morro e do asfalto em torno de uma causa ambiental que iria demandar obras sociais. Ansiei que o muro da separação entre a classe média e os pobres da Cidade Maravilhosa começasse a ser rompido por aqui.

Tudo estaria prosseguindo como planejava se não fossem os problemas de saúde de Núbia, os quais se agravaram bastante a partir de meados de junho. Por razões de privacidade, não estou autorizado a entrar em detalhes acerca de sua doença expondo a vida de alguém abertamente na internet. Mas compartilho que mergulhei num grande sofrimento a partir daí, sendo que não sei se fiz bem ou mal quando chamei minha sogra para passar uns dias em nossa casa e me ajudar, sendo ela uma senhora de quase oitenta anos e hipertensa.

Como se já não bastassem os problemas de Núbia, cometi o erro de sair pra uma caminhada dia 23/06 sem avisar para onde estava indo e acabei me perdendo das matas do Parque Nacional da Tijuca conforme já relatado no artigo de 28/06. Núbia, minha mãe, a sogra, minha tia e tantas outras pessoas ficaram desesperadas com o meu desaparecimento de três dias e duas noites. E, se a situação estava difícil, complicou mais. As pessoas que já estavam acompanhando a situação da saúde de Núbia sentiram-se mais tensas ainda de modo que, com o meu retorno pra casa, a mãe dela teve uma crise nervosa no outro dia e precisou ser levada para a emergência do Hospital do Andaraí.

Foi justamente no final de junho que senti na pele o fato de não ter buscado um trabalho profissional aqui no Rio durante todo esse tempo. Com o dinheiro acabando e me deparando com a realidade de que Núbia já não está podendo mais ficar sozinha, tomei a arriscada decisão de mudar-me para uma suíte na casa da sogra com a expectativa de que, com outras pessoas ajudando-me a cuidar da esposa, eu sairia para trabalhar fora. E, assim, iniciei o segundo semestre viajando nós cinco pra Muriqui: eu Núbia, a sogra, a cunhada e a gata.

Tão logo retornei ao Rio dia 04/07, afim de começar a preparar a mudança, resolvi ficar o primeiro sábado do mês lá em Muriqui ao lado da esposa. Querendo passear por outros municípios, embarquei num trem do Engenhão até Japeri e de lá, fazendo baldeações, passei por Paracambi, Seropédica, Itaguaí e, finalmente, cheguei ao destino. Entretanto, nem pude almoçar. Núbia não estava em casa e, quando a encontrei, estando muito mal, precisei levá-la ao posto de saúde do distrito onde foi logo medicada e orientada a buscar uma internação para tratamento.

Esta semana que se passou, mal pude cuidar dos assuntos da mudança. Interrompi todas as coisas para conseguir vaga numa clínica para Núbia pela Unimed. Foi um sofrimento terrível e tivemos que pressionar bastante o plano e a médica dela para que as coisas andassem. Quase entrei com um processo na Justiça e teria feito isto na quinta-feira se tudo não se resolvesse. Então, como foi aberta vaga na única clínica que atende a especialidade exigida dentro da rede credenciada, levei-a para lá no mesmo dia em que confirmei com a funcionária que me atendeu ao telefone.

Sem ter nenhuma previsão de alta, vou tratando de providenciar a mudança enquanto Núbia permanece internada. Pretendo estar com ela nos quatro dias semanas de visita (domingo, terça, quinta e sábado) e ainda conversar com o médico responsável na quarta que é a única vez em que ele atende os familiares para dar alguma posição. Com a grana curta, vou pagar o transporte da mobília e depois retornar com o imóvel vazio afim de pintar o teto sujo da cozinha antes de procurar a imobiliária.

Não nego que já tive outras batalhas bem duras. Em 2010, Núbia esteve muito mal, época em que seus joelhos incharam, o fígado ficou gorduroso, foram várias crises de vesícula e ela perdeu a gravidez sem que a Unimed autorizasse a internação. Como tínhamos menos de um mês usando o plano, internações eletivas não podiam ser autorizadas e a auditoria médica da empresa entendeu que a morte de um feto no útero da mulher não seria caso de urgência de modo que o único socorro foi mesmo procurar o Hospital Maternidade de Nova Friburgo pelo SUS. Por conta disto, ataquei o parceria entre a CAARJ e as seguradoras através de um artigo em 02/06/2010 aqui no blogue.

É com certa tristeza no coração que me despeço do Rio pelos recentes acontecimentos desagradáveis, crendo na continuidade de minha missão no município de Mangaratiba e esperando que Núbia irá se recuperar tornando felizes os anos da velhice de sua mãe. Não estou com a expectativa de navegar num mar de rosas. Sei que precisarei de muita sabedoria e equilíbrio emocional para lidar com as diversas situações que se apresentam. Além da saúde de Núbia e da sogra, tem a necessidade de conseguir trabalho começando do zero praticamente descapitalizado na nova cidade. Porém, a minha situação não é a pior do mundo e creio que Deus não nos abandona.

Assim como amei intensamente o Rio nesses últimos meses, o meu coração agora se dilata por Mangaratiba. Mudando-me para lá por esses dias, chegarei em época de campanha eleitoral, mas sem poder votar lá. Já estou acompanhando a política da cidade através de grupos específicos do Facebook e estou me colocando à disposição de Deus para que o Senhor me use na expansão do seu Reino onde eu me encontrar. E oro para que a transformadora mensagem do Evangelho de Cristo possa chegar com poder na belíssima região da Costa Verde, inclusive na minha vida.

Caminhando pelas trilhas da vida, dou a Deus toda glória que lhe é devida e peço que o vento do seu Espírito Santo me leve. Bendigo a Jesus Cristo a quem foi dado o domínio sobre toda a Terra, declarando que Mangaratiba é do Senhor. E que seja o Rio de Janeiro abençoado juntamente com todas as pessoas com as quais pude conviver e aprender nestes últimos sete meses.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Lutas, provações, dores e perseverança


“Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.” (Tg 1.2-4; ARA)


A vida não é um mar de rosas. Há momentos bons aqui, os quais devemos aproveitar com intensidade, mas não podemos ignorar as batalhas que passamos em dias muito difíceis.

No texto bíblico citado acima, extraído da Epístola de Tiago, possivelmente o autor estivesse se referindo às circunstâncias relacionadas com as perseguições que a Igreja suportou nos primeiros séculos da era cristã. Contudo, não há como negar que, na atualidade, estamos sujeitos a outros tipos de provações e que também nos causam dores bem profundas.

Não temos hoje um circo romano onde um imperador louco mandava soltar as feras em cima dos seus prisioneiros para divertir a plebe. Por sua vez, aqui no Brasil, não há mais castigos cruéis e nem penas por motivo religioso tal como faziam no passado usando terríveis instrumentos de tortura contra quem se recusasse a abandonar suas ideias ou crenças. Só que, ainda assim, não minimizo a dimensão dos desafios do tempo presente.

Mesmo com os direitos humanos e lindas leis de proteção social, a luta não é fácil. Já não há mais escravidão como era antes, porém o trabalhador não é lá tão livre para se libertar de certas imposições do sistema. Seu baixo salário, o tempo reduzido que lhe sobre para cuidar de aspectos da vida não laborais, o deficiente sistema de saúde (tanto público quanto privado), a falta de amor e de sensibilidade de muitas pessoas, as dificuldades para conseguir uma moradia digna, os enganos praticados pelos políticos, a violência, o custo de vida alto, dentre outras coisas, apenas contribuem para que tenhamos hoje uma realidade caótica no país. Uma contradição diga-se de passagem.

Não há luta maior ou menor porque cada um suporta aquilo que pode. Tanto um pobre que sofre com a falta de dinheiro quanto um paciente depressivo com renda alta suportam pesadas pressões, sendo que não temos o direito de julgar a ninguém. O que pra mim parece ser algo fácil de lidar pode ser um problemão para o meu vizinho do lado e o inverso também se aplica. Logo, tudo é provação e ninguém pode afirmar que tem mais mérito do que os outros por passar por uma luta que entende ser mais intensa.

Conforme havia relatado no texto Perdido no Parque da Tijuca, não nego que, daquela vez, fui a causa de uma situação decorrente de minha própria imprudência em ter feito uma caminhada no mato sem ao menos avisar à família para onde estava indo, nem levar celular, mantimentos, agasalhos e outros instrumentos para alguma situação imprevista.

Igualmente, muitas das vezes nos perdemos por aí cometendo diversos erros nas trilhas da vida pelo que acabamos sofrendo devido às escolhas feitas. São decisões que podem ter sido irrefletidas ou que foram tomadas para a satisfação dos nossos sentimentos mais baixos ao invés de nos submetermos à boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Todavia, ainda que sejamos esbofeteados ingloriamente pelas falhas cometidas (1Pe 2.20), creio que mesmo assim o misericordioso Pai Celestial jamais vira as costas para nos prestar consolo e fortalecer a nossa paciência diante do sofrimento auto-provocado.

Nestas últimas quatro semanas, tenho enfrentado terríveis lutas em minha vida em que o vacilo de ter me perdido no Parque da Tijuca apenas contribuiu para agravar ainda mais a situação. Foi um péssimo momento para eu desaparecer por três dias na floresta! Pois, passando por sérios conflitos familiares, em especial problemas de saúde da esposa (em respeito à privacidade de Núbia não posso expor aqui do que se trata), este momento está sendo bem amargo na minha existência. Ainda mais porque estou na espera do plano de saúde Unimed Rio Personal conseguir vaga para o tratamento específico que ela necessita. E junto a isto acumulam os problemas financeiros, uma pessoa da família ter cortado relacionamento comigo, o fato de não ter arrumado trabalho nos sete meses em que estou aqui no Rio, deixado de fazer as provas do concurso do Tribunal de Justiça no mês de março enquanto minha avó materna estava morrendo no hospital público, o cumprimento de compromissos profissionais assumidos nos cinco anos em que advoguei em Nova Friburgo e as consequências dos meus inúmeros erros desde a época da adolescência até hoje.

Com tão pouco tempo morando naquela que é chamada de Cidade Maravilhosa, já estou com quase tudo encaixotado para me mudar para uma suíte na casa da sogra no sossegado município de Mangaratiba em meio a inúmeras incertezas e tentar começar praticamente do zero na belíssima região da Costa Verde (litoral sul fluminense). Porém, até a mudança está difícil de sair porque enquanto não definir o tratamento de saúde da Núbia, não posso deixar o Rio de Janeiro e nem fazer outra coisa porque a situação dela exige que eu esteja o tempo todo presente ao seu lado. Ontem mesmo eu tive que retornar ao consultório da médica dela e novamente insistir para que fosse fornecido um novo documento porque, se entrarmos na Justiça contra a Unimed, a situação de urgência não estaria caracterizada e correríamos o alto risco de não conseguirmos a liminar mesmo sendo a ação julgada procedente ao final.

Este é o mundo em que vivemos. Nossos honestíssimos políticos quebram o SUS e o cidadão, quando paga por um plano de saúde, ainda tem que entrar com processo na Justiça para conseguir tratamento. E para piorar, esses bandidos do PMDB que governam o Rio de Janeiro podem mais uma vez ser eleitos daqui uns três meses para sugarem a cidade por outros quatro anos assim como já fazem com o governo estadual. Entretanto, jamais podemos esquecer que é a própria população quem coloca essa gente no poder...

Seja como for, não me sentindo disposto hoje para ficar discutindo causas e efeitos. Não estou afim de culpar o povo ou a ninguém pelo sofrimento suportado. Minha ideia é que possamos cultivar em nós o sentimento de solidariedade nas horas mais difíceis da vida. Que possamos compreender a dor do outro e nos encorajarmos mutuamente transformando sentimentos reativos em proativos. Fazermos com que o limão ácido torne-se uma gostosa limonada.

Perseveremos e tenhamos esperança!


OBS: Ilustração acima extraída de http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/mylinks/viewcat.php?cid=11&min=550&orderby=dateD&show=10

terça-feira, 10 de julho de 2012

O super crente não existe

“Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte.” (2 Coríntios 12.10; ARA)


Muitos cristãos, sobretudo no meio evangélico, alimentam a idealização do crente como sendo alguém cheio de fé, capaz de enfrentar e de vencer todos os problemas, que obtém vitórias milagrosas nas suas orações, não cai em pecado, tem uma família abençoada e com negócios sempre bem sucedidos. E não muitas vezes este super crente torna-se a máscara que alguns líderes, pastores e personalidades religiosas utilizam para atrair seguidores. Aliás, até os pregadores desinteressados num proselitismo pessoal caem na armadilha de ocultarem suas fraquezas pensando que, agindo assim, ganharão mais almas para Cristo.

Terrível engano parte da Igreja tem cometido!

Ainda bem que não são todos os evangélicos que pensam dessa maneira. Pois, ao alimentarmos o modelo fictício do super crente, simplesmente ficamos mais distantes de uma renovação de experiências com Deus, a qual é importantíssima para a nossa santificação.

Tenho pra mim que, quando alguém veste a máscara do super crente e esconde o seu lado fraco, está de alguma maneira querendo que Deus divida com ele sua glória ou então buscando se adequar às falsidades do meio religioso. Contudo, trata-se de um pesado fardo que muitos ministros eclesiásticos carregam e que macula a mensagem evangelística por eles transmitida. Pois, escolhendo esse caminho, o líder pode até conseguir encher os templos e vender livros para um público que anseia por soluções rápidas para os seus problemas. Só que, na prática, tal pastor acaba se tornando prisioneiro de seu próprio discurso, isolando-se mais ainda do convívio com sua comunidade.

Na primeira epístola de João, o autor fala sobre termos comunhão uns com os outros (1Jo 1.3). E, dentro deste contexto, os versos posteriores falam na admissão – sobre jamais negarmos que temos pecado. Ou seja, o crente deve se colocar sempre na condição de alguém em tratamento e que precisa sempre receber a transfusão do sangue de Cristo, fazendo o uso da confissão das suas falhas. Confissão esta que deve ser feita não só diante de Deus como também com os irmãos.

"Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda a injustiça. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós." (1Jo 1.8-10; ARA)

Num sentido amplo, parece-me que este ensino também se aplicaria aos problemas, às dores, às angústias, às dúvidas, aos sofrimentos, às decepções, às perdas, etc.

Amigos, penso que seja por aí o caminho de uma vida em Cristo autêntica bem como de um ministério que tem por objetivo comunicar ao mundo o Evangelho. Devemos nos portar com sinceridade, sermos aquilo que somos e não escondermos as nossas fraquezas uns dos outros, cientes de que Deus quer trabalhar justamente nelas para que Ele seja vitorioso.

A Deus toda honra e toda a glória!


OBS: A imagem ilustrativa deste artigo foi encotnrada em vários blogues através do sistema de busca do Google, sendo desconhecido o seu autor por este blogueiro, o que presume que o material tenha caído em domínio público e esteja livre de direitos autorais.

domingo, 8 de julho de 2012

A nação brasileira precisa de uma nova disciplina!

“Escuta, filho meu, a disciplina de teu pai,
não desprezes a instrução de tua mãe”
(Provérbios 1.8; BJ)


Em abril do corrente ano, publiquei o texto Refletindo sobre o futuro da 7ª geração após a independência, abordando a questão educacional em nosso país em que propus, dentre outras coisas, o ensino em horário integral.

Algumas semanas atrás, porém, ao refletir sobre a nossa dificuldade em mudar hábitos, cheguei à conclusão de que a maior necessidade da nação brasileira seria a adoção de uma disciplina capaz de levar a sociedade a um verdadeiro sucesso.

Etimologicamente, disciplina vem da palavra discípulo (aquele que segue). Significa instruir, educar, treinar, transmitir a ideia de modelagem de caráter e imprimir regras de comportamento. Trata-se de algo que é aplicado, por exemplo, nos meios militar (princípios basilares da hierarquia e disciplina), escolar, empresarial, penitenciário, esportivo e até eclesiástico.

Historicamente, as civilizações que mais se destacaram desenvolveram suas respectivas disciplinas sociais. Graças a isto, os monarcas antigos conseguiram imprimir hábitos saudáveis nos seus súditos, facilitando o indivíduo a cumprir sua obrigação, levando a pessoa a um autodomínio e capacitando-a no uso de sua liberdade na superação dos condicionantes que se apresentam na vida cotidiana.

É certo que nem todas as disciplinas foram benéficas para o desenvolvimento de uma nação. Durante o colonialismo, os povos dominados receberam uma educação servil afim de sujeitar os indivíduos ao interesse da metrópole. E, nas sociedades desiguais, o mesmo se verifica na submissão das classes ou grupos sociais mais pobres formando um trabalhador manso para ser explorado pelos patrões.

Todavia, a disciplina social não se presta somente para o domínio político e cultural sobre as massas. Ela pode ser também libertária e capaz de conduzir uma nação a um nível de desenvolvimento desejado. E a experiência tem mostrado que pessoas bem sucedidas, além de serem criativas, também cultivam a disciplina. Ou melhor, dominam a si próprias.

A autodisciplina define-se como a capacidade de motivar a si próprio através da força de vontade, do trabalho duro e persistência. Cuida-se de uma atitude em que o indivíduo direciona a sua energia apesar de um estado emocional negativo e lidando com a exaustiva rotina. Dia após dia, a pessoa busca manter-se firme em seu propósito evitando os desvios e corrigindo rotas equivocadas sem se abater pelo desânimo.

Na nossa sociedade de consumo e de comportamento imediatista, as pessoas logo rejeitam a disciplina. Junto com a acomodação, as últimas gerações experimentaram o descrédito dos valores tradicionais de seus pais e avós. Houve uma destrutiva quebra de princípios, o questionamento vazio de praticamente todos os conceitos e a dissolução de costumes fundamentais. Devido a isso, a droga passou a destruir as famílias do Ocidente começando pelos ricos até chegar nos grupos sociais mais humildes.

É certo que o processo de desconstrução dessas últimas cinco décadas trouxe alguns benefícios. Porém, a sociedade tornou-se um barco à deriva e precisa traçar um rumo para não naufragar sob o céu sem estrelas na qual se meteu. Sendo assim, temos aí o dever de definir qual a nova disciplina a ser adotada elegendo os melhores valores de referência.

A meu sentir, precisamos disciplinar vários aspectos das nossas vidas. E, se na atualidade, os pais tornaram-se incapazes de educar seus filhos, diferente da época dos provérbios bíblicos do rei Salomão, deve-se então instruir as crianças através das instituições públicas de ensino. Neste sentido, entendo ser indispensável a escola trabalhar o uso do tempo, da disciplina do corpo, do trabalho, dos estudos, da alimentação saudável, das ações, do pensamento, da administração do dinheiro, do sono, do lazer, das festas, da internet, da espera em filas, das posturas, do apetite, do trânsito, das conversações, da higiene, dos cuidados ambientais, etc.

Certamente que impor limites passa a ser fundamental para que a pessoa reconheça o seu papel no meio social. Para tanto, não basta que se proíba determinadas condutas. É necessário que o educando receba instruções para fazer coisas boas desenvolvendo virtudes. Aì, entusiasmar a prática de atos positivos (amorosos) torna-se uma contribuição decisiva para a construção do caráter do menor.

Acredito que, através de uma educação em horário integral e que seja essencialmente disciplinadora, temos alguma chance de gerar uma sociedade melhor futuramente e evitarmos um futuro de barbárie. Paralelo a essa iniciativa, seria oportuna a ministração de cursos de orientação para adultos e também a criação de um serviço civil obrigatório em instituições idôneas já que as nossas forças armadas não têm condições de absorver todos os jovens em idade de alistamento. Então, tal como no serviço militar, os bombeiros e as guardas municipais tornariam rapazes e moças cidadãos realmente aptos para seguir uma conduta desejável para a promoção do bem comum coletivo. Do contrário, os adultos de amanhã poderão ser pessoas intolerantes, cheias de dengo, incapazes de conviver com obrigações rotineiras e se sentindo frustrados quando não são mais o centro das atenções.

Para concluir, compartilho que foi justamente na minha indisciplina que passei a sentir falta da ação disciplinadora. Quando criança, fui educado pelo meu saudoso avô paterno cel. Sylvio Ancora da Luz (1917-2005) que, na época, já era militar da reserva. Vovô impunha-me uma conduta que muito me contrariava tipo acordar cedo e fazer a cama. Com ele, passei a ter horário para dormir à noite, o que, normalmente, era após à novela das oito (hoje das nove). Só que, quando fui morar sozinho, sendo ainda aluno de faculdade, senti-me enganosamente feliz pela possibilidade de abandono dessas regras e passei a deitar e levantar na hora que bem queria, largando a cama de qualquer jeito.

Passado o tempo e tomando consciência da falta de disciplina, comecei a reconhecer a importância dos bons ensinamentos de meu velho. Hoje sei que, se imponho um horário para o sono, estou educando o meu organismo e tornando-o apto para outras atividades diárias, sejam estas laborais ou estudantis. Também o próprio exercício matinal de arrumar a roupa de cama, dobrando lençóis e cobertores, bem como colocando uma colcha em cima, ajuda o corpo a despertar e não cultivar o mau hábito de voltar a dormir de manhã. Com isto, quem segue este simples ensino de vida entra logo em movimento nas primeiras horas do dia evitando que a preguiça tome conta de si.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A vergonha de Cristo pela Igreja

Alguma vez em sua vida você carregou uma má fama por algo que não cometeu? Como se sentiu?

É muito ruim ser injustiçado dessa maneira. Fico imaginando a situação de muitos pais cujos filhos escolheram o caminho errado em que, ao invés da sociedade compreender melhor a dor daquela família, ainda penaliza moralmente os genitores de um jovem viciado. Penso também no cônjuge que é frequentemente envergonhado por atitudes escandalosas de seu marido ou esposa como se ele fosse cúmplice de obras más.

São situações bem difíceis de suportar ainda mais porque muitas pessoas no meio social preferem afundar o outro ao invés de darem a mão. Se o ente querido foi visto num bar enchendo a cara de cachaça, a língua maligna da sociedade ainda diz que tal homem ou mulher rouba, prostitui-se, provoca confusões, usa outros tipos de drogas, é preguiçoso, faz dívidas e não paga, tem caráter ruim, etc.

Nestas horas, lembro-me de Jesus e do castigo infame que este Justo suportou pelas nossas transgressões sendo punido como um malfeitor.

Jesus não cometeu nenhum pecado que justificasse a sua prisão, condenação, açoites ou morte de cruz. Se o seu julgamento foi antecedido pelo episódio da expulsão dos vendilhões do Templo (Mc 11.15-19), este tratou-se de um ato de justiça, consubstanciado em ira santa, e que se reporta aos protestos dos antigos profetas de Israel (Jr 7.1-15; 2Cr 24.20-21). Pois nenhum crime pôde ser imputado a sua pessoa. Jesus apenas fez o bem!

Foi pelo pecado de sua nação e de toda a humanidade representada na injusta sentença de Pilatos que Jesus sofreu um dos mais vergonhosos castigos. Ali, no Gólgota, nosso Senhor amargou a dor do abandono, do escárnio, de estar sendo apenado pelo próprio Deus e foi tratado como um pecador. Foi como se um pai íntegro de um filho problemático levasse um cuspe ou uma bofetada na cara por resolver amar até o fim a sua semente.

Recentemente, um homem honesto começou a ser mal falado por seus parentes e pessoas próximas porque decidiu continuar amando sua esposa apesar da conduta escandalosa dela. Andando bêbada pelas ruas, a mulher chegava tarde em casa, adotou uma conduta ridícula e contou para terceiros coisas da intimidade do casal.

Pois bem. Na cabeça da sociedade estava configurada uma possível situação de infidelidade matrimonial. Já o marido, não se convencendo cabalmente disto, optou por perdoar mantendo o seu casamento, mas passou a ser visto até como alguém que estivesse se aproveitando de uma situação para participar de supostas imoralidades sexuais junto com a sua companheira. Diante de mentes bem maliciosas e julgadoras, a sua reputação foi a zero, tornando desacreditado o ministério por ele desenvolvido.

Acontece que Jesus sofreu muito mais do que isso! Em seu tempo, o fato de alguém sofrer uma morte vergonhosa como a sua seria sinal de punição divina. Na mentalidade de sua geração, não muito diferente da visão dos amigos de Jó, o infortúnio era interpretado como sinal de um castigo dos céus contra o pecador. Logo, se o nosso Senhor foi condenado aos trinta e nove açoites e à crucificação seria porque, no entendimento da maioria, ele estaria recebendo a recompensa por erros praticados.

Incrível como que, na cruz, Jesus ficou despojado de tudo o que tinha. Os soldados romanos deixaram-no completamente nu (aquele paninho nos quadros e imagens sacras que os artistas põem sobre o local da genitália não condiz com a realidade), porém a sociedade despiu-o da honra. A sua miséria foi tanta naquela hora que até o valor de seu nome ficou esvaziado diante dos homens. Aliás, diga-se de passagem que, muitas das vezes, o único bem que resta ao pobre é o nome. Só que até isto foi tirado de Jesus durante o seu martírio.

“Depois de o crucificarem, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte. E, assentados ali, o guardavam. Por cima de sua cabeça puseram escrita a sua acusação: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS. E foram crucificados com ele dois ladrões, um à sua direita, outro à sua esquerda. Os que iam passando blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: Ó tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz! De igual modo, os principais sacerdotes, com os escribas e anciãos, escarnecendo, diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se. É rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus. E os mesmos impropérios lhe diziam também os ladrões que haviam sido crucificados com ele.” (Mt 27.33-44; ARA)

Todavia, Deus conhece os corações e sabe dos nossos mais profundos motivos quando fazemos escolhas. O mundo inteiro pode achar que estamos vivendo de maneira errada, mas o nosso Pai Celestial, que nos vê em segredo, pode realmente julgar se estamos sendo sinceros ou não. Aos olhos do Onisciente, o seu justo é visto como de fato é, de modo que mais importa receber o louvor de Deus do que a bajulação hipócrita dos homens.

Assim Deus ressuscitou a Jesus com o seu poder e lhe deu um nome acima de todos os outros. Assentado à direita do Onipotente, foi-lhe dado o senhorio e o messiado sobre toda a Terra para que diante dele se dobre todo joelho. No tempo certo, as nações estarão submetidas ao governo de Cristo e caberá à Igreja tomar a frente de todo esse processo. Será a tão aguardada manifestação dos filhos de Deus como nos ensina o apóstolo Paulo:

“Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados. Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus.” (Rm 8.17-19)

É certo que, em seus terríveis erros, até hoje a Igreja ainda continua envergonhando Jesus e seu santo nome. Por nossa causa, o Justo é blasfemado entre os que não obedecem à Palavra. Quando agimos mal, os inimigos da fé logo acusam a Igreja semelhantes o que fazem certas pessoas da sociedade com os pais, cônjuges e amigos de pessoas problemáticas:

“Vocês estão vendo esse casal de pastores ladrões detidos no aeroporto?! E o padre pedófilo que abusou do garoto?! Que coisa feia o comportamento daquela crente fofoqueira! Esse pessoal de igreja promete as coisas e não cumpre! Fulaninho se converteu e piorou mais ainda! Se seguir a Jesus fosse coisa boa, não haveria tantos escândalos no cristianismo...”

Ainda assim, Jesus não desistiu de sua Igreja! Nós podemos ser infiéis e reincidentes pecadores. Ele, no entanto, em seu terno amor, continua apostando na causa do Evangelho e na ideia de que gente falha, limitada e complicada, como é o nosso caso, algum dia ainda será capaz de dar muito fruto e de reinar com ele. Tanto é que os doze discípulos do Senhor eram homens comuns e até problemáticos nos relacionamentos dentro do grupo.

Mas glória ao Eterno porque fomos comprados por um alto preço. Trata-se de preço de sangue! Portanto, vamos honrar o nome de Jesus! Vamos buscar retribuir esse imenso amor demonstrado na cruz para que outras vidas também sejam incluídas no Reino de Deus e cada homem ou mulher neste mundo compreenda o seu verdadeiro papel diante da vida.

Que a graça do Senhor Jesus Cristo seja com todos!


OBS: A ilustração acima trata-se do quadro Cristo crucificado (1631) do pintor espanhol Diego Rodrigues da Silva y Velázquez (1599-1660), considerado o principal artista da corte de D. Filipe IV de Espanha.