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terça-feira, 31 de maio de 2011

A Parábola do Inventor


Acho muito interessante esta história e acho que ela retrata bem a trajetória do cristianismo.

O autor, o padre jesuíta Anthony de Mello (Bombaim, 4 de Setembro de 1931 — Nova York, 2 de Junho de 1987) foi um hábil contador de parábolas. Sua pregação não se baseava no dogmatismo e muito menos na falida doutrinação católica, pois buscava despertar o ser humano para a espiritualidade através de uma visão integral da vida.

Sutilmente, Anthony de Mello fazia críticas à religião e os seus escritos, cerca de 11 anos após sua morte, foram condenados pelo então cardeal Joseph Ratzinger, o atual papa Bento XVI, com a justificativa de que as obras afastavam-se "progressivamente da fé cristã" e do catolicismo.

De fato, o Pe. Anthony de Mello tinha contatos com as outras religiões, sobretudo com o budismo tailandês e com o pensamento de Ajahn Chah. Porém, os seus estudos também se baseavam em conhecimento científico visto que ele, além de sacerdote católico, foi um psicoterapeuta.

A seguir compartilho a interessante Parábola do Inventor contada por Anthony de Mello e que pode ser encontrada também na internet com as devidas referências à sua obra publicada no Brasil pela editora Loyola:


O INVENTOR

"Depois de muitos anos de trabalho, um inventor descobriu a arte de fazer fogo. Levou as ferramentas às regiões do norte cobertas de neve e ensinou a uma tribo a arte – e as vantagens – de se fazer fogo. As pessoas ficaram tão absortas nessa novidade que não se lembraram de agradecer ao inventor, que foi embora de mansinho. Sendo um daqueles raros seres humanos dotados de nobreza, não tinha nenhum desejo de ser lembrado ou reverenciado; tudo o que queria era a satisfação de saber que alguém se beneficiaria com sua descoberta.
A tribo seguinte que ele procurou estava tão ansiosa para aprender quanto a primeira. Mas os sacerdotes locais, com inveja da influência do estranho sobre o povo, mandaram assassiná-lo. Para refrear qualquer suspeita de crime, entronizaram um retrato do Grande Inventor no altar-mor do templo; e organizaram uma liturgia destinada a reverenciar e a manter viva sua memória. Tomaram o máximo cuidado para que nem um só preceito litúrgico fosse alterado ou omitido. As ferramentas para fazer fogo foram guardadas em um relicário e dizia-se que curavam todos aqueles que as tocavam com fé.
O próprio Sumo Sacerdote realizou a tarefa de compilar uma Vida do Inventor, que se tornou o livro sagrado onde sua extremosa bondade era oferecida como exemplo a ser seguido por todos e seus feitos eram elogiados, sua natureza sobre humana transformada em artigo de fé. Os sacerdotes cuidaram para que o livro fosse transmitido às futuras gerações, enquanto, com autoridade, interpretaram o sentido das palavras dele e o significado de sua vida e morte virtuosa. E implacavelmente puniam com morte ou excomunhão qualquer um que se afastasse da doutrina deles. Ocupado com essas tarefas religiosas, o povo esqueceu completamente a arte de fazer fogo."

(Anthony de Mello, O enigma do iluminado, v.I, São Paulo: Loyola, 1996, p.19)

Querem apagar o impeachment da memória histórica!


"Mas acho que talvez esse episódio seja apenas um acidente que não devia ter acontecido na história do Brasil"
(José Sarney)


Uma das estratégias de quem se encontra no poder é recontar a história conforme o ponto de vista dos vencedores.

Hoje o Collor junto com Sarney fazem parte da máfia de políticos indecentes que se beneficiam com a politicagem reinante neste país.

Ora, então porque não apagar aquele pedacinho da história que tanto lhes incomoda?

Ocorre que Sarney, Collor e os demais corruptos em Brasília sabem o quanto a força do povo é capaz de transformar os rumos de uma nação. É por isto que eles querem apagar da memória o episódio do impeachment, algo que motiva as lutas populares juntamente com as "Diretas Já", a qual muitas das vezes é deturpada apenas como uma expressão de luta pela democratização medíocre que temos experimentado até hoje.

Curiosamente, na história brasileira, a Corôa Portuguesa e o Governo Imperial tentaram apagar por 100 anos a memória de Tiradentes, o qual só voltou a ser oficialmente valorizado após a Proclamação da República.

Mais do que nunca precisamos manter viva a lembrança de que o povo brasileiro é capaz de transformar os rumos do país pela via da mobilização. Os protestos, as passeatas e as reivindicações podem muito se forem realizados de maneira persistente, com ideais nobres e, acima de tudo, pacificamente.

domingo, 29 de maio de 2011

Deus não quer apostas pascalianas!


Certa vez o filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662), ao debater sobre a impossibilidade de provar a existência de Deus, argumentou dizendo que o homem deveria optar pela crença. Segundo o seu pensamento, se Deus não existir, o crente não sofrerá prejuízo algum quando morrer. Porém, considerando a possibilidade de Deus existir, o crente ganharia a vida eterna enquanto que o descrente perderia tudo depois da morte em tal hipótese.

Utilizando-se desta mesma lógica de Pascal, inúmeros pregadores desenvolveram argumentos bem ameaçadores nos seus discursos com a finalidade de proselitar pessoas. Ao invés de mostrarem a face bondosa de um Deus que nos ama desde a eternidade, tais "evangelistas" resolveram atrair seguidores apelando ao medo (o falacioso Argumentum ad baculum).

Neste aspecto, o pastor norte-americano William Franklin Graham Jr (mais conhecido como Billy Graham), admirado por muitos como sendo o maior pregador do século XX, também fez uso da mesma armadilha discursiva em seu aplaudido sermão "Heaven or Hell" ("Céu ou Inferno") que pode ser facilmente encontrado na internet:


"Certo dia, um agnóstico falava com um cristão. E ele disse: 'Suponha que um minuto após morrer você descubra não existir o céu'. O cristão respondeu: 'Se o céu não existisse, ainda assim teria valido a pena, em razão da alegria e da paz que tive em meu coração nessa vida cristã. Mas gostaria de lhe perguntar uma coisa. Sr. Agnóstico, suponha - apenas suponha - que você acordou e percebeu que, depois de tudo, existe realmente o inferno. Suponha que exista apenas uma chance em cem de existir o inferno. Você concederia, nesta noite, haver possivelmente uma chance em cem, de que realmente exista o inferno? Então, valeria a pena dar tudo o que você tem para escapar desse lugar chamado por Jesus de inferno'". (extraído do livro "Onde a religião termina?" do ex-frei Marcelo da Luz, pág. 111)


Penso que ao manejar estas palavras, Billy Graham não foi feliz pois demonstrou uma enorme fragilidade no seu sermão. Isto porque o argumento baseia-se nas supostas consequências negativas que os descrentes poderão sofrer caso não levantarem as mãos durante o apelo do pregador para "aceitar a Cristo", conforme costuma ocorrer no final das reuniões do evangelista. Os que não derem o assentimento às suas palavras poderão sofrer irreversíveis castigos como a perda da vida eterna, ardendo pelos séculos dos séculos nas chamas de um inferno.

Ora, alguém poderia então perguntar que deus é este que precisa intimidar as pessoas para ser crido ou obedecido? Pois, se a fé de alguém está baseada numa espécie de aposta pascaliana, não seria melhor que um deus assim nem existisse? Não seríamos muito mais felizes sabendo que podemos fazer escolhas existenciais conforme a própria consciência e nos baseando não em pregações de A, B ou C mas sim numa convicção pessoal a respeito de praticar o bem livres de qualquer ameaça?

Acontece que o Deus vivo e verdadeiro ama a todos incondicionalmente e deseja ser amado pelo que Ele é, independentemente de promessas ou bênçãos futuras oferecidas aos devotos. Seu amor sincero existe desde a eternidade dos tempos, antes da Terra e de todo o universo serem criados. Antes mesmo de sermos gerados no ventre materno, o nome de cada um de seus filhos já estava escrito no Livro de Deus e uma festa nos céus foi celebrada na ocasião do nosso nascimento sem que nada tivéssemos feito para merecer.


"Pois tu formaste o meu interior; tu me teceste no seio de minha mãe. Graças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras são admiráveis e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos não te foram encobertos quando no oculto fui formado e entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda." (Salmo 139.13-16; ARA)


Sem dúvida que este poema bíblico conduz-nos à abundante graça divina, fonte da vida para todos os homens, salvando-nos de qualquer pecado. Mesmo da própria descrença visto que nem as trevas escurecem os olhos do Eterno.

"Se digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa." (Sl 139.11-12)

Não importa em qual abismo a pessoa se encontre, pois ela pode reconciliar-se com o seu Criador a qualquer hora. E isto não precisa ser durante o culto evangelístico de uma igreja visto que pode ocorrer dentro da nossa casa, num presídio, num prostíbulo, numa boca de fumo ou nos últimos instantes da nossa vida errante a exemplo do "bom ladrão" crucificado ao lado de Jesus (ver Lucas 23.39-43). Pois somos sempre salvos pela graça divina sem que nada possamos oferecer em troca. Nem mesmo a fé que é gerada no coração do homem também pelo favor de Deus como resultado da ação do seu Espírito em nós.

Tal como no Salmo 139, cuja autoria é atribuída ao rei David, ninguém pode esconder-se do Deus onisciente. O Eterno conhece todas as nossas motivações íntimas e sabe muito bem que uma pessoa levantou as mãos durante um "apelo" feito pelo Billy Graham devido a um falho raciocínio pascaliano e não porque o novo devoto deseja de fato conhecê-lo.


"SENHOR, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto.; de longe penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra não me chegou à língua, e tu, SENHOR, já a conheces toda. Tu me cercas por trás e por diante e sobre mim pões a mão. Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir. Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face?" (Sl 139.1-7)


Sim! Para onde fugiremos deste amor tão grande que nos cerca? Para qual lugar?

Então pra que resistir à maravilhosa graça de Deus? Por que continuar fugindo e se trancando em si mesmo?

Mas conhecer a Deus não requer nenhum raciocínio lógico formulado por filósofos. Deus é puro amor e quer ser compreendido nesta dimensão. Não pelo medo ou pela ameaça feita pelos pregadores.

"No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo aquele que teme não é aperfeiçoado no amor. Nós amamos porque ele nos amou primeiro." (1João 4.18-19)

Assim, festejando este amor, quero encerrar minha mensagem com este maravilhoso vídeo do Asaph Borba cantando o Salmo 139.




OBS: A ilustração deste artigo refere-se a uma pintura anônima feita no século XVII sobre o grande físico, matemático, filósofo moralista e teólogo francês Blaise Pascal.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Viva a Mata Atlântica!


Recebi este e-mail de um amigo do IBAMA e acho que suas palavras em poesia expressam bem meus sentimentos em relação à destruição do meio ambiente aqui no Sudeste brasileiro. Assim, aproveito então para compartilhar aqui na internet:


Hoje é o Dia da Mata Atlântica - Uma Poesia
Por Mauro Zurita Fernandes

Hoje é o dia da Mata Atlântica
E não se pode comemorar
Restam dela só dez por cento?
Mas a gente desvia o olhar

Animais em migração
Da vida livre pro alçapão
Vivem doidos a gritar
Mas a gente desvia o olhar

As cidades estão crescendo
Muitas casas pra morar
E a mata indo embora
Mas a gente desvia o olhar
Abrem estradas na encosta
Pois nas casas querem chegar
Quando chove, tudo escorrega
Mas a gente desvia o olhar

Nossos rios poluídos
muita química no ar...
As indústrias avançando
Mas a gente desvia o olhar

Criam áreas protegidas
Que enfim já são por lei
E o resto ao Deus dará
Mas a gente desvia o olhar

Todo foco é pra Amazônia
Gritam que vai acabar!
Mas restam oitenta por cento dela?
Mas a gente desvia o olhar


OBS: As fotos acima foram pertence a três CDs cedidos pelo meu amigo Jorge Elpídio Medina, apelidado como Passarinho.

Ele é autor de um projeto de inventário geográfico e hidrográfico do município de Cachoeiras de Macacu, feito em colaboração com os fotógrafos Denílson Siqueira, André Confort, Yuri Blacheire e Damião Arthur.

As imagens do CD foram feitas em sua maioria no município fluminense de Cachoeiras de Macacu, cidade vizinha a Nova Friburgo onde está situado o Parque Estadual dos Três Picos dentre outras unidades de conservação da natureza.

Para quem deseja um contato mais íntimo com a Mata Atlântica e se deslumbrar com belas paisagens naturais, a Região Serrana do Rio de Janeiro é uma excelente opção de passeio. Principalmente nesta época do ano que chove menos do que no verão e ainda tem aquele frio bem delicioso.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Iremos permitir que os oportunistas de sempre sejam novamente eleitos em 2012?

Não consigo entender a estranha mania que o friburguense tem de continuar elegendo as mesmas pessoas que, após chegarem ao poder, simplesmente dão as costas para nossa população. Parece até coisa de esquizofrênico!

Nas eleições de 2008, a população elegeu o engenheiro Dr. Heródoto Bento de Mello (PSC), com 47% dos votos, o qual, por mais uma vez, ocupou a cadeira número um da cidade, coisa que tem feito desde quando assumiu pela primeira vez a Prefeitura em 1964 (ano do golpe militar). E, durante um longo tempo da história local, o cargo foi revezado entre HBM e o seu rival Paulo Azevedo.

Entretanto, as eleições de 2008 foram mais uma vez vergonhosas. Heródoto propôs coisas mirabolantes como um trem de alta velocidade passando sobre o rio Bengalas, um aeroporto, a construção de um novo hospital, o projeto Cidade Nova, etc. Só que o mais ridículo de tudo foi a população ter dado o seu precioso voto a uma candidatura que não tinha um pingo de seriedade, propondo coisas absurdas sem nenhuma condição de serem concretizadas.

Antes de morrer soterrado sob as lamas da enchente de 12 de janeiro, Paulo Azevedo prometia voltar como prefeito nas próximas eleições. Com a justificativa de estar tratando de sua saúde, Heródoto já se encontrava licenciado do cargo de modo que o seu vice, Demerval Barboza Moreira Neto (PMDB), já respondia pela Prefeitura. E era comentado nas ruas que o comandante da cidade era de fato o finado Paulinho Azevedo.

Inegavelmente, a popularidade de Heródoto já estava péssima poucos meses após o começo de seu mandato em 2009, o que leva qualquer analista político a desconfiar de seu licenciamento. E a maior prova dessa baixa popularidade foi o fraco desempenho de seu candidato Helinho para disputar as eleições de 2010 tentando uma vaga na ALERJ ao passo que Glauber Braga, filho da ex-prefeita Dra. Saudade Braga (PSB), conseguiu subir para a Câmara Federal. Logo, os que se encontravam no poder perceberam a necessidade de que HBM permanecesse afastado afim de que, através do vice-prefeito, o grupo governista de peemedebistas tivesse uma alternativa na provável disputa que haverá com Saudade Braga em 2012.

Alguns observadores da política local supõem que, além de Saudade e Demerval, um outro nome possa surgir nas eleições majoritárias do ano que vem. Seria o deputado estadual Rogério Cabral vindo não mais pelo PSB e sim concorrendo pelo partido novo fundado por Gilberto Kassab - o PSD.

Olhando este quadro, fico entristecido com a nossa falta de opção dentro de Nova Friburgo já que a política gira sempre em torno dos mesmos velhos nomes. Pessoas novas nunca têm chances e aqueles que fazem uma oposição sincera, lutando pelos direitos da maioria, como fazem os vereadores Cláudio Damião (PT) e Professor Pierre (PDT), nem sempre são reconhecidos. E até seus próprios partidos não os acompanham.

Mas o curioso é que o eleitor se acomoda e faz suas escolhas pelas opções com maiores chances de elegibilidade adotando o raciocínio dos mesmos parasitas da política que dependem da nomeação de cargos públicos. Apático, o nosso cidadão permite que a cidade seja governada por pessoas que, ao chegarem no poder, chutam o traseiro do pobre, sendo que o mesmo acontece na Câmara Municipal onde a maioria dos vereadores não passa de um bando de oportunistas, traidores e mentirosos.

Tudo isso me faz lembrar uma velha parábola judaica que se encontra nas nossas bíblias, mais precisamente no livro de Shofetim (Juízes):

"Certo dia as árvores saíram para ungir um rei para si. Disseram à oliveira: 'Seja o nosso rei!' A oliveira, porém, respondeu: 'Deveria eu renunciar ao meu azeite, com o qual se presta honra aos deuses e aos homens, para dominar sobre as árvores?' Então as árvores disseram à figueira: 'Venha ser o nosso rei!' A figueira, porém, respondeu: 'Deveria eu renunciar ao meu fruto saboroso e doce, para dominar sobre as árvores?' Depois as árvores disseram à videira: 'Venha ser o nosso rei!' A videira, porém, respondeu: 'Deveria eu renunciar ao meu vinho, que alegra os deuses e os homens, para ter domínio sobre as árvores?' Finalmente todas as árvores disseram ao espinheiro: 'Venha ser o nosso rei!' O espinheiro disse às árvores: 'Se querem realmente ungir-me rei sobre vocês, venham abrigar-se à minha sombra; do contrário, sairá fogo do espinheiro e consumirá os cedros do Líbano!'"
(Jz 9.8-15; NVI)

Até quando nós cidadãos friburguenses elegeremos o "espinheiro" ao invés da "oliveira", da "figueira" ou da "videira"?

Será que os homens de bem não querem nada com a política?

Desejo que esta situação um dia mude e este seria o momento para que um dos dois vereadores mais combativos (o Professor Pierre ou o Cláudio Damião) pensasse em se inserir ativamente na disputa pelas eleições majoritárias colocando o nome à disposição.

Por outro lado, não acredito em falsos messias ou salvadores da pátria, mito que Jesus desconstruiu quando se recusou a ser coroado rei pelo seu povo. E, neste sentido, entendo ser necessário mudar também a Câmara Municipal e também a passividade da população diante de qualquer governo.

Então fica a pergunta sobre como que um candidato honesto conseguirá fazer uma política correta contando com um diretório partidário cheio de gente traidora e que, na verdade, só está apenas se importando em conseguir cargos no governo?

Se Cláudio e Pierre andam com problemas em seus respectivos partidos, não seria melhor que unissem forças numa nova legenda?

Talvez só eles mesmos possam me dar esta resposta. Porém, se nenhum deles vier colocando seus nomes para disputar a Prefeitura, iremos nos conformar com os velhos espinheiros de sempre?

Espero que, após a catástrofe de janeiro e o relaxamento dos governantes quanto à situação da população desabrigada, o eleitor consiga cair na real e se curar desta esquizofrenia histórica que é votar repetidamente nas mesmas pessoas erradas esperando um resultado diferente.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

A importância da oração

"Orar é derramar o coração diante de Deus".
(Friedrich Heiler)

É muito interessante notar que, em todas as religiões e culturas, a oração é milenarmente praticada ainda que sob diferentes maneiras, expressando os variados sentimentos humanos como a gratidão, a culpa, a alegria, a tristeza, o amor, a raiva e a solidão. Pela oração louvamos, adoramos, desabafamos os nossos problemas, reconhecemos as coisas boas proporcionadas pela vida e também apresentamos as nossas necessidades através de pedidos. Aliás, diga-se de passagem que pedir coisas a Deus é uma das coisas que as pessoas mais costumam fazer nos dias de hoje.

Segundo a Torah, teria sido Enós (ou Enosh), o terceiro patriarca pré-diluviano, quem teria começado a invocar o nome de Deus (Gênesis 4.26), muito embora o nome Iahweh, geralmente grafado como SENHOR na maioria das traduções bíblicas, parece ter sido conhecido somente a partir da época do êxodo dos israelitas (Ex 3.13-14).

Todavia, não importa como o Eterno foi originalmente chamado pela errante humanidade (enoshut) ou se o "neto" de Adão, que viveu apenas 905 anos (Gn 5.11), teria sido um personagem histórico. O que se mostra mesmo relevante em tal passagem bíblica é o fato de que, num determinado momento do passado remoto, o homem mortal (consciente de sua vulnerabilidade e necessidade) começou a procurar Deus. E isto se deu, provavelmente, numa época quando não havia ainda igrejas, templos, escrituras sagradas, terços, rosários, seminários teológicos, cantores de música evangélica, nem padres, pastores, rabinos, mulás ou qualquer tipo de cargo sacerdotal. Inclusive, nem havia reis ou classes sociais, mas apenas clãs espalhados pela face da Terra, vivendo ainda como nômades ou tentando se sedentarizar às margens de algum rio e tentando sobreviver no meio de uma natureza ainda selvagem.

Enquanto em algum momento da pré-história surgiu a tendência de orar, muitos dizem que, hoje em dia, tem-se configurado um comportamento contrário e apático. É uma constatação de que, nas atuais sociedades do Ocidente, as pessoas oram muito pouco e até mesmo os que frequentam alguma igreja têm relaxado quanto a esta prática que, de acordo com os evangelhos, jamais foi negligenciada por Jesus.

Mas será que a tendência de invocar a Deus não teria sempre convivido com as dificuldades do homem em orar?

Penso que sim. Pois é daí é que deve ter vindo a figura do sacerdote. Alguém ostentando poderes xamânicos e que se coloca como um intercessor do povo, fazendo contatos com o além. Logo, desde os primórdios, ao tentar invocar a Divindade, o homem cometeu o equívoco de delegar para uma outra pessoa a tarefa de ser o seu mediador, deixando ele mesmo de orar diretamente a Deus, uma profanação do relacionamento de maior intimidade que Adão e seus filhos chegaram a estabelecer numa comunicação que parecia ser um diálogo bem natural e espontâneo, mesmo depois da queda.

Segundo o terceiro Evangelho, os próprios seguidores de Jesus pediram ao Mestre que lhes ensinasse a orar da mesma maneira que João Batista havia feito com os seus discípulos (Lucas 11.1). Assim, o Messias nos deu um modelo de oração que ficou popularmente conhecido como o "Pai-Nosso" (Lc 11.2-4) que costuma ser repetido dominicalmente nas missas católicas conforme a versão mais completa contida no Sermão da Montanha (Mateus 6.9-13).

Recitar o Pai-Nosso, os salmos de Davi ou as orações redigidas por alguém, nunca seria demais e até ajuda nos momentos quando nos faltam palavras. Só que não podemos esquecer que Jesus apenas ensinou um modelo, na certa exemplificando e enfatizando os temas nos quais devemos nos basear. E aí, sem tentar fazer um detalhamento prolongado do Pai-Nosso, parece-me que o Senhor desejava que entendêssemos melhor estes pontos: a santidade do caráter divino; o propósito de construção do reino celestial nos corações humanos que é confirmado pela vontade de Deus através de um paralelismo no texto de Mateus; que as petições devem se voltar para o suprimento de necessidades relacionadas a um cotidiano real; o momento em que busco retornar ao caminho certo relembrando os erros praticados (coisa que os judeus fazem com a prática do Teshuvá) precisa incluir a minha compreensão acerca do comportamento do próximo aceitando as pessoas como elas são; e contar com Deus para perseverarmos no propósito benigno de submissão à sua vontade e construção do reino celestial.

Eu poderia me aprofundar mais no Pai-Nosso e sei que existem vários livros já escritos a respeito da oração ensinada por Jesus. Prefiro, porém, deixar isto para uma outra ocasião porque considero no momento mais relevante relacionar a oração com a fé. Isto porque se trata de um ato em que o homem desafia e vence aquele tipo de dúvida que, no fundo, quase todos têm e só poucos são corajosos para admitir:

Será que a minha oração foi ouvida por Deus ou estou esquizofrenicamente apenas falando comigo mesmo?

Tenho pra mim que esta angustiosa dúvida será sempre um grande mistério na oração e pode fazer a nossa fé evoluir quando optamos por um comportamento determinado em continuar esperando em Deus e buscando compreender a pedagogia dos acontecimentos da vida. Pois, mesmo que uma tragédia ocorra após eu ter feito as minhas orações, mostro que estou crendo ao continuar nutrindo minhas esperanças através da perseverança e de ações condizentes, coisa que uns fazem com entusiasmo enquanto outros quase desfalecendo em seus ânimos mas que também expressa fé.

Por outro lado, a oração não atendida pode ser motivo para que venhamos a refletir melhor se as petições que fazemos não estão indo contra a orientação do Pai-Nosso, sendo que, neste sentido, tornam-se bem pertinentes as palavras escritas na sua epístola de Tiago: "pedis e não recebeis, porque pedis mal para esbanjardes em prazeres" (Tg 4.3; ARA) ou "(...) gastar para vossos prazeres" (TEB).

Com exceção dos casos em que as pessoas fazem da prática devocional uma desculpa para não enfrentarem os problemas do cotidiano, deixando de assumir as consequências do próprio ato, orar torna-se uma maneira muito saudável de viver um dia de cada vez. Principalmente se a oração estiver em consonância com as ações praticadas em prol de um resultado positivo, como pode ser lido nesta parábola contada pelo padre jesuíta Anthony de Melo (1931-1987) cuja obra foi postumamente condenada pelo então cardeal reacionário Joseph Ratzinger (o atual para Bento XVI):


"Certo homem, ao passear pela floresta, viu, admirado, uma raposa sem as patas traseiras. Perguntava-se, em sua mente, como o pobre animal faria para sobreviver, quando um fortíssimo tigre apareceu repentinamente, trazendo entre os dentes, caça nova. A fera comeu o quanto quis, deixando o restante do lado da raposa. Assim o homem compreendeu como a raposinha lograva sobreviver na selva hostil: 'Maravilha! A providência divina nutre a raposa por meio do tigre. Permanecerei também eu, deitado em um caminho da floresta, confiando na bondade do Senhor, o qual há de me enviar o necessário!' Passaram-se vários dias, quando uma equipe de socorro finalmente encontrou o homem desacordado no meio da floresta. Após reanimá-lo, o chefe da equipe quis ouvir dele porque não conseguira voltar para casa, e o homem lhe contou o ocorrido. O outro então lhe respondeu: 'Você é idiota? Não percebe que deveria imitar o tigre, animal autônomo, e não a raposa aleijada?'" (extraído do livro "Onde a religião termina?" do ex-frei Marcelo da Luz, pág. 91)


Que Deus nos dê forças para que possamos ao mesmo tempo orar e agirmos com a valentia de um tigre lutador! Afinal, tanto a raposa aleijada quanto uma fera do campo dependem igualmente da Divina Providência. Contudo, algo me diz no íntimo que o Criador alegra-se em contemplar o despertamento do tigre em cada um de seus filhos. É quando o Espírito de Deus age com o nosso espírito.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra Mãos em oração do pintor e desenhista alemão Albrecht Dürer (1471–1528) e que se encontra na Galeria Albertina, em Viena (Áustria).

terça-feira, 24 de maio de 2011

A Igreja precisa influenciar e transformar a sociedade onde se encontra!

"A igreja precisa de homens sem a fantasia do diploma de teologia e com a certeza diplomada pelo conhecimento do Deus da teologia."
(trecho dos comentários do Pr. Newton Carpinteiro na postagem "Minha agenda na Paraíba para o período de carnaval" no Blog do Ciro)


A última vez que preguei na igreja, aqui em Nova Friburgo (RJ), dia 06/03/2011, eu me propus não ficar gastando o meu tempo e o das pessoas com a transmissão de conhecimentos teológicos na reunião daquele domingo. Surpreendi-me com a boa presença de jovens na igreja durante um culto ocorrido durante o feriado de Carnaval e com a ausência do nosso amado pastor-presidente Robson Rodrigues, o qual precisou viajar com a família por motivo de saúde de seu sogro.

Neste ano, minha cidade havia resolvido deixar de lado a fantasia carnavalesca e se pôs de luto pelas centenas de mortes ocorridas na tragédia climática de 12/01 na Região Serrana fluminense, a qual abalou o país com notícias que permaneceram como destaque diário na mídia por duas semanas. E a decisão de não realizar o Carnaval em 2011 pela Prefeitura (não demonizo a festa), tornou-se bem adequada ao momento triste que estamos vivendo coletivamente, visto que é tempo de chorar, não de rir.

Antes de pregar naquela noite de domingo, havia refletido junto com minha esposa sobre o que dizer num momento difícil desses, visto que fazia menos de 02 (dois) meses das chuvas que arrasaram a região serrana do Rio de Janeiro. Então ela me ajudou com uma frase que traduz reconstrução e união. E, sem muitos "logismos", procurei assim transmitir uma mensagem que se mostrasse prática para aquele público ali presente sendo que, no final, resolvemos orar por necessidades específicas de cada pessoa ali presente.

O ânimo que precisamos para reconstruir Nova Friburgo é algo que me fez lembrar das palavras ditas por Deus a Josué antes da conquista de Canaã pelos israelitas, quando o Deus Eterno lhe exortou:

"Seja forte e corajoso, porque você conduzirá este povo para herdar a terra que prometi sob juramento aos seus antepassados" (Js 1.6; tradução da NVI)

Lembrei-me também da situação das tribos de Ruben e de Gade que, antes de Israel tomar posse da Terra Prometida, já tinham se estabelecido na Transjordânia (terras situadas na margem oriental do rio Jordão), mas com o compromisso assumido com o restante da nação israelita de parmanecerem lutando pela conquista de Canaã:

"Não retornaremos aos nossos lares enquanto todos os israelitas não receberem a sua herança". (Nm 32.18; NVI)

Felizmente, o bairro Cascatinha, onde fica a minha congregação, assim como várias outras localidades de Nova Friburgo, não foi atingido pela catástrofe. Porém, penso que todas as comunidades devem participar ativamente do processo de reconstrução da cidade e não se omitirem. Logo, vi alguma pertinência quanto à atitude solidária dos rubenitas e dos gaditas no texto que se encontra em Bamidbar (Números) que é o quarto livro de Moisés, da Torah.

Atualmente já fazem algumas semanas e temos tido o prazer de receber aqui uma equipe de voluntários da JOCUM, sigla que corresponde à uma denominação evangelística que é "Jovens Com Uma Missão". Na semana passada, este grupo esteve num dos bairros mais atingidos pela catástrofe de 12/01 que foi a comunidade de Córrego Dantas. Ali aqueles rapazes e moças oriundos de diversos lugares do país (havia também uma americana no meio deles) puderam participar do processo de reconstrução da localidade e compartilhar da alegria estampada nos rostos de seus moradores em ver suas casas sendo limpas da lama da enchente mas que agora estão sendo reparadas e pintadas.

Aqui em Nova Friburgo, a Igreja de Cristo está tendo uma oportunidade bem distinta de amadurecer, crescer, atuar e influenciar a apática sociedade onde se encontra através do amor que vem de Deus. Temos hoje a possibilidade de trabalharmos solidariamente pelas vítimas dessa tragédia e nos interessarmos mais pela participação política, fiscalizando os recursos públicos, questionando as autoridades, denunciando a corrupção e nos interessando mais pelas coisas espirituais.

Ampliando este entendimento para uma realidade mais global, acho que é isto que a Igreja no mundo inteiro precisa fazer! Temos que ser agentes de transformação e de fato fazermos diferença no meio onde nos encontramos, coisa que os teólogos da prosperidade e do entretenimento geralmente não pregam.

Abraços fraternos e que Deus nos guie nesta jornada, renovando o amor em cada coração para que não venhamos a nos esquecer do nosso próximo cuidando só dos interesses próprios.

domingo, 22 de maio de 2011

Que tipo de ceia estamos celebrando?


Fico perplexo como que muitos cristãos, ao lerem a passagem bíblica de 1Co 11.27-30, ainda propagam a ideia absurda de que Deus costuma castigar pessoas com doenças e mortes pelo fato de elas participarem da celebração da Ceia do Senhor tendo ainda "falhas espirituais".

De fato, o mal interpretado texto da mencionada carta de Paulo assim nos diz:

"(...)27 Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. 28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; 29 pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. 30 Eis a razão por que há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem (...)" (tradução e versão de Almeida Revista e Atualizada - ARA)

Fiz questão de colocar reticências na citação bíblica justamente para chamar a atenção sobre a falta de visão contextual por parte daqueles que tentam impor seus acréscimos doutrinários às Escrituras fim de justificarem a exclusão de pessoas por seus critérios moralistas desta importante celebração da Igreja.

Em primeiro lugar, Paulo não dá autoridade a nenhum líder eclesiástico para decidir sobre quem deve ou não participar da Ceia. A mensagem transcrita é bem clara ao dizer que cabe ao homem praticar um auto-exame de si mesmo para então comer do pão e beber do cálice (verso 28).

Vale ressaltar que ninguém teria autoridade em Cristo para definir quem pode ou quem não pode ter participação na Ceia do Senhor. Nem mesmo o próprio apóstolo Paulo, caso ele assim houvesse procedido. Pois como um enviado de Jesus, cabia ao apóstolo transmitir e ensinar a ordem dada por Jesus, sem fazer nenhum tipo de adição pessoal no lugar do mandamento.

Examinando a passagem por inteiro, compreendo que os versos citados precisam ser lidos e interpretados em conjunto com o restante da passagem da epístola que vai do versículo 17 ao 34 do capítulo 11. Isto porque, segundo a repreensão de Paulo, os coríntios estavam tomando cada um "a sua própria ceia" (v. 21), em que os ricos se banqueteavam enquanto os pobres sofriam necessidades, conduta que afronta a unidade que deveria haver entre o povo de Deus.

Assim, ao invés de celebrarem a Ceia do Senhor, os coríntios estavam se ajuntando para festejar sem a observância do amor de Cristo, trazendo para dentro da reunião as divisões classistas existentes no meio social já que formavam grupos separados. Com isto, eles estavam perpetuando dentro da Igreja a desigualdade entre ricos e pobres que já existia no mundo de um modo até mais acentuado que nos nossos dias onde a escravidão encontra-se juridicamente abolida.

Afim de que os destinatários de sua carta entendessem qual é o significado da celebração da Ceia, Paulo repete a tradição apostólica sobre a instituição do memorial de Cristo, quando Jesus simbolicamente afirmou "isto é o meu corpo, que é dado por vós". Ou seja, Paulo estava chamando a atenção dos coríntios acerca de coisas que muitos deles andavam ignorando e, obviamente, estavam deixando de participar da verdadeira Ceia.

Evidente que participar exteriormente do memorial de Cristo sem estar unido em amor com os demais irmãos equivale a se colocar na mesma categoria dos que mataram a Jesus, Obviamente que não pelo simples fato de comer do pão ou de beber do cálice, mas sim pela conduta egoísta e segregadora da pessoa que continua incompreensível quanto às necessidades de seu próximo, deixando que outros membros da família de Deus passem fome enquanto ela se regala com seus prazeres pessoais.

Ora, agir desta maneira é viver debaixo do engano religioso. É iludir a si mesmo como se estivesse participando da Ceia do Senhor, como na verdade tal pessoa está celebrando sua própria refeição - o banquete símbolo da destruição ou condenação. Logo o "castigo", ou melhor, a consequência de uma vida individualista com desamor, repercute como morte e adoecimento da alma. Porque é como se Cristo estivesse sendo novamente assassinado através do desprezo pela necessidade do irmão mais pobre.

Porém, não é muito diferente da conduta dos coríntios o que muitas "igrejas" fazem quando resolvem restringir a participação de pessoas na Ceia conforme os critérios moralistas de seus líderes. Quando um "pastor" impede que um homossexual ou um viciado em drogas celebre o memorial de Cristo, ele está limitando o banquete aos que têm alguma moeda moral, deixando de fora os que seriam mais necessitados espiritualmente. E, com isto, um religioso acaba agindo como réu do corpo e do sangue do Senhor porque está excluindo da comunhão no corpo um ser pelo qual Jesus morreu.

O "comer indignamente" em nada tem a ver com o fato de alguém participar da Ceia do Senhor tendo ainda falhas de caráter e de comportamento, coisas que todos nós teremos todos os dias durante a nossa peregrinação na Terra. Qualquer discípulo de Jesus, à semelhança dos doze apóstolos na primeira Ceia, deve ter a consciência de que suas fraquezas pessoais vão continuar se manifestando mesmo depois de inúmeras celebrações. Então, o que deve ser refletido na ocasião do memorial de Cristo é justamente compreendermos a nossa condição de pecador e o significado da mensagem libertador do sacrifício na cruz, na qual a minha carne também tem que ser pendurada.

Logicamente que, durante 1900 anos, não interessou às autoridades eclesiásticas trazer o verdadeiro esclarecimento sobre o sentido da Ceia. A instituição da eucaristia passou a ser utilizada como um instrumento para se incutir culpa nas pessoas por suas faltas cometidas. O "pastor" arroga-se no direito de indicar aquilo que, na sua visão moral, seria certo e errado, sem que o próprio participante do evento adquira consciência própria cerca de suas ações. E quase sempre as reprovações do líder religioso estão voltadas para falsos ideais de pureza que, na prática, são mecanismos repugnantes de repressão da sexualidade humana e uma distorção da ideia sobre santidade já que é muito fácil alguém condenar no púlpito coisas como o sexo fora do casamento formal, o fumo ou a ingestão de bebidas alcoólicas, mas ignorar a desigualdade social manifestada inúmeras vezes dentro da própria Igreja.

Nos dias de hoje, quantos empregadores que se dizem cristãos e dão boas ofertas em suas igrejas não exploram seus empregados e conduzem seus negócios sem ética?

Que tipo de ceia é esta em que, apesar de todos comerem juntos os elementos simbólicos do pão e do cálice durante a celebração na igreja, ninguém mais é capaz de pensar no bem estar do seu próximo e cada um só se preocupa com a satisfação das próprias necessidades?

Acontece que não posso deixar de confessar este pecado coletivo dos cristãos nos tempos atuais. Pois a omissão da Igreja tem a condenado junto com os malfeitores que crucificaram a Jesus. Com isto, o cristianismo come e bebe para a sua própria perdição, obscurecendo o seu entendimento acerca do que é sermos um só povo e da vida baseada no amor, onde não deve mais haver diferenças sociais no meio da assembléia de Cristo.

Oro para que a Igreja tome consciência do seu papel social e que se liberte dos moralismos hipócritas, passando a incluir na Ceia do Senhor a todos, pois foi por todos que Cristo morreu na cruz dando o seu corpo e derramando o seu precioso sangue.

Que Deus abra os nossos olhos!


OBS: A imagem ilustrativa deste artigo refere-se ao célebre quadro A Última Ceia (1495-1497) do gênio renascentista Leonardo da Vinci (1452–1519) e se encontra no convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão. A obra baseia-se em João 13.21, quando Jesus anuncia aos doze apóstolos que um dentre eles iria traí-lo. No entanto, deve-se considerar que a pintura seria uma versão europeirizada da cena, visto que, nos tempos de Jesus, como ainda é costume no Oriente Médio, a refeição era servida no chão, não sobre um móvel com "pés" onde os discípulos pudessem se sentar em cadeiras.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Deus também pode “sair da máquina”!?

Na Antiguidade clássica, havia uma interessante técnica no teatro grego em que um personagem era inserido de repente na peça apresentada através de uma máquina (um guindaste). Geralmente o ator baixado no palco estava representando algum deus e a sua participação, por vezes, tinha como finalidade dar solução à trama encenada (geralmente este recurso era muito utilizado na tragédia de Euripedes).

A partir daí originou-se a conhecida expressão latina originada do grego Deus ex machina (apò mēchanḗs theós) que o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) utilizou enquanto escrevia na prisão nazista. Em suas correspondências, Bonhoeffer comentou sobre a noção popular que os cristãos cultivavam sobre Deus, o qual é buscado em muitas ocasiões pelas pessoas nos seus momentos de maior dificuldade para resolver os problemas imediatos que aparecem.

Percebendo as expectativas das massas, surgiram então várias igrejas neo-pentecostais durante a segunda metade do século XX pregando aquilo que atualmente tornou-se muito comum no cenário religioso brasileiro – o “evangelho da prosperidade”. Homens se intitulando pastores começaram a prometer curas milagrosas, soluções financeiras para as dívidas, sessões de exorcismo, momentos de êxtase, felicidade na vida amorosa e a aquisição de riquezas, o que acabou se tornando um grande negócio passando a incluir elaboradas técnicas de marketing, casos de charlatanismo, delírios emocionais e as mais absurdas deturpações dos textos bíblicos.

Organizações como a Igreja Universal do Reino de Deus usaram de técnicas ainda mais rampeiras. Não só abusaram nos pedidos de ofertas, como um inconsciente instrumento de barganha, mas também chegaram a apelar para novos tipos de amuletos como rosas ungidas, óleo supostamente trazido de Israel, réplicas miniaturas da Arca da Aliança, sal consagrado, pasta de figo (lembrando a cura do rei Ezequias) e até o uso de arruda para atrair os macumbeiros aos “cultos de libertação”. E para substituir a “água benta” dos católicos, os “pastores” da IURD costumam frequentemente consagrar copos com água enquanto estão orando através de um programa de rádio ou na TV.

Apesar de toda a manipulação induzida pelos líderes evangélicos enganadores, não descarto a ocorrência de alguns milagres nas reuniões dessas “igrejas”. É claro que nem todo “testemunho” relatado seria real, visto que muitos frequentadores da IURD podem estar cometendo um auto-engano psíquico ao pensar ter sido curado. E não descarto a hipótese de que existam também casos que são pura armação dos tais “pastores”, “bispos”, “missionários” ou apóstolos”.

Todavia, uma questão deve ser considerada. Por que motivos Deus não agiria na vida de pessoas que O buscam com fé e na sinceridade do coração? Acaso todos os frequentadores da IURD, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja da Graça e outras coisas afins teriam culpa da falta de escrúpulo dos seus líderes?

Desde o começo dos tempos, o homem procurou Deus justamente para resolver as suas situações cotidianas, as quais, na época, estavam relacionadas a coisas tipo o sucesso das colheitas, os conflitos bélicos, a fertilidade de suas esposas e dos rebanhos de animais, o livramento de doenças, a proteção durante viagens marítimas, a aspiração ao poder político e o sentimento de prazer resultante dos divertimentos. Neste quadro ainda primitivo, exaltava-se a astúcia humana que podia valer-se até da mentira para ludibriar o adversário como teria feito o personagem bíblico Jacó ao interceptar a bênção de seu irmão Esaú quando tentou se passar por este perante o pai Isaque (Gênesis 27). Aliás, o voto tomado pelo patriarca em Betel demonstra muito bem como era a noção dos israelitas sobre a divindade há uns três mil anos atrás:


“Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus; e a pedra que erigi por coluna, será a Casa de Deus; e, de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo.” (Gn 28.20-22; ARA)


Igualmente pode-se confirmar a manifestação protetora de Deus no chamado de Abraão (Gn 12.1-3) como também em inúmeras outras passagens bíblicas também de Gênesis: 14.19-20; 15.18-20; 26.24. Em todas elas, Deus é apresentado como um garantidor da felicidade dos seus servos, manifestando-se poderosamente em favor dos patriarcas e castigando os seus adversários. Dificuldades surgem, mas todas são a seu tempo superadas como prova da assistência divina.

Contudo, aquilo que aos nossos olhos parece ser uma deficiência moral do homem primitivo é compreendido por Deus como sendo a mais pura manifestação da inocência de corações que buscaram amparo no Ser Supremo que comanda o universo ao invés se voltar para os inúmeros ídolos mudos. Invocar o Deus invisível era um passo de fé diante de tantas imagens esculturais cujo contato por meio dos sentidos da visão e do tato proporcionavam o engano psíquico de proteção por parte do adorador dos deuses.

Acontece que, do segundo milênio antes de Cristo até os dias de hoje, o homem não mudou tanto. Para muitos Deus só é buscado mesmo quando os problemas apertam e crises precisam ser superadas. Através da situação angustiosa gerada pelo sofrimento, o homem começa a clamar pelo auxílio de Deus e o Eterno pela sua misericórdia não se nega a ajudar conforme o seu misterioso propósito.

Surpreendentemente, Deus age da maneira como quer e no momento que lhe convém, o que constitui mesmo um mistério ainda incompreendido pela mente humana. Embora para mim o anseio de Deus deva ser o restabelecimento de um relacionamento profundo com a humanidade, a sua maneira de agir muitas das vezes faz lembrar um pedagogo. Um professor que penetra no mundo infantil de seus alunos para lhes introduzir nos primeiros passos da ciência.

Enquanto os lobos em peles de pastores usam de seus ardis para enganar as massas, Deus vai trabalhando do seu modo nos corações, mesmo dos frequentadores dessas “igrejas”. Os discursos dos teólogos da prosperidade parece não evoluir, mas a dialética da vida vai mostrando novas dimensões da realidade no decorrer do tempo. Então chega o momento em que as soluções imediatas deixam de se repetir e vem a hora do crente subir um novo degrau no relacionamento com Deus.

É nessas situações que o Jacó existente em cada crente prepara-se para o inevitável re-encontro com o seu irmão Esaú e se vê solitário da companhia de outras pessoas no vau de Jaboque lutando contra Deus e seus próprios sentimentos (Gn 32.23.33). No vau de Jaboque, o Deus protetor do peregrino chama-o para um corpo a corpo onde permitirá ser vencido mas também ferirá a articulação de sua coxa, marcando o seu relacionamento com o homem. Então, depois disto, Jacó já não é mais o mesmo e seu nome (seu caráter) se torna Israel.

Assim também somos nós depois que passamos por um confronto de maturidade espiritual. É quando o relacionamento com Deus deixa de ser baseado apenas na busca de respostas imediatas para se tornar algo mais facial e relacionado ao aprimoramento do nosso caráter. Somos cativados a deixar de lado a noção de um Deus ex machina para O conhecermos verdadeiramente. Então os ídolos precisam ser lançados para fora dos nossos corações afim de que nos tornemos uma Betel (casa de Deus), visto que fomos escolhidos para sermos a habitação santa do Eterno.

sábado, 14 de maio de 2011

Um outro mundo é possível!



“Do tronco de Jessé sairá um rebento, e de suas raízes, um renovo. Repousará sobre ele o Espírito do SENHOR, o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temer do SENHOR. Deleitar-se-á no temor do SENHOR; não julgará segundo a vista dos seus olhos; mas julgará com justiça os pobres e decidirá com equidade a favor dos mansos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca e com o sopro dos seus lábios matará o perverso. A justiça será o cinto dos seus lombos, e a fidelidade, o cinto dos seus rins. O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará sobre a áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o meu santo monte, porque a terra se encherá do conhecimento do SENHOR, como as águas cobrem o mar.” (Isaías 11.1-9; ARA)


Será que algum dia poderemos viver numa cidade onde as portas de nossas casas ficarão abertas de dia e de noite e já não precisaremos de policiais armados para nos protegerem da violência?

Haverá um futuro em que os povos deixarão de fazer guerras entre si para promoverem uma ajuda mútua, repartindo os recursos naturais, tecnológicos e alimentícios conforme as necessidades de cada região?

Dá para imaginar uma política sem corrupção e motivada por princípios de justiça social onde prevaleça a equidade?

Conseguiremos finalmente viver em harmonia com a natureza ao invés de destruirmos a Terra?

No texto bíblico citado acima, a situação descrita torna-se tão idílica que podemos considerá-la como um símbolo de reconciliação e de harmonia projetados para um paraíso futuro, um novo Éden. Seu autor faz uso de metáforas em que predadores habituais, tipo os lobos, leopardos, leões e ursos, poderão conviver de um modo pacífico com suas presas naturais. Crianças aparecem então brincando com animais ferozes e cobra s venenosas (o fim da inimizade entre o homem e a serpente de Gênesis 3.15).

Entretanto, é preciso perceber que, na mensagem poética (e profética) do livro de Isaías, a desejada paz de uma era messiânica liga-se à realização da justiça, a qual é exercida em primeiro lugar em favor dos mais pobres (verso 4). Pois este tempo de sonhos não parece vir por um passe de mágica, mas resultará de uma atitude humana de reverência e de fidelidade a Deus que, no texto, é personificada na figura de um messias, um rei motivado pelo ruah (sopro) divino que é o Espírito do SENHOR.

Pode-se observar que a reverência por Deus é algo indispensável para que possamos evoluir e aproveitarmos as novas oportunidades que a Vida nos dá a cada manhã afim de (re)construirmos o mundo ideal presente no interior de cada um de nós. Sem uma postura de aprendizagem permanente, não conseguiremos adquirir a indispensável sabedoria espiritual, um tipo de conhecimento que nos mostra a essência da instrução da escola existencial que se dá pela continuidade da indução, não por conceitos absolutizados.

Tentar (re)construir o paraíso terreno desprezando co conhecimento de Deus pode se tornar um projeto catastrófico que, ao invés de transformar o mundo na sua essência, acaba reproduzindo os mesmos sistemas opressivos contestados. Pois foi o que ocorreu com as revoluções socialistas do século XX que, ao invés de distribuírem justiça, fortaleceu um Estado capaz de cometer um número inestimável de mortes, guerras, estupros culturais, a destruição da natureza, violações de direitos humanos, perseguições à fé e privação do exercício da cidadania. E como a história bem revelou, nenhum país que aderiu a um socialismo imposto conseguiu alcançar o igualitarismo idealizado por Marx e Engels, sendo que todos os regimes acabaram formando classes de burocratas corruptos que, ao final, precisaram abrir-se para uma economia de mercado e enfrentaram movimentos de defesa da liberdade.

Tenho pra mim que a origem de todo o erro cometido pelos socialistas “científicos” estava no fato de que Karl Marx também ignorou o conhecimento de Deus. Embora ele até reconhecesse que a primeira tentativa de revolucionar a humanidade teria começado com a religião, sua visão ficou obscurecida pelas práticas mesquinhas das instituições religiosas. Estas, certamente, tinham se tornado instrumentos de alienação a serviço das classes dominantes, mas isto não era elemento suficiente para que a busca do homem pela sua re-ligação fosse interpretada como um narcótico -“a religião é o ópio do povo”, dizia ele.

Realmente o discurso da maioria das igrejas tem sido uma alienante projeção numa fantasia celestial dos desejos humanos de construir uma nova realidade na Terra. Neste aspecto, não posso deixar de dar razão ao Marx. Pois, quando destinamos o nosso anseio por um mundo melhor unicamente para o céu imagístico das Escrituras, tornamos limitada a nossa atuação perante a realidade. O religioso alienado passa a agir como se toda a história humana fosse completamente finalizada num Armagedom cósmico e, por causa disto, não seria mais justificável tomar parte nos movimentos políticos visto que o mundo vai acabar e a morada de todos os crentes será no céu.

Ora, o “Dia do SENHOR” não pode estar relacionado ao fim da história humana na Terra, mas sim no estabelecimento de um novo governo neste planeta através de nós. É algo que está relacionado ao julgamento da opressão e da impiedade, apontando para uma esperança restauradora. É algo que não tem nem data e nem hora certa para ocorrer porque se trata de um símbolo bíblico que, por várias vezes, ocorreu na história de Israel contra as nações inimigas e as pessoas perversas do próprio povo. Logo, trata-se um motivo de esperança para os justos porque estes aguardam a justiça e podem morrer confiantes na realização desta durante o contínuo processo histórico.

Sobre a restauração messiânica anunciada pelo profeta Isaías, pergunto o que seria da história se não fosse a utopia?

Que horizonte nós teríamos?

Como a sociedade iria desenvolver-se?

Quais iriam ser as nossas novas conquistas se ninguém mais sonhasse?

Graças à utopia dos sonhadores é que os revolucionários podem criticar as realizações medíocres do presente e buscar uma opção de aperfeiçoamento. A história passa ser vista como um oceano de probabilidades e se abre para mudanças motivadas por um desejo impossível mas que acabam servindo de combustível para transformações que são possíveis. Logo, como costuma ensinar o ex-frei Leonardo Boff, a utopia acaba se integrando com a realidade já que esta encontra-se num permanente movimento dialético.

Finalmente, importa ressaltar que a (re)construção do Paraíso na Terra não significa que o leão, o leopardo, o lobo, o urso e a serpente deixarão de existir. Nossas feras interiores continuarão sempre existindo com o nosso lado cordeiro, dócil e meigo, mas apenas precisarão ser pacificados. Pois jamais deixaremos de ser entes profundamente humanos como foi o Messias Jesus, de modo que o futuro não será feito de santos perfeitos, mas sim de gente que busca se elevar espiritualmente através de um contínuo aperfeiçoamento de seus valores éticos que precisam também refletir sobre o nosso comportamento.

Neste sentido oro para que o Espírito do SENHOR possa nos instilar o desejo de compreensão da humanidade afim de que haja o despertar da consciência messiânica em cada ser humano. Pois é assim que eu creio que o mundo ideal existente no interior de cada um poderá ser (re)construído. Tudo bem natural, através da participação do crente no processo político, muita reverência ao Deus Eterno e também pela nossa conformação com o Messias em sua cruz.

Que toda a Terra se encha do conhecimento do SENHOR e venha a paz sem fim!


OBS: A ilustração acima refere-se à gravura do artista inglês William Strutt, feita por volta de 1896.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Rompendo com as negociatas psicológicas das instituições religiosas

É lamentável ver como que muitas das vezes o discurso religioso torna o indivíduo escravizado a um sistema perverso de recompensas e punições ao invés de despertar a sua consciência para ações éticas dentro da sociedade de uma maneira mais madura.

Conheço um homem, morador da América Central, que, após ter se maravilhado com a doutrina de que “uma vez salvo está salvo para sempre”, questionou o líder de uma igreja por que ele apavorava seus seguidores alarmando que, se os crentes pecassem, iriam ser condenados ao fogo do inferno. O “pastor”, sabendo que estava conversando com um executivo de boa posição e que fora representante de uma influente multinacional em diversas nações do mundo, respondeu-lhe que, se pregasse em púlpito que o crente não perde a salvação, os fiéis iriam sair pecando deliberadamente.

Todavia, era óbvio que o tal pastor não estava disposto a abrir mão de um poderoso instrumento de pressão psicológica baseado numa oferta de salvação atrelada à realização de experiências que podem ser recompensadas ou punidas na eternidade. Algo que funciona simultaneamente com o sentimento de culpa e de inadequação do indivíduo diante de uma moral sacralizada pela instituição religiosa, capaz de servir não apenas para adequar o indivíduo dentro de um padrão de comportamento socialmente aceitável (um modelo de “santidade” que vai além do comum) como também induzi-lo a uma atitude de proselitismo, estimulando tarefas voluntárias em benefício da instituição.

Este sistema de punição e recompensa obviamente que encontra nas más interpretações bíblicas uma fonte de justificação. É tão bem montado que o discurso não só apavora o seguidor da instituição com o “inferno” após a morte, mas funciona junto com a ameaça de consumação da história humana no planeta, quando será erguido um tribunal divino com a distribuição dos prêmios e castigos. A volta de Jesus, que pode ocorrer a qualquer momento segundo os evangelhos, pode então amedrontar o jovem e evitar a elaboração do raciocínio de que “posso pecar bastante agora porque, quando estiver velhinho, volto pra igreja e me arrependo”.

Contudo, tenho observado que o uso destes métodos não serve para ensinar o indivíduo a escolher o bem de uma maneira voluntária e consciente. A repressão de instintos, a proibição de uma convivência social sadia como a participação em festas populares ou a frequência da praia ou bares, as regras morais de vestimentas, dentre outras privações que a moral de uma instituição impõe, como uma maneira de “santificar” os seguidores do “mundo”, não impede certas escapulidas da pessoa. Surge então as transgressões dos valores daquele grupo religioso que podem levar o indivíduo a uma dissidência libertadora ou então acomodá-lo dentro do sistema, aproximando-o até da colaboração com a liderança eclesiástica, mas que, neste segundo caso, torna-se muito mais difícil um retorno devido à cauterização da consciência.

É interessante notar que muitos dos líderes são pessoas que também dão suas escapulidas mas resolvem manter os demais seguidores e colaboradores acorrentados. O pastor passa então a levar sua vida dupla. Atrás do púlpito ele prega com rigor e moralismo, encobrindo sua inadequação à moral religiosa. Em outros momentos, distante dos olhos de seus seguidores, ele pode fazer várias outras coisas: adulterar, desviar o dinheiro das ofertas, subornar as autoridades, difamar outros líderes religiosos, fazer acordos secretos com políticos cretinos, manipular almas inocentes, etc.

Mas se o seguidor de uma instituição dessas amanhã descobre a descrença ou adere à uma igreja onde não se amedronta o ouvinte com a “perda de salvação”? Como que ele vai portar-se eticamente dentro da sociedade? Quais serão os valores que lhe restarão?

Não é por menos que se diz que “crente desviado age pior do que o mundano”. Pois, na maioria das vezes, o dissidente infantil de uma agremiação religiosa repressora resolve mesmo “chutar o balde”. Depois de tanto tempo reprimida, tal pessoa opta por viver intensamente aqueles desejos naturais que estavam massacrados por uma doutrina perversa de submissão das mentes aos interesses de lobos que se dizem pastores. E junto com o desejo por liberdade muitos conflitos interiores explodem sem encontrarem um tratamento numa sociedade secularizada igualmente perdida nela mesma.

Como curar pessoas feridas pela instituição religiosa senão através do Evangelho da graça capaz de romper com toda esta barganha moralista? Pois é a aceitação incondicional de quem somos, sem impor códigos morais, doutrinação de interpretações tidas como “irrefutáveis”, livre de dogmas, que não entenda o corpo como algo profano ou não alimente culpas ou medos, que o indivíduo pode então tratar-se interiormente reconstruindo seus valores éticos.

A graça mostra-se para mim como um rompimento com todo este perverso sistema de recompensas e punições elaborado pelas instituições religiosas. É pela graça que poderemos formar jovens conscientes de suas atitudes em todos os aspectos como cidadãos que promovem a paz, vivenciam uma sexualidade responsável, crescem em conhecimento e respeitam o líder não pela imposição da suposta autoridade pastoral mas como alguém capaz de fazê-los crescer compreendendo a realidade por suas próprias experiências relacionais com a Vida.

OBS: A imagem acima encontra-se na capa do livro "Sem barganhas com Deus" de Caio Fábio. Trata-se de uma excelente leitura que eu recomendo a todos. Trata-se de uma continuação do clássico "Enigma da Graça", mas aqui, o autor faz uma analise mais abrangente da Bíblia, enquanto Palavra de Deus e Palavra do homem, ativa e necessária para o homem do ontem e do hoje, mas que, ao longo de 2000 mil anos de história, sofreu diversas influencias e interpretações equivocadas.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Os crentes precisam ser novamente evangelizados!


"É preciso evangelizar os crentes"!

Assim dizia no púlpito o pastor responsável pela igreja onde eu me congregava anteriormente aqui em Nova Friburgo.

Já foi tempo em que eu comemorava o aumento do número de evangélicos no Brasil como se isto fosse um grande avanço para a nação. Cada vez que ouvia notícias sobre a expansão do protestantismo no mundo iludia-me pensando que de fato o planeta estaria sendo bem preparado para a gloriosa volta de Jesus. E pensava deste jeito mesmo durante os doze anos em que passei desviado da frequência dos cultos numa igreja, supondo que, apesar de todos os erros dos pastores, seriam eles quem de fato estariam anunciando a salvação de Cristo.

Até então eu tinha profunda aversão pelo catolicismo, espiritismo, religiões afro, seitas orientais e testemunhas de Jeová. Era capaz de ver distorções das mensagens e práticas dos padres católicos, mas me recusava a encarar os absurdos ditos pelos pastores. E, no fundo, eu sentia era medo de desafiar a suposta autoridade daqueles que intitulavam ser os verdadeiros líderes ainda que eu andasse distante da Igreja.

Hoje em dia percebo o quanto muitos evangélicos estão deixando de desfrutar do reino dos céus por causa de pastores moralistas e vendedores de ilusões que adulteram a mensagem do Evangelho prometendo soluções para os problemas imediatos das pessoas. Líderes que, ao invés de ensinarem sobre o significado do que é viver em Cristo, levam milhares de ouvintes ao engano, alienando multidões e subtraindo do pobre o pouco recurso financeiro que lhe resta.

Fico muito triste em ver pessoas andando cegas atrás destes homens. Aqui em Nova Friburgo, já vi muita gente comprando até ingressos em anos anteriores para assistir alguns dos pastores midiáticos pregarem no estádio do clube do Friburguense. Lembro da vez em que o Marco Feliciano e outros caras vieram aqui e, na época, minha esposa achou um absurdo cobrarem para assistir uma pregação. Então uma de suas amigas chegou a comprar um ingresso, tirando do próprio bolso, para que Núbia fosse com elas. Só que, felizmente, minha mulher não embarcou nesta.

Ultimamente minhas maiores decepções com os evangélicos tem sido por causa do discurso político fundamentalista que certos líderes têm feito, alimentando cada vez mais a ignorância do povo. Foi o que assistimos durante as eleições de 2010 e também agora após o STF ter aprovado a união estável entre homossexuais em que o "pastor" Silas Malafaia tem convocado um protesto contra a união gay para o dia 29 de maio em frente ao Congresso Nacional.

Sinceramente eu não vejo respaldo bíblico para que o Sr. Silas Malafaia convoque um protesto com este objetivo, sendo que o reconhecimento da união estável entre homossexuais, ou mesmo se fosse o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, em nada pode afetar a Igreja.

O fato do STF ter reconhecido a existência da união estável entre homossexuais, que é um fato social já existente no nosso meio, não significa que o Silas Malafaia vai ser obrigado a celebrar cerimônias de compromisso gay ou lésbico na sua denominação religiosa. Só que as lideranças homossexuais, na prática, não tem brigado por isto. Pois mesmo que um ou outro chegue a propor coisas absurdas tipo impedir a produção de bíblicas, sabe-se que exageros existem em todos os movimentos da sociedade ocorrem exageros que não se tornam representativos.

Contudo, líderes enganadores como o Sr. Silas Malafaia sempre existiram e o que mais me incomoda é o fato das pessoas quererem ser enganadas. Pois vejo que o povo brasileiro preferiu trocar a gaiola dos padres pelos grilhões do evangelicalismo mas até hoje recusa a viver a liberdade para a qual Cristo nos chamou.

Neste sentido, gostaria aqui de compartilhar estes trechos do interessante artigo escrito pelo irmão Hermes C. Fernandes em seu blogue:

"É triste constatar que há muitos tirando proveito do rebanho de Deus. Usam da credulidade do povo para alcançar seus fins, nem sempre louváveis. Fazem promessas mirabolantes, que jamais poderão cumprir. Loteiam o céu, e vendem o que jamais podem entregar (...) Infelizmente, o povo de Deus tem sido massa de manobra nas mãos desses homens inescrupulosos (...) Vemos muito abuso de autoridade, em que a vida privada das pessoas é invadida, e seus direitos violados (...) Tudo começa com um inofensivo alçapão estrategicamente armado. Desavisado, o pássaro avista um pouco de comida e logo se aproxima. Depois de pego é levado para uma gaiola. Seja de bambú ou de ouro, gaiola é gaiola. Pássaros foram feitos para a liberdade. Engaiolado ele até canta, mas de saudade de voar livremente. Ninguém tem o direito de invadir a privacidade de outrem, ditando o que lhe é ou não permitido fazer (...) Alguns, mais escrupulosos, apresentam tais regras como “princípios”, ignorando toda e qualquer regra hermenêutica. O Evangelho acaba sendo transmitido como uma receita de bolo. Se as pessoas fizerem tudo direitinho, hão de colher os resultados esperados Todo tipo de arbitrariedade é praticado, usando como pretexto a autoridade espiritual que recai sobre o líder. A doutrina que advoga a infalibilidade papal agora encontra seu par entre os herdeiros da Reforma Protestante. Quem quer que ouse questionar o líder, é chamado de rebelde, e, por isso, deve ser expurgado, excomungado, excluído do meio do rebanho. Em alguns casos, o pastor se acha no direito de dizer com quem a pessoa deve se casar, onde deve morar, em que deve trabalhar, e etc. Não atender às ordens pastorais é insubmissão que deve ser rigorosamente punida (...)" (extraído de http://www.hermesfernandes.com/2010/05/fuja-da-gaiola-dos-aproveitadores-da-fe.html#comment-form)

É triste ver que a religião cristã no Brasil não está promovendo o esclarecimento do povo e sim investindo na sua alienação. Um pastor que deveria estar estimulando a tolerância dos crentes em relação aos homossexuais, na prática acaba gerando mais conflitos e fechando a porta do Reino dos Céus para milhões gays e lésbicas, os quais tornam-se cada vez mais resistentes quando alguém vem lhes falar sobre Jesus.

Por causa destas e outras, cada vez mais concordo com o Caio Fábio quando ele faz suas críticas ao sentido atual dos termos evangélico e cristão. Hoje em dia para comunicarmos o Evangelho da graça a alguém é melhor não nos identificarmos mais com a cristianismo e suas ramificações, mas unicamente com o Cristo. Logo, quando digo pra alguém que sou cristão, faço questão de explicar qual o signicado pra mim desta palavra que é o de seguir a Jesus não a nociva religião cristã.

Todavia, quando me deparo com a desevangelização feita pelos evangélicos e cristãos de um modo geral, percebo que a tarefa de anunciar as boas novas é algo árduo e parece não ter mais fim. Pois se os que antes eu considerava como porta-vozes do Evangelho de Cristo agora precisam ouvir novamente, sinto que o parto do novo nascimento parece nunca ter fim. A impressão aparente que se tem é que as pessoas dão um passo pra frente e dois para trás.

Independentemente das coisas desanimadoras que vejo, sou otimista quanto ao futuro. Chego à conclusão de que todos precisamos ser permanentemente evangelizados e que as recaídas individuais ou coletivas fazem parte da nossa trajetória. Sei que, apesar de toda obscuridade que vejo no cristianismo, Deus está no final desta história e os acontecimentos frustrantes servem de ocasião para experimentarmos o nosso crescimento e amadurecimento.

domingo, 8 de maio de 2011

Seguir a Cristo mesmo na adversidade

Pode-se dizer que ainda é recente a decepcionante atuação da Igreja europeia durante o contexto do nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial. Tratou-se de uma época em que as instituições religiosas (católicas e também protestantes) silenciaram-se diante das brutalidades praticadas por Hitler.

O filme Amém (2002), dirigido por Costa-Gavras, retrata muito bem a omissão dos cristãos alemães quanto às pretensões e atrocidades do Regime Nazista em que o Papa Pio XII decidiu por não manifestar-se abertamente contra o genocídio dos judeus. Porém, contrariando a inoperância das instituições do cristianismo, houve indivíduos que não negaram sua fé e tentaram atos heroicos isolados como fez, por exemplo, um padre jesuíta italiano, personagem do filme que, desiludido com a omissão do Vaticano, optou pelo martírio no campo de concentração.

Refletindo sobre esta triste página da história eclesiástica, ocorrida há menos de um século, percebo o quanto é desafiador seguir a Cristo contrariando o jogo sujo do poder político e preservarmos a fé através de atitudes ousadas. Pois vejo que, nestas horas, o nosso discurso é provado.

Atualmente, em Nova Friburgo, vejo que a Igreja local enfrenta o seu momento de prova em face do jogo das autoridades municipais e regionais. Meses após a maior tragédia climática da história da cidade, pessoas ainda estão vivendo dentro de abrigos, a construção de casas populares continua sendo promessa só dos governantes, os donativos para as vítimas não são distribuídos como deveriam e políticos de má-fé ainda tentam tirar proveitos eleitorais com esta situação de necessidade.


Diante de uma situação destas, como deve agir a Igreja? Calar-se como tem feito na maioria das vezes? Ou tomar o caminho da Cruz protestando publicamente mesmo que a posição assumida lhe custe a perda de certos benefícios ou privilégios de seus líderes?

Embora hoje não haja mais uma polícia secreta a exemplo do que ocorreu no Regime Nazista, sabemos que existem outros mecanismos de controle e repressão manipulados pelas autoridades na tentativa de silenciar a voz profética.

Numa cidade pequena como Nova Friburgo, quantos pastores não trabalham para uma Prefeitura ou têm parentes que dependem de um cargo no governo municipal?

Quantos líderes religiosos não têm interesses relativos às próximas eleições?

Quantas igrejas não buscam conseguir espaços na mídia para suas programações religiosas através do relacionamento com políticos?

Quantos líderes não dependem da preservação de sua boa imagem perante a opinião pública?

Ora, será que a Igreja de hoje está realmente disposta a passar por críticas, calúnias, difamações, injúrias, sofrer vergonha e falta de assistência oficial por amor a Cristo?

Talvez muitos pensem que suportam tudo pela fé que confessam em Deus e nos fundamentos do cristianismo. Porém, Jesus disse que quando praticamos algo em benefício dos "pequeninos" é a ele que estamos fazendo. E, quando negamos nossa assistência às pessoas necessitadas, estamos deixando de assistir o próprio Cristo.

Sinceramente, ando triste com a atuação da Igreja friburguense pois me parece que mais uma vez na história estamos deixando passar a oportunidade de nos conformar com os sofrimentos de Cristo.

Quatro meses depois da tragédia de 12 de janeiro, vejo as instituições retornando às suas atividades rotineiras como se nada tivesse acontecido. Lamentavelmente observo líderes mais uma vez promovendo a alienação do povo e, frequentemente, ainda ouço pessoas ignorantes querendo atribuir a causa da catástrofe a atos individuais isolados como se Deus tivesse resolvido castigar a cidade por causa do desejo sexual das pessoas, por estas terem optado por um modo de vida mais secularizado, ou pela ausência delas nos cultos eclesiásticos dentre outros argumentos proselitistas que não enfrentam o real problema.

Sinceramente, não desprezo o recado que a tragédia nos mandou visto que para mim cada acontecimento é rico em significado, mesmo os mais tristes. E, sem dúvida que, por trás dos desabamentos, existe não só o fato natural como também o nosso lado ético em relação à natureza e ao direito social do nosso próximo considerando que o Poder Público até hoje nega o direito das pessoas habitarem as áreas mais propícias para moradia do espaço geográfico em razão da especulação imobiliária. Isto sem nos esquecermos da falta de consciência do eleitor e de sua trágica omissão.

Minha oração é que, neste momento, a Igreja em Nova Friburgo desperte, não entre no jogo sujo da política e se lembre da sua missão profética, não deixando de denunciar as irregularidades na nossa cidade.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Aprendendo a conviver com os defeitos

Aquele que efetivamente cura feridas é o ferido
(Henri Nouwen)

Por muitas vezes já desanimei e me decepcionei comigo mesmo por ter reincidido nos mesmos erros, os quais gostaria de nunca mais praticar. Após várias quedas constantes, cheguei a amargar um terrível sentimento de frustração com a minha vida religiosa, deparando-me com a dura realidade de continuar sendo o mesmo vacilão de sempre, mesmo depois de ter feito uma sincera confissão de fé, recebido o batismo, participado da celebração da Santa Ceia e dispensado uma parcela de meu tempo com orações, vigílias, cultos na igreja, leituras bíblicas, visitas a irmãos, atividades ministeriais, etc.

Certamente que, nos primeiros momentos de minha caminhada, eu costumava iludir-me pensando que, depois de pedir perdão deste ou daquele erro numa ocasião que julgasse especial (o utópico dia perfeito), tudo seria diferente e eu iria “aprender a ser gente” como diz um trecho da música de Roberto Carlos. Então, sem total consciência de que o orgulho moralista não valia nada, vestia a máscara de jovem religioso e espiritual de modo que, muitas vezes, agia com certa insensibilidade quanto às demais pessoas em dificuldades, deixando-me de relacionar melhor com elas e supondo presunçosamente que todos deveriam passar pelos mesmos métodos religiosos que eu. Só que,m quando tropeçava, já não sabia mais aonde enfiar acara até que, ao 17, deixei de congregar-me na Igreja, ficando uma dúzia de anos sem conviver com um grupo de irmãos.

No fundo a máscara religiosa foi apenas mais um disfarce que utilizei covardemente para encobrir meus dramas, os quais se traduziam numa necessidade de aceitação, amizade, reconciliação, segurança e amor. Em meu interior escondia um Rodrigo angustiado, ansioso, inseguro, hipersensível e que tinha muitas lágrimas represadas para chorar.

Hoje não nego que ainda sou aquilo que as minhas palavras bem ou mal tentam expressar (é muito difícil falar de si), mas o que posso compartilhar é que não deixo de receber graça da parte de Deus para conviver com os meus defeitos. Pois tenho aprendido que a realidade inclui a existência das incorrigíveis inclinações para o mal, o que deve coexistir com um processo de aperfeiçoamento diário em busca de uma convivência melhor com a vida.

Aceitar a mim mesmo com todos os erros e falhas acabou se tornando em bênção. Pois descobri que expondo os meus defeitos ajudo pessoais em situações semelhantes, sendo que mais teria a aprender com os de alma enferma do que com aquelas que se consideram boas. E, nas vezes em que me dispus a cuidar do fraco, paradoxalmente recebi força e uma revelação do amor divino em meio às dificuldades.

Curiosamente a ferida de Jesus na cruz serve-nos de símbolo para a cura humana e aponta o caminho a ser percorrido afim de entrarmos em acordo com a nossa natureza errante. Pois no seu martírio, Jesus não fez nenhum milagre e disse poucas palavras, portando-se como um cordeiro indefeso nas mãos dos seus tosquiadores, bem como deixando que o oprimissem e o envergonhassem publicamente. Ali, naquele momento de dor, não houve transfiguração, nem descida de anjos, tempestade acalmada, gente andando sobre as águas ou multiplicação de pães, mas tão somente um homem gemendo: “Deus meu! Deus meu! Por que me desamparaste?”

Atualmente procuro entender cada falha pessoal como uma oportunidade para o meu bem e de outros. Não que eu queira cultivar defeitos, mas apenas admito a impossibilidade de removê-los de modo que me contento em apenas passar por eles, o que significa buscar um diálogo pacificador com meus desejos, com meu próximo e com o universo em minha volta, descansando no incondicional amor de Deus.


OBS: A foto acima refere-se à "Cachoeira da Jornada" e pertence a três CDs foram cedidos pelo meu amigo Jorge Elpídio Medina, apelidado como Passarinho. Ele é autor de um projeto de inventário geográfico e hidrográfico do município de Cachoeiras de Macacu, feito em colaboração com os fotógrafos Denílson Siqueira, André Confort, Yuri Blacheire e Damião Arthur. A escolha da imagem tem a ver com o que um historiador amigo meu no Café História certa vez escreveu:

"A vida é como um rio, as águas passam, mas o leito muda pouco. Assim sendo, novas visões podem apreciar antigos fatos."
(Ivani de Araujo Medina)

domingo, 1 de maio de 2011

Pensamentos sobre o trabalhador no século 21


"Como será o amanhã
Responda quem puder
O que irá me acontecer
O meu destino será como Deus quiser"

(João Sergio)


Na medida em que avançamos no tempo, perguntas começam a surgir sobre o que vai caracterizar as relações trabalhistas nas próximas décadas deste século cheio de incertezas.

Sem dúvida que há muitas tendências em curso não só quanto ao trabalho como também nas tecnologias, na educação, na família, nas habitações e na sociedade em geral. Algumas mostram-se otimistas enquanto outras são bem pessimistas. Contudo, muitas delas representam apenas mudanças sem nenhum ganho qualitativo podendo assim dizer.

Frequentemente ouço dizer que, na próxima década de 2020, haverá uma redução radical na jornada de trabalho. Fala-se, por exemplo, que mais pessoas trabalharão cerca de 25 horas por semana, significando que os empregados permanecerão nas suas empresas umas cinco horas diárias com mais tempo livre para dedicar-se à família, ou que, dependendo da atividade desenvolvida, o serviço prestado poderá limitar-se a apenas três diárias de oito horas sobrando quatro dias completamente livres para o lazer na semana.

Ora, este conto do país de Alice seria bom demais caso o empregado não estivesse levando tarefas para casa, o que está se tornando cada vez mais comum com a popularização da internet. Pois, embora seja justo e necessário que as empresas reduzam a jornada de trabalho dos seus funcionários afim de viabilizar a inclusão de mais gente no mercado de trabalho, sabe-se que isto é coisa difícil de acontecer na prática. Até porque, quando o patrão encontra um bom empregado, a empresa dá preferência aos eficientes serviços de uma só pessoa do que ampliar a equipe treinando e motivando mais pessoas.

Outrossim, mesmo que a tendência de redução da jornada de trabalho seja real no primeiro mundo, não acho que, nos países subdesenvolvidos ou emergentes, como é o Brasil, veremos as mudanças positivas acontecerem em tão pouco tempo. Pois, mesmo com o crescimento da nossa economia, sabe-se que as elites latino-americanas são muito atrasadas, os governantes extremamente corruptos e a maioria da sociedade sem uma consciência ainda desenvolvida para lutar em favor da ampliação de seus direitos.

Paralelamente a esta discussão, uma quadro mais preocupante vem sendo desenhado desde a década de 90 do século passado. Trata-se da estabilidade do trabalhador no seu emprego cada vez mais ameaçada e que tem interferido negativamente nas relações familiares e sociais de maneira drástica.

É fato que, atualmente, os contratos de trabalho têm durado cada vez menos, principalmente em países periféricos como o Brasil, como se o ser humano pudesse ser usado e depois descartado para a execução de uma determinada atividade. Então, se a economia está aquecida, o trabalhador encontra uma relativa oferta de vagas. Entretanto, quando há uma crise recessiva, milhões de homens e mulheres perecem sem opção empregatícia em seus países, perdendo o precioso tempo e sofrendo abalos psicológicos com o sentimento de não ter mais rumo certo.

Atualmente é assim que tenho visto uma grande parcela da população brasileira de meia idade ou que já se aproxima da velhice e ainda não preencheu os requisitos para aposentar-se ou ter acesso a benefícios assistenciais como o LOAS. Pois, vivendo num mundo em que o mercado de mão-de-obra é instável, o trabalhador precisa ser cada vez mais polivalente para adaptar-se às diferentes tarefas, sem que haja um programa de reciclagem ou atualização dos profissionais mais maduros. E aí, junto com esta tendência perversa, vem também o hediondo preconceito contra pessoas com mais idade que ainda é muito forte aqui no Brasil.

Dias angustiantes vivem tanto os trabalhadores quanto os aposentados, mas hoje são estes quem mais andam conscientes durante o breve instante de crescimento da economia do país, o qual pode não durar por muitos anos. Pois, enquanto a média salarial cresce diretamente proporcional ao aumento momentâneo da oferta de mão-de-obra, nossos idosos têm que enfrentar um custo de vida cada vez mais elevado com mais necessidades em relação à saúde e vendo os preços das coisas inflacionarem a cada ano (ou meses).

Não podemos esquecer que amanhã o Brasil poderá ser um país de idosos já que a taxa de fecundidade da mulher brasileira hoje é em torno de 1,8 filhos, o que é abaixo da taxa de reposição populacional de 2,1 filhos por mulher. Só que para equilibrar esta situação e também cobrir o rombo praticado por décadas na Previdência Social, o governo foi concedendo reajustes nos benefícios do INSS sempre menores do que o percentual do aumento de salário, o que reduz o poder sensivelmente o poder de compra dos idosos e viola frontalmente a dignidade da pessoa humana.

Como poderemos nos posicionar diante de todas estas tendências negativas articuladas dentro dos gabinetes dos políticos e nos escritórios das poderosas instituições financeiras?

Sinceramente, não vejo outra saída senão uma mobilização de todos os trabalhadores do mundo, incluindo desempregados, aposentados, autônomos, profissionais, liberais, empresários de pequeno porte e funcionários públicos afim de que todos nós tenhamos mais influência sobre as decisões estatais (leis e medidas do governo), bem como em relação às demandas do mercado de mão-de-obra. E, embora hoje os tempos sejam outros e bem diferentes do contexto das revoluções socialistas que marcaram o século XX, mais do que nunca esta frase profética de Karl Marx e Friedrich Engels, expressa no Manifesto Comunista, permanece atual para os nossos tempos, bastando que se substitua o termo "proletários" por trabalhadores:

"Trabalhadores de todos os países, uni-vos!"


OBS: A foto acima de Karl Marx foi tirada em 1875 por John Mayall.