Dia 20 deste mês, completaram três meses que tenho vendido picolé na praia. Uma experiência que, em outros tempos, meu ego talvez não admitisse.
No entanto, não me envergonho desse trabalho. Graças a esta porta que Deus me abriu, consegui pagar minhas dívidas, a quota única do IPTU do imóvel onde moro em Muriqui e ainda a anuidade da OAB que, neste ano, sofreu alto reajuste.
Neste tempo todo, tive momentos bons e outros difíceis. Em algumas ocasiões em que, devido às chuvas frequentes ou ao movimento fraco, não vendi nem 20 sorvetes no palito. Já no período do Carnaval, mesmo competindo com muitos vendedores vindos de fora, conseguia fazer 100 reais em poucas horas de trabalho. Porém foram dias bastante cansativos em que folguei apenas nos sábados.
Poucos entendem por que não trabalho aos sábados, mas é que busco seguir o 4º mandamento da Bíblia - o shabat. Pra mim, não existe obrigatoriedade de descansar justamente no sábado, mas foi o dia que melhor me serviu desde que passei a observar o preceito por volta de 2008 quando tinha compromissos com a igreja aos domingos. Experimentei e deu certo!
Vender picolé na praia não é coisa tão fácil assim. O desgaste físico é grande. O ambulante expõe-se a insolação, a problemas vasculares e a desenvolver um câncer de pele. Daí a necessidade frequente do uso de um bom protetor solar de modo que minha esposa costuma me lembrar deste importante detalhe quando saio de casa.
Não tenho pretensões de ficar vendendo picolé na praia o resto da vida pois quero ampliar minha capacidade de renda. Voltar para a antiga profissão de advogado não sei se quero porque detesto qualquer coisa que me prenda (e ainda estou vinculado a umas poucas dezenas de processos judiciais). E, assim, posso dizer que sair andando pela praia gritando "olha o picolé" preenche um pouco essa minha necessidade de deslocamento no espaço que antes tentava saciar pelas caminhadas no meio rural.
Será a venda de picolés uma terapia pra mim?
Talvez sim. Por mais que eu veja os mesmos pontos geográficos quando estou andando pela praia de Muriqui (Jaguanum, Restinga de Marambaia, parte da Ilha de Itacuruçá, Ilha Grande e outras praias da Baía de Sepetiba), a paisagem nunca é a mesma. O céu com suas sempre está diferente e Deus sempre nos reserva uma experiência nova. Algo que vem para nos ensinar.
Um dos ensinamentos que tenho recebido com a venda de picolés diz respeito à valorização do trabalho. Logo que comecei, procurei saber qual era o preço dos outros vendedores para não ter problemas com ninguém. Disseram-me que o preço era de R$ 2,00 por cada picolé. Mas não demorou muito, eu estava fazendo promoções tipo "3 por R$ 5,00" ou "pague três e leve quatro". Comecei a arrumar encrenca e não demorou para meus colegas chamarem a minha atenção. Até o meu fornecedor veio me dar um toque.
Com o tempo, vi que o cartel dos vendedores na praia era mais do que justo (nem tudo o que é legal é justo). As coisas andam muito caras e o serviço tem que ser valorizado. Afinal, entregamos o produto no local onde o cliente se encontra sem que este precise se levantar, caminhar a alguma sorveteria, entrar numa fila e retornar com o picolé começando a derreter.
Assim, estou aprendendo algo que deveria ter posto em prática logo que comecei a advogar em 2005. Deveria ter valorizado mais o tempo que passei numa faculdade e cobrado pelos serviços. Não deveria ter dado tanta consulta e orientação de graça para as pessoas. Deveria ter sido mais profissional, talvez montado um escritório ao invés de atender na própria residência, e procurado praticar o mesmo que outros colegas mais experientes já faziam.
Esta manhã estou um pouco cansado porque trabalhei cerca de oito horas direto ontem. Neste momento, estou em Mangaratiba digitando o texto num local de acesso grátis da Prefeitura. Tenho um compromisso às 10 horas e, à tarde, pretendo estar novamente caminhando na areia de Muriqui. Se Deus quiser.
OBS: Imagem extraída da Wikipédia em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Icepop-green.jpg