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quarta-feira, 30 de maio de 2012

O bendito “desperdício” na casa dos pobres


Há uma passagem nos evangelhos que nos leva a refletir sobre o sentido das boas ações que deve ser buscado e praticado.

Tanto Mateus quanto João trazem seus respectivos relatos sobre uma mulher que ungiu a Jesus com um caro perfume oriental. No texto do quarto evangelho, tal personagem é identificada como sendo a Maria de Betânia (uns a confundem também com Maria Madalena ou com aquela que enchugou os pés do Senhor com os cabelos) e o discípulo que a critica o escritor diz que seria Judas Iscariotes, o traidor. No entanto, prefiro mais a mensagem de Mateus porque, mantendo as pessoas no anonimato (exceto o anfitrião e o local), inclui a todos nós nos julgamentos injustos que frequentemente cometemos.

“Ora, estando Jesus em Betânia, em casa de Simão, o leproso, aproximou-se dele uma mulher, trazendo uma vaso de alabastro cheio de precioso bálsamo, que lhe derramou sobre a cabeça, estando à mesa. Vendo isto, indignaram-se os discípulos e disseram: Para que este desperdício? Pois este perfume poderia ser vendido por muito dinheiro e dar-se aos pobres. Mas Jesus, sabendo disto, disse-lhes: Por que molestais esta mulher? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os pobres, sempre os tereis convosco, mas a mim nem sempre me tendes; pois, derramando este perfume sobre o meu corpo, ela o fez para o meu sepultamento. Em verdade vos digo: Onde for pregado em todo o mundo este evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua.” (Mt 26.6-13; ARA)

Em seu ministério, muitas vezes Jesus deixou de fazer a sua própria vontade em benefício do próximo ensinando-nos o que é o amor. Seu discurso contra o acúmulo das riquezas e defendendo o pobre foi feroz em vários momentos. Lembrando Sofonias 2.3, o Sermão da Montanha é iniciado tendo a figura do pobre na base ética de seu discurso (Mt 5.3) e que se repete nas bem-aventuranças de Lucas (6.2). Na primeira missão apostólica, os seus discípulos foram proibidos de levar bens em excesso (Mt 10.9-10). Suas boas novas são direcionadas ao pobre (Lc 7.22), confirmando para ser para este público o envio do Messias prometido (Is 11.4; 61.1; Sl 72.12-13). No episódio envolvendo o jovem rico, Jesus chega a dizer que é mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus (Lc 18.24-25). E, considerando o contexto evangelístico da obra de Mateus, eis que, no Sermão Profético, o Cristo chega a ser identificado com os pobres “pequeninos” (Mt 25.35-40).

Curiosamente, na cidade de Betânia (nome que significa “a casa dos pobres”), Jesus permite que o seu próprio corpo torne-se daquele ato de generosidade e de consagração. Sua alma altruísta nem precisava receber a luxuosa oferta. Porém, naquele momento, o Senhor permitiu que a mulher praticasse a sua boa ação sem qualquer censura, vendo naquele gesto uma profunda manifestação de amor.

Qual foi mesmo o valor daquela extravagância?

Segundo o texto joanino seriam 300 denários (Jo 12.5), representando quase que o ano inteiro do trabalho de um homem do povo. Já em Mateus, o preço do perfume seria de 30 siclos que era o preço da vida de um escravo, conforme previsto no Código da Aliança (Ex 21.32). Ou seja, era grana pra caramba! Daria para alimentar muitas pessoas famintas.

A resposta de Jesus aos discípulos foi também muito significativa. Os pobres eles sempre teriam. Porém, o mesmo não seria possível dizer acerca de sua pessoa no meio do grupo já que a hora do martírio estava próxima.

Ao dizer para os discípulos que “os pobres, sempre os tereis convosco” Jesus estava legitimando a opressão e a exclusão afim de que a Igreja se mantivesse inerte em sua luta por Justiça como acabou fazendo na maior parte de sua bimilenar história?

Penso que não. Pois me parece que Jesus estava ensinando sobre como prestar uma assistência mais qualificada ao próximo. Como amar verdadeiramente com intensidade a quem nós conhecemos para não nos perdemos numa fria distribuição de riquezas onde a pessoa ajudada passa a ser mais um número do que um ser.

Será que o trabalho social deve nos tornar tão rígidos a ponto de considerarmos um “desperdício” promover uma festa em benefício de um membro da equipe com direito a bolo, ida a um restaurante ou até mesmo um bom vinho? Iremos limitar a assistência prestada a esmolas?

Acertadamente Jesus ampliou todos os conceitos da Lei de Moisés para que os seus discípulos pudessem contemplar a essência dos mandamentos e experimentassem o amor. Jamais ele se prendeu à rigidez das normas escritas ou permitiu que uma prática de vida viesse a se tornar uma conduta restrita, alienante, bitoladora ou compulsiva. E isso abrange vários atos da vida humana além das doações.

Sendo eu um ecologista, vou sempre ter que deixar de comprar uma rosa para dar de presente a alguém num momento especial só porque estaria contribuindo com uma cultura agrícola que ainda usa muitos agrotóxicos, desperdiça água e ocupa terras férteis que poderiam ser destinadas à produção de alimentos ou mesmo à recuperação dos ecossistemas nativos?

Temos hoje centenas de milhões de habitantes vivendo na mais absoluta miséria ao redor do planeta, o que significa muito mais do que a população mundial na época de Jesus. São pessoas vítimas de um sistema econômico e político excludente. Algo que certamente não se resolve apenas com as anuais campanhas de fraternidade da Igreja Católica ou com um programa oficial tipo o Fome Zero, o Bolsa Família, etc. Mesmo se todos os cristãos decidissem sacrificialmente privar-se de seus luxos, ainda assim seria necessário mais do que dinheiro para que cada indivíduo recupere sua dignidade. Teríamos que derramar vasos de perfumes sobre a cabeça de cada pequenino!

Com seu gesto, Maria de Betânia não apenas reconhecer que o carpinteiro de Nazaré era o Messias (os antigos monarcas de Israel eram ungidos) como também ensinou para todas as gerações o que é amar. Não é por menos que o Mestre ordenou que onde fosse proclamado o Evangelho, houvesse memória daquele extravagante ato de caridade.

Que seja intenso o nosso amor pelos pobres!


OBS: A ilustração acima, “Unção de Jesus”, tem a sua autoria é atribuída a Maitre François (cerca de 1475-1480), tendo sido extraída de http://www.biblical-art.com/artwork.asp?id_artwork=18119&showmode=Full e pela Wikipédia.

terça-feira, 29 de maio de 2012

A causa do Reino e a família

“Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14.26; ARA)

“Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mateus 10.37; ARA)


Em diversos momentos, estes e outros versículos dos evangelhos em que Jesus fala de uma oposição à família parecem-me mal interpretados. Tanto pelos críticos do cristianismo como pelos próprios crentes. Eu mesmo já fiz questionamentos aos ditos atribuídos ao Senhor sobre o polêmico assunto.

Será que Jesus estava pedindo de seus seguidores uma dedicação sectária e que o colocasse acima de todos os afetos?

Teria sido Jesus tão imaturo a ponto de querer impor um amor condicional capaz de gerar uma desajustada cristolatria no meio social?

Por acaso as suas intrigantes palavras devem inspirar ascetismo ou fanatismo?

Não podemos negar que foi com base em passagens bíblicas como esta que representantes do clero católico começaram a promover a defesa de um celibato disciplinar. Muitos padres ainda advogam a ideia de que o próprio Jesus teria encorajado outros homens a segui-lo e estabelecendo como preço o abandono dos compromissos familiares como se tais responsabilidades fossem incompatíveis com o exercício ministerial na Igreja.

Mas afinal de contas, o que a mensagem de Jesus quer mesmo nos dizer?!

Para responder a esta indagação, só posso buscar entendimento através da experimentação do Evangelho nos dias atuais por meio de pessoas que realmente dedicam-se à causa de transmitir as boas novas ao mundo.

Antes de mais nada, compartilho que, na minha visão, o compromisso da causa do Evangelho é bem mais sério do que simplesmente trabalhar para uma organização religiosa. A causa do Reino requer determinação e desprendimento do ministro eclesiástico afim de que ele contribua para a promoção de mudanças profundas na sociedade. E aí o comportamento adotado poderá desagradar a própria família em vários aspectos.

No século XIX, Friedrich Engels (1820-1895) estabeleceu bem a relação existente entre a propriedade e a família em seu livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884). Porém, muitos séculos antes do capitalismo moderno, Jesus teria chegado a considerações críticas não tão distantes do filósofo burguês comunista, percebendo o quanto a sociedade familiar é capaz de dificultar a ação de um membro que se propõe a se tornar um agente de transformação do Reino. Conta o Evangelho de Marcos que, após uma divergência com os fariseus, Maria e os irmãos do Senhor teriam vindo ao seu encontro porque entendiam que ele estivesse “fora de si” (Mc 3.21):

“E, quando os parentes de Jesus ouviram isto, saíram para o prender; porque diziam: Está fora de si (…) Nisto chegaram sua mãe e seus irmãos e, tendo ficado do lado de fora, mandaram chamá-lo. Muita gente estava assentada ao redor dele e lhe disseram: Olha, tua mãe, teus irmãos e irmãs estão lá fora à tua procura. Então, ele lhes respondeu, dizendo: Quem é minha mãe e meus irmãos? E, correndo o olhar pelos que estavam assentados ao redor, disse: Eis minha mãe e meus irmãos. Portanto, qualquer que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe.” (Marcos 3.21, 31-34; ARA)

Ainda assim, recuso-me a aceitar a ideia de que Jesus encorajasse os seus discípulos a deixarem o relacionamento com seus pais e irmãos, mesmo que ele defendesse a mudança de conceito sobre a família que deveria deixar de ser nuclear para abranger toda a comunidade de Israel.

Ora, sem dúvida que a chegada do reino de Deus requer a tomada de atitudes existenciais, as quais, por sua vez, poderão contrariar os interesses medíocres da família. Ciúmes, preconceitos e apego à reputação de prestígio diante da sociedade são situações que podem conflitar com a vivência do Evangelho.

Baseando-me em minha própria experiência, confesso que tenho sentido um pouco desses conflitos sofridos por Jesus depois que vim morar no Rio de Janeiro ficando mais próximo da família. Até dezembro do ano passado, eu e minha esposa Núbia estávamos vivendo numa cidade onde éramos só nos dois. Mas aqui no prédio onde residimos, estando cerca de duzentos metros de minha mãe e irmãos, não demorei muito para envolver-me com a situação sócio-ambiental dos comunidades carentes no entorno do bairro. Comecei a trazer preocupações quando passei a caminhar por tais localidades, fazendo coisas que o carioca de classe média por motivo de medo, preconceito ou indiferença não costuma fazer. E quando alguém desse social sobe o morro, diz-se logo que foi para “comprar drogas”.

Realmente a maneira “escandalosa” como Jesus agia, pode ter gerado perplexidades em seu meio familiar. Voltando-se para os pobres, prostitutas, publicanos e criticando a hipocrisia dos estimados fariseus da Galileia, não demorou para que a sua própria família resolvesse tomar uma atitude quando, na certa, souberam que até escribas vindo de Jerusalém estavam acusando-o de agir possesso por Belzebu (Mc 3.22). Tanto é que Maria e seus demais filhos vieram para prender o Senhor.

Entretanto, creio que Jesus em momento algum desistiu de seus parentes. Segundo o Evangelho de João, Maria era uma das mulheres que estavam ao pé da cruz junto com o “discípulo amado” que veio a se tornar o “seu filho” (Jo 19.25-27). Entre os que perseveraram em oração nos dez dias após a ascensão e que antecederam ao evento do Pentecostes, sua mãe esteve novamente presente (At 1.14). E, pelo que se conclui a partir de outros escritos do Novo Testamento, Tiago e os demais irmãos do Senhor teriam abraçado a causa do Reino após o testemunho da ressurreição (comparar Jo 7.5; At 12.17; 15.13; 1Co 15.7; Gl 1.19).

Portanto, penso que nunca devemos deixar de lado as nossas famílias, mas também não podemos permitir que interfiram nas escolhas existenciais que fazemos, sendo certo que, mais cedo ou mais tarde, ainda seremos reconhecidos por decidirmos cumprir a vontade do Pai. Por isso, podemos crer que o discipulado de Jesus irá nos proporcionar muitos pais, mães, irmãos e irmãs através de uma vida na comunidade:

“Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe, ou pai, ou filhos, ou campos por amor de mim e por amor do evangelho, que não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irmãs, mães, filhos, e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna.” (Mc 10.29-30; ARA)


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro retratando a crucificação de Jesus feito pelo artista italiano Gentile da Fabriano (1370-1427) que teria vivido no final da Idade Média.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Dias variados no Rio de Janeiro


Estou há mais de 5 meses morando no Rio de Janeiro e confesso que já comecei a gostar de viver na Cidade Maravilhosa. Principalmente nesses dias mais amenos do outono carioca.

A grande vantagem do Rio é que sempre existem opções para uma pessoa divertir-se abrangendo quase todos os gostos. Mesmo com chuva e temperaturas mais baixas, a cidade oferece exposições em museus, cinemas, teatros, shows musicais, eventos, palestras, torneios esportivos, shoppings, supermercados que funcionam 24 horas, igrejas antigas, além da aconchegante casinha da gente. E se o tempo está bom (o Rio tem mais de 200 dias de sol), a bela geografia do município ainda proporciona outras oportunidades de lazer como banhos de mar nas mais variadas praias, caminhadas, passeios na floresta, ida ao zoológico ou ao Jardim Botânico, visita aos tradicionais mirantes turísticos tipo o Pão de Açúcar, Corcovado ou Vista Chinesa, observação astronômica no Planetário da Gávea, uma partida de futebol com os amigos, piquenique na Quinta da Boa Vista, voos de asa-delta, atividades náuticas, etc. E, se com tudo isso, você ainda desejar passar um final de semana num local diferente, não é difícil viajar por causa da grande disponibilidade de ônibus para outras cidades do litoral fluminense, Região Serrana, Zona da Mata mineira, lugares de São Paulo, além das linhas aéreas nos dois aeroportos.

É certo que as condições econômicas limitam a vida de um carioca pobre como eu, mas nem tanto. Para dizer a verdade, tenho me dado por satisfeito em permanecer aqui pelo Rio e suas adjacências, ampliando o meu conhecimento sobre a cidade. Não apenas fazendo turismo interno como também participando da vida comunitária, realizando coisas na região do bairro e relacionadas às minhas atividades profissionais.

Dia 17/05, após ler o texto “O Magnetismo das Catedrais e dos Cinemas de Outrora”, no blogue Ensaios & Prosas, tive um ataque de nostalgia. Depois de compartilhar os meus comentários acerca do artigo no site, resolvi ir com Núbia ao Shopping Iguatemi, no bairro vizinho de Vila Isabel, afim de assistirmos Paraíso Artificiais. Fazia um tempão que eu não entrava num cinema!

Minha esposa gostou bastante do filme. O tema da obra é sobre o uso de entorpecentes e mostra a alienação da juventude que envereda por esse triste caminho em busca de experiências nada construtivas. E o que mais me chamou a atenção, além da beleza das atrizes Nathalia Dill e Lívia de Bueno, foi a percepção do ponto de vista do drogado, de modo que pude refletir sobre o ambiente relacionado ao consumo dessas substâncias destrutivas nas agitadas discotecas com aquelas luzes piscando o tempo todo.

No decorrer da semana passada, dividi o tempo trabalhando, indo a uma reunião com os integrantes do movimento Amigos do Rio Joana no morro do Andaraí (outro bairro vizinho ao meu), preparando uma palestra na Semana Acadêmica do campus da Universidade Cândido Mendes (UCAM) em Nova Friburgo, acompanhando minha esposa em sua sessão de acupuntura na Tijuca e, finalmente, viajei para a região serrana afim de apresentar-me aos alunos na sexta-feira (25/05).

Tendo sido convidado pela atuante professora Janaína Botelho, falei sobre As leis do Antigo Oriente Próximo e Alguns Aspectos Comparativos entre o Direito Hebraico e o Direito Mesopotâmico, dentro da temática da disciplina História do Direito que ela leciona na UCAM. Fui muito bem recebido pelo professor Francisco Assis Corrêa Barbosa, coordenador geral do curso, com quem conversei por quase uma hora assim que cheguei. Após a exposição da palestra no auditório da instituição, prevista para começar às 19 horas, ainda permaneci ali debatendo e respondendo às perguntas dos participantes, pelo que devo ter saído de lá após às 22 horas. Acabei dormindo em Nova Friburgo de sexta pra sábado e retornei pra em casa apenas no meio da tarde.

E se vocês pensam que passei o meu domingo em casa descansando, estão enganados!

Ontem, logo que acordei e fiz minha leitura da Bíblia (estou estudando o livro de Esdras), decidi sair com Núbia. Primeiro andamos pela feirinha da Prefeitura que rola todo final de semana aqui na pracinha Edmundo Rego, no bairro Grajaú, e fomos comer os saborosos bolos feitos por uma senhora que fica numa barraca quase em frente à avenida Júlio Furtado e cujos doces lembram aquelas delícias com as quais nos fartávamos quando moramos em Nova Friburgo. Então, abastecidos de glicose e de carboidrato, tomamos um ônibus rumo ao Centro do Rio e descemos na Praça XV de onde fomos caminhando à parte histórica para o lado da igreja da Candelária.

Diferentemente das outras ocasiões já relatadas neste blogue, em que eu mesmo tinha levado Núbia aos locais, desta vez foi ela quem me sugeriu o roteiro. Fui conhecer o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), situado no número 66 da Rua Primeiro de Março, o qual minha esposa já frequentava muito antes de começarmos a namorar em fevereiro de 1999. Visitamos a Galeria de Valores com sua imensa coleção de moedas de diversas épocas e países (2000 peças do acervo numismático do BB), as exposições sobre a Amazônia e também mostrando um pouquinho da cultura dos maias da América Central.

Prosseguimos o passeio pelo resto da tarde indo ao Centro Cultural dos Correios e, finalmente, na Fundação Casa França-Brasil. Antes, porém, alimentamo-nos ali mesmo pela área do Corredor Cultural do Rio de Janeiro e fomos a um restaurante especializado em frutos do mar na Rua Visconde de Itaboraí. Núbia pediu uma porção de sardinhas fritas com limonada suíça. Já eu preferi degustar um queijo de cabra temperado com uma tacinha de vinho tinto. E ficamos só nos aperitivos mesmo porque os preços dos pratos estavam relativamente caros para os nossos bolsos.

Apesar dos valores cobrados pelos bistrôs e restaurantes que existem na área Corredor Cultural, até que o passeio é bem acessível à população carioca já que, nos locais onde visitamos, a entrada é gratuita. São todos prédios antigos e que alcançaram importância na história da cidade, lembrando a opulência da época imperial e da primeira república quando o café impulsionava a economia brasileira. Só os elevadores do CCBB e do antigo edifício dos Correios são chiquérrimos!

Além das exposições, pode-se usufruir de bibliotecas, música teatro e cinemas, com as devidas adaptações para as pessoas portadoras de necessidades especiais. O ingresso para assistir filmes no CCBB custa R$ 6,00 (seis reais) e R$ 3,00 (três reais) a meia-entrada. Enfim, dá para todos (ou quase todos) os moradores do Rio conhecer, caso queiram.


OBS: A primeira imagem deste artigo refere-se a uma foto do prédio da Fundação Casa França-Brasil extraída da Wikipédia, em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:CasaFrancaBrasil-CCBY.jpg cuja autoria é atribuída a um usuário do Flickr com o pseudônimo de "canoafurada". Já a segunda ilustração diz respeito à Semana Acadêmica que está ocorrendo em maio deste ano no campus da Universidade Cândido Mendes, da qual participei com muito gosto. E, finalmente, a terceira imagem mostra o edifício do Centro Cultural dos Correios que obtive junto ao site da instituição em http://www.correios.com.br/sobreCorreios/educacaoCultura/centrosEspacosCulturais/CCC_RJ/default.cfm  . Finalmente, compartilho um trailer do filme Paraísos Artificiais que assisti com Núbia dia 17.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

As leis reparatórias dos sumerianos, o talião e o enigma do perdão

Muitos séculos antes de Moisés, o direito dos povos começou a ser escrito pelos sumérios em estelas e tábuas de argila na antiga Mesopotâmia, nome este dado pelos gregos ao atual Iraque significando “terra entre rios”.

Situada entre os rios Tigre e o Eufrates, a Mesopotâmia pode ser considerada o berço da nossa civilização ocidental. Formada por inúmeras cidades-reino, eis que vários povos de origens diferentes fixaram-se ali. Nas férteis planícies do sul, estavam os sumérios que alguns místicos acreditam terem-se originado da lendária Atlântida. No centro, uma região de características mais árida, encontrávamos os acadianos. E, ao norte, os assírios que habitavam as montanhas. A economia era agropastoril e havia um considerável comércio fluvial com embarcações subindo e descendo.

Diz a Bíblia que o patriarca Abraão teria vindo de Ur dos caldeus, povo este que só ocupou tal cidade por volta do século IX a.C. Antes disto, porém, Ur chegou a ser um grandioso reino em sua terceira dinastia sob o governo do monarca Ur-Nammu, cerca de 2111 a 2094 a.C., tendo estendido os domínios territoriais de seu país sobre Eridu, Uruk, Nipur, Larsa, Késh e outras cidades menores da Mesopotâmia. Ao seu filho Shulgi (c. 2050 a.C) é atribuída a autoria do código de leis mais antigo até hoje encontrado pelos pesquisadores, tendo sido traduzido por Samuel Noah Kramer (1897-1990) na década de 50 da nossa era.

Eis aí algumas disposições do Código de Ur-Nammu:

1. Se um homem matar outro homem deverá ser morto.
2. Se um homem for culpado de roubo deverá ser morto.
3. Se um homem for culpado de seqüestro deverá ser preso e condenado a pagar 15 shekels de prata.
4. Se um escravo se casar com uma escrava, e esta cativa for posta em liberdade, então nenhum dos dois poderá deixar o cativeiro.
5. Se um escravo se casar com um indivíduo livre, deverá entregar o primeiro filho da união para o seu dono.
6. Se um homem deflorar a esposa virgem de outro homem ele deverá ser morto.
7. Se uma mulher casada dormir com outro homem ela deverá ser espancada até a morte. Mas o homem será posto em liberdade.
8. Se um homem violentar a escrava virgem de outro homem deverá pagar 5 shekels de prata.
9. Se um homem se divorcia da primeira esposa deverá pagar para ela uma mina de prata.
10. Se um homem se divorcia de uma mulher que já tenha sido casada deverá pagar a ela meia mina de prata.
11. Se um homem tiver intercurso sexual com uma viúva sem com ela ter redigido contrato, então não precisará pagar nada.
12. Se um homem for acusado de feitiçaria, mas contra ele não houver provas então esse homem deverá passar pelo “Julgamento Divino”. Se ele for inocente, deverá receber 3 shekels de prata daquele que o acusou.
13. Se uma mulher for acusada de infidelidade deverá passar pelo “Julgamento divino”. Se for inocente, seu acusador deverá lhe pagar a terça parte de uma mina de prata.
14. Se um homem ficar noiva de uma mulher, mas esta for dada a outro homem, então o antigo noivo deverá receber três vezes o valor pago pela moça.
15. Se um homem devolver o escravo fugido a outro homem deverá receber 2 shekels de prata.
16. Se um homem furar o olho de outro homem deverá pagar meia mina de prata.
17. Se um homem amputar o pé de outro homem deverá pagar 10 shekels de prata.
(http://historiadodireitounesp.blogspot.com.br/2010/04/ur-nammu.html)

Com a queda de Ur, através de uma guerra perdida para o Elão (região do sudeste da Pérsia), um novo reino sumeriano passou a ter influência sobre a Mesopotâmia entre os anos de 2033 a 1753 a.C. Até o início do governo de Hammurabi, em Babilônia. Localizada às margens do Diyala, afluente do Tigre, floresceu a cidade de Eshnunna, a qual destacou-se pela importância econômica e política adquirida. Suas normas jurídicas, descobertas em 1947, foram importantíssimas para darem solidez aos governos dos respectivos reis que, durante certo período, submeteram até a Assíria.

Em resumo, o Código de Eshnunna dispunha sobre casamentos, a proteção do mushkênum (classe intermediária entre os homens livres e escravos que suponho serem estrangeiros que trabalhassem para o palácio real), estabelecia valores pecuniários sobre os preços dos produtos, prestação de serviços, irregularidades, salários, juros, indenizações, etc. Excepcionalmente, em somente cinco hipóteses previstas, poderia ser aplicada pelo rei a pena de morte sobre determinados casos tipo o adultério feminino, a defloração por outro homem de uma jovem prometida em casamento e a queda de um muro mal conservado que tivesse causado a morte de um homem livre estando o seu proprietário já notificado pelos funcionários do governo. Porém, a maioria dos conflitos era mesmo resolvida pela reparação pecuniária imposta pelos juízes:

“Além disso: em uma causa (que implique a aplicação de uma compensação) de 1/3 de mina até uma mina de prata, os juízes julgarão a causa (…) Mas um processo de vida (pertence) ao rei.”

Tudo isso nos leva a crer pelas aparências de que as leis de Eshnunna foram mais avançadas do que as regras do talião adotadas amplamente no posterior Código de Hammurabi já no primeiro império babilônico. Porém, fico a pensar como deveria ser a vida numa sociedade onde quase tudo parecia ser resolvido através de somas em dinheiro?!

Em sua festejada obra Uma coleção de direito babilônico pré-hammurabiano. Leis do reino de Eshnunna, editora Vozes, o padre professor manauense Emanuel Bouzon (1933-2006) pesquisou sobre os valores financeiros praticados naquela cidade-reino onde um siclo correspondia a cerca de oito gramas ou um gur, conforme esta relação: 1 gur = 300 litros; 1 sut = 10 litros; 1 qa = 1 litro; 1 mina = 500 gramas.

Um sut de cevada era a diária de um trabalhador no campo e também o aluguel de um jumento, mas não pagava o uso de uma foice (1 sut e 5 qa). Se uma escrava fosse deflorada, o seu dono receberia 1/3 de uma mina de prata. Já uma briga entre dois homens livres (awilum) que resultasse em lesões, poderia custar ao agressor uma mina de prata por um olho, 2/3 de mina pelo corte de um dedo, 1/2 de mina por um dente ou orelha e 10 siclos do precioso metal só pela bofetada recebida. Se um cachorro brabo mordesse um awilum e lhe causasse a morte, o dono do animal pagaria 2/3 de uma mina de prata enquanto que, se a vítima fosse um escravo (wardum), pesavam somente 15 siclos.

Ora, considerando que 1 gur de cevada equivalia a um siclo de prata, eis que a vida de um escravo morto por um animal doméstico feroz importava nada menos do que 4.500 litros do cereal. Logo, se o dono do cão levasse dois bofetões na cara dados pelo proprietário do escravo, a dívida estaria mais do que paga.

Podemos constatar que as leis sumerianas sobre reparação pecuniária influenciaram o mundo por milênios e se relacionam até com a Torá de Moisés quando a Bíblia contempla algumas hipóteses de indenização por ofensas. No Código da Aliança (Êxodo 20.22-23.19), a sedução de uma virgem em Israel poderia resultar em reparação financeira caso o pai recusasse a dar sua filha em casamento. Conforme se lê em Êx 22.16-17, “avançar o sinal” sem nem ao menos estar noivo não era nada barato:

“Se alguém seduzir qualquer virgem que não estava desposada e se deitar com ela, pagará seu dote e a tomará por mulher. Se o pai dela definitivamente recusar dar-lha, pagará ele em dinheiro conforme o dote das virgens.” (ARA)

Por sua vez, em Deuteronômio, a difamação de uma jovem acusada pelo marido de não ter sido entregue virgem pela família poderia render cem ciclos de prata pagos pelo genro ao sogro além do castigo físico (Dt 22.13-19). Tal norma foi imposta para que a dor da humilhação social fosse sentida também na pele de quem violou a honra de uma mulher israelita. Seria o somatório da multa com os açoites. Porém, se pensarmos pelo ponto de vista da esposa, esta jamais conseguiria que o marido lhe desse o divórcio caso fosse de sua vontade (entre os hebreus antigos só o homem poderia dar uma carta de separação).

Atualmente temos o instituto do dano moral que é largamente aplicado pelos tribunais brasileiros e de outros países. Nosso direito não faz nenhum tabelamento de preços para as indenizações, mas prevê constitucionalmente o direito da vítima em ser reparada num valor que seja proporcional ao agravo (art. 5º, incisos V e X). Desta maneira, o constituinte apoiou-se no princípio da razoabilidade para que o Judiciário então fizesse a avaliação do dano imaterial, cabendo ao magistrado decidir sobre quanto o lesionador deve pagar por uma ofensa verbal, um olho que ficou cego, uma restrição indevida no SPC/SERASA ou até mesmo um atraso de horas no voo aéreo.

Mas será que os conflitos conseguem ser realmente pacificados por meio de um pagamento em dinheiro?!

Dificilmente um homem íntegro fica satisfeito por receber uma indenização por calúnias, xingamentos ou agressões físicas. Há vítimas que não querem receber nada do ofensor e optariam até por retribuições mais severas. Seja por orgulho ou por simples impossibilidade de recomposição do dano em dinheiro.

Se a vítima for pessoa muito rica, do que lhe adiantará receber quarenta salários mínimos de um agressor que também seja cheio da grana?!

E o que dizermos da corrupção gerada no meio social em que pessoas começam a viver em função da indústria das indenizações, procurando situações que possam render lucros com o dano moral? Nos Estados Unidos, por exemplo, há quem se jogue até diante de um automóvel para tentar uma grana extra na Justiça e, no Brasil, as coisas não têm sido diferentes na rotina dos Juizados Especiais e Justiça do Trabalho, havendo também advogados que colaboram com o oportunismo de seus clientes.

Curiosamente, a Lei de Moisés acolheu o princípio do talião. É o que se lê no Código da Aliança, além do que consta na Lei de Santidade (Lv 24.19-20) e no Código Deuteronômico (Dt 29.21), repetindo-se, portanto, três vezes na Bíblia:

“Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe.” (Êx 21.23-25; ARA)

Ora, se pensarmos que “olho por olho” não deve ser aplicado literalmente por expressar idiomaticamente o princípio de que a punição deva equivaler à gravidade do crime, então o semita Código de Hammurabi teria sido mais avançado do as leis sumerianas que o antecederam a partir do século XXII a.C. Mas claro que, na avaliação desse progresso, onde penas de até 40 açoites poderiam ser aplicadas ao réu, dificilmente algum humanista concordaria que o criminoso seja punido com castigos físicos nos dias de hoje.

Não deve ter sido por menos que as leis de Eshnunna vieram a ser reformadas no primeiro império babilônico onde o sábio rei Hammurabi adotou o sistema do talião cujo significado literal é “tal qual”. Algo que, embora possa não ter se aplicado literalmente em relação à expressão “olho por olho”, acabou se revelando de qualquer modo brutal porque, no fim das contas, gera uma perda dos dois lados. Funciona bem para por uma sociedade em equilíbrio, mas acaba resultando em duas pessoas lesadas.

Quem já se vingou alguma vez nunca se deu conta da sensação de vazio que é percebida logo depois que a retribuição é consumada? O que fazer depois que o outro recebeu o troco?!

Pois bem. Por que razão Jesus condenou a aplicação da vingança quando teria discursado no Sermão da Montanha (Mt 5.38-42)? Qual o benefício de “dar a outra face” quando deixo de exercer o meu direito de obter uma justa retribuição contra o meu ofensor?

Infelizmente os homens na época de Eshnunna desconheciam o perdão e, se não fosse o enigmático princípio do talião de Hammurabi, talvez a humanidade nem teria chegado a tão grandiosa descoberta. Com isto, abre-se caminho para o amor e para que ocorra uma regeneração social, uma voluntária mudança de atitude por parte do agressor e a recomposição do dano multiplicada por mil, gerando satisfação para todas as partes. Tanto quem libera o perdão quanto quem o recebe passa a compartilhar da alegria da convivência restaurada em que o evento ruim tornou-se em coisa boa.

Que haja mais perdão no mundo!


OBS: A primeira ilustração trata-se de um achado arqueológico do Código de Ur-Nammu e o segundo das leis de Eshnunna. Tem-se em seguida a Bíblia e a capa de um exemplar da nossa Constituição Federal de 1988. Já a última imagem refere-se ao quadro O Sermão da Montanha, uma pintura do artista dinarmaquês Carl Heinrich Bloch (1834-1890)

sábado, 19 de maio de 2012

Passeio pelo bairro imperial de São Cristóvão - Rio de Janeiro

Neste sábado (19/05), fiz um tur bem cultural no bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro, juntamente com minha amada esposa Núbia. Foi uma breve viagem pela história da Cidade Maravilhosa, através de um interessante evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) que está ocorrendo durante este final de semana.

Eu havia tomado conhecimento do evento no outro sábado (12/05), horas após ter levado Núbia na rodoviária Novo Rio, quando então resolvi passar o final da tarde caminhando pela Quinta da Boa Vista. Andando bastante pelas alamedas de lá, eis que, quando passei pela saída principal do parque, reparei numa faixa a informação sobre o passeio deste fim de semana incluindo ônibus gratuitos para transportar as pessoas até os museus do bairro de São Cristóvão.

Apesar do mau tempo que fez no decorrer da semana, até que este sábado rendeu um belo dia ensolarado. Tendo eu e Núbia agendado esta programação, saímos de manhã daqui do Grajaú, bairro onde moramos, e fomos de táxi até a Quinta da Boa Vista afim de nos juntarmos às pessoas que já se agrupavam lá na espera do passeio. Chegamos praticamente às 10 horas da manhã no ponto de partida onde recebemos um folheto com o roteiro.

Não demoramos muito para sair e o primeiro local visitado foi o Museu Militar Conde de Linhares, na Avenida Pedro II, bem pertinho da entrada principal da Quinta da Boa Vista. Ali tivemos uma visita guiada no pátio e nas salas de exposições onde se destacam os veículos blindados do Exército, canhões antigos e o armamento que foi usado nas guerras das quais o Brasil tomou parte (contra o Paraguai e os dois conflitos mundiais).

Chamou minha atenção a limpeza e o cuidado que os militares têm com aquele local. Diversas plantas ali, mesmo sendo árvores comuns encontradas pelas ruas da cidade, têm seus respectivos nomes científicos documentados em placas para informação do público. Nem a popular amendoeira escapou. Também fiquei impressionado com uma sala de exposição na qual é reproduzido o barulho infernal de uma guerra criando um ambiente característico. Ali pude sentir um pouco de como é a atmosfera aterrorizante de um conflito bélico.

Durante a visita, Núbia observou o quanto tais armamentos deveriam ter ceifado muitas vidas. Sem discordar dela e contrariando o meu pacifismo religioso, tive de admitir que, graças à resistência militar dos países aliados, o mundo de hoje não é nazista. Foi devido às batalhas ganhas pela geração de meus avós, como a vitória do Monte Castelo, que não fomos dominados pela Alemanha de Hitler. De outro modo, talvez eu e minha esposa nem teríamos nascido.

Contudo, o museu não homenageia somente a história militar, os heróis da FEB ou D. Rodrigo de Sousa Coutinho (1755-1812), o Conde de Linhares. O nome do local pode até ser dedicado ao ministro que acompanhou a transferência da Coroa portuguesa para o Brasil, mas é uma enfermeira brasileira, a major Elza Cansanção Medeiros (1921-2009) quem é prestigiada com uma sala mostrando o seu valioso trabalho como voluntária da saúde na época da 2ª Guerra. E, curiosamente, nenhum soldado chegou a falecer sob seus cuidados enquanto esteve na Itália.

Deixando o Museu Militar, fomos conhecer o 1º Batalhão de Guardas que é outra unidade do exército estabelecida no mesmo logradouro (avenida D. Pedro II). Ali, após assistirmos a uma brilhante apresentação da banda sinfônica do quartel, tivemos outra visita guiada. Deste vez, conhecemos o Espaço Cultural Granadeiros do Imperador e conhecemos um pouco da história do batalhão onde não só a limpeza como a cortesia dos soldados despertam admiração.

Nascido há quase dois séculos, pode-se dizer que o 1ºGB surgiu no ano da independência, em 1822, com o objetivo de ser o Batalhão do Imperador pelo qual passou o jovem tenente Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880) – o famoso Duque de Caxias. Sua localização a princípio era no Campo de Santana, no Centro do Rio de Janeiro. Com a abdicação de D. Pedro I (1831), a unidade de elite do Exército foi extinta até ser reorganizada 102 anos depois no bairro de São Cristóvão como o Batalhão de Guardas (1933). E foi Getúlio Vargas quem teria sido o presidente que mais valorizou o GB, através do qual conseguiu sufocar a revolta comunista de 1935 em que os soldados revolucionários fizeram a equivocada opção pela luta armada. Quando houve a mudança da capital brasileira para o Planalto Central (1960), foi o Batalhão de Guardas que formou em Brasília o Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e permaneceu com a denominação atual. E hoje, ainda sediado na região do antigo Paço do Imperador, o 1ºGB permanece prestando serviços em favor da manutenção do patrimônio em área da administração federal, em que podem ser destacados o Palácio Duque de Caxias e o Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial.

A programação do passeio incluiu também uma visita ao Centro Cultural Maçônico do Supremo Conselho do Brasil, situado no Campo de São Cristóvão, onde assistimos a mais exposições, dentre as quais umas obras de Thiago Castro e Albert Kolker. Percorremos as câmaras filosóficas decoradas com seus símbolos característicos e honrarias aos diversos dirigentes da Loja que prestaram seus serviços à Maçonaria desde a primeira metade do século XIX, além de constarem muitas informações sobre a história nacional.

Estando já roxos de fome, almoçamos no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas que fica em frente ao templo maçônico e do outro lado do viaduto. Com centenas de barracas de artesanato e de alimentação, o turista pode saborear um pouco da culinária típica do Nordeste mesmo estando no Rio de Janeiro. Nosso cardápio, como não poderia deixar de ser, incluiu a típica e apetitosa carne de sol.

Um lugar que um dia já esteve caindo aos pedaços, como foi o Pavilhão de São Cristóvão, veio a ser inteligentemente recuperado na primeira década deste século XXI pelo então prefeito César Maia. Para lá foi transferida a antiga feira de São Cristóvão, o que fez do local um interessante mercado turístico onde imigrantes nordestinos podem trabalhar talentosamente. O visitante paga apenas R$ 3,00 (três reais) para entrar e se diverte pra valer. Mensalmente mais de 250 mil pessoas vão passear na feira, contribuindo para a revitalização de um tradicional bairro carioca.

O último ponto visitado foi o Museu de Astronomia que se encontra na Rua General Bruce. Além do conjunto histórico e arquitetônico onde funciona o MAST, o turista tem a oportunidade de enriquecer seus conhecimentos científicos acerca do Universo nas exposições interativas e cúpulas de observação celeste. Sem falar também na coleção de instrumentos científicos e nos telescópios do início do século XX que são abrigados pela instituição, o que faz daquele espaço um ambiente instrutivo para todas as idades. Uma excelente opção para as escolas levarem seus alunos (www.mast.br).

No cair da tarde, estávamos bem cansados e sentindo um pouco do frio que começa a fazer no Rio a partir de maio. Infelizmente, não deu para ficar mais tempo e curtir as atrações noturnas do MAST. Embarcamos no ônibus que nos levou até a estação do metrô de São Cristóvão de onde retornamos para casa. Núbia foi logo pra cama dormir e eu vim direto para o computador compartilhar esta última experiência.

Como o tempo foi curto, espero concluir o roteiro da programação numa próxima oportunidade, o qual inclui também o Museu Nacional e o Club de Regatas Vasco da Gama. E ainda desejo um dia ir à antiga Casa de Banhos de Dom João VI, monumento tombado pelo patrimônio histórico em 1938 onde passou a funcionar depois o Museu da Limpeza Urbana da Comlurb, bem ali no bairro do Caju, vizinho a São Cristóvão. Mas pra quem tiver condições de fazer o passeio neste domingo (20/05), deve aproveitar a chance. Os ônibus começam a circular a partir das 10 horas da manhã e terminam às 16. Totalmente grátis!


OBS: A primeira imagem do artigo trata-se do folheto do evento Turismo Cultural no Bairro Imperial de São Cristóvão de 2012. A segunda refere-se ao Museu Nacional da UFRJ, situado na Quinta da Boa Vista. Foi extraída do site da instituição em http://www.pr3.ufrj.br/pr3/ims/fotos_patrimonio/MuseuNacional.gif . Já a terceira ilustração cuida-se do Museu Militar Conde de Linhares e obtive a foto no site do Forte de Copacabana em http://www.fortedecopacabana.com/modules/mastop_publish/?tac=Inicio . A quarta imagem, cujos créditos são atribuídos a Pedro Kirilos, eu a consegui numa outra página oficial pertencente à Rio Film: http://www.riofilmcommission.rj.gov.br/locacao/centro-luiz-gonzaga-de-tradicoes-nordestinas-feira-de-sao-cristovao.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O machismo cruel contra as vítimas

Ultimamente, o Brasil não tem parado de falar nas fotos proibidas da atriz global Carolina Dieckmann, as quais teriam sido indevidamente divulgadas na internet sem a sua autorização por uma terceira pessoa agindo de má-fé, tendo depois caído nas mãos de hackers.

Um absurdo! Não restam dúvidas.

Entretanto, algo está me preocupando. Tenho visto pessoas criticando a Carolina pela exposição não autorizada de suas fotos secretas como se ela fosse a causa do seu problema e até mesmo uma "vadia". Acompanhando as manifestações de internautas na rede social do Facebook, encontrei algumas frases de impacto que rapidamente espalham-se pelo meio virtual. Umas até usaram o exemplo de como a Polícia atuou rapidamente no caso da atriz carioca para criticar a corrupção e a inoperância dos órgãos oficiais:

"Se você mora num país onde os ladrões de foto da Carolina Dieckmann é mais importante que encontrar quem desvia verba pública, COMPARTILHE ESSA FOTO"

"Polícia encontra hackers que roubaram e postaram as fotos de Carolina Dieckmann pelada... VERGONHA! Todos os anos, aproximadamente 40 mil crianças e adolescentes desaparecem no Brasil. Isto é é equivalente à população de uma cidade vítimas de pedofilia pela internet, etc... Brasil País de todos?"

Vamos colocar pesos justos nas nossas balanças para evitarmos julgamentos errados. Embora tenhamos inúmeros outros casos mais sérios para serem resolvidos no nosso país como a corrupção, os crimes hediondos, a pedofilia e os assassinatos que permanecem até hoje com uma investigação policial inconclusa a ponto de inviabilizar a denúncia dos culpados pelo Ministério Público, jamais podemos nos esquecer que a atriz está agindo dentro do seu direito. Aliás, a intimidade e a privacidade das pessoas são valores tutelados pelo constituinte de 1988 e se encontram lá no artigo 5º da nossa Lei Maior para serem cumpridos. Logo, que mal praticou a Carolina Dieckmann em tirar fotos íntimas numa esfera reservada?

Independente da posição social da Carolina, é preciso lembrarmos dela também como uma pessoa. E, pelo que pude analisar dentre os comentários dos internautas, não vi a mínima coerência quando alguns disseram que ela, na qualidade de mulher, jamais deveria ter feito tais fotos ousadas e as armazenado no seu computador como se a sua conduta tivesse determinado o ocorrido.

Acrescente-se que, se uma mulher tem vários parceiros sexuais, tem seu jeito de se vestir, recusa-se a ser submetida a uma relação sexual contra sua vontade, quer preservar a sua liberdade quando entra num relacionamento com alguém ou não concorda em fazer o serviço doméstico sozinha, bem como resolve procurar a imprensa e os órgãos institucionais quando seus direitos forem violados, são coisas que, concordando ou não, todos precisamos respeitar (praticamente a única bandeira do movimento feminista que eu me oponho diz respeito ao aborto).

Lamentável, mas esta ainda é a mentalidade de grande parte do povo brasileiro e até mesmo de vários ilustres operadores do Direito como advogados, delegados de polícia e até mesmo magistrados. Não faz muito tempo, um policial do Rio de Janeiro, ao ser convidado para orientar a comunidade sobre segurança, disse que as mulheres poderiam evitar o estupro se "não se vestissem como vadias".

Tal declaração causou muita indignação entre as lideranças feministas e pessoas esclarecidas da sociedade. E, por este motivo, uma manifestação popular está sendo convocada aqui no Rio, prevista para ocorrer no dia 26/05/2012, às 13 horas, no Posto 4 da Praia de Copacabana. Trata-se da Marcha das Vadias.

Nos estudos de vitimologia, busca-se, por exemplo, diagnosticar até que ponto o comportamento da vítima teria contribuído para a ocorrência de um delito. Mas data venia, não existe o mínimo respaldo para alguém afirmar que uma mulher vestindo trajes de "piriguete" facilitou o estupro! A atitude da vítima, neste caso, é bem diferente das situações em que, por exemplo, acontece um assassinato decorrente de briga em que um ofendeu a mãe do outro (mesmo assim não justificaria a morte). Logo, as mulheres não podem passar a viver sem liberdade de se vestir por causa da existência de estupradores e nem justifica haver um abrandamento da pena do autor do fato com base na falta de indumentária da vítima.

Repito que é preciso desconstruir a mentalidade absurda de que a mulher vítima de estupro teria dado causa ao fato criminoso. Isto é um atraso! Uma visão repressora e pilantra das nossas autoridades. E, por isso, mesmo que não venha a estar presente no protesto das feministas do dia 26 (pode ser que eu esteja ainda regressando de uma viagem), o meu coração já está apoiando a causa.


OBS: As ilustrações acima foram extraídas do álbum de fotos da usuária do Facebook Luciana Monsores, professora da rede pública estadual e ativista dos direitos femininos, em http://www.facebook.com/media/set/?set=a.3969778526131.170181.1330508183&type=3

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Não desista do seu próximo!

"Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou." (Efésios 4.32; ARA)


Nesta vida, quantas vezes agente não olhou para uma pessoa e dissemos só em pensamento que fulaninho "não tem mais jeito"?

Assistindo reincidentes recaídas de um familiar ou conhecido que sempre tropeça nos mesmos erros, chegamos ao ponto de achar que não vale mais a pena continuarmos investindo naquela pessoa. Arrogando-nos no direito divino de julgar o próximo, excluímos injustamente o outro e desistimos de oferecer novamente ajuda achando que a bondade deva ter limites.

Contudo, não é esta a maneira como Deus lida conosco! O Eterno nos aceita pelo que somos e não por aquilo que fazemos. Suas misericórdias não têm fim! Mesmo quando caímos, o Pai Celestial nos dá nova oportunidade para acertarmos a cada manhã.

Frequentemente voltamos a incidir como pecadores. Falhamos nos mesmos pontos, pedimos perdão, somos instruídos acerca da vontade divina e ainda assim tornamos a errar. Como os principais seguidores de Jesus que abandonaram o Mestre na hora de sua prisão (Mt 26.56), mesmo após cursarem três anos de escola discipular, não somos diferentes daqueles homens inconstantes.

Para a nossa surpresa, Jesus continuou apostando em seus discípulos. Conta o Novo Testamento que, ao ressuscitar, o Mestre comissionou-os a proclamarem o Evangelho pelo mundo (Mc 16.15). Mesmo sabendo que estaria fisicamente ausente após sua ascensão, o Senhor confiou-lhes um ministério (Mc 16.19-20), dando uma importante tarefa a pessoas que, aparentemente, não demonstravam maturidade suficiente para assumirem tamanha responsabilidade.

Glória a Deus que escolheu as coisas fracas deste mundo para envergonhar os que se julgam fortes!

Se como os primeiros discípulos de Jesus somos destinatários de tão generosa graça, por que continuaremos nos portando de um modo tão excludente para com o nosso próximo?!

Por que desistiremos de um amigo sincero só por causa de suas recaídas com a cachaça ou com outros vícios?!

Certa vez Jesus contou uma parábola, registrada no Evangelho de Mateus, em que um homem devia "dez mil talentos" ao seu seu senhor, sendo que tal valor monetário era considerado o mais alto na época romana e vinha simbolizado por moedas de ouro. Algo que calcularíamos em torno de vários milhões de reais se fosse nos dias atuais (um único talento equivalia a seis mil denários ou dracmas). Ou seja, era uma dívida impagável. Porém, diz a parábola que o homem foi perdoado pelo rei.

Por outro lado, aquele mesmo devedor era também credor de outro e resolveu cobrar com rigidez a sua dívida que era somente de "cem denários" (um denário romano representava o salário de um diarista). Então, mesmo recebendo o perdão de sua dívida de talentos, a qual ele jamais teria como adimplir, tal homem foi incapaz de perdoar aquele que lhe devia menos da metade de um ano de trabalho.

Nessas horas reflito. Jesus contou aquela parábola para que percebêssemos a importância de agirmos também com graça nas nossas relações com o próximo. Seu desejo foi que usássemos da mesma bondade com a qual Deus nos trata perdoando uma dívida eterna (uma pessoa falida jamais pagaria nem os juros de uma dívida de talentos de ouro ainda que pudesse re-encarnar retornando aqui várias vezes agindo com perfeição) e, com isto, aprendemos sobre a necessidade de compreender a extensão desse dom gratuito de Deus. Algo que é regenerador.

Nosso próximo é amado pelo Pai Celestial. Deus, em sua infinita bondade, já perdoou a todos nós mostrando isso em Cristo. Logo, o Santíssimo quer é que nós O imitemos, desenvolvendo a capacidade de amar pra valer o nosso irmão, cobrindo suas faltas e apostando na sua recuperação.

Recordando da Parábola do Filho Pródigo (Lc 15.11-32), temos ali o exemplo de um pai que não apenas aceita o seu descendente de volta, mas que o recoloca na posição de filho. Demonstra todo o seu afeto através do abraço e ainda oferece um churrasco alegrando-se pelo seu retorno.

Perdoar não se resume à atitude passiva de deixar de exigir do outro uma reparação pelo mal praticado. Sua extensão vai muito além. Implica em restaurar relacionamentos quebrados, reabilitarmos a honra de quem nos devia, buscarmos novas chances de inclusão e, no momento apropriado, darmos oportunidades para que a pessoa acerte o alvo. E tudo isso fazemos mesmo contrariando sentimentos de mágoas que ainda persistem, sofrendo por lembranças dos acontecimentos negativos e reconfigurando a nossa indeletável memória.

Que amemos o nosso próximo até o fim! Façamos como aquele bom samaritano de outra parábola o qual encontrando o homem caído na estrada e com a aparência de morto, curou suas feridas e investiu em sua reabilitação a ponto de sacar dos próprios recursos em favor de uma melhora que ele nem sabia se iria se concretizar. Pois, sem nenhuma certeza se o seu próximo sobreviveria, o samaritano apostou com fé na sua total recuperação.

Portanto, que tenhamos fé na melhora do nosso próximo e contribuamos para o seu bem, mesmo que os nossos olhos não cheguem a ver o resultado desejado. E perdoemos como temos sido perdoados pelo nosso Pai Celestial!


OBS: A primeira ilustração acima refere-se ao quadro O Retorno do filho Pródigo, pintado em 1773 pelo artista italiano Pompeo Girolamo Batoni (1708-1787) e se encontra atualmente no Museu da História da Arte, em Viena. Já a segunda ilustração trata-se de uma descrição da Parábola do Credor Incompassivo por Domenico Fetti (1589-1623), também italiano.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Detalhes de um aeroporto


Nesta última terça-feira (08/05/2012), fui até o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Galeão - Antonio Carlos Jobim) recepcionar o meu avô materno Georges Phanardzis que veio de Costa Rica ao Brasil nos visitar. A chegada de seu voo pela empresa panamenha COPA Airlines estava prevista para às 0:30 hs já na quarta feira (09/05). Entretanto, resolvi sair mais cedo de casa já que não possuo automóvel e pretendia seguir seguramente de ônibus para lá.

Ao contrário do terminal rodoviário Novo Rio, o aeroporto do Galeão é muito mal servido pelas linhas de ônibus urbanos. Logo que desembarca ali, o passageiro fica na dependência dos coletivos da Real Auto Ônibus LTDA, caso não vá de táxi ou de carona. E não são muitos os veículos desta concessionária que circulam por ali de modo que o consumidor muitas das vezes fica indefinidamente aguardando por sua condução junto com as malas e já cansado de uma viagem longa.

Além disso, o itinerário da linha 2018 da Real não abrange os principais bairros da cidade conforme pode se verificar pela página da Rio Ônibus na internet. Isto pode obrigar o passageiro a tomar dois ou mais ônibus no trajeto de sua casa até o aeroporto dependendo de onde ele mora, como é o meu caso. Por este motivo, ao sair daqui do Grajaú, precisei ir primeiro até o aeroporto Santos Dumont, situado no Centro do Rio, para então embarcar no veículo da Real. E para a minha perplexidade a passagem ainda custou o triplo da tarifa comumente praticada no município que é de R$ 2,75 (dois reais e setenta e cinco centavos). Indo de um terminal aéreo ao outro paguei R$ 10,00 (dez reais) num ônibus parador regular que apenas tem ar condicionado, bagageiro e poltronas mais macias. E, se fosse pela linha expressa, ainda sairia mais caro. Um roubo!

Caso eu estivesse na rodoviária Novo Rio e desejasse chegar ao aeroporto internacional, teria que esperar o tal carro da Real do lado de fora do terminal, totalmente exposto ao desconforto do ambiente. Isto porque o ônibus nem ao menos faz parada dentro dentro das plataformas diferente do que pude observar certa vez quando estive na rodoviária do Tietê em São Paulo. E o pior ainda é não existir um acesso direto por meio dos trilhos aos dois aeroportos e também à rodoviária, conforme já verifiquei em outras cidades pelo mundo (na capital paulista o metrô liga os dois terminais de ônibus ao Centro e demais bairros).

Como se já não bastasse o isolamento do Galeão e da rodoviária, testemunhei também que ambos os aeroportos ainda não estão devidamente adaptados para receber quem seja portador de deficiência visual. Faltam as indispensáveis faixas em relevo no chão (o piso tátil), algo indispensável para a locomoção com autonomia para esse expressivo grupo de pessoas com necessidades especiais. Deste modo, uma das principais portas de entrada do país evidencia para o resto do mundo a nossa vergonhosa falta de inclusão social.

Até quando vamos continuar mantendo essa nossa mentalidade de terceiro mundo sendo o Brasil umas das maiores economias do planeta?! Que crescimento é este em que a população do país mal se beneficia da riqueza produzida?!

Já que eu havia saído de casa cedo, pude caminhar com calma pelos dois aeroportos. Para não falar que só encontrei coisas negaivas, eis que, no terceiro piso Santos Dumont, vi uma interessante exposição contando a história da navegação com maquetes de vários tipos de navios utilizados em outras épocas. Por sua vez, no Galeão, fiquei olhando as lojas de souvenir e os estabelecimentos da praça de alimentação com seus preços moderadamente acima da média (há shoppings no Rio onde os valores são até mais altos do que nos aeroportos).

Contudo, num dos locais em que entrei, as vendedoras estavam orientadas a não aceitar cartões de crédito para importâncias consideradas baixas e ainda mentiram no começo dizendo que a sua empresa só trabalhava com a função débito. Depois, como demonstrei que pretendia levar várias camisetas com estampas turísticas do Rio de Janeiro, uma delas reconsiderou a resposta dada anteriormente e admitiu que agiam daquela maneira porque senão levariam “esporro” do patrão se a venda no cartão de crédito fosse pequena.

Tal situação exemplificou o quanto os comerciantes brasileiros carecem de transparência e de profissionalismo. Pois se um lojista decide por sua livre vontade trabalhar com cartões de crédito, ele não pode restringir as vendas a limites quantitativos dentro desta modalidade de pagamento. Vale ressaltar que ninguém está obrigado a aceitar cheques e cartões. Porém, no momento em que um estabelecimento faz a sua escolha de lidar com o público consumidor de uma maneira, torna-se necessário agir com coerência e não conforme a conveniência circunstancial.

Todavia, os meus olhares estavam mais voltados para as questões relacionadas à cidadania e à prestação dos serviços públicos do que para os conflitos decorrentes do não cumprimento das regras do direito privado. Fiquei feliz em reparar o atendimento de plantão do posto do Juizado Especial Cível no Galeão funcionando mesmo em horário noturno (o do Santos Dumont estava fechado naquele horário). E foi graças à presença da Justiça nos aeroportos bem movimentados que as companhias aéreas passaram a respeitar mais os seus clientes, tornando-se a atuação do Poder Judiciário importantíssima para amenizar a situação caótica na qual o Brasil mergulhou de uns anos para cá com o aumento de passageiros viajando de avião.

Lembrando do apagão aéreo, este tem sido a maior preocupação que envolve o Galeão de modo que o fato tornou-se até piada. Uns dizem que o fim do mundo previsto pelos maias não poderá acontecer em 2012 porque os aeroportos brasileiros não oferecem condições para o país receber um evento de tão grande porte. Assim, rimos da nossa própria tragédia com muito humor para não chorarmos porque a incompetência dos órgãos oficiais tem sido tão grande que o governo Dilma tardiamente resolveu apostar na privatização desses espaços.

Chegando perto do portão de desembarque dos voos internacionais, notei a existência de uma pequena salinha da Prefeitura ali destinada para o atendimento de pessoas deportadas. O local estava vazio e só tinha uma funcionária de plantão. Entrei ali e aproveitei para conversar com a jovem universitária Luciene sobre o serviço prestado pelo governo municipal.

Pouca gente faz ideia de como é dramática a deportação dos nossos compatriotas em terras estrangeiras. Muitos brasileiros que vão clandestinamente para o exterior em busca de uma vida melhor, correm o risco de perder todo o patrimônio conquistado quando são presos pela imigração. Finalmente, quando são enviados de volta para o país com uma mão na frente e outra atrás, tornam-se dependentes da assistência estatal assim que desembarcam em solo nacional, sendo o Rio de Janeiro umas das principais cidades de destino dos deportados.

Para piorar as coisas, a Prefeitura do Rio nem ao menos é capaz de fornecer uma passagem para a pessoa deportada ir para junto dos seus familiares em sua cidade de origem aqui no Brasil. Quando chegam à Cidade Maravilhosa, elas são conduzidas ao abrigo municipal onde dividem o mesmo espaço com moradores de rua, os quais experimentam uma realidade totalmente diferente, sem que o governo nem ao menos se sensibilize com essa situação, a qual tende a se agravar cada dia mais por causa da crise econômica no exterior.

Conversando com a inteligente funcionária da Prefeitura, o tempo de espera passou bem rápido. Começamos falando da situação dos deportados e terminamos debatendo sobre a atuação das igrejas (Luciene é membro da Assembleia de Deus e faz parte do ministério de casais junto com seu esposo). Então, quando o relógio estava prestes a dar meia noite e meia, despedi-me dela e fui até à saída do desembarque esperar pelo meu avô.

Junto com o voo do Panamá chegou um outro da Argentina praticamente no mesmo horário. Fiquei esperando o vovô por mais de meia hora e deixamos o aeroporto depois de uma hora da madrugada voltando para o Grajaú num táxi (a companhia cobrou salgados R$ 79,00 pelo serviço). Com um trânsito mais tranquilo, rapidamente eu já estava em casa com ele.

Graças a este passeio que fiz, pude reparar detalhes de grande relevância num dos principais aeroportos do Brasil situado na cidade sede da final da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Constatei que muitas reformas estruturais ainda precisarão ser realizadas no Tom Jobim e corremos o sério risco de que, na época dos eventos esportivos, o governo apenas tome umas medidas paliativas para ajudar provisoriamente na locomoção do turista estrangeiro enquanto que a circulação dos nacionais poderá enfrentar congestionamentos nas filas das empresas de aviação.

Lamentavelmente, assim é o Brasil. Mas até quando continuaremos caminhando desse jeito?!


OBS: A foto ilustrativa acima foi extraída do site oficial da Infraero em http://www.infraero.gov.br/index.php/br/aeroportos/rio-de-janeiro/aeroporto-internacional-do-rio-de-janeiro.html

terça-feira, 8 de maio de 2012

Visitando as selvagens praias cariocas

A maioria dos turistas que visitam o Rio de Janeiro (e até mesmo o próprio carioca) ainda ignoram os belos recantos escondidos nas distantes praias compreendidas na região de Grumari. Em geral, as pessoas preferem ficar mais pela orla de Copacabana, Ipanema, São Conrado ou Barra da Tijuca, deixando de conhecer lugares paradisíacos ainda livres da especulação imobiliária.

Eu mesmo admito que, quando vivi aqui em outro momento de minha vida (antes de alcançar a maioridade), não tive a chance de visitar os locais mais remotos do município em toda a sua extensão territorial de 1.182 m². Neste último domingo, porém, resolvi ir junto com minha esposa até às praias escondidas que ficam depois do bairro Recreio dos Bandeirantes, viajando dentro da própria cidade.

É incrível poder admirar uma paisagem cinematográfica como as praias do Parque Natural Municipal de Grumari, o qual se encontra duplamente protegido por uma área de proteção ambiental (APA). Dali há locais que nem mesmo dá para ver os edifícios altos da Barra e a impressão que se tem é que todo aquele patrimônio ecológico nem faz parte do Rio de Janeiro. Atrás fica um enorme costão e, em frente, o mar azul com algumas ilhas. Só que, por outro lado, é preciso percorrer uma longa distância para chegar até lá e o acesso é bem complicado para quem não tem carro.

Por volta das 10 horas da manhã, saímos daqui do Grajaú, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro onde eu e Núbia estamos morando desde meados de dezembro no apartamento que era da vovó. Pegamos um ônibus até à Tijuca, saltando na rua Uruguai com a Conde de Bonfim, e de lá tomamos uma outra condução até o Recreio dos Bandeirantes passando pela serra do Alto da Boa Vista cheia de verde ao redor. Depois continuamos no coletivo pelo longo trajeto na Barra até desembarcarmos em frente ao supermercado Prezunic de onde só foi possível prosseguir o nosso passeio de táxi.

Já deveria ser quase meio dia e meia quando chagamos à Praia do Abricó que é umas das mais bonitas e interessantes da região de Grumari e Prainha. A corrida de táxi deu uns R$ 23,00 (vinte e três reais), mesmo sendo um domingo em que se aplica a “bandeira dois”. Saltamos perto de um bar e caminhamos por uma deliciosa trilha até lá, o que não deve ter levado nem cinco minutinhos.

Adequadamente situada numa área praticamente desconhecida dentro de Grumari, o Abricó é uma praia oficialmente destinada para a prática do naturismo, sendo o único local público no Rio de Janeiro onde é permitido ficar tomar banho de mar nu. E por estar situada num local isolado, os seus frequentadores podem usufruir daquele espaço com privacidade embora nem sempre esteja livres da presença de curiosos.

Não posso negar que fomos muito bem recebidos pelo simpático pessoal da associação de naturismo. Um dos amigos que tenho no Facebook chamado Wiliam logo reconheceu-me assim que saí da trilha e nos apresentou para os demais integrantes do grupo que costumam ficar juntos em família numa parte da praia. Conversamos bastante sobre o lugar e trocamos ideias a respeito do movimento naturista. Ao final, eu e Núbia viemos a ser carinhosamente incluídos num parabéns dedicado aos associados que fizeram aniversário no mês de abril com direito a um delicioso pedaço de bolo.

Mal compreendidos até hoje, os naturistas são equivocadamente chamados de nudistas pelas pessoas que desconhecem o real propósito do movimento deles. Isso porque o naturismo não se restringe ao hábito de alguém andar sem roupas. Segundo a definição de 1974 adotada pela FBRN, o “naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o auto respeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente” (http://www.fbrn.org.br/). Ou seja, é algo bem além do nudismo mas que também não deve ser confundido com o naturalismo.

Permanecemos na praia com a galera da associação até pouco depois das três da tarde. Mergulhei na água numa única ocasião e mesmo assim com a devida cautela porque o mar estava bravo (maio é época da ressaca no Rio). Fizemos a nossa consumação numa barraca ali mesmo saboreando uns gostosos sanduíches naturais de frango feitos pela jovem Érica, sendo que os preços estavam bem acessíveis se comparados com os estratosféricos valores cobrados pelos poucos bares e restaurantes de Grumari.

Foi fundamental termos encontrado o Wiliam com sua esposa na praia porque tínhamos ido para lá sem levar o celular para poder chamar o táxi. Voltamos de carona com eles até o Recreio apreciando toda aquela paisagem magnífica. Vimos os surfistas pegando onda na Prainha e passamos pela Praia da Macumba já numa área urbanizada. Depois pegamos um ônibus rumo à Zona Sul, descemos em Copacabana, almoçamos quase de noite e chegamos em casa depois das 19 horas.

Mesmo encarando um longo percurso na ida e na volta, valeu a pena ter curtido aquelas três horas no espaço naturista do Abricó neste tranquilo domingo de outono em que menos pessoas vão à praia se comparado ao verão. Tudo bem que passamos mais tempo dentro do ônibus, mas em compensação pudemos apreciar aquele cenário natural in esquecível num ambiente bem agradável e com pessoas super alto astral. Um lugar que certamente pretendemos retornar para conhecer melhor onde ainda pretendo fazer lindas caminhadas na floresta indo a pé de Grumari até Guaratiba, se Deus assim permitir.


OBS: As fotos acima foram extraídas do site da Associação Naturista da Praia do Abricó em http://www.anabrico.com/

domingo, 6 de maio de 2012

Uma perigosíssima estrada cortando as matas do Rio de Janeiro

Tenho uma visão de ecologista quanto à perigosa Estrada Grajaú-Jacarepaguá, no Rio de Janeiro.

Nas caminhadas que andei fazendo pelo Parque Nacional da Tijuca (PNT), a partir do Grajaú que é o bairro onde moro, pude constatar o quanto a Estrada Menezes Cortes (Grajaú-Jacarepaguá) é potencialmente danosa para o meio ambiente natural.

Ela tem pistas largas, sendo bem propícia para o abuso de velocidade dos motoristas e acidentes fatais já que suporta um volume de quase 40 mil veículos por dia, em média, ligando a região de Jacarepaguá e a Zona Norte, além de servir também como trajeto para o Centro.

Acredito que seria um grande benefício para a cidade do Rio de Janeiro se a referida via fosse transformada num tipo de estrada-parque com a redução da pista e disponibilização de espaço para uma ciclovia. Então, passariam a circular somente micro-ônibus e veículos menores, sempre em velocidade mais baixa para não atropelarem animais silvestres que cruzam a rodovia (e nem pessoas).

Penso que também poderia ser cobrado um eco-pedágio, cuja receita seria destinada para o PNT e também em melhorias para as comunidades carentes da área. Somente os moradores da região da estrada é que ficariam isentos do pedágio.

Vale lembrar que uma estrada-parque, conforme define Lauro da Silva, seria:

"um parque linear, de alto valor educativo, cultural, recreativo e panorâmico que protege faixas de terra ao longo de trechos ou a totalidade de caminhos, estradas ou vias de acesso, e cujos limites são estabelecidos com vistas à proteção de suas características e mantidos em estado natural ou seminatural, evitando-se obras que desfigurem o meio ambiente." (Ecologia: Manejo de Áreas Silvestres. Ministério do Meio ambiente, 1996)

Mais do que nunca está na hora do Rio de Janeiro começar a tomar medidas restritivas ao automóvel e que privilegiem o transporte coletivo, acompanhando a tendência ecológica das grandes cidades do mundo desenvolvido. Por mais que o carioca se queixe da lentidão do trânsito, isto não pode servir de pretexto para causar graves danos ambientais a um parque ecológico que é indispensável para a qualidade de vida das pessoas como é o PNT cujo setor D, em Jacarepaguá, ainda é uma área em recuperação.

Após anos de obscuridade, somente agora a sociedade está começando a acordar para o resgate da sua qualidade de vida. E, seguindo esta tendência, viadutos devem ser retirados, a água dos rios tratada, espaços naturais recuperados, ciclovias incentivadas e o transporte coletivo melhorado. Penso que é através da expansão do metrô e do trem, com novas linhas e melhoria das atuais, que o morador da cidade poderá deixar o seu carro na garagem (ou optar por não ter automóvel).

Portanto, é neste contexto, e pensando com racionalidade, que proponho mudanças para melhor na Estrada Menezes Cortes. E sinto que o Rio precisa urgente ter uma estrada-parque.


OBS: A imagem acima foi extraída da página da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro em http://www.rio.rj.gov.br/web/smtr/exibeconteudo?article-id=1840781

quinta-feira, 3 de maio de 2012

As montanhas e rios de João


"Quando saímos numa jornada, os rios deixam de ser rios e as montanhas deixam de ser montanhas (...)" - Parte de um ditado Zen


Era uma vez um homem chamado João. Nascido num povoado rural do interior de seu país, ele era plenamente integrado com o modo de viver de sua família e a cultura de seu povo. Educado pela moral de seus pais, ele aprendeu desde cedo valores que julgava ser corretos, os quais aceitava sem questionar.

No centro da aldeia de João, havia um templo onde as pessoas costumavam se reunir. Ali realizavam festas comunitárias, celebravam casamentos, cantavam louvores, faziam preces e liam com reverência um certo livro considerado sagrado. Através dos líderes do local, as crianças eram ensinadas conforme as narrativas e poemas escritos naquela bíblia.

Mais interessado do que os outros garotos de sua idade, João aprendeu rapidamente sobre os ensinamentos e histórias daquele livro. Tornou-se o preferido do mestre e um exemplo para os colegas dentro da congregação. Até seus pais ficaram surpresos com o conhecimento do menino e nisto ele se diferenciava do irmão mais velho Tiago.

Na escola, João foi por muito tempo motivo de orgulho para toda a família. Tirava sempre boas notas. Ali ele não somente aprendeu o idioma de seu povo como se tornou um excelente aluno em Matemática, História e demais matérias, demonstrando sempre um desenvolvido raciocínio lógico. E tudo caminhava em paz até ele ser apresentado à diabólica Filosofia.

Começando a refletir, um dia João duvidou dos valores e dos ensinamentos que lhe foram transmitidos. Descobriu a existência de outros livros sagrados além daquele que era sempre estimado pelos aldeões. O que antes considerava errado já não lhe parecia tão equivocado e o certo não tão correto.

Em busca de suas próprias experiências, João deixou o pacato vilarejo de seus pais. Abraçou forte seu irmão Tiago e foi em direção da estação de trem carregando as malas, deixando no cômodo onde dormia apenas a bíblia que antes tanto consultava. Sua mãe chorou inconsolada e o pai respeitou a decisão do filho mais novo desejando-lhe prosperidade em seu destino.

Na cidade grande, João foi logo absorvido pela rotina agitada. Por muitos anos, não teve tempo para outra coisa senão trabalhar e estudar assuntos que precisava para melhorar a sua condição econômica. Seus momentos de folga eram preenchidos com namoro, saídas com os amigos e outras distrações comuns. Rapidamente as agitações do cotidiano tomaram conta da sua agenda.

Um dia Tiago veio lhe visitar trazendo consigo a bíblia esquecida por João. Este não demonstrou muito entusiasmo pelo objeto mas, por delicadeza e consideração à família, agradeceu colocando o livro sobre a estante. Em seu coração, aqueles textos tidos como sagrados representavam só literatura religiosa ultrapassada com uma qualidade inferior a outras obras disponíveis na biblioteca da faculdade. Quando seu irmão saiu, ele tirou a bíblia da estante e a escondeu num baú cheio de coisas velhas.

João casou-se, arranjou emprego, foi promovido na empresa, gerou filhos, adquiriu bens e, como todo ser humano, passou por perdas em situações difíceis. Nestas horas, ele começou a recorrer a literaturas que pudessem fornecer respostas e fortalecê-lo no enfrentamento dos problemas. Conheceu outras bíblias que também eram considerados sagradas por seus respectivos seguidores.

Sobre um desses livros diziam ter sido a última revelação dada por um anjo a um profeta do deserto. Outro continha ensinamentos sobre o desapego que um suposto deus vindo à terra ditou ao seu servo. Tinha ainda mais uma obra escrita por um sábio oriental. E, finalmente João acabou interessando-se por mensagens de autoria atribuída a espíritos de pessoas mortas, além de artigos criticando ou defendendo as religiões, estudos místicos dos astros, filósofos que escreveram sobre metafísica e teólogos que explicavam as velhas coisas com palavras atuais.

Cansado de tanto ler e de buscar explicações, João resolveu achar a resposta em si mesmo. Procurou compreender a essência existencial através do seu coração, porém sem desprezar os livros tidos como sagrados. Então, com o tempo, tudo pra ele passou a ter significado. Coisas escritas e não escritas, acontecimentos bons ou ruins, o canto dos pássaros e o ruído estridente da máquina, a dor e o prazer, o nascimento e a morte, eis que todo o Universo passou a fazer sentido pra ele.

Com os filhos já formados e sem precisar mais trabalhar, João resolveu retornar para a aldeia natal. Ao arrumar a bagagem, encontrou esquecido no baú o velho livro que seu irmão Tiago havia lhe trazido de casa quando estava na faculdade. A bíblia estava coberta de poeira e as folhas todas amareladas. Parou por um instante com a organização dos móveis e utensílios domésticos pondo-se a revirar aquelas páginas até a madrugada terminar e o novo dia nascer.

Encontrando a essência da vida manifestada também naquele livro que a princípio considerava como a mais absoluta versão da verdade, vindo a perder totalmente a identificação depois, eis que, desta vez, João sentiu como se tivesse dado a volta ao mundo num navio e retornado ao mesmo porto de partida. Porém, havia uma grande diferença. Sua saciedade interior poderia ser percebida tanto ali quanto em outros meios.

De volta ao povoado de origem, João encontrou seus pais bem idosos e o irmão trabalhando no campo. O templo estava em ruínas, fechado, e o mestre que antes lhe introduzira na pesquisa do sagrado tinha falecido sem que nenhuma liderança ocupasse o seu lugar. Na aldeia, jovens se embriagavam cada vez mais e casais estavam se desentendendo. Além do mais, o desemprego estava alto nas fazendas, faltavam médicos no posto de saúde e as escolas precisavam de mais professores. Metade da população já não morava mais no local e a alegria do passado tinha deixado o lugar.

Indignado com a situação, João resolveu convocar todos para uma reunião comunitária. Como precisavam de um espaço, Tiago sugeriu que usassem o velho templo, o qual precisou de uma faxina. Cartazes anunciando o evento foram pregados nas mercearias e pontos mais movimentados da comunidade. E assim iniciou a assembleia com muitas deliberações.

Sempre apoiado por Tiago e velhos companheiros de infância, João tornou-se o mestre espiritual daquela comunidade. O livro que por anos desprezou voltou a ser considerado sagrado por ele. E, sendo a principal fonte de consulta dos tradicionalistas aldeões, os poemas e narrativas escritos ali compuseram as mais motivadoras mensagens que brotavam no coração daquele filho pródigo que retornara ao lar. O filho que, crendo e descrendo, foi razão de orgulho e de satisfação para seus pais até o fim da vida deles.


"(...) Quando a jornada termina, os rios voltam a ser rios e as montanhas voltam a ser montanhas." - Final do ditado Zen


OBS: A ilustração acima refere-se a uma foto do Parque Nacional da Serra dos Órgãos extraída de um site oficial do Instituto Chico Mendes http://www4.icmbio.gov.br/parnaso/index.php?id_menu=59