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Lei Federal n.º 13.260/2016, que regulamenta o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição, disciplinando o terrorismo, provocou polêmicas nos meios político e jurídico ao tratar de algumas disposições investigatórias e processuais bem rigorosas. Uma delas diz respeito à realização dos
atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito.
Na Teoria Geral do Crime, um delito possui quatro etapas, as quais são: cogitação, preparação, execução e consumação. Trata-se do iter criminis, uma expressão em latim que significa "caminho do crime", sendo que tudo começa internamente no indivíduo, através de um plano intelectual acerca da conduta, com a visualização do resultado almejado. E, obviamente, neste momento, inexiste punição até mesmo por ser impossível saber o que se passa pela cabeça do sujeito.
Entretanto, a concepção de uma má ideia pode gerar a ilicitude, a qual irá exteriorizar-se englobando os atos preparatórios, os de execução e, finalmente, a consumação do fato. Por isso, é importante compreender bem as definições das condutas preparatórias das de execução como é ensinado na doutrina jurídica:
1)
Atos preparatórios: correspondem aos atos externos ao agente que passam da cogitação à ação objetiva, tipo a aquisição da arma para a prática de homicídio. Tal como a cogitação, também não costumam ser puníveis, sendo a única exceção no
Código Penal a formação de associação criminosa prevista no artigo 288, em que a reunião (em tese um ato preparatório) é apenada como um crime consumado. Isto porque entende-se que a associação criminosa constitui uma ameaça à sociedade, ainda que, por si só, ela não cause imediatamente nenhum tipo de delito tipo furto, estelionato, sequestro ou assassinato, sendo, pois, um crime autônomo.
2) Atos de execução: seriam aqueles dirigidos diretamente à prática do crime. Nosso Código Penal, em seu artigo 14, inciso II, dispõe que o crime se diz tentado quando iniciada a execução, mesmo que esta não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Com isso, o nosso legislador adotou a teoria objetiva ou formal para tentar diferenciar atos executórios de atos preparatórios, exigindo que o autor tenha realizado de maneira efetiva uma parte da própria conduta típica, adentrando no núcleo do tipo. Logo, há delitos que são puníveis como tentativa.
Durante a semana, umas das notícias mais divulgadas na imprensa foi a prisão de dez brasileiros pela Polícia Federal no dia 21/07, por suspeita de planejar atos terroristas no país, conforme fora determinado pela 14ª Vara Federal de Curitiba. Os crimes de que são acusados estão previstos nos artigos 3º ("promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista") e 5º ("realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito"), sendo que, para os investigadores, os detidos fazem parte de uma célula do grupo terrorista Estado Islâmico no país.
Tais informações foram obtidas a partir da quebra de sigilo telefônico e de dados na internet, revelando indícios de que os suspeitos manifestam intolerância racial, de gênero e religiosa, em que planejavam ações com armas e emprego de táticas de guerrilha, a ponto de terem estabelecido contato com um vendedor do Paraguai para comprar fuzis AK-47. E, segundo esclarecimentos dados pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, embora nunca houve um encontro de todos os suspeitos, eles se comunicavam frequentemente pelos aplicativos de troca de mensagens WhatsApp e Telegram, chegando a receber ordens de líderes do Estado Islâmico a fim de que iniciassem treinamentos de tiro e de artes marciais.
Por terem os elementos se enquadrado num aspecto inovador da norma, o qual seria a punição de planejamento de atentado, alguns juristas têm se posicionado contrariamente à detenção. Para o criminalista Fernando Augusto Fernandes, citado numa matéria do ConJur, tais prisões teriam sido ilegais uma vez que a lei não traz a tipificação de quais atos podem considerados como planejamento de atentados:
"A Lei Antiterrorismo pune os atos preparatórios, mas falha ao não tipificar quais são esses atos. Assim, somente o início do cometimento de algum crime poderia ser punido. Para que a prisão fosse válida, no meu ponto de vista, os suspeitos deveriam ter iniciado algum tipo penal. O fato de alguém pesquisar na internet a compra de uma arma não é crime, justamente por não iniciado a compra. A pessoa teria de iniciar uma ação tipificada para ser presa. A entrevista do ministro da Justiça deixa claro que não houve ação e, portanto, não houve ato preparatório" (extraído de http://www.conjur.com.br/2016-jul-22/prisao-planejar-atentado-inaugura-parte-polemica-lei)
Contudo, outros especialistas em Direito Penal consideram que não há indício de exageros ou de irregularidades nas prisões efetuadas pela Polícia Federal. De acordo com o advogado e professor universitário Joanisval Gonçalves, ouvido pela Agência Brasil, inexistiria, até o momento, qualquer motivo para falar em arbitrariedade ou ameaça a direitos. Isto porque as prisões foram autorizadas pela Justiça Federal do Paraná em função dos indícios apresentados pela PF, sendo que os suspeitos planejavam adquirir armamentos para cometer crimes e mantiveram contato com membros de grupos terroristas de outros países:
"Pelo o que o ministro da Justiça [Alexandre de Moraes] expôs, tudo [prisões e buscas] foi feito de acordo com a lei, com aval do Poder Judiciário, e, pressupõe-se, deveria ter sido feito" (extraído de http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-07/especialistas-descartam-arbitrariedade-em-prisao-de-suspeitos-de-terrorismo)
Outro entrevistado pela Agência Brasil, o advogado André Luis Callegari, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e um dos coordenadores do livro O Crime de Terrorismo – Reflexões Críticas e Comentários à Lei do Terrorismo, as poucas informações a respeito do processo – que tramita em segredo de Justiça – impedem uma avaliação categórica sobre a aplicação da Lei 13.260. Ainda assim, ele entende que, a priori, com base no pouco que foi divulgado, as prisões são justificáveis e se encontram amparadas pela legislação processual penal:
"A Lei 13.260 prevê a hipótese [de punição] em caso de atos preparatórios de terrorismo cometidos com o propósito de provocar terror social ou generalizado. Mas não é a lei antiterrorismo que regula a prisão preventiva, e sim o Código de Processo Penal, que estabelece que essas poderão ser decretadas sempre que for imprescindível à investigação, ao esclarecimento de um crime. Parece ser este o caso"
Como bem colocou o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), essas prisões justificam a necessidade que o Brasil tinha de uma legislação específica sobre o tema, mostrando a realidade aos setores ditos de esquerda uma vez que estes não consideravam o terrorismo como uma ameaça real pra o país. Assim, o tucano fez ressalvas à norma sancionada em março pela presidente afastada Dilma Rousseff, a qual fora modificada quando tramitou na Câmara, e fez questão de destacar numa entrevista à Agência Estado de que "ninguém está imune" ao fenômeno do terrorismo, lembrando dos cuidados que precisamos adotar quanto aos eventos esportivos marcados para agosto no Rio de Janeiro:
"O País sedia um evento com grande repercussão no mundo e, da última Olimpíada para cá, o fenômeno do radicalismo islâmico e do Estado Islâmico cresceu bastante" (leia AQUI a entrevista)
Sem dúvida, meus leitores, vivemos novos tempos em que o combate ao terrorismo precisa ser implacável. Não dá para brincarmos com esses criminosos que atuam de forma covarde e fanática. Por isso, todo o cuidado é pouco e, diante de algo tão perigoso e ameaçador, deve o Estado agir antes que o mal ocorra, tornando justificável prender, processar e punir os suspeitos pela prática dos atos preparatórios.
OBS: Créditos autorais da foto acima atribuídos à Valter Campanato/Agência Brasil, a qual mostra a passagem por Brasília dos suspeitos de planejar ataque terrorista durante os Jogos Olímpicos Rio 2016 antes de serem conduzidos para Campo Grande (MS).