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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O dia em que Adão voltou ao Eden

Adão tinha acabado de completar seus novecentos anos. Fazia poucas semanas que Eva falecera e o homem estava muito triste na humilde caverna onde habitava naquela Mesopotâmia pré-histórioca. Numa das paredes estavam os retratos desenhados dos dois primeiros filhos do casal que foram brutalmente assassinados a seu tempo. O mais novo pelo próprio irmão primogênito e este por um violento descendente da sua quinta geração de homens perversos chamado Lameque. Na gravura rupreste, o pai pintara os seus dois meninos ainda passeando alegremente no mato como se tudo estivesse indo bem. Na imagem, Caim cultivava uvas e Abel conduzia as ovelhinhas da família pelo pasto. Tudo em paz e na mais perfeita harmonia tal como tinha sido nos dias em que vivera no Éden.

Sem ter mais sentido para viver, Adão resolveu fazer suas trouxas e sair caminhando sem um rumo definido. Nada contou ao seu filho Seth que agora liderava a tribo em seu lugar e se encontrava absorvido com as mais diversas atividades como a defesa militar contra as invasões dos violentos descendentes de Caim e o controle de estoque de mantimentos. Só que para o pai Adão assistir a tudo aquilo só lhe causava mal já que toda a humanidade descendia dele. Tanto os filhos bons quanto os filhos considerados ruins.

Fazia uns cento e cinquenta anos que Adão nunca mais tinha deixado os limites da aldeia. Por não se lembrar mais daquelas centenárias trilhas, ele seguiu sempre rumo ao Ocidente a fim de evitar a forte claridade do sol da manhã que batia sobre seu rosto. Andou por horas sem parar e chegou até à margem esquerda do rio Tigre. Tentou atravessar das águas pisando sobre umas pedras, mas acabou escorregando e arrastado pela correnteza. Por sorte, o ancião conseguiu agarrar-se num tronco e não se afogou.

Tendo descido rio abaixo, Adão encontrou uma planície com águas mais tranquilas. Deixou o leito do rio caminhando por um banco de areia e se despiu para que as roupas pudessem secar rápido sob o calor do meio dia evitando pegar gripe. Pela primeira vez, em mais de oitocentos anos, ele voltou a caminhar nu.

“De que me valem as vestes nesta etapa da vida? Já não faço questão de manter qualquer status e que diferença há entre mim e os animais?”, pensou Adão consigo mesmo enquanto andava pela outra margem do Tigre enquanto as roupas e sua trouxa de mantimentos foram deixadas para trás.

Mais adiante, Adão deparou-se com um outro grande rio – o Eufrates. Sentindo cansaço físico intenso, ele se sentou debaixo de uma figueira e ficou contemplando a linda paisagem diante de seus olhos até que toda aquela geografia pareceu-lhe familiar.

“Uai! Estou bem na entrada do Éden! Foi justamente por aquela trilha que eu e a Eva fomos expulsos. Tempos depois ainda tentamos retornar, mas a espada refulgente não permitiu que entrássemos. Puxa vida! Como estarão as coisas por lá? Se o querubim não deixar que eu passe, pelo menos espiarei de longe e me lembrarei um pouco de como eram as coisas de antigamente antes de voltar ao pó de onde eu vim. Prefiro morrer com esta lembrança na minha mente.”

Cautelosamente Adão aproximou-se. Olhou para um lado e para o outro sem ver qualquer espada flamejante ou ainda algum querubim para guardar o acesso. Prosseguiu e foi penetrando naquele lugar paradisíaco onde passou seus melhores anos com Eva. Os pássaros cantavam alegremente e as árvores estavam carregadas de frutas: mangas, uvas, tâmaras, figos, jabuticabas, laranjas, maçãs, peras, pêssegos, romãs, mamões e bananas. Tanto o verde das folhas quanto o azul do céu brilhavam intensamente enquanto as águas dos outros dois rios menores, o Pisom e o Giom, continuavam tão transparentes como antes já que a humanidade ainda não tinha descoberto os malefícios da mineração.

Entretanto, mesmo com toda aquela beleza a sua volta, Adão não se sentiu nem um pouco satisfeito:

“Estou mais só do que antes do SENHOR extrair minha costela e me apresentar a Eva. Quando ponho qualquer uma dessas frutas em minha boca, não sinto mais o sabor delas. Tudo aqui pode ser muito bonito de se ver, mas é como seu eu não fizesse mais parte de nada. Que coisa estranha! O Éden parece ter virado mais um lugar comum e sem graça. Talvez ainda sirva para Matusalém e seus filhos da nova geração depois de mim virem morar aqui. Só que, no meu caso, apenas interessa as recordações de um passado que já não existe mais.”

Com profunda nostalgia, Adão lembrou então de cada momento vivido ali:

“Caramba! Era nesta prainha fluvial que eu e Eva vínhamos todas as manhãs ver o sol nascer. Ali, naquela cachoeira, tivemos uma maravilhosa tarde de amor abençoada pelo Criador. E bem pertinho desta árvore em minha frente, Caim adorava brincar com os macacos quando criança. Até hoje não sei onde eu estava com a cabeça quando resolvi comer do fruto proibido. Minha mulher pode ter sido enganada pela maldita serpente, mas eu sabia o tempo todo que estava errado. A culpa foi toda minha e não dela! Eu pequei!”

Indo em direção ao centro do jardim, Adão chegou ao local do crime onde ficaram as árvores da vida e a do conhecimento do bem e do mal que Deus lhe vedara experimentar. Porém, o homem encontrou de pé apenas a árvore da vida, aquela da qual comendo ele viveria eternamente. Então, aproximou-se, tocou no fruto e o arrancou do pé. Olhou para um lado e para o outro afim de ver se não teria algum anjo ou querubim por perto. E, quando ai levar o alimento à boca, pensou:

“Cara, o que pretende fazer? Pára com esta palhaçada! Você vai transformar a sua existência num inferno eterno? Deixa a vida te levar! Perpetuar o tempo cronológico em nada lhe acrescentará e nem trará sua amada Eva de volta. A verdadeira vida está dentro de cada um e apenas é possível encontrá-la reconciliando-se com o Criador.”

Enterrando a fruta no solo, Adão chorou profundamente e pediu perdão por todos os seus erros. Afastou-se do local e foi fazer a sua cama próximo à entrada do Éden onde já estavam sua trouxinha de coisas e a roupa quase seca. Ali adormeceu direto até o sol raiar. Seu sono foi tão profundo como daquela vez quando Deus havia tirado sua costela para esculpir a mulher.

Na manhã seguinte, quando Adão abriu os olhos, ele viu outro senhor menos idoso do que ele vindo nu na direção do Éden. Não teve medo como na vez em que se escondeu de Deus entre as árvores do Paraíso e se apresentou.

- “Quem é?”

- “Pai Adão, sou eu Enoque, o profeta. Sou o primogênito de sua sétima geração. Vim ao seu encontro, debaixo de uma revelação divina, para levá-lo para casa. Todos estão preocupados e fizeram um delicioso bolo de milho para festejarem o seu aniversário na caverna.”

- “Enoque, meu filho, desde que Matusalém nasceu, nunca mais recebi notícias suas. Por onde tem andado?”

- “Tenho caminhado diariamente com Deus, mas dentro de algum tempo já não mais estarei entre seus descendentes. Quando chegar minha vez de liderar a tribo, o comando deverá ser passado de meu pai Jarede direto para Matusalém. Este governará até que venha um grande dilúvio.”

- “E quando será isto, filho? Desde que deixei o Éden até hoje nunca choveu sobre a Terra!”

- “Não será algo para seu tempo, meu pai. Disse ao meu jovem neto Lameque que, quando o seu primogênito nascer, seremos todos consolados do nosso árduo trabalho. Só que, antes do fim, ainda temos uma obra a ser feita. Depois que Caim foi morto pelo outro Lameque, o bígamo, os dois filhos nascidos de Ada ficaram sem a companhia do pai porque este foi banido da comunidade devido ao homicídio praticado. Porém, um dos meninos é gente boa, diferente do Tubalcaim filho da Zilá. Por isso, nas três décadas que ainda te restam, importa que autorize o seu convívio entre os filhos de Seth e ensine as canções secretas do Paraíso para Jubal, filho de Ada. Ele tem o dom para tocar harpa e flauta. Também a filha que Zilá está esperando no seu ventre se chamará Naamá e será esposa do meu futuro bisneto, o qual se chamará Noé.”

- “Faz sentido, meu filho. Nem tudo está perdido. Vamos partir?”

- “Claro, meu pai. Mas antes coloque suas vestes. Sei que não precisamos mais delas, porém seus descendentes não entenderão caso te vejam chegando nu na aldeia. Pensarão que enlouqueceu ou que encheu a cara de vinho”

- “Puxa vida! Foi tudo por minha culpa, Enoque. Eu devia ter recusado comer aquela fruta proibida...”

- “Não fica assim, pai Adão. Culpa não nos leva a lugar nenhum. Não penso que seja um homem mal, mas apenas um curioso. E, no fundo, Deus sabia que o senhor e a mãe Eva iriam comer da árvore do conhecimento do bem e do mal pelo que providenciou um antídoto antes de criar o mundo. Espero que, no futuro, a humanidade pare de culpá-lo por seus próprios fracassos e cada qual aprenda a assumir sua responsabilidade pelas decisões tomadas.”

- “Acho que, em maior ou menos grau, a responsabilidade precisa ser compartilhada com todos, Enoque. Mas não adiante nos queixarmos. Temos que plantar as sementes de um novo tempo desde já até que chegue o dia da promessa quando um futuro descendente de Eva pisará a serpente daquela cobra má e esta lhe morderá o calcanhar. Foi isto que o SENHOR nos falou quando fui expulso do Éden e ainda não entendi direito o significado das palavras. Como você que é profeta entende isso já que Eva não teve nenhum filho que pareça com o prometido. Pensei até que fosse você, mas como falou de um futuro bisneto que salvaria o mundo de um dilúvio, agora estou ficando confuso...”

- “Pai Adão, esta promessa vai se cumprir uns dois milênios e alguns séculos depois do dilúvio. Alguma filha das filhas de Eva dará a luz a um varão com muita graça pelo sopro de Deus em seu ventre. Ele ensinará o amor a este mundo caído e destruirá as forças do mal. Por isso, ele deverá morrer e, com sua morte, aniquilará de vez todo o veneno da diabólica serpente. Inclusive o poder da morte”

- “Amém, meu filho! Eu creio nesta promessa mesmo sem ver o rosto do menino. Que cheguem logo os dias de seu glorioso reinado! Sinto desde já que a morte não tem mais domínio sobre mim. Aquilo que chamamos de morte é mera aparência. Minha alma vive! Aleluia!”

- “Glória a Deus, pai Adão! Estou vendo que o senhor nasceu novamente mesmo com novecentos anos. Mas agora é melhor irmos nos apressando. Vou ajudá-lo a atravessar o rio.”

- “Sim, meu filho. Vamos voltar logo. Ainda quero retornar esta tarde, comemorar meu aniversário e cumprir a missão que Deus ainda tem para mim nestes últimos trinta anos que me restam”.


OBS: A imagem acima foi extraida do acervo da Wikipédia e se refere a uma estatua gótica de Adão encontrada atualmente no Museu de Cluny, em Paris, França.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A sede do 1º Batalhão de Polícia do Exército deveria virar memorial!



A presidente Dilma ficaria mais coerente com a sua história de vida caso resolvesse dar um novo destino ao antigo prédio do 1º Batalhão de Polícia do Exército, situado na Rua Barão de Mesquita, n.º 425, entre os bairros da Tijuca e do Andaraí, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Durante os anos de chumbo da ditadura militar, muitas vidas foram torturadas ali. Eu mesmo conheci um senhor de nome Ernani, na época membro da mesma igreja onde me congreguei na cidade de Nova Friburgo, que relatou no seu livro ter levado surras, choques elétricos no corpo e ainda testemunhado uma companheira de militância política do MR-8 ser covardemente assassinada numa daquelas salas de horror.

Entendo que fatos como esse precisam ser mostrados para as futuras gerações afim de que o povo brasileiro se conscientize de uma vez por todas sobre a importância de manter suas instituições democráticas. Tal como fizeram os europeus transformando as ruínas do Birkenau, na Polônia, num Patrimônio Comum da Humanidade, para fins de memória do terrível holocausto dos judeus, devemos fazer o mesmo por aqui.

Este mês, todavia, li uma matéria interessantíssima no site da OAB/RJ, informando que, no município serrano de Petrópolis, a Prefeitura de lá resolveu desapropriar a Casa da Morte. Trata-se de uma notícia historicamente relevante e que deve ser motivo de comemoração pelos ativistas de direitos humanos:



Prefeitura de Petrópolis desapropria Casa da Morte

Fonte: redação da Tribuna do Advogado


A Casa da Morte em Petrópolis - aparelho clandestino montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) durante a ditadura militar - foi desapropriada nesta terça-feira, dia 21, pela prefeitura daquela cidade. A medida atende a reivindicações feitas pelo Conselho de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis e encampadas pela OAB/RJ.

Desapropriação é primeiro passo para transformar local em memorial
Para o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, a desapropriação é um primeiro passo para a transformação do local em um memorial. "Essa é uma grande vitória da sociedade democrática, e a OAB/RJ se orgulha de ter contribuído para a causa. O próximo objetivo será transformar a famigerada Casa da Morte em um centro de memória. Assim, a cidade de Petrópolis fica desagravada em sua honra já que centro de tortura deixa de ser uma mancha e passa a ser uma lembrança de que o Brasil viveu tempos tenebrosos que não mais devem voltar", afirmou.

Parabéns à cidade de Petrópolis por esta brilhante decisão!

Auschwitz e regime militar nunca mais!

OBS: Imagem extraída do blogue Literatura & Rio de Janeiro em http://literaturaeriodejaneiro.blogspot.com.br/2010_04_01_archive.html

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A luta contra a grave doença do alcoolismo


“E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Efésios 5.18; ARA)

Ando perplexo com o aumento do alcoolismo na sociedade brasileira, um vício considerado lícito e que tem crescido em todos os meios, causando graves problemas no trânsito, nos relacionamentos conjugais, no trabalho, nos estudos, além de ser uma porta de entrada para outras drogas piores. Jovens estão bebendo cada vez mais cedo e até as mulheres, com um organismo menos tolerante à substância alcoólica, já estão superando os homens na dosagem consumida.

É muito triste tudo isso que está acontecendo no nosso país. Gente com incrível potencial de trabalho, podendo cuidar melhor do lar, ser útil ao próximo e buscar a Deus numa igreja, prefere procurar sua autodestruição. Para piorar, o comportamento do alcoólatra acaba afetando também toda a família que, na maioria das situações, adoece junto. Pois tanto os pais, o cônjuge, irmãos e filhos sofrem quando têm alguém nessa condição e precisam internar o sujeito numa clínica para dependentes químicos porque não puderam mais manter o ente querido dentro de casa. E há casos em que é preciso ingressar com uma ação judicial e requerer a curatela provisória porque a pessoa recusa o tratamento.

Verdade seja dita que os estabelecimentos ditos de “recuperação alcoólica” não fazem milagres. Muitos servem mais para embromar as famílias e embolsar verbas públicas. Porém, mesmo nos locais onde há uma estrutura adequada, com área de recreação, psicólogos, atividades ocupacionais, consultas médicas, apoio espiritual e um rígido controle sobre o que os visitantes levam para dentro da clínica, torna-se indispensável que o paciente decida assumir uma atitude positiva diante da vida, resolvendo realmente mudar de rumo.

Tal como se ensina no brilhante trabalho do AA, é vivendo um dia após o outro que vencemos as nossas próprias compulsões, sejam os vícios do álcool, das drogas ou de comportamento com a ajuda do Poder Superior. Não importa por quanto tempo estamos sóbrios, pois, como se diz, “vale é que hoje eu não vou beber. Não vou dar o primeiro gole!”

Recentemente soube do caso de um senhor de seus 60 anos que havia sido internado numa clínica do Rio por causa de cocaína. Ele tinha se drogado muito na juventude e parado por volta dos 30. Porém, na terceira idade, não sei por qual motivo, teve uma recaída. Fez isto justamente num momento em que pessoas de sua faixa etária precisam cuidar diariamente da saúde, mudar a dieta, praticar exercícios físicos regularmente, ir com freqüência ao médico e evitar aborrecimentos.

Não importa quantas recaídas alguém tenha ou qual seja a dor do tombo. Os erros podem ter suas graves conseqüências e muitas delas até irreversíveis como nos acidentes fatais de veículos ou quando o alcoólatra chega a matar o seu semelhante sem nem ao menos lembrar do que fez, mas que, ainda assim, sofre a pena de homicídio doloso. Entretanto, em todas as degradantes situações, a restauradora graça de Deus vai de encontro de quem está caído no mais profundo poço e abre oportunidades para um novo caminhar. Ainda que a sociedade não dê uma nova chance ao indivíduo ou que a família lhe vire as costas, o Pai Eterno ama seus filhos como eles são, desejando que a sua Luz brilhe em cada coração.

Mais do que nunca permanecem como atuais as citadas palavras do apóstolo Paulo escrita à igreja da antiga cidade de Éfeso. Pois é se enchendo do Espírito Santo, deixando motivar-se com ideais elevados, que a pessoa consegue vitória contra todas as embriagantes compulsões doentias. Então, abraçando novos propósitos de vida, as coisas do Reino de Deus começam a estar em primeiro lugar dentro de nós e o bem passa a ocupar o nosso ser.


OBS: A imagem acima foi extraída do site da Fiocruz numa matéria abordando o alcoolismo entre as mulheres em http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/mulheres-e-alcoolismo-pesquisa-aborda-como-pensam-e-vivem-experi%C3%AAncia

domingo, 19 de agosto de 2012

O recomeço de dois descasados

Num sábado do inverno carioca, Rosa chegou em casa toda empolgada anunciando aos filhos que havia começado seu namoro com um homem que conhecera na internet. Ambos foram encontrar-se na orla de Copacabana e, quando ela retornou para sua residência na Tijuca, o mais velho estava na sala usando o computador.

Com 54 anos, Rosa enviuvou-se aos 25. Não foi feliz nos relacionamentos seguintes (o pai do segundo filho espancava-a), embora tivesse experimentado bons momentos com o último namorado.

Jorge, a pessoa que Rosa escolheu, não estava fora de sua faixa etária, sendo ele pai de duas filhas formadas e se divorciara dois anos atrás da esposa. Carioca da gema, viveu uma década nos Estados Unidos e resolveu retornar ao país com a crise econômica. Estava trabalhando como advogado num escritório próprio na Barra enquanto que ela recebia a pensão do INSS deixada pelo marido, apesar de ter dado um duro como empregada na iniciativa privada com a maior parte do tempo sem a carteira assinada.

Sem nenhum minuto a perder, ambos resolveram não enrolar e escolher aquilo que desejavam para si. Nenhum deles tinha motivos para esconder algo um do outro ou nutrir ilusórias expectativas quanto ao futuro. O objetivo comum parecia ser a busca da felicidade de uma maneira madura, diferente dos adolescentes, dos solteiros recém formados e das pessoas de meia idade com filhos menores.

Durante o jantar que tiveram, o papo foi bem direto. Não demorou muito para Rosa receber a proposta:

- “Quero namorar com você, mulher. Amanhã iremos nos ver novamente?”

- “Claro que sim, Jorge. Meus finais de semana serão todos seus.”

- “Prometo cuidar de você. Sou cristão metodista e vou ao culto pela manhã. Podemos almoçar juntos. O que acha?”

- “Está feito. Vou à missa cedo, tomo o meu banho e venho de metrô ao seu encontro. Só que, desta vez, nos veremos no restaurante do qual lhe falei no Flamengo.”

- “Combinado!”

Assim, Rosa e Jorge concluíram o primeiro encontro e retornaram contentes para casa. Tendo já cumprido com o ciclo vital, tinham sob controle o desejo de maternidade/paternidade, assim como já não sofriam de nenhuma ansiedade adolescente pelo começo de um namoro nem padeciam daquela mania de beleza corporal. Dinheiro não era problema para os dois. Se a grana ficasse curta, não teriam muitas exigências para fazer. O objetivo deles seria a felicidade mútua e não se meterem na vida dos filhos afim de envelhecerem tranquilamente com qualidade.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A Proposta (1872) do artista francês William-Adolphe Bouguereau (1825-1905).

Adonai

Louvemos nosso Eterno Senhor! Aleluia!

sábado, 18 de agosto de 2012

Experiências aprendidas com os fracassos

Meu saudoso avô, cel. Sylvio Ancora da Luz (1917-2005), recomendava, desde a época de minha adolescência, que eu fizesse um curso profissionalizante. Quando terminei o então 2º grau comum, ele queria que eu estudasse logo para algum concurso público que não exigisse o diploma de faculdade, algo que possibilitaria um ganho financeiro enquanto ainda me graduasse.

No entanto, as sábias palavras do vovô sempre foram descartadas por mim e por outras pessoas da família que desejavam formar mais um “doutor” neste país. Afinal, meus patriarcas foram todos homens diplomados desde os tempos imperiais (geralmente engenheiros e/ou oficiais militares). Já do lado materno, seria uma grande conquista para o outro avô, seu Georges Phanardzis (ainda vivo com 79 anos), ver o deu primeiro descendente com um “canudo” nas mãos. Algo que para ele pouco fez falta em sua época de trabalho quando chegou a ocupar altos cargos na multinacional européia SGS, inclusive quando presidiu esta companhia no pobre solo haitiano.

Na cabecinha ambiciosa do Rodrigo de 19 anos, o seu desejo era tornar-se um rico empresário, dono de seu negócio, e se colocar numa posição acima de todos os ancestrais, conquistando um patrimônio milionário antes dos 40, mesmo que viesse a suportar diversas privações até lá. De acordo com a mentalidade daquele Rodrigo de luz encapsulada, nem mesmo o padrão tranqüilo da classe média interessava-lhe pois ser um funcionário de carreira estável como o falecido avô que o criara seria opção medíocre. “Segurança profissional era para os ‘fracos’ e não para os ‘fortes’”, pensava consigo aquele confuso rapaz com mais de cem quilos que facilmente se encantava com Nietzsche, sem entender ainda bem as difíceis letras do filósofo alemão.

O tempo passou e o jovem Rodrigo não foi capaz de ir muito além do que juntar R$ 12.000,00 em sua poupança no Banco do Brasil, os quais precisaram ser gastos com o pagamento de honorários advocatícios pelas muitas encrencas em que se meteu logo após ter alcançado a maioridade civil aos 21 (regra da legislação aplicada). Os seus ignorados problemas de personalidade e de desequilíbrio emocional quase o colocaram atrás das grades por causa de um delito cometido em junho de 97 na UFJF, instituição de ensino onde cursava Administração para gerenciar a poderosa empresa que ambicionava montar no intuito de ficar rico.

O sofrimento suportado por quase dois anos de investigação fez com que Rodrigo reconsiderasse os caminhos trilhados e começasse a dar mais valor à liberdade que é o segundo bem mais valioso do ser humano. O inquérito policial restou inconcluso e o próprio Ministério Público Federal pediu o arquivamento do polêmico caso rancora de crime virtual envolvendo racismo e homofobia. Porém, a nata da sociedade local não esqueceu facilmente dos fatos. Nem tão pouco todos os membros da tradicional soube perdoar a sua ovelha negra, a exceção do avô. Sem mais ambiente propício na mineira cidade de Juiz de Fora e dando as costas para quem provou ter sido realmente um pai duas vezes, o jovem fez a opção por cursar Direito em Nova Friburgo, onde também não havia parentes por perto e ficaria mais fácil conduzir a vida do seu jeito, acreditando que, desta maneira, seria então livre. Liberdade esta que, na verdade, continuou bancada pela boa mesada avoenga e que não mais se destinou para engordar contas bancárias ou pagar honorários de advogados criminalistas, mas sim proporcionar belos passeios ecológicos e agradáveis momentos com a namorada Núbia que conhecera durante o Carnaval de 99.

Antes o Rodrigo tivesse namorado bastante desde a adolescência do que ter se metido em confusões, não é mesmo? Antes tivesse torrado aqueles 12 contos aplicados no BB viajando por aí do que ter escrito bobagens pela internet! Pois coisa melhor não há para acalmar um rapaz cheio de energia do que exercitar-se com um esporte e se relacionar com uma mulher. Só que casar-se (ou “amigar” com compromisso) sem uma renda própria não é aconselhável para ninguém. Nem mesmo para uma moça já que a experiência tem mostrado ser péssimo para a dignidade feminina depender economicamente do marido.

Ah se o Rodrigo tivesse dado ouvidos ao seu velho e passado num concurso?! Em 95, o vovô Sylvio pagou até um cursinho preparatório para a carreira de TTN, quando ainda nem era exigido o nível universitário. Porém, o seu neto unigênito pouco se interessou pela prova fazendo pouco caso do considerável salário de R$ 1.000,00 do início do Plano Real, quantia que valia então um bom dinheiro (dez vezes o mínimo).

Hoje um técnico do tesouro nacional está ganhando muito mais do que R$ 1.000,00 e um candidato nomeado para tal cargo, na segunda metade dos anos 90, certamente já teria incorporado diversos acréscimos pelas promoções e tempo de quase 20 anos de serviço. Ou seja, este blogueiro já poderia estar a meio caminho da sua aposentadoria, trabalhando talvez numa chefia e passado até em outros concursos melhores, ao invés de ter somente três meses de contribuição à Previdência.

Como me disse um inteligente passageiro que conheci numa viagem de Belo Horizonte para Juiz de Fora, eis que, "nesta vida, se não conseguimos dinheiro, pelo menos ganhamos experiência". E hoje sei muito bem o que significa acumular somente vivência e colher aquilo que plantei numa mesma encarnação. Ou pior, não colher porque nada plantei tal como a conduta da cigarra que cantarolava no verão enquanto a formiga se matava de trabalhar.

Felizmente consegui sair da faculdade no final de 2004 e passar logo no primeiro exame na OAB no começo de 2005. Despertando as velhas ambições do jovem Rodrigo, pensei novamente em ficar rico. Imaginava que conseguiria isto dentro de frustrante mercado da advocacia contenciosa. Enquanto vários colegas meus preferiram preparar-se para concursos, fui catando tudo quanto era caso que aparecia e ainda ajuizava inúmeras ações em causa própria. Esperava que os tribunais arbitrariam gordas indenizações de dano moral por qualquer violação de direito que meus clientes e eu sofrêssemos, achando que iria contribuir heroicamente para compor futuras jurisprudências quando meus processos viessem a ser julgados pelos magistrados deste país. Hoje, entretanto, estou com uma dívida sucumbencial porque processei o Município de Nova Friburgo tentando responsabilizar a Prefeitura pelo atropelamento em via pública de minha gata Madonna.

Talvez num outro país, eu poderia ter ficado rico trabalhando com responsabilidade civil. Mas aqui, com o Judiciário brasileiro, nem as graves quedas de aviões, melhores avaliadas do que os acidentes rodoviários, conseguem atingir o alto padrão anglo-americano. Nem no avançado estado do Rio Grande do Sul! E aí a minha estupidez mental fez com que viesse a acumular uma fatigante quantidade de processos com pouca possibilidade de êxito até exaurir por quase completamente o meu ânimo causídico.

Assim já se passaram sete anos de profissão e seis de matrimônio formal com Núbia em que, neste três últimos, fui reduzindo consideravelmente a atividade laboral e procurando concluir os processos em andamento por motivo de responsabilidade perante os clientes. A maioria deles ficou na serrana cidade de Nova Friburgo onde morei até dezembro de 2011. E, nesse período em que tenho estado casado, vivi a maior parte com as finanças domésticas mal geridas, sempre com a despesa superando a receita, dependendo mais das ajudas familiares do que dos ganhos profissionais e sem controle sobre o apetite estomacal, embora já tivesse emagrecido bem desde 98. Após o meu avô Sylvio falecer, vendi o apartamento de Juiz de Fora que dele recebi com a renúncia dos demais herdeiros e gastei tudo em pouco mais de seis meses. Um erro que não quero mais repetir.

Quando chegou a vez de minha avó Darcília descansar, usei a totalidade do dinheiro deixado por ela no Bradesco Previdência ao invés de investir aquela quantia de quase R$ 50.000,00 no meu futuro. Boa parte serviu para pagar as dívidas bancárias acumuladas por causa dos contínuos déficits mensais. O restante foi evaporando pelo mesmo motivo em menos de um ano, ajudando nas mudanças de Nova Friburgo para o Rio de Janeiro e, enfim, para Mangaratiba. Sem ter o suficiente para reformar o apartamento do Rio deixado pela vovó e tentar alugá-lo por um preço satisfatório, precisei contrair um empréstimo consignado junto ao ITAÚ em nome de Núbia que já se encontra aposentada por invalidez há anos devido aos seus problemas de saúde.

Mais do que nunca reconheço o quanto meu avô estava com a razão, coisa que o delírio mental de uma juventude ansiosa não me permitia admitir de modo que tenho andado perdido pelo campo profissional há quase duas décadas. Hoje, por minha própria irresponsabilidade (não culpo terceiros, nem Deus, nem o diabo, nem vidas passadas ou traumas de infância), estou atravessando terríveis dificuldades financeiras. As emoções não se acham bem com a esposa internada num hospital há mais de um mês. Como uma metáfora do que realmente tenho sido, cheguei a me perder pelas matas do Parque Nacional da Tijuca em junho deste ano, erro que semelhantemente pratiquei diante de importantes decisões até recentemente, apesar de alguns acertos.

Vivendo agora uma realidade bem diferente da época em que era um estudante financiado pela família, estou tendo que aprender a ser pobre. No momento, já não posso mais me dar ao luxo de almoçar em qualquer restaurante ou de fazer compras num shopping. Até as passagens do transporte urbano e o dinheiro da alimentação estou precisando regrar. E, nesta hora, se eu soubesse fazer alguma coisa tipo trabalhar em obra, reparar aparelhos eletrônicos, dirigir veículos, cortar cabelo, fazer mudanças, cozinhar bem, limpar fossa ou cuidar de jardins, provavelmente estaria numa situação melhor.

Do que vale um diploma de “doutor” numa situação assim? Porque até os pobres defendem-se melhor na dificuldade do que pessoas oriundas da classe média com formação universitária, as quais geralmente precisam contratar alguém para as coisas mais básicas do cotidiano. Inclusive para o serviço da casa já que muitos burguesinhos como eu fui tiveram empregada doméstica na infância e uns até babá. Aliás, neste mês de agosto, tive que gastar cerca de R$ 2.000,00 só com mão-de-obra de um pintor e seu ajudante que reformaram o apartamento herdado pela vovó (a diária de um profissional desses na Cidade Maravilhosa está custando uns R$ 180,00).

Como eu gostaria que vovô estivesse hoje vivo e consciente para me orientar! Preferiria que meu velho tivesse enchido a mão naquela minha cara sem vergonha pelas besteiras aprontadas na juventude. Isto porque é melhor o jovem levar educativas pancadas dos pais e tutores do que se arrebentar fora de casa quando deixar definitivamente o ninho familiar.

Faltando menos de quatro anos para completar 40, estou bem distante de ter aquela sonhada conta bancária de sete dígitos que tanto ambicionava em 95. Ao invés de riquezas, ganhei experiência passando a dar mais valor à vida, à liberdade, às pessoas mais próximas e ao modesto patrimônio conquistado pelo trabalho duro dos avós paternos. Foi com o apoio do militar artilheiro Sylvio e da professora de Biologia Darcília que este blogueiro conseguiu sustentar-se num mundo cada vez mais difícil onde a exigente seleção do mercado não dá colher de sopa para ninguém.

Apesar dos pesares, ponho sempre um limite às lamentações que faço. A exemplo do que se lê em vários salmos da Bíblia, não deixo de alegrar-me com a Divina Presença e de confiar na misericórdia do Criador suficientemente manifestada em Cristo Jesus. Graças ao Pai Eterno, tenho forças para laborar e condições de recomeçar da maneira que for. Minha esposa encontra-se doente, mas eu não! Posso estar indo morar num quartinho na casa da sogra num município interiorano de pequeno porte onde sou pessoa desconhecida e com menos oportunidades de trabalho do que no Rio, mas não quero desistir jamais. Caso precise retomar a advocacia, intermediar a venda de imóveis ou fazer até audiências sobre Direito de Família, vou em frente. E, se tiver que mandar meus currículos para as empresas de Mangaratiba e da vizinha cidade de Itaguaí, por que não? Afinal, que vergonha há em tentar o primeiro emprego aos 36 anos? Pois, como ensina o ditado, “vergonha é roubar”.

Boa semana pra quem me leu até aqui, com muita paz e abundante graça da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo.

OBS: A imagem acima refere-se ao jogador Neymar após perder o ouro olímpico para o México no gramado de Wembley. Foi extraída através da reportagem no Jornal Diário de Marília em http://www.diariodemarilia.com.br/Noticias/114018/Brasil-falha-e-perde-ouro-para-o-Mxico

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Reflexões sobre o amor cristão

Um dos mais festejados textos da Bíblia é o capítulo 13 da primeira epístola à Igreja em Corinto, cuja autoria atribui-se expressamente ao apóstolo Paulo. Trata-se de uma passagem que ressalta a excelência do amor descrevendo-o de uma maneira muito profunda e também desafiadora.

Primeiramente Paulo nos diz que, se falta o amor, de nada adianta “falar a língua dos homens e dos anjos”, nem exercer os dons ministeriais, ter conhecimento, manifestar fé, desfazer-se de todos os bens em favor dos pobres e praticar um auto-sacrifício. Palavras pronunciadas sem um direcionamento amoroso (até mesmo uma pregação falando sobre o amor) não passam de mero barulho. E, igualmente, qualquer obra social feita assim perde o seu significado essencial de caridade.

De fato, as reflexões paulinas podem ser constatadas em nosso cotidiano. Um forte exemplo de doações sem amor seria o que inúmeros políticos brasileiros andam fazendo nesta época de eleições, distribuindo favores na expectativa de obterem votos dos pobres. E fazem isto não porque estejam querendo o bem do cidadão, mas sim alcançarem o poder para se beneficiarem pessoalmente.

No mesmo sentido, outras motivações falsas de ajuda ao outro seriam as hipóteses de alguém praticar algo pensando em ser reconhecido e admirado na sociedade, pagar uma dívida moral, receber um apoio futuramente quando vier a precisar, ou que terá em troca bênçãos dos céus como se fosse possível barganhar com Deus. Pois, em todos estes casos, a pessoa estaria buscando o próprio interesse e não projetando a sua satisfação no bem proporcionado ao outro.

E seria possível alguém dar a própria vida por uma causa sem que haja amor?

Pois bem. Com esta forte menção que lembra a morte substitutiva de Cristo na cruz, Paulo expõe que nem todos os acontecimentos com a aparência de martírio têm conteúdo amoroso. Meditando a respeito, podemos considerar que uma pessoa pode muito bem arriscar-se perigosamente em prol de outro(s) porque, por exemplo, não gosta de sua própria existência. Assim, tal ato de fuga não seria muito diferente de um suicídio e nada tem a ver com o sacrifício expiatório de Jesus. Aliás, o Senhor sempre demonstrou intenso amor pela vida, por seus discípulos e pelas pessoas de seu povo, sendo retratado pelos evangelistas como um homem mentalmente saudável e que andava freqüentando festas comunitárias, casamentos, refeições nas casas, etc.

Certamente que, em via de regra, poucos vivem perto do amor sacrificial messiânico e a grande maioria (inclusive eu) não se encontra ainda apta para seguir o Senhor em sua pesada cruz. Entretanto, somos provados com outras situações menos severas mas que exigem a capacitação para amar. Principalmente nos nossos relacionamentos com o outro que nem sempre serão tão crueis como na zombaria covarde daqueles soldados romanos praticada no Gólgota.


Sobre as características do amor

Como é difícil ser paciente com a pessoa amada!

Assim como o lavrador cultiva o solo aguardando a chegada do tempo apropriado para colher o fruto, quem ama o próximo precisa aprender a esperar a estação que Deus tem para cada alma amadurecer. Uns verão algum gesto amoroso da Igreja e se converterão logo enquanto que outros poderão demorar anos sendo que ainda existem aqueles que passam todos os seus dias na mais completa alienação espiritual sem nem ao menos agradecerem pelo bem recebido.

Outra característica que Paulo fala sobre o comportamento amoroso é que ele não se ufana e nem se envaidece. E, se refletirmos bem, eis que, na maioria das vezes quando ajudamos as pessoas, ainda temos a velha mania de fazer daquela obra um troféu. Algo que insistimos em exibir diante de terceiros e, principalmente, na frente daquele que foi o destinatário do apoio como se houvesse uma dívida a ser lembrada.

E o que dizermos das terríveis irritações? Quantas vezes nós nos exasperamos só porque a pessoa amada fez certas exigências, reclama e ainda nos machuca com suas palavras? Pois vejo situações assim aos montes entre os pacientes com problemas de saúde e os seus cuidadores em que não é nada fácil lidar com os maus tratos de um enfermo tomado pela auto-comiseração, pelo que necessitamos a todo momento avaliar o estado do nosso íntimo afim de que não venhamos a ficar ressentidos do mal. Do contrário, acabamos querendo que o outro se dane e aí aquilo que antes poderia se tornar amor manifesta-se como ódio.

Vale a pena lembrar novamente que o amor verdadeiro não busca o próprio interesse (versículo 5). Esta reflexão é fundamental para distinguirmos a maturidade cristã da infância espiritual do crente quando este ainda está apenas recebendo o amor de Deus e dos irmãos. Porém, num determinado momento, compreendemos que fomos chamados para caminhar nos passos de Jesus e aprendemos o significado de amar incondicionalmente. A partir daí, o relacionamento com o próximo já não pode mais ser baseado numa troca. Chega o momento de deixarmos a espera de reações recíprocas e experimentarmos um pouco daquela coroa de espinhos usada pelo Senhor diante dos soldados escarnecedores. Uma coroa que lhe causou dores para que a árdua missão de implantar o Reino celestial nos corações dos homens fosse então desempenhada.

Verdade é que a prática do amor está intimamente ligada com a transformação da realidade segundo os propósitos divinos. Porque foi por esta tão incomparável causa que Jesus tudo sofreu, tudo creu, tudo esperou e tudo suportou. E, assim como ele, precisamos agir nos nossos relacionamentos cotidianos, o que pode incluir o passar por privações, incompreensões, depararmos com atitudes de indiferença de muitos e até com a oposição de quem não quer permitir a prática da caridade em benefício de alguém.

Mesmo não sendo um advogado especializado em Direito criminal, sei como é o drama daqueles que têm um parente na cadeia e decidem amar verdadeiramente quem se encontra preso. A luta é grande e envolve inúmeros dissabores. Primeiro é preciso dispor de tempo para ir até à penitenciária nos dias e horários de visita previamente determinados pela direção do estabelecimento penal. Depois vem os constrangimentos da revista juntamente com toda a frieza do sistema carcerário. E, finalmente, como se já não bastasse suportar tanta dor, ainda surge aquele familiar cheio de ressentimentos que passa a perseguir até quem decidiu amar a ovelha desgarrada. Pois, não raramente, pode-se ouvir protestos assim:

“Para que ficar ajudando o fulaninho que roubou, fez, aconteceu e está preso? Já não é suficiente a mancha sobre o nome da nossa família!? Você deveria era estar me ajudando porque eu mereço ao invés de ficar levando cigarros toda semana para aquele delinqüente vagabundo. Não falo mais contigo e nem me procure mais...”

Como se vê, amigos, amar como Cristo amou, bem como tentar viver no padrão elevado proposto pela Bíblia, não é tarefa fácil. Para sermos semelhantes a Jesus tem muitos sacos de sal para comermos, o que significa colocar a carne debaixo de uma disciplina espiritual afim de suportarmos as mais humilhantes situações que Deus usará para moldar o nosso caráter. E, nestas horas, deve-se permitir o Espírito Santo fazer uma cirurgia em nosso interior afim de que sejamos realmente aperfeiçoados em amor.

Que o incomparável amor do Santíssimo nos envolva transformando todo o nosso ser!


OBS: A ilustração acima refere-se a um exemplo da arte paleocristã encontrada nas catacumbas de Roma e foi extraída da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Agape_feast_03.jpg

domingo, 12 de agosto de 2012

Aproveite a vida com a pessoa amada!

Este final de semana li uma passagem muito importante no sábio livro de Eclesiastes (Bíblia):

"Goza a vida com a mulher que amas, todos os dias da tua vida vã, os quais Deus te deu debaixo do sol, todos os dias da tua vaidade; porque esta é a tua porção nesta vida, e no teu trabalho, que tu fizeste debaixo do sol." (Ec 9.9)

Nos dias em que andei perdido no Parque da Tijuca, conforme relatado na postagem de 28/06/2012, estando já me preparando para morrer e consciente de que, ocorrendo tal hipótese, não mais poder participar das coisas desta vida, senti grande falta da minha esposa. Percebi o quanto tinha sido tolo aventurando-me sozinho pela floresta enquanto poderia ter passado aquele sábado de junho em sua companhia apesar de todos os conflitos e dificuldades enfrentadas no casamento.

Nesta data de 12/08, completou um mês que Núbia encontra-se internada para tratamento numa clínica da rede credenciada da Unimed, situada num bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Durante todo este tempo, eis que ela teve sua primeira licença médica na sexta-feira (10) para fins de consulta com a ginecologista e poder passar um tempinho comigo. O médico deu-lhe 48 horas e o hospital entregou nas minhas mãos os remédios que ela faz uso.

Juntos passamos as horas da tarde e da noite daquele dia. Porém, quando foi no sábado pela manhã, após ter ministrado a porção de medicamentos, ela começou a passar mal. Precisei então conduzi-la às pressas para a clínica com menos de 24 horas. E, ao chegar lá, a enfermeira suspeitou que os remédios foram distribuídos de maneira errada, com excessos. Um absurdo!

Confesso que não ando nada satisfeito com a clínica onde minha esposa encontra-se internada (até hoje à tarde ela estava com intoxicação medicamentosa e nem ao menos chamaram o médico), mas não é isto que eu pretendo compartilhar nesta mensagem. Quero dizer sobre o quanto é importante estarmos com a pessoa que amamos e buscarmos ser felizes juntos nos projetos de lazer que inventamos.

Assim como eu saí um sábado sozinho perdido pela floresta, quantos homens também não se perdem passando a manhã toda de um final de semana enfiados num boteco ou sentados em frente a um computador? Ou ainda o que falarmos dos homens que preferem sacrificar seus momentos de lazer num escritório trabalhando, jogando a dinheiro ou se dedicando em demasia às reuniões políticas?

Não nego que muitos destes erros eu já cometi, mas o interessante é que, segundo a Bíblia, precisamos aprender a ter satisfação nas coisas simples da vida.

Estarmos com nossa família, fazermos refeições com as pessoas queridas, brincarmos com as crianças e nos alegramos com a companhia do cônjuge podem se tornar momentos maravilhosos. Uma preciosidade que nenhuma aquisição no mercado de consumo, poder, fama ou reconhecimento no meio social pode substituir.

Que Deus abra os nossos olhos e não permita que nos alienemos das verdadeiras bênçãos recebidas na vida durante a breve existência que temos nesta terra!


OBS: A foto acima foi tirada no dia do aniversário de Núbia, o qual comemoramos em abril, no Rio.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Câmara Federal quer acabar com a vadiagem!

No jornal Folha de São Paulo de hoje (09/08/2012), foi publicada a seguinte notícia que extraí direto do informativo do ex-prefeito do Rio de Janeiro César Maia:

“A Câmara aprovou ontem projeto que acaba com a vadiagem como contravenção, prevista em lei desde 1941. O autor é o ex-deputado e atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A proposta segue para votação no Senado. Pela Lei de Contravenções Penais, de 1941, é considerado vadiagem "entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita". A pena prevista é de prisão simples de 15 dias a três meses.”

Sinceramente, não vejo mais como este tipo penal ainda sobreviver no ordenamento jurídico brasileiro.

De fato, numa sociedade onde todos deveriam participar de um bem comum nacional, é válido que cada membro do grupo contribua com sua respectiva força de trabalho. Isto se verifica desde a pré-história, quando a humanidade organizava-se como caçadora, coletora de frutos e desenvolveu sua cultura agropastoril. Só que, no contexto capitalista, trata-se de grande hipocrisia.

Realmente não é ético que alguém em sua plena capacidade física e psíquica fique sem trabalhar. Porém, não acho que a nossa legislação penal seja justa!

Conforme o texto legal, pode-se dizer que não pratica a vadiagem aquele que, tendo renda, viva habitualmente na ociosidade. Por exemplo, um sujeito que é dono de vários imóveis, ou que tem uma grande soma de dinheiro aplicado no mercado financeiro, teria pleno direito de vadiar sem que seja punido pelo Estado. E aí, dentro de uma visão mais coletivista, a norma de 1941 seria injusta e desigual.

Entretanto, a minha maior crítica ao referido tipo penal diz respeito à imposição de pena de prisão. Pois, ainda que não se aplique mais a restrição da liberdade por vadiagem e outras condutas ilícitas de menor potencial ofensivo (os juízes hoje preferem as penas alternativas), entendo faltar uma justa causa relevante para que o Estado tenha o interesse de punir.

É certo que temos um número imenso de brasileiros vivendo na mendicância, outros na prostituição e muitos nas atividades ilegais como o jogo do bicho. Mas, se pensarmos bem, o tratamento para o comportamento dessas pessoas jamais será a repressão estatal e sim o oferecimento de alternativas para inserção do indivíduo no mercado de trabalho, programas de capacitação de mão-de-obra, uma ampliação dos tratamentos oferecidos para os que têm o vício das drogas e embriaguez habitual, etc.

Hoje em dia, quem seriam os maiores “vadios” senão os próprios banqueiros e políticos desonestos? Bem, neste caso, acho que muitos dos nossos deputados deveriam ser condenados por contravenção penal quando faltassem às sessões da Câmara.

Assim, embora concorde com a proposição legislativa de autoria do atual ministro, não posso desconsiderar que muitos parlamentares possam também estar atuando em causa própria...

sábado, 4 de agosto de 2012

A auto-estima recuperada no divã da graça de Deus

É muito comum ouvirmos no meio popular que para alguém conseguir amar o outro é preciso primeiramente amar a si próprio. E, sob certo aspecto, compreendo o que se quer dizer com isto porque, em tal caso, a referência seria quanto à auto-estima do indivíduo e não ao seu egocentrismo.

Acho importantíssimo a pessoa sentir-se realmente acolhida em seu íntimo. A Bíblia nos diz que foi Deus quem nos amou primeiro pois, sendo a humanidade errante e rebelde, todos fomos graciosamente aceitos pelo Criador que demonstrou a sua eterna bondade de diferentes maneiras até, finalmente, revelar tão incomparável graça em seu Filho Jesus Cristo. Este é o amor que entre os homens foi conhecido e deve ser anunciado ao mundo:

“Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados.” (1João 4.10)

Com sua digníssima obra, Cristo Jesus tornou-se o maior símbolo da graça divina acessível a todos. Através dele entendemos que os nossos pecados estão perdoados e podemos compreender que Deus já está reconciliado conosco independente de ainda sofrermos as conseqüências dos atos praticados, colhendo aquilo de ruim que foi semeado.

Por meio de Cristo, somos incondicionalmente aceitos, salvos e libertos! Podemos, assim, usufruindo de tão grandiosa graça, tratarmos a nossa machucada auto-estima que algum dia foi tão massacrada por palavras más ou por comportamentos de outras pessoas com as quais convivemos tanto no passado quanto no presente.

Neste sentido, fico imaginando o interior psicológico de quem foi moralmente assediado por seus pais, cônjuge, professor, colega de escola, vizinho, chefe ou superior hierárquico. Penso também nas pessoas que, além de receberem palavras ofensivas, são vítimas de outras formas de violência no seu corpo físico, na liberdade de ir e vir, nas finanças, na sexualidade e até nas escolhas religiosas. Pois, dependendo da experiência, a vítima pode começar a se ver como alguém sem dignidade alguma, um zero na sociedade, passando a ter maiores probabilidades de algum dia descarregar suas frustrações em outros.

Não é por menos que hoje o mundo vive um tsunami de amarguras onde o rebaixamento consciente da auto-estima alheia tornou-se até uma estratégia maligna de dominação de uns sobre os outros. E os homens que padecem desse problema têm grande potencial para anularem as suas companheiras jogando-as para baixo já que, dificilmente, eles conseguirão amá-las até que comecem a se tratar.

Ora, mas o que podemos fazer quando é preciso ainda conviver com pessoas duras de coração e que estão indispostas a mudar? Será que tudo se resolve com o simples afastamento delas?

Penso que há situações nas quais a distância torna-se inevitável, mas esta atitude jamais poderá efetivamente ajudar na maneira como precisamos lidar com os fatos desagradáveis registrados na memória. E aí ressalto que a solução será encararmos um tratamento com o divã da graça de Deus.

Nos salmos, deparamo-nos constantemente com poemas que revelam o interior caótico de uma mente atribulada. Seus autores, por viverem numa época bem antiga, quando ainda não se vislumbrava o amor pelos inimigos, oravam fervorosamente com imprecações contra quem estivesse lhes fazendo mal. Com fé, os salmistas agarravam-se na eterna misericórdia divina, buscando renovar suas forças Naquele que não nos trata segundo os nossos pecados. Logo, por mais que o poeta bíblico se sentisse um verme e não homem, ele fazia do Altíssimo a sua rocha de proteção, seu socorro bem presente no dia da angústia e a sua morada eterna.

Atualmente, em que vejo pessoas tentando elevar a auto-estima sem incluírem Deus, percebo o quanto o mundo tem caminhado para um terrível abismo. Uns optam equivocadamente por proferir palavrões, acreditando ser isto um desabafo saudável. Porém, de que vale tal atitude reativa? Dizer ao vento palavras de baixo calão não seria uma maneira de expressar ingratidão?

Paralelo a isto, também vejo muita gente cometendo o erro de compensar suas tristezas indo a um shopping ao invés tratarem o interior maltratado. Mas, se refletirmos bem, para que alguém precisa enganar a si próprio com a aquisição de bens de consumo? Será que manifestar algum status no meio social vai resolver o problema? Não será melhor abrir o coração com o Pai Celestial bendito e deixar que o seu bálsamo cure todas as feridas da alma?

Concluo lembrando sobre o grande potencial que temos para apoiarmos as pessoas ainda obstruídas quanto ao relacionamento amoroso com o Deus invisível. Creio que, vivenciando o amor do Onipresente, podemos transmiti-lo para todos de várias formas, sendo indispensável aprendermos a ouvir o próximo na sua dor e fortalecermos a auto-estima de cada irmão ou irmão. E, com a autoestima tratada em Deus, tornamo-nos agentes de sua graça.

Finalizo compartilhando a letra de um inspirado corinho que, desde a adolescência, ouvia e cantava no grupo jovem da igreja. É uma música bem fácil de aprender e que pode muito bem ser aprofundada em maiores detalhes pelos líderes das congregações pois todos temos um grande valor para Deus que nos ama imerecidamente pela sua maravilhosa graça. E basta a graça para sermos importantes!


Quero que valorize o que você tem
você é um ser
você é alguém
tão importante para Deus
nada de ficar sofrendo angústia e dor
neste seu complexo interior
dizendo às vezes que não é ninguém

Eu venho falar
do valor que você tem (bis)

Ele está em você
o Espírito Santo se move em você
até com gemidos
Inexprimíveis
inexprimíveis

Aí você pode então perceber
que prá Ele há algo importante em você

Por isso levante e cante
exalte ao Senhor
Você tem valor

o Espírito Santo se move em você...



OBS: A ilustração acima trata-se de uma foto do sofá onde Freud atendia os seus pacientes e foi extraída da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Freud_Sofa.JPG

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A esposa que aprendeu a gostar

Era uma vez um tempo que já foi. Um tempo cheio de injustiças, escravidão, autoritarismos familiares e de monarcas absolutistas, mas que tinha lá suas compensações com menos violência nas ruas e poluição ambiental. Um tempo em que as mulheres raramente poderiam escolher seus maridos, mas que eram capazes de amar muito mais do que nos dias de hoje.

Naqueles tempos dos avós dos nossos tataravós, viveu uma jovem entre tantas outras chamada Maria, nome este que sempre foi comum na nossa civilização de cultura cristã em homenagem à mãe de Jesus, o Salvador.

Nascida alguns anos depois da formal independência brasileira, Maria sempre viveu submissa a seus pais que atravessaram as águas do Atlântico seguindo as embarcações de D. João VI. Por estas terras, resolveram ficar junto com o príncipe herdeiro de Portugal. Com rigidez brutal, seu Manoel e dona Carminha educaram a menina debaixo de princípios católicos, preocupando-se sempre com as vantagens que iriam obter quando fossem entregar a moça pura e virgem ao futuro marido.

Certa vez, num banquete promovido pela família a um proprietário de terras que desejava conseguir títulos de nobreza junto ao imperador, muitos assuntos foram tratados. Então, como parte do negócio, seu Manoel comprometeu-se em dar Maria ao filho mais velho do fazendeiro chamado Antonio, o qual retornara recentemente da Europa afim de advogar perante a já corrompida Justiça do país e captar poderosos clientes.

Sem que Maria e Antonio se conhecessem, ambos somente foram apresentados no dia do casório. Entre os convidados estavam somente os que constavam na lista dos pais dos noivos sem que Maria pudesse ao menos sugerir a presença de alguém de seu grupo de amizade. Durante o almoço promovido pela família, políticos do Partido Conservador estavam mais preocupados em fazer suas alianças para a futura disputa eleitoral dando pouca importância ao evento sacramental que acabara de ser realizado.

Decepcionante foram os primeiros dias de casada para Maria assim como a terrível noite de núpcias. Antonio foi incapaz de demonstrar compreensão e carinho, querendo apenas que a mulher lhe desse o devido prazer conjugal. Levou-a para morar na residência dada pelos pais e logo começaram os desentendimentos com agressões verbais do marido, as quais fizeram a esposa chorar copiosas lágrimas pelos cantos da casa.

Triste com a sua situação, Maria foi procurar a sua irmã Tereza que havia se tornado freira para cumprir uma promessa feita por dona Carminha. As duas se abraçaram e Maria contou-lhe tudo sobre as dificuldades enfrentadas no matrimônio.

- “Ai, irmã minha. Como eu queria estar aí em seu lugar. Por que mamãe prometeu você e não a mim? Preferiria que o meu esposo fosse o Salvador...”

- “Preste atenção, Maria. Somos todos muito amados por Deus que deu a vida de Jesus por nossa causa. Se já é amada pelo Senhor, apenas transmita este amor ao seu esposo, mesmo que ele não reconheça o seu esforço com gratidão. Lembre-se que nenhuma pessoa é capaz de ser grata a Deus pela vida que recebemos. Procure seguir a obediência submissa de nossa mãe Maria e se sujeite em tudo ao seu marido como se estivesse servindo ao Salvador.”

- “Mas eu não gosto dele, Tereza. Papai escolheu este homem sem que eu fosse consultada.”

- “Em compreendo e aconselho que apenas ame. Agora vai pois preciso retornar logo para a clausura.”

Depois daquela ida ao convento, Maria decidiu que amaria incondicionalmente Antonio como se ele fosse o próprio Senhor Jesus e começou a fazer o que estava ao seu alcance para agradá-lo. Tornou-se caprichosa no serviço doméstico, resolveu que suportaria o seu mau humor e que tentaria viver bem. Para isto, passou a cultivar somente coisas boas dentro de si e a observar as poucas qualidades positivas do marido perdoando-lhe as falhas. Nem sempre foi fácil, mas, com o decorrer dos anos, tudo foi se encaixando.

O tempo passou. O casal harmonizou-se, teve filhos, educou as crianças, prosperou, obteve reconhecimento na sociedade, enterrou os pais e envelheceu. A sofredora Tereza jamais deixou de aconselhar Maria entusiasmando a irmã quanto ao matrimônio, recebendo as proibidas visitas familiares no convento graças à sua cumplicidade com a madre superior.

Finalmente, quando a escravidão foi abolida e a República estava próxima de ser proclamada, as duas encontraram-se por mais uma vez:

- “Como vai o seu casamento, Maria?”

- “Muito bem, mas a saúde de Antonio não anda legal. Estou sofrendo muito com isto e hoje sinto o quanto ele é importante pra mim. Gosto demais dele e isto se tornou também recíproco entre nós.”

- “Rezarei por ele, querida, mas fico feliz em perceber agora o milagre que o Salvador fez em seu casamento guardando o melhor vinho para ser servido no final da festa.”

- “É verdade. Graças às suas inspiradoras orientações, passei a amar Antonio sem trocas e agora percebo o quanto estou gostando dele.”

- “Isto é bom, Maria. Quando vim parar no convento, jamais desejava ser religiosa e acho que, na verdade, ainda não sou. Se dependesse de mim, talvez nunca chegaria a assistir missas numa igreja e preferia ter me casado e criado filhos. Se fosse mãe, não mandaria uma filha para este lugar de jeito nenhum! Só que, aceitando o amor de Deus em Cristo, aprendi a gostar das condições de vida que me foram impostas e hoje sou feliz.”

Assim, aquilo que era apenas uma água na vida de Maria virou um saboroso vinho transparente. Seu amor por Antonio que, no começo, fora só uma decisão, tornou-se presente também nos sentimentos dela e do marido. Como tantas outras mulheres de sua época, Maria aprendeu a gostar de quem ama.