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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Movimento Antinuclear

"Podemos desacelerar a sexta extinção em massa já que somos seus principais causadores? Podemos e devemos. Um bom sinal é que estamos despertando a consciência de nossas origens há 13,7 bilhões de anos e de nossa responsabilidade pelo futuro da vida. É o universo que suscita tudo isso em nós porque está a nosso favor e não contra nós. Mas ele pede a nossa cooperação já que somos os maiores causadores de tantos danos. Agora é a hora de despertar enquanto há tempo." (Leonardo Boff)


Um ano após o desastre nuclear de Fukushima, ambientalistas decidem promover um protesto mundial em vários países, inclusive aqui no Brasil onde já existem três usinas atômicas situadas no município fluminense de Angra dos Reis.

Acho importante apoiarmos iniciativas como esta da Articulação Antinuclear Brasileira que, em 11/03/2012, pretende organizar um movimento em Angra dos Reis e em outras quatro capitais brasileiras:


- Corrente Humana de São Paulo; Avenida Paulista - Vão do MASP; Horário: a partir das 09:30; Contato: http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br ; https://twitter.com/brasil_ccun ; http://antinuclearbr.blogspot.com/ ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br/contato/ ; antinuclearmovimento@gmail.com ;

- Corrente Humana de Rio de Janeiro; Praia de Ipanema, Posto 9; Horário: a partir das 09:30; Contato: http://www.facebook.com/groups/iniciativapopularantinuclear/ ; http://twitter.com/antinuclearbr ; http://antinuclearbr.blogspot.com/ ; antinuclearmovimento@gmail.com ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br ; https://twitter.com/brasil_ccun ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br/contato/ ; correnteantinuclear@gmail.com ;

- Corrente Humana com Velas em Angra dos Reis. Vigília durante toda a noite nas Usinas Nucleares Angra 1 e 2, a partir das 21:00h do Sábado 10 de março. Ao amanhecer do Sol, Domingo 11 de março, uma barcaça será colocada ao mar, em homenagem às vítimas de Fukushima, na Vila Histórica de Mambucaba, a uma distância de 5 Km das Usinas Nucleares; Contato: sape.angra@gmail.com ; sape.angra@terra.com.br ; https://www.facebook.com/sape.angra ; http://antinuclearbr.blogspot.com/ ; antinuclearmovimento@gmail.com ; http://www.sapeangra.blogspot.com/ ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br ; https://twitter.com/brasil_ccun ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br/contato/ ;

- Corrente Humana de Porto Alegre, no Parque da Redenção; Horário: a partir das 09:30; Contato: http://antinuclearbr.blogspot.com/ ; antinuclearmovimento@gmail.com ;
http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br ; https://twitter.com/brasil_ccun ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br/contato/ ; correnteantinuclear@gmail.com ; http://www.facebook.com/groups/iniciativapopularantinuclear/ ;

- Corrente Humana de Manaus, no Parque dos Bilhares; Horário: a partir das 09:30; Contato: http://antinuclearbr.blogspot.com/ ; antinuclearmovimento@gmail.com ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br ; https://twitter.com/brasil_ccun ; http://www.brasilcontrausinanuclear.com.br/contato/ ; correnteantinuclear@gmail.com ; http://www.facebook.com/groups/iniciativapopularantinuclear/ ;


Verdade é que os moradores das duas maiores metrópoles do país dormem todas as noites com três bombas atômicas no "quintal" de suas casas. E mais ainda estão expostos os cidadãos de Angra dos Reis e municípios próximos ou adjacentes como Paraty, Mangaratiba, Lídice ou Rio Claro. Estes vivem como se estivessem com um detonador "debaixo da cama".

Embora sejam raros os acidentes nucleares de grandes proporções, sabemos que eles ocorrem e o desastre de Fukushima, ocorrido em março de 2011, mostrou-nos mais uma vez que o risco é real e os seus resultados são potencialmente devastadores. Tanto para o meio ambiente quanto para as vidas humanas. Então, por que continuarmos alimentando estas fontes perigosas de geração de energia elétrica?

Compartilho com todos estas informações acerca do protesto de 11/03 para que, caso nem todos estejamos presentes fisicamente, ao menos possamos nos unir em espírito e em propósito com os manifestantes, dando de algum jeito um apoio a esta relevante causa de interesse global.

A saúde do planeta depende de todos nós!


MANIFESTO DA ARTICULAÇÃO ANTINUCLEAR BRASILEIRA

Nós, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e pesquisadores, abaixo-assinados, mobilizados pelo grave acidente nuclear de Fukushima, declaramos nossa firme oposição à retomada do Programa Nuclear Brasileiro, pelas seguintes razões:

A energia nuclear é suja, insegura e cara. O ciclo do nuclear – da mineração do urânio, ao problema insolúvel da destinação do lixo radioativo – revela-se insustentável do ponto de vista social, ambiental e econômico.

A usina nuclear é uma falsa solução para evitar o aquecimento global. Como os reatores não emitem gás carbônico (CO2) – o principal dos gases do efeito estufa – os defensores desta energia tentam convencer a sociedade que ela é limpa e segura. Não é limpa, de forma alguma, pois o ciclo de produção de seu combustível – que começa com a mineração do urânio e termina no descomissionamento das instalações – apresenta relevantes e cada vez maiores emissões de gases de efeito estufa.

Há suficiente produção de energia no Brasil, porém mal distribuída. Atualmente o consumo se concentra em seis setores da indústria: siderurgia, cimento, papel e celulose, alumínio, petroquímica e ferro-liga, atividades que respondem por 30% da demanda de energia no país. Só o consumo anual da indústria de alumínio é equivalente a duas vezes o total da energia produzida por Angra 2.

Não existe lugar apropriado para confinar o lixo nuclear em nenhuma parte do mundo. Rechaçamos qualquer política energética que ameace as gerações presentes e futuras.

O manejo e transporte de substâncias radioativas pelas precárias estradas e portos brasileiros é inseguro e coloca em risco cidades vizinhas das rodovias e portos, bem como moradores de grandes cidades como Rio de Janeiro e Salvador.

A geração de energia nuclear é caríssima. E o custo para o encerramento adequado das atividades das usinas antigas é altíssimo, o que torna irracional, em termos financeiros, o investimento neste tipo de energia.

A energia nuclear representa menos de 2% da matriz energética brasileira. Investindo-se em eficiência energética é perfeitamente possível dar fim a essa produção, sem ônus para o contribuinte e para a geração de energia.

A energia nuclear é perigosa para a humanidade, pois seu sub-produto pode ser usado para produzir armas atômicas. Cada instalação nuclear é uma ameaça em caso de acidente, atentado ou guerra.

Não há transparência ou participação popular no acesso à informações sobre o ciclo da energia nuclear. Sob o falso argumento do “segredo militar”, alimenta-se a desinformação da população sobre um assunto que diz respeito à sua vida e segurança.

Os acidentes nucleares de Three Miles Island, Chernobyl, Goiânia e Fukushima revelam que as normas nacionais e internacionais de segurança não são cumpridas. Em Goiânia (1987), 19g de Césio abandonado irregularmente num hospital desativado causou a morte de 4 pessoas, a contaminação direta e indireta de milhares de pessoas e gerou mais de 6.000 toneladas de lixo radioativo.

A mineração em Caetité, recordista em acidentes e multas ambientais (não pagas) na Bahia, vem contaminando a água no entorno da mina, ameaçando a integridade ambiental, a segurança alimentar e a saúde da população. Há suspeita de ter contaminado seus trabalhadores.

Nas duas usinas de Angra dos Reis, onde há um histórico de acidentes e interrupções de funcionamento por problemas técnicos (inclusive com a contaminação de empregados), não existe um plano - sério e crível - de evacuação da população, em caso de emergência.

Os reatores não sofreram significativas alterações ou inovações tecnológicas que garantam a sua total segurança, continuando a apresentar riscos sérios, inerentes à manipulação do átomo.

Por estes motivos, reivindicamos:

01. O fim do Programa Nuclear Brasileiro;

02. O cancelamento da construção da Usina de Angra 3;

03. O cancelamento dos planos de construção de novas usinas nucleares no país;

04. O fim da mineração e do processamento de urânio, em todas suas modalidades;

05. Resolução imediata para os danos sociais e ambientais das localidades onde houve exploração de urânio ou instalação de depósitos de material radioativo, bem como justa indenização para seus habitantes e trabalhadores de instalações nucleares;

06. Desativação das usinas de Angra 1 e 2;

07. Participação da sociedade civil em todos os processos de tomada de decisão relativos à indústria nuclear e amplo debate público sobre energia nuclear;

08. Separação imediata entre fiscalização e operação/fomento e criação de um órgão especializado em segurança nuclear e radiológica;

09. Fomento a uma política energética baseada na descentralização da geração de energia, eficiência energética e utilização de fontes limpas, renováveis, e sócio ambientalmente corretas;

10. Reconhecimento público dos direitos dos atingidos direta e indiretamente pela contaminação radioativa, com indenização e assistência integral à saúde;

11. Aprovação das iniciativas legislativas de regulamentação da produção e comercialização de energias limpas e renováveis;

12. Efetiva democratização, transparência e desenvolvimento do debate público sobre as informações referentes às atividades nucleares no Brasil, especialmente sobre os sinistros e impactos sobre o meio ambiente e a saúde da população.

Junho de 2011



OBS: As informações sobre o protesto e o manifesto foram encontradas no blogue http://antinuclearbr.blogspot.com/.
Quanto à imagem acima, eu a extraí da página da Eletronuclear http://www.eletronuclear.gov.br/AEmpresa/CentralNuclear/Angra3.aspx

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Deve a igreja virar coisa descartada?

Sou um crítico da religião. Isto não nego. Mas eu não diria que o trabalho das igrejas, em sua totalidade, seja um "placebo", pois vejo grande utilidade em diversas atividades que os cristãos fazem. Penso que, se não fosse a formação religiosa de muita gente, teríamos talvez um número maior de jovens viciados em crack no nosso país.

E não é só isto!

Você já parou para pensar em quantos matrimônios não foram recuperados pelo excelente ministério Casados para sempre? Pois, mesmo com suas limitações, vejo bastante coisa positiva sendo feita.

Ora, mas que as igrejas são passíveis de críticas, não tenho dúvidas. Se o discurso dos padres e pastores já está ficando obsoleto, também concordo. Tanto é que minhas posições têm sido não apenas para que haja uma reforma na igreja, mas sim a construção de um novo modelo de ação que, ressignificando tradições, trabalhe os valores da cosmoética, promova a educação de adultos, leve esclarecimentos em várias áreas, etc.

Ontem mesmo eu estava conversando com uma de minhas tias (a irmã da mamãe), a qual contou-me ter deixado a Igreja Bethesda para congregar-se numa Presbiteriana tradicional lá em Copacabana por não concordar com o fato de estarem "mudando a doutrina", tipo trazendo gente de outras religiões para pregar lá e "aceitando homossexuais. "Até espíritas e muçulmanos teriam ido dar mensagens lá", comentou ela.

Resolvi, então, confrontá-la dizendo mais ou menos assim:

"Tia, o importante de tudo é o amor. Não é o fato de uma igreja ser mais tradicional ou outra moderninha que ela se tornará a congregação ideal já que todos os ministérios são falhos. Conheço quase nada do trabalho da Betesda para dizer algo bom ou ruim sobre eles. Porém, entendo que a missão cristã é justamente a de acolher pessoas de tudo quanto for tipo, com seus defeitos e problemas, e dialogar com as outras religiões na construção do Reino de Deus, o que não significa necessariamente aderir a um completo ecumenismo."

Prossegui defendendo que a atuação de uma igreja precisa ser multifocal. Pois não é só adoração e estudo da Bíblia que satisfaz! As pessoas precisam falar de cidadania, saúde física e mental, problemas da comunidade, promover ações sociais em áreas carentes e cuidarem dos pobres que fazem parte da própria congregação através de uma assistência verdadeira. E estas coisas, no meu ponto de vista, são tão importantes e necessárias quanto ler a Bíblia e orar.

Enfim, se o placebo eclesiástico tá fraco, que venhamos com o remédio ou com o tratamento certo, para que seja despertada a consciência das pessoas. E, antes de pensarmos que a religião vai impedir mudanças, acredito ser mais sábio dialogar primeiro do que sairmos atacando todas elas.

Atualmente, assim como Ricardo Gondim, Caio Fábio e outros pensadores, não me identifico mais com o movimento que se diz evangélico e nem sou católico. Porém, mesmo assim continuo disposto a dialogar com todos os grupos dos quais fiz parte e com as demais religiões, afim de convocar a todos para que participem da construção do Reino de Deus.

Abraços e tenham todos uma excelente semana.


OBS: A foto acima refere-se à igreja Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, situada na Praça Edmundo Rego, Grajaú, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ou seja, trata-se do logradouro onde eu moro.

Caminhando pelas florestas do Rio de Janeiro

Neste sábado (25/02/2012), fiz mais um passeio ecoturístico bem aqui perto de casa.

Saí pela manhã, tomei um copo de açaí na lanchonete da praça e fui caminhar nas matas do Parque Nacional da Tijuca que também envolvem o bairro Grajaú, aqui na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Tão logo eu me mudei para o Rio, em dezembro do ano passado, não tenho me cansado de explorar as matas da localidade. Gosto muito de andar pelo Parque Estadual do Grajaú e tenho me interessado cada vez mais por esta unidade de conservação da natureza que, de uns dez anos para cá, vem melhorando bastante em termos de gestão, embora ainda falte muita coisa ali por falta de investimentos governamentais. Uma delas diz respeito à adaptação da área para receber visitantes com necessidades especiais. Principalmente cadeirantes e deficientes visuais.

Entretanto, o Parque do Grajaú hoje encontra-se em condições muito melhores do que o trecho do Parque da Tijuca situado aqui no bairro. Foi o que pude constatar no passeio deste sábado fazendo a trilha que vai dar no pico do Grajaú a partir do portão da rua Marianópolis, logo depois de um outro logradouro conhecido como Borda do Mato.

Diferente da entrada pincipal do Parque da Tijuca, situada no Alto da Boavista, não existe nenhum controle sobre quem transita pelas matas do Grajaú passando por ali. Não há nenhum funcionário no local para recepcionar o turista sendo que apenas se vê uma placa com o logotipo do IBAMA pedindo para que as pessoas ajudem a preservar a natureza. E, logo do outro lado da portaria, é muito comum encontrar oferendas de macumba e lixo pelo caminho, não havendo nem ao menos placas com informações sobre uma velha casa em ruínas no meio da floresta.

Apesar disto, procurei aproveitar o passeio e fazer um reconhecimento melhor da trilha buscando perceber a existência de outros caminhos alternativos já que tinha ouvido histórias de gente que fez travessias pela mata até a entrada principal do Parque da Tijuca. E, na tentativa de interpretar o ambiente, identifiquei mais ou menos onde seria o vale que serviria de acesso para a direção do Pico da Tijuca, mas preferi não me aventurar pela ausência de uma trilha. Daí retornei e prossegui em direção ao pico do Grajaú, tendo alcançado um grupo de rapazes que estavam indo pra lá.

Desde a minha adolescência que eu não subia até o topo do bairro, também chamado de Perdido do Andaraí ou Bico do Papagaio. A pedra tem uma altitude de 444 metros e apresenta uma interessante forma piramidal bem atrativa para a prática de escaladas, lembrando um bico. Quem desejar chegar lá pode ir também pelo Parque Estadual do Grajaú, na rua Comendador Martinelli. Só que, nest caso, o excursionista vai se expor muito mais ao sol em terrenos descampados do que andando debaixo do frescor das árvores na subida que começa no portão da rua Marianópolis.

Entretanto, com exceção do Bruno (o terceiro rapaz na foto acima da esquerda pra direita e com camisa cor laranja), nenhum dos rapazes do grupo que encontrei tinha subido até o pico. Aquele passeio era uma novidade pra eles. Uma conquista. Algo que fizeram questão de fotografar.

Do alto da pedra, reconheci mais coisas do que imaginava. Embora a vista estivesse embaçada ao longe por causa da falta de chuvas nestes últimos dias a ponto de impedir a visão da Serra dos Órgãos nos fundos da Guanabara, pudemos identificar muitos lugares da Zona Norte, inclusive os dois maiores estádios do Rio de Janeiro: o Maracanã (em obras) e o Engenhão.

Na volta passamos na cachoeira da Mãe D'Água. Tomamos banho no poço que tem ali graças a um represamento do rio pela colocação de pedras. E havia um número razoável de pessoas se divertindo, além de dois cães que foram indevidamente trazidos.

Nem todos sabem, mas não é correto levar animais domésticos para dentro de unidades de conservação. Num parque ambiental, deve-se ter somente animais silvestres e de preferência nativos daquele ecossistema. Já os animais domésticos como cães e gatos podem causar danos à fauna do local já que são bichos instintivamente caçadores. Porém, nem ao menos tinha uma placa advertindo o público a respeito desta questão.

Deixamos o parque por volta das 14 horas (ainda horários de verão) e deixei meu endereço no Facebook para que me adicionassem em suas listas de contatos e compartilhassem comigo as fotos do passeio visto que raramente saio com câmera. E dali vim para casa com a mente cheia de ideias sobre a necessidade de haver um projeto de ecoturismo neste pedaço do Parque da Tijuca.

A meu ver, o Poder Público poderia perfeitamente colocar mais funcionários monitorando, sinalizar os caminhos, disciplinar o uso das cachoeiras e desenvolver um trabalho com jovens e adolescentes carentes da comunidade vizinha da Divineia. Estes passariam a atuar como auxiliares de guia turístico ou protetores da floresta. E também pensei na possibilidade de serem definidas trilhas para trekking do Grajaú até os roteiros atuais da Floresta da Tijuca e também para a Represa dos Ciganos, situada em Jacarepaguá.

Para concluir, posso dizer que, embora não tenha sido a primeira vez em que andei pelas matas do bairro, senti mais vontade de me envolver mais com o ecoturismo e a preservação da natureza. Algo que acredito ser possível de uma maneira holística, incluindo o social, o aspecto educativo e buscando despertar também a sensibilidade espiritual e filosófica do indivíduo.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A reencarnação e a graça divina

Recordo-me que, nos meus tempos de adolescente, aprendi na igreja que a crença na reencarnação seria uma negação da cruz de Cristo e uma mentira diabólica para as pessoas irem para o "inferno". Ensinaram-me que pelo fato dos espíritas acreditarem ser preciso renascer outras vezes num corpo físico estariam eles rejeitando a salvação proposta por Deus através da graça. Esta, conforme me diziam, só seria alcançada mediante a aceitação do sacrifício substitutivo de Jesus acompanhada de um arrependimento sincero de pecados mais uma confissão pública de fé, a qual então se confirmaria pelo batismo nas águas e por atos condizentes com uma vida regenerada.

Com o passar do tempo, vim a compreender que tinha uma visão muito empobrecida da graça de Deus. Questões sobre como se "salvariam" aqueles aos quais jamais foi anunciado o Evangelho de Cristo (ou da Igreja) permaneciam em aberto. Também em relação aos israelitas que viveram antes de Jesus nascer pairava outra dúvida já que eles desconheciam o salvador e tinham uma concepção messiânica distinta do que consta na doutrina baseada no cânon oficial do Novo Testamento.

Ora, mas será que Deus seria capaz de mandar a alma de uma pessoa para o "inferno", destinando-a a sofrer eternamente, só porque ela não escutou o discurso salvífico de um crente ou deixou de compreender a mensagem que lhe foi pregada a ponto de ir à frente da congregação quando o pastor fez o apelo no fim do culto? Que divindade sádica e injusta seria esta inventada pelos cristãos fundamentalistas que condenaria a própria criação pra assar num lago de chamas?!

Felizmente a própria vida e a realidade complexa das coisas vieram a me ensinar sobre o quanto a graça divina é rica para com todos, indo muito além da nossa compreensão restrita. Pois tal graça opera independentemente da ação ministerial daqueles que se consideram portadores das boas notícias salvíficas e alcança a todos os seres na condição em que cada um se encontra. E aí pouco importam as nossas convicções pessoais sobre a Divindade ou qual o conjunto de crenças de cada indivíduo.

Neste sentido, hoje admito não só a salvação dos reencarnacionistas como também penso que eles estão debaixo da cobertura da graça de Deus. Nem mesmo aqueles que seguem a corrente científica da conscienciologia fundada pelo médico Waldo Vieira e que negam a religião, baseando-se em estudos sobre o parapsiquismo e aplicando às suas pesquisas aquilo que chamam de "princípio da descrença".

Admitindo como mera hipótese a reencarnação, apenas para fins de raciocínio e reflexões, pergunto se, neste caso, uma Inteligência Superior não estaria por trás de todo o sistema existencial crido pelos espíritas e outras inúmeras tradições religiosas do planeta? Pois, se as pessoas normalmente nascem, crescem, reproduzem, envelhecem, morrem e depois retornariam renascendo em outro corpo, quem estaria regendo todo este ciclo acima da vontade pessoal de cada um? Como conceber a existência de um sistema que seria anterior ao homem sem admitir a existência de Deus?

Outrossim, por mais que muitos tentem negar, eu vejo a operação da graça dentro da visão reencarnacionista e que jamais seria anulada pelo carma. Porque mesmo que a consciência desencarnada precise retornar à Terra para poder evoluir, tentar reparar o mal que fez ao outro na vida passada ou então simplesmente compreender mais um pouco sobre si mesma, estaria a graça ausente? E aí, se pensarmos bem, Deus, na visão de muitos espíritas, torna-se até mais gracioso do que nas palavras arrogantes de certos pastores evangélicos que tentam fazer do Evangelho uma coação baseando-se em partes da Bíblia para que seus ouvintes "aceitem Jesus":

"Céu ou inferno? Onde você vai querer passar o resto da eternidade?"

Todavia, tenho uma questão que vai contra o que a maioria dos evangélicos fala e também em relação ao que vários espíritas dizem de outra maneira. Entre estes, há quem afirme ser a Terra um lugar de sofrimentos, pelo que nós estaríamos aqui porque precisaríamos sofrer o carma de vidas passadas. E, por sua vez, tem predominado no meio evangélico a noção de que o mundo em breve vai acabar e só nos restaria esperar por uma nova Terra. Só que eu sou radicalmente contra estes pensamentos pois são concepções que não buscam considerar o lado bom da vida aqui no presente e projetam a felicidade humana para um momento futuro.

É nessas horas que o Evangelho do Reino de Deus cai como uma luva para as nossas necessidades verdadeiras afim de convocar a humanidade inteira para que transforme a triste realidade na qual ela se encontra hoje. O Evangelho que considera a graça nos seus múltiplos aspectos busca é dialogar com cada religião e cultura diferente afim de instigar uma transformação social unida à espiritualidade, confirmando aquela frase da criação que, com frequência, é repetida no capítulo um de Gênesis:

"Deus viu que isso era bom".

Para abraçar o Evangelho do Reino não é preciso tornar-se cristão e nem aceitar um conjunto de crenças religiosas. Até a Bíblia torna-se dispensável por mais que ela contenha valiosíssimos ensinamentos. Porque basta que o homem compreenda a importância de contribuir para a transformação do planeta e encontre dentro de si mesmo a paz, sabendo que é amado por Deus incondicionalmente, sem precisar dar nada em troca. Nem mesmo a sua fé Nele.

Concluindo, se existe reencarnação ou não, trata-se de um mistério que pouco deve nos importar. Por alguma razão maior a fisicalidade oculta do homem os caminhos pelos quais percorre a alma, ainda que alguns tenham suas experiências subjetivas do mundo espiritual por meio de fenômenos paranormais. Porém creio que basta a revelação da instrução divina para que a ponhamos em prática e assim estejamos bem aqui, sendo que é nesta vida que precisaremos tomar atitudes aprendendo a ser felizes em harmonia com o bem estar do próximo.

Que a graça de Deus seja com todos!


OBS: A ilustração usada neste artigo e que aparece em diversas páginas na internet eu a extraí do seguinte site http://www.espiritualismo.hostmach.com.br/reencarnar.htm

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Nossos políticos deveriam ser submetidos a um teste de seleção intelectual!

Segundo o grego Platão, a democracia seria um regime que não funciona. No entender deste grande pensador, a democracia degenera em demagogia e tirania, pelo que, no seu modelo de cidade ideal, a Callipolis, o governo do país caberia aos filósofos.

A explicação do pensamento platônico era que pra este grande sábio da humanidade o Estado deveria promover uma educação seletiva baseada na capacidade dos grupos de indivíduos afim de se fazer uma distinção qualitativa entre os homens. Assim, uns seriam agricultores, artesãos e comerciantes. Outros dedicariam-se à guerra. Mas quanto aos filósofos, versados na arte do diálogo, caberia a eles o exercício da elevada função de dirigir a comunidade. É o que se lê na festejada obra A República.

Contudo, manter a democracia tem se mostrado fundamental para que haja equilíbrio dentro de uma sociedade. Permitir que o cidadão expresse livremente o seu descontentamento e se faça representar nos órgãos de deliberação coletiva tornam-se mecanismos indispensáveis à paz. Logo, além da competência dos governantes, é preciso que, simultaneamente, seja desenvolvida uma política de participação estruturada sobre um diálogo acessível à linguagem de todos entre administradores e administrados.

Sendo assim, a visão do antigo filósofo, cujo pensamento é evidentemente marcado pelo dualismo, deve ser até certo ponto considerada. Pois, embora seja eticamente recusável e utópico implantar a sofocracia (o governo dos sábios), parece-me indispensável que a voz da inteligência receba lugar de honra na direção do Estado junto com a voz do povo. E aí o bom senso leva-me a concluir pela necessidade de se promover uma seleção dos políticos brasileiros através de um exame de conhecimentos gerais.

Neste sentido, em todas as eleições majoritárias, seria obrigado que o político ao menos fosse submetido a uma prova objetiva e discursiva aplicada pela Justiça Eleitoral, a qual seria realizada uns seis meses antes da votação. A nota da avaliação não impediria o registro da candidatura, exceto se a pontuação for zero, houver "cola" ou o candidato não comparecer. Contudo, desta maneira, com base num exame de referência nacional, o cidadão teria mais um critério para poder escolher as pessoas mais capacitadas que pretendem ocupar os cargos de presidente, senador, governador e prefeito.

A meu ver, um exame como o que estou propondo distingue-se de um concurso público. Neste há um número de vagas limitadas para serem preenchidas e só os melhores colocados e que não foram eliminados é que iram ocupá-las. Já na provinha que defendo, o teste se assemelharia um pouco à habilitação para dirigir veículos automotores feita pelo DETRAN ou para o exercício da advocacia aplicada pela OAB, onde passa quem sabe. Daí, se todos os candidatos atenderem aos critérios exigidos, nenhum deles é reprovado ou impossibilitado de disputar eleições. Mesmo se a pontuação ficar acima de zero e abaixo de um.

Evidente que como prova nenhuma atesta de maneira plenamente a satisfatória a capacidade do indivíduo, quem julgará se os candidatos habilitados deverão ser eleitos será o próprio cidadão quando comparecer às urnas. Isto porque a nota de cada um deles, bem como as respostas às questões, seriam publicadas em órgão da imprensa oficial e ficariam depois disponíveis na internet através das páginas do TSE e de cada TRE. E assim, não tenho dúvidas de que a qualidade do voto será bem melhor a cada eleição.

Convoco cada brasileiro a debater e a divulgar esta ideia afim de que, futuramente, alguma emenda constitucional venha a ser proposta. Tal como a Lei da Ficha Limpa (LC n.º 135/10) dependeu de um grande clamor público que a antecedeu, o mesmo acontece com outras sugestões apresentadas pela sociedade capazes de obrigar os demagogos de Brasília a votarem contra seus próprios interesses. Acredito que, desta maneira, estaremos cuidando para que gente incapaz e aproveitadora continue chegando ao poder para governar a nação.


OBS: A ilustração acima foi extraída de uma reprodução fotográfica do arquivo da Wikipédia. Trata-se de uma pintura de 1509 feita pelo pintor italiano Raffaello Sanzio da Urbino (1483-1520) retratando Platão. A imagem está disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Plato-raphael.jpg

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Vamos fugir?!

No idioma inglês, há um trocadilho bem interessante utilizando numa frase com as palavras now (agora) e here (aqui) formando nowhere (nenhum lugar):

Now and here is nowhere.
(Agora e aqui é nenhum lugar.)

A ideia de que o aqui e agora está em nenhum lugar é bem significativo e se relaciona com o dito de Jesus de que o Reino de Deus está dentro de nós. Assim, a nossa paz interior e a nossa felicidade não dependem de nos mudarmos para uma casa nas montanhas ou pra algum lugar no além.

Da famosa música Vamos Fugir do Gilberto Gil, composta em parceria com Liminha, podemos extrair que o lugar que desejamos não é Irajá, nem Marajó, Guaporé, outro lugar azul, ao sul ou no céu azul, mas sim

Onde haja só meu corpo nu
Junto ao seu corpo nu
(...)
Pr'onde haja um tobogã
Onde a gente escorregue
Todo dia de Manhã
Flores Que uma gente Regue
Uma banda de Maçã
Outra banda de reggae


Isto significa pra mim que o segredo do lugar onde fica Reino está na transparência na relação entre as pessoas que pode ser representada na música pela nudez. Também reside na nossa disposição simples de sermos felizes incluindo o outro, de cultivarmos flores dentro de nós e fazermos da convivência humana uma deliciosa descida no tobogã da vida.

Bem, é isto. Que possamos a cada dia construir um mundo melhor a partir da experiência que temos percebido dentro de nós mesmos, manifestando-a ao mundo ao invés de ocultá-la.

Seja feliz no aqui e agora!

Um bom recomeço a todos depois deste longo feriado do Carnaval...



OBS: A foto no começo do artigo, se minha memória não estiver enganada, trata-se da estrada que liga a Rio-Santos (BR-101) à localidade de Trindade. Foi tirada em junho de 1999, quando eu e Núbia estivemos visitando Paraty. no sul do estado do Rio de Janeiro, quase divissa com Ubatuba (SP).

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Apocalipse de Rodrigo

Um dia, depois dos crentes ditos evangélicos terem orado tanto pela “volta de Jesus” e o “arrebatamento da Igreja”, Deus resolveu atender este pedido conforme a Sua vontade soberana. Mandou que seus anjos Miguel e Gabriel fossem até à Terra pilotando um enorme disco voador e transportassem metade da população para outros planetas. E isto aconteceu numa ocasião inesperada, sem que fosse feriado ou dia “santo” de alguma religião.

Contudo, os evangélicos em sua maioria ficaram bem surpresos com o acontecimento. Quando foram instantaneamente arrebatados para a grande nave, não encontraram apenas pessoas do seu segmento confessional. Além dos católicos, estavam lá cristãos espíritas, gnósticos, homens desviados de igrejas e gente que nunca levantou a mão durante um apelo de conversão a Jesus nos cultos eclesiásticos. Também estavam reunidos muitos judeus, muçulmanos, budistas, hindus, taoístas, xintoístas e seguidores das mais diversas tradições religiosas do planeta. Até ateus poderiam ser encontrados dentre os que tinham sido “salvos”.

- “Não acredito que encontraria a senhora por aqui”, exclamou uma evangélica da Assembleia de Deus quando viu do seu lado uma vizinha umbandista.

Esta prontamente lhe retribuiu:

- “Mas por que, minha filha? Será que o teu Jesus seria tão injusto de me mandar queimar no inferno por toda a eternidade apenas porque não sigo o seu pastor? Sempre amei Jesus a quem chamo de Oxalá.”

Uma comissão de evangélicos e outra de espíritas foram até os anjos pedir explicações sobre o que estava ocorrendo:

- “Gabriel, eu sempre considerei que só os crentes fieis a Jesus seriam arrebatados. Será que vocês não andaram se confundindo ao cumprirem as ordens de Deus? Lembre-se do que Paulo escreveu nas epístolas ao tessalonicenses”, reclamou o representante dos evangélicos.

Porém, os espíritas argumentaram de uma maneira inversa:

- “Anjo, segundo o livro Os Exilados de Capela, vão ser as pessoas ruins que serão expulsas da Terra, não os bons. Como você me explica isto?”

Gabriel respondeu-lhes:

- “Meus amigos, aprouve a Deus fazer a coisa da maneira como está ocorrendo. Ele é o Rei do Universo e faz coisas que nem os anjos sabem o motivo. Agora tratem-se de se comportar. A nave é grande, mas o espaço ficou apertado para caber três bilhões e meio de pessoas e mais um bando de animais no andar de baixo. Aguardem que, em breve, chegaremos a um novo planeta.”

Nisto vieram os hindus afim de se informarem com Gabriel para qual planeta estariam indo:

- “Será que vamos até o planeta de Krishna ou iremos para a terra de algum outro Deus?”, indagaram eles, sendo que ficaram discutindo continuamente entre si a respeito de quando seria o fim da era de “Kali Yuga”.

Enquanto isto, na Terra, houve muita confusão entre os que ficaram. Pessoas queriam uma explicação e não achavam respostas satisfatórias. Houve uma série de atritos, acidentes com veículos, quedas de energia nas cidades, saques em supermercados, brigas e assaltos. Dentre os religiosos que restaram, a grande maioria foi se lamentar como fez um fanático neo-pentecostal:

- “Senhor, por que você me deixou para trás! Todos os dias eu estava na igreja te servindo, jamais atrasava o dízimo, procurava converter novos membros e ainda jejuava duas vezes na semana. Agora não estou mais afim de te servir! Vou aproveitar cada instante fazendo de tudo até você acabar com a Terra. Seu injusto!”

Gente em toda parte chorava. Uns expressavam culpa, saudades pelos familiares que partiram e outros até contentamento:

- “Que bom! Agora temos menos gente no mundo e eu ainda receberei a pensão deixada pela minha mulher. Terei bastante sossego porque meus dois vizinhos do lado também se foram. Vou ver se ganho algum dinheiro nesta crise e ocupo os terrenos deles que, tempos depois, poderei adquirir por usucapião”, pensou consigo mesmo um rapaz ambicioso.

Com o passar dos meses, a situação acomodou-se na Terra e a economia começou a crescer devido a um plano de recuperação proposto em conjunto pelos governos dos países. Só que este desenvolvimento veio acompanhado de mais miséria, desigualdade social, restrições na liberdade do indivíduo, falta de respeito para com o ser humano, degradação do meio ambiente, além de guerras para a indústria de armas ganhar mais dinheiro e novas doenças criadas em laboratório para as multinacionais farmacêuticas lucrarem bastante.

Afim de sufocar revoltas populares em diversos locais, até bombas atômicas foram usadas em cima de algumas cidades e povoados, com transmissão ao vivo pelos noticiários da TV afim de amedrontarem as massas. Se um protesto qualquer fosse organizado, a polícia tinha autorização para meter bala nos manifestantes, bem como prender, torturar e sequestrar. Foi criado um clima de terror psicológico intenso.

Proporcionalmente aos governantes, a crueldade do povo também aumentou. Para divertir a população, lutas mortais foram liberadas e começaram a ser transmitidas pela televisão e internet, lembrando os antigos tempos dos gladiadores do circo romano. Prisioneiros passaram a ser usados em trabalhos forçados e nas experiências científicas, com a possibilidade de serem mortos quando ficassem velhos ou imprestáveis. E qualquer cidadão pobre e considerado inútil estava sujeito a ser eliminado pela polícia, se fosse pego nas vias públicas.

Nas ruas a degradação ética tornou-se patente. Numa fila de banco, dois conhecidos de meia idade encontraram-se e foram conversar enquanto aguardavam a agência abrir:

- “E aí, cara. Como vão as coisas? Teu pai já morreu?”

- “Infelizmente, não. Aquela coisa não morre tão cedo e só me dá trabalho. Não vejo a hora de encontrar o velho durinho no sofá! Desejo isto todas as noites pensando que, quando finalmente a morte dele acontecer, volto aqui e saco tudo o que ele tem na poupança para pagar as dívidas e vou receber os alugueres de cada imóvel.”

- “Cara, sabia que você já pode pedir ao governo para recolhê-lo e aplicar aquela injeçãozinha do adeus Totó lá do centro de zoonoses? Consegui fazer isto no mês passado com a vaca da mamãe e foi super fácil quanto à documentação. Só tive que pagar uma funerária para livrar-me do corpo fedorento dela e também desembolsei uma taxa simbólica recolhida pelo governo já que eles cobram da família pela visita do médico e do psicólogo que fazem a aplicação no veneno na veia do velhinho. Tente agendar uma hora com a assistente social. Vou te passar um email sobre isto ainda hoje.”

- “Amigo, eu já andei pesquisando na internet acerca do assunto. No caso do trapo do meu pai, o governo não autoriza e até pode me punir tomando todos os bens da herança, se eu fizer por minha conta clandestinamente. É que papai tem a propriedade de alguns imóveis e, neste caso, ele é considerado um cidadão útil porque mesmo não saindo de casa consome medicamentos das empresas.”

- “Pô! Que chato! Eu se fosse você procurava ver um daqueles discretos anúncios nas páginas dos classificados sobre matadores profissionais. Fica bem na seção de serviços sem especificar do que se trata. Você liga para o telefone e apenas pergunta o preço e onde encontra o sujeito sem dizer do que se trata para a ligação não ser interceptada. Aí eles vão forjar um assalto na sua residência e se livram do seu pai. Tem muito policial que trabalha com isto nas horas vagas e eles sabem muito bem como fazer a coisa e conseguem por panos quentes na investigação sem que você seja descoberto”.

- “Muito obrigado, amigo. Isto vai me ajudar bastante. Já não suporto mais sentir o cheiro de urina daquele velho dentro de casa e ainda ouvi-lo a todo hora me pedindo água. Pior é que ele faz isto justo quando estou no computador fazendo sexo virtual.”

Nesta hora, passou uma menina por ali e colou no poste o cartaz de publicidade de uma clínica de aborto informando preços promocionais e que assim dizia sugestionando: “Não desperdice sua vida com um bebê te enchendo o saco e tome a decisão certa. Venha nos procurar”. Em seguida, veio um carro de som pela rua fazendo propaganda de uma boate:

- “Esta noite a Strip City vai bombar! Leilão de virgens a partir de quinze mil reais. Teremos a estreia de Samanta. Loira, 12 aninhos, bem no início da puberdade. Venha conferir! Entrada a partir das 23 horas. Clientes vip ganham dez gramas de cocaína grátis! Não percam e tragam seus amigos!”

Enquanto isto, na imensidão do Universo, o disco voador chegou a um planeta selvagem.

- “Será aqui a nossa nova casa, anjo?”, perguntou um rabito ortodoxo a Miguel.

- “Não senhor. Neste planeta ficarão só os índios mais alguns ecologistas e hippies que gostam de viver nus. O restante dos terráqueos povoarão uma planetinha desértico que fica no sistema solar daquela estrela lá. Judeus e árabes não terão muita dificuldade para se adaptar.”

- “E não tem nada para comer e beber nesse outro planeta?”, indagou um mestre budista.

O anjo esclareceu:

- “O outro planeta para o qual a maioria de vocês está destinado a ir nada mais é do que um lugar como ficará a Terra num futuro breve depois que seus moradores se autodestruírem por causa da ganância desenfreada e da quebra de valores éticos. Infelizmente, não deverá sobrar ninguém para contar história pra outra geração”.

Ao prestar a atenção nas conversas entre os anjos e as comissões de religiosos, um jovem naturista, coincidentemente chamado Jesus e que estava na fila do desembarque com os índios, resolveu intervir. Ele não era o Cristo e nem o ex-namorado da Madonna, mas foi corajoso em se manifestar no meio daquelas lideranças todas:

- “Miguel e Gabriel, quero que vocês me mandem de volta pra Terra antes que seja tarde. O céu pra mim não está em lugar nenhum. Ele encontra-se dentro de mim. Por isto, quero fazer a diferença no Universo e tentar amar meu próximo. Se formos para um novo planeta, quem garantirá que nós e nossos descendentes viverão lá em perfeição. Não demorará muito para que transformemos este paraíso num outro inferno. Então é melhor lutar para que o inferno vire céu. E, mesmo que não alcance o êxito desejado, pelo menos terei contribuído para que a consciência do outro seja despertada”.

Ouvindo as sábias palavras daquele jovem, que amava a Deus independente de doutrinas ou de instituições religiosas, todos ficaram admirados, inclusive os anjos. Foi aí que uma mulher propôs:

- “Gente, ainda dá tempo de salvarmos a Terra? O Miguel não poderia dar meia volta a fim de retornarmos o quanto antes?”

Todos apoiaram e os anjos foram falar com Deus. Minutos após, Gabriel convocou uma assembleia e anunciou a resposta divina:

- “Acabei de consultar o Onipotente e o Rei dos reis agradou-se da ideia de vocês retornarmos, ficando a critério de cada um decidir se voltam pra Terra ou se continuam na nave. Aviso, porém, que será preciso ter muita paciência, meus amados. Com a ausência dos justos, a impiedade tomou conta da sociedade mundial e eles constituíram uma nova ordem de governos perversos. É como se a humanidade tivesse retrocedido uns dois milênios na sua história evolutiva fazendo coisas da época de Nero.”

Um padre brasileiro exclamou:

- “Agora entendo o que Deus fez conosco! Ele permitiu que fôssemos arrebatados como Paulo dizia para despertarmos das nossas alienações religiosas. Afinal, foram quase dois mil anos em que a Igreja ficou alimentando expectativas erradas sobre céus, inferno e fim do mundo, deixando de fazer o seu papel na Terra. Mas de agora em diante vou ser um leitor do Leonardo Boff. Viva a Teologia da Libertação!”

Por unanimidade, os arrebatados decidiram retornar para a Terra, inclusive os índios que também compreendiam a importância de participarem da transformação espiritual do planeta. Miguel deu meia volta e foram em direção para a periferia da Via Lactea, rumo ao Sol.

Quando reapareceram na superfície terrestre, já tinham se passado sete anos e o mundo estava vivendo um caos incontrolável com gente se matando pelas ruas e os governantes sem nenhuma sabedoria para conduzir a política. Desde os chefes dos órgãos oficiais até os funcionários mais simples estavam totalmente corrompidos.

Assim, o retorno dos arrebatados acabou sendo uma grande bênção para o mundo. Não demorou muito para que os regimes dos governos caíssem e novas eleições fossem convocadas em todos os países. Os religiosos passaram então a adotar uma nova postura, buscando conscientizar o povo para que buscasse soluções pacíficas no presente e cada qual aprendesse a servir a Deus na sociedade espalhando o amor do Messias por toda a Terra. Ou, em outras palavras, buscando alcançar a consciência messiânica que se realiza na vida amorosa.


CONCLUSÃO

Esta é a mensagem que eu, Rodrigo Luz, dou hoje às religiões do mundo e, principalmente, às inúmeras igrejas do meu país. Estava em minha casa quando então veio-me esta inspiração bem natural. Não me encontrava em Patmos e muito menos fui levado aos céus. Apenas deixei os pensamentos correrem livremente a ponto de escrever este Apocalipse durante os dias de Carnaval, em pleno século 21, usando a imaginação para quem sabe despertar meus conservos sobre as coisas que precisamos fazer pelo planeta.

Digo a todos os leitores deste texto que: se alguém reproduzi-lo e o divulgar, mesmo fazendo modificações (não importa se acrescentando ou suprimindo), vou desejar que Deus abençoe esta pessoa. Afinal, no meu Apocalipse, não existem pragas, nem cálices de ira, anjos tocando trombetas e muito menos um lago de enxofre para queimar as pessoas. Pois quero é que tiremos de dentro dos nossos corações o inferno e vivamos o céu.

Que a graça divina manifestada no Cristo Universal acompanhe a vida de todos vocês!


OBS: A ilustração acima trata-se do quadro O Jardim do Éden do pintor norte-americano Thomas Cole (1801–1848) e foi extraída da Wikipédia. Preferi esta figura do Paraíso do que oclocar imagens sobre o Juízo Final ou coisas semelhantes que só servem para meter medo e coagir. Afinal, o meu Apocalipse é antes de mais nada um retorno às origens edênicas existentes no nosso interior.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Buscando compreender a química da vida

Quando estudamos Química, entendemos que a atração entre os elementos que compõem o Universo é capaz de gerar algo proveitoso. A molécula da água, por exemplo, é formada por dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio (H2O), os quais se completam com equilíbrio dando origem a uma substância da qual os seres vivos do planeta, inclusive nós, dependemos para sobreviver.

No entanto, nem tudo que se atrai quimicamente forma coisas proveitosas ou construtivas. Exemplos neste sentido seriam os venenos e os gases tóxicos que são substâncias nocivas à vida. E, se olharmos para a diversidade de planetas em nossa galáxia, inclusive dentro deste sistema solar, veremos que as condições ambientais da maioria dos outros astros estudados já pela ciência não permitem o desenvolvimento dos seres vivos em sua atmosfera. Tanto é que, em Marte, na Lua, ou em Vênus, lugares que já foram bem pesquisados pela NASA, o homem seria incapaz de sobreviver caso desembarcasse de uma nave e resolvesse retirar o seu capacete de astronauta sem respirar oxigênio.

De acordo com a NASA, é possível que, na imensidão da Via Láctea, existam cerca de 100 milhões de planetas considerados habitáveis. Só que, apesar da grandeza do numeral, o quantitativo ainda significaria uma minoria dentre a totalidade dos astros que giram em volta de suas respectivas estrelas. E, se a maioria dos planetas e sistemas solares não oferecem oportunidades para o surgimento da vida, embora os átomos dos elementos químicos tenham contribuído para que estes corpos existam, podemos concluir que o fato das coisas darem certo é uma exceção já que a maioria das interações químicas não cria algo proveitoso.

Refletindo acerca destas questões, poderíamos desenvolver as mais interessantes teorias extraindo importantes aprendizados para a vida. E umas das lições que tenho percebido nas minhas observações é que nem todas as coisas que nos atraem são realmente construtivas. A maioria destas experiências pode vir a nos destruir, tornando-se um acontecimento dispersor. Já dizia o francês Antoine Lavoisier (1743 — 1794) que, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Contudo, nem sempre as transformações serão necessariamente boas.

Neste sentido, penso que devemos atentar para a importância da orientação bíblica em relação ao nosso futuro. Segundo o livro de Gênesis, Deus criou o mundo ordenadamente a parti do caos e agrupando os elementos da natureza de maneira devida a cada “dia” da criação até formar o homem. Diz o texto que primeiro o Eterno criou a luz. Depois fez surgir a terra seca pondo limites às águas. E, tendo antes coberto a superfície terrestre de plantas que produzissem alimento, só então que Ele encheu este planetinha de animais, pondo também aqui o homem.

Semelhantemente ao que consta neste brilhante mito da Bíblia, deve o homem imitar os passos do seu Criador e atentar para a instrução ou orientação divina manifestada em seu coração. Fugindo das atrações destrutivas como as paixões mundana, o apego ao dinheiro, o uso predatório do meio ambiente ou a solução violenta de conflitos, conseguimos trilhar um caminho capaz de produzir harmonia em relação à vida.

Na área sexual e dos relacionamentos, muitos são os convites para alguém optar por uma vida errante. Neste campo, nem sempre quando “rola uma química” entre duas pessoas significa que elas serão felizes. Homens e mulheres que se deixam levar por uma atração imediata, a qual costuma ser passageira, não formam famílias fortes. Pois, ao quebrarem relacionamentos e cometendo atos de infidelidade conjugal, os pais afetam o desenvolvimento dos filhos através de maus exemplos, deficiências no processo educacional, causando conflitos, transtornos psicológicos, perdas patrimoniais, etc.

Ao proferir o discurso do Sermão da Montanha, Jesus advertiu os seus ouvintes para que procurassem passar pela “porta estreita”, alertando que o “caminho largo conduz à perdição” (ver Mateus 7.13-14). E, com isto, o Mestre ensinou-nos que a vida é encontrada (ou construída/usufruída/experimentada) quando praticamos uma conduta restritiva no tocante às coisas ruins, dizendo NÃO a tudo o que não presta.

Estamos bem perto do Carnaval. Sei que muitas igrejas ditas evangélicas gostam de demonizar a festa como sendo uma exaltação da “carne”, ignorando a manifestação cultural que é bem rica e apreciável. Contudo, sabemos que, durante o trídio carnavalesco, muita gente “perde a cabeça” aproveitando o momento para cometer exageros topo a ingestão de bebida alcoólica ao volante, provocações que resultam em violência, uso de drogas e a prática liberada do sexo. E a este respeito eu muito questiono:

Será que vale a pena envolver-se sexualmente com alguém sem nenhum tipo de compromisso?

Quais as chances de haver uma relação construtiva se um homem resolve levar para cama uma mulher embriagada que acabou de conhecer no bloco carnavalesco apenas com o objetivo de transar com ela?

Que resultado proveitoso alguém casado pode obter traindo o seu cônjuge com uma paixão passageira e jogando no lixo um amor familiar verdadeiro?

Não acho que para responder estas perguntas baste dizer que a proibição está lá na Bíblia ou em qualquer outro livro considerado sagrado para as religiões. Pra mim, os mandamentos das escrituras são registros da experimentação dos nossos velhos ancestrais, os quais, depois de muito meditar, chegaram à conclusão de que, em se vivendo a essência do bem, serão alcançados anos de vida e de paz. Tanto para uma pessoa individualmente quanto em termos coletivos. E assim, ao tentarem traduzir esta essência do bem para a nação de Israel, eles buscaram transmitir o conhecimento escrevendo os preceitos bíblicos que estão lá para serem refletidos, meditados, atualizados e até mesmo questionados com honestidade de pensamento, o que é parte de um bom processo pedagógico.

Que como seres conscientes possamos sabiamente tomar as melhores decisões, buscando a iluminação divina com disciplina e reverência pelo caminho espiritual proposto por Deus.

Desejo um bom descanso a todos e um feriadão muito abençoado na Presença de Deus!


OBS: A ilustração cima refere-se a um quadro sobre Lavoisier junto com sua esposa no ano de 1788. A autoria da obra é atribuída ao parisiense Jacques-Louis David (1748 - 1825). Lavoisier é considerado o pai da química moderna.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O julgamento do pastor Estêvão

Era um domingo muito tenso na reunião da Igreja. Ao invés de estarem todos se confraternizando e louvando a Deus, os membros da congregação compareceram ali para acompanhar passivamente o conselho eclesiástico decidir pela expulsão do pastor Estêvão.

O pastor Estêvão era um homem muito popular e querido pelos evangélicos, católicos e até por pessoas da cidade que não seguiam a nenhuma religião. Promovia diversas atividades sociais, bem como organizava protestos contra os políticos corruptos, o que incomodava bastante os interesses dos poderosos e dos líderes eclesiásticos locais. Contudo, nada podia ser dito contra a sua reta conduta. Ele apenas era visto com desconfiança por sua posição teológica liberal pelos que tinham mais apego doutrinário à ortodoxia. Só que, desta vez, o ousado pastor tinha deixado perplexos os crentes conservadores daquele lugar. Na semana anterior à reunião, Estêvão fora denunciado ao bispo presidente do conselho por ter celebrado uma união homo-afetiva entre duas lésbicas.

Para que o estatuto da igreja fosse cumprido, uma assembleia geral precisou ser convocada e o pastor Estêvão teria que ser ouvido. E foi o que prontamente fizeram os principais conselheiros porque aquela era a grande chance que tinham para afastar da liderança o irmão herege e perturbador do sistema econômico e social.

Levantando-se no meio de todos, após ter cumprimentado os irmãos com a "paz do Senhor" e explicado porque estavam todos reunidos ali, o bispo Ananias passou a inquirir o réu:

- “É verdade isto que andam falando a seu respeito? Tem quinze minutos para se defender”

A esta pergunta respondeu o pastor Estêvão, deixando sua cadeira e tomando o microfone:

- “Meus queridos irmãos e irmãs. Por favor, sejam capazes de me ouvir. Como ensino aos meus alunos do seminário, o glorioso Deus inspirou os autores da Bíblia afim de orientarem o povo de Israel na sua caminhada histórica. Porém, todos eles foram homens de carne e osso, iguais a mim e a vocês, cujos corações sentiram-se motivados para escrever coisas que, conforme seus valores, consideravam serem as corretas. E deste modo, de acordo com a necessidade do povo, ensinaram preceitos direcionados à realidade social da época, fazendo tudo com sensibilidade, mas sempre dentro de seus valores culturais e pessoais. Ao terem testemunhado diante da nação israelita, seus discursos foram atualizados em conformidade com o novo contexto histórico da época dos escribas redatores dos textos bíblicos nas gerações seguintes. E foi desta maneira que surgiram os escritos das partes da Bíblia que a cristandade chama de Antigo Testamento e o mesmo se aplica ao Novo Testamento.”

Até aí muitos ouviam aquelas palavras com alguma admiração. Outros, porém mais versados na doutrina religiosa, levantavam desconfiança em seus corações. Só que a grande maioria mal conseguia acompanhar o que estava sendo discursado. Mas assim mesmo o pastor Estêvão prosseguiu:

- “Um dia, veio ao mundo um homem chamado Jesus da descendência do rei Davi e do patriarca Abraão, como muitos outros judeus na sua época. Ele começou sua atividade ministerial andando entre os pobres e pregava sobre o Reino de Deus e a prática do amor. Em volta dele, juntaram-se pessoas de todos os tipos: ladrões, prostitutas, coletores de impostos, leprosos e toda a ralé do Galil. E creio que até muitos homossexuais deveriam segui-lo também, apesar deste detalhe não ter ficado registrado nos evangelhos oficiais e nem nos apócrifos. Porém, o que importava era que Jesus não condenava a ninguém pelo seu modo de ser ou falhas de caráter. Ele aceitava o outro incondicionalmente! Certa vez absolveu uma mulher adúltera que iria ser apedrejada dizendo aos seus acusadores que atirasse a primeira pedra quem nunca pecou. Em outro episódio, quando seus discípulos foram acusados por alguns religiosos de profanarem o sábado, Jesus lembrou aqueles fariseus provincianos do que Davi fizera na vez em que seu bando precisava urgentemente de comida, pelo que fora ao sacerdote Abiatar pedir que fossem dados os pães exclusivos do santuário para a satisfação de uma necessidade vital. E isto Jesus disse-lhes para mostrar que o direito à vida está acima de qualquer lei porque antes de tudo é preciso cuidar da sobrevivência e do bem estar do seu próximo.”

Neste momento, em que membros do conselho eclesiástico estavam prontos para contra-argumentarem e pedirem uma parte na palavra, o pastor Estêvão, ao perceber que novamente iria encarar uma discussão teológica inútil, resolveu propositalmente radicalizar o seu discurso:

- “Agora ouçam, ó homens egolátricos, insensíveis para ouvir e meditar nas coisas espirituais, vocês sempre resistem ao vento evolutivo da história. Assim como aqueles fariseus medíocres e invejosos do interior da Galileia teriam perseguido a Jesus, vocês fazem a mesma coisa. Pois como vou negar a um homossexual nascido nesta condição o direito de ter um relacionamento afetivo com alguém com quem possa se relacionar intimamente? Que poder tem uma meia dúzia de versículos de uma Bíblia escrita por homens para impedir duas pessoas do mesmo sexo de serem felizes da única maneira que elas conseguem ser? Mas se os evangelhos contam que os religiosos da época de Jesus teriam tramado suas ciladas contra ele, vocês que se consideram detentores das tradições cristãs e pensam serem donos de Deus estão praticando o mesmo pecado. Vocês cujos ancestrais espirituais receberam as boas novas pelo testemunho apostólico e não guardaram a sua essência!”

Quando ouviram isto, os conselheiros da igreja ficaram furiosos, taparam os ouvidos e começaram a ranger os dentes contra o pastor Estêvão, clamando:

- “Herege! Herege!”

Já outros chamavam-no de “ateu”, “pecador”, “pederasta” e até de “pedófilo”. Porém, mesmo em meio aos gritos furiosos e irracionais das pessoas presentes, eis que, naquele momento, o pastor Estêvão ainda conseguiu dizer suas últimas palavras usando o microfone da igreja:

- “Quando olho para o céu, sinto como se Jesus, sentado do lado do Pai, estivesse de pé encorajando-me a continuar levando estas boas-novas da inclusão e ministrando a Santa Ceia aos nossos irmãos gays e lésbicas.”

Com a aprovação do bispo, um jovem chamado Saulo, estudante do seminário teológico e que tinha um blogue sobre apologética cristã na internet, resolveu intervir, desligando primeiramente o microfone que estava nas mãos do pastor Estêvão.

Virgem, reprimido sexualmente, sem nunca ter namorado e se considerando zeloso das tradições dos evangélicos, o rapaz fazia de tudo para agradar o bispo que também era o reitor da faculdade. Ambicionava algum dia ocupar o lugar de Estêvão de depois de Ananias, após se formar.

Sem nenhum respeito pelo pastor e professor, Saulo chegou por detrás do seu mestre, agarrou-o com violência e o colocou à força pra fora do templo:

- “Seu blasfemo e enganador! Fora da casa de Deus! É por causa de falsos irmãos como você que o nome de Cristo é ridicularizado entre os ímpios. Saia daqui!”

Seguindo Saulo, muios conselheiros ali presentes continuaram clamando contra o pastor Estêvão. Uns tentaram até exorcisá-lo. E, quando chegaram na porta da igreja, ele foi empurrado escada abaixo. Porém, ainda disse:

- "Senhor, perdoa-os porque esses homens não compreendem o que estão fazendo."

Ainda naquele dia, Saulo liderou uma manifestação de evangélicos e católicos fundamentalistas pelas ruas da cidade afim de protestarem contra o homossexualismo e o casamento gay. E, no meio dos religiosos, estavam também uns neonazistas e muitos machistas homofóbicos infiltrados.

Quanto ao pastor Estêvão ele foi tratado como se estivesse morto pela comunidade eclesiástica local. Os evangélicos moradores da cidade passaram a não mais convidá-lo para entrar nas suas casas. Nenhum outro pastor permitiu mais que Estêvão pregasse em púlpito e houve até gente que deixou de cumprimentá-lo na rua virando a cara, além de que a faculdade teológica dispensou-o de suas funções. Contudo, alguns homens e mulheres verdadeiramente piedosos aproximaram-se de sua pessoa e juntos lamentaram por causa da ignorância do povo.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra Apedrejamento de Santo Estevão, obtida por intermédio da Wikipédia.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Lembranças de um delicioso sábado em janeiro

Durante o mês de janeiro, mesmo após o fim do recesso forense (única época de descanso para os advogados), houve ocasiões em que aproveitei intensamente o melhor do meu descanso semanal - o sábado. Um desses dias foi justamente no final de uma semana atribulada com fortes aborrecimentos, irritação e notícias ruins, mas que não me impediram de curtir uma manhã e uma tarde maravilhosas.


CHATOS ANTECEDENTES

Eu havia retornado das curtas férias no município de Mangaratiba (mais precisamente Muriqui), na segunda-feira daquela semana (09/01/2012), e não fora possível embarcar com a minha gata de estimação Sofia na viagem de volta para casa.

No dia 10/01 (terça-feira), estressei-me ao levar minha avó materna para fazer exames no Hospital Pedro Ernesto da UERJ porque encontrei dificuldades para conduzi-la no andador do táxi até a entrada do hospital. Mesmo os funcionários tendo nos liberado da quilométrica fila de pacientes que também aguardavam para serem atendidos no laboratório da instituição. Lamentavelmente ninguém veio buscá-la numa cadeira de rodas, deixando-nos numa situação bem difícil.

Em 11/01 (quarta-feira), gastei quase R$ 5.500,00 descapitalizando-me e pagando enormes dívidas, sendo que hoje eu e Núbia estamos com uma renda familiar limitada a menos de R$ 2.400,00. Também naquele dia processei a empresa de ônibus Costa Verde para poder trazer de volta a Sofia de volta pra casa porque Núbia estava sofrendo bastante sem a companhia do nosso animal de estimação.

Na data de 12/01 (quinta-feira), acordei cedo para levar minha esposa a um laboratório em Vila Isabel para coletar sangue. Depois, fiquei muito contrariado com o atendimento da CEDAE e da AMPLA no telefone, sendo que ainda perdi muito tempo falando com a Oi/Telemar paa resolver problemas.

Finalmente, tive em 13/01 (sexta-feira) o meu pior dia. Não que eu seja supersticioso, pois já vivenciei outras sextas-feiras 13 de muita sorte. Só que esta foi de arrasar.

Quando eu estava indo resolver coisas em Niterói, afim de solucionar um problema referente à conta da luz da casa de Muriqui junto à AMPLA e pretendia pegar o formal de partilha do inventário de meu sogro na 8ª Vara Cível daquela Comarca (seu Francisco falecera em 2002), fui surpreendido com duas más notícias: (i) a perda de uma grande causa no STJ; (ii) o indeferimento da medida de antecipação da tutela no processo contra a Costa Verde para trazer a nossa gata antes da sentença.

O fato da Justiça não ter reconhecido a tutela antecipada no caso da gatinha só veio a aumentar a tristeza de minha mulher naqueles dias. O entendimento da magistrada que apreciou meu pedido foi que:

“(...) não se tratando de hipótese em que está em jogo direito à vida ou à saúde, deve-se respeitar o contraditório, erigido a princípio constitucional, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, sendo necessário aguardar a oportunidade conferida à parte ré de apresentar defesa”.

Com isto, a decisão determinou que aguardássemos a sessão conciliatória designada para o dia 26/04/2012 (justo no aniversário de Núbia), a qual está marcada para às 12:45 no IX Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro, bairro Maracanã.

Conforme eu muito bem aprendi com um advogado e ex-vereador de Nova Friburgo pelo PSB, de decisão judicial ou nós cumprimos ou recorremos. Logo, por mais insatisfeito que eu tenha ficado, prefiro limitar meus comentários ao posicionamento da juíza apenas noticiando aqui o que ocorreu no processo. E, em falar nos recursos, confesso que como profissional tenho o hábito de não me conformar facilmente com as sentenças acórdãos desfavoráveis nos meus processos.

Foi justamente devido ao meu inconformismo que, anos atrás, havia conseguido uma surpreendente multa diária de R$ 10.000,00 em sede de segunda instância numa ação movida em face do DER, Estado do Rio de Janeiro, três empreiteiras poderosas e mais um consórcio formado pelas mesmas para a execução das obras de alargamento e pavimentação da rodovia RJ-142 em 2006. Com o acórdão favorável da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça daqui, eu já estava calculando uma dívida de milhões para o meu cliente receber por causa do descumprimento da decisão praticado pelos réus, fazendo os cálculos de quanto talvez receberia de honorários num percentual de 20%.

Aconteceu, entreanto, que uma das empresas havia recorrido ao quase inacessível Superior Tribunal de Justiça, mesmo contrariando outros posicionamentos de magistrados do próprio STJ sobre o assunto. Então, vim a amargar uma das piores derrotas de minha carreira capaz de fazer esquecer a brilhante vitória que tivera em 2005 contra o cantor Zezé di Camargo meses depois de ter começado a exercer a advocacia.

Lamentavelmente, o meu recurso fora distribuído perante o sistema do STJ pelo número da inscrição da OAB de meu colega sem que eu soubesse deste fato. Aí o ministro anulou monocraticamente o acórdão do Tribunal Estadual que havia beneficiado meu cliente e, quando a decisão publicou no Diário Oficial, eu nada fiquei sabendo pelo outro advogado para poder interpor o recurso de agravo regimental afim de que o órgão colegiado julgador reapreciasse as posições do magistrado. Assim, eu só vim a ficar sabendo do que ocorrera em 13/01, quando publicou uma despacho do desembargador daqui do Rio mandando cumprir o que fora determinado pelo julgador de Brasília.

Bem, uma falta grave dessas poderia custar-me o pouco que tenho de patrimônio numa ação indenizatória movida pelo meu cliente contra mim se o outro advogado que me auxiliou na causa não fosse o próprio filho dele. Todavia, com aquele resultado, o meu sonho de adolescente em me tornar um homem de sete dígitos (um milionário) antes do 40 foi por água abaixo. Um desejo que, por anos, idolatrei decadentemente, mas que, neste últimos anos, já não ocupava mais tanto espaço no meu coração.

Os contatos com este colega de profissão naquela sexta-feira 13 não foram totalmente agradáveis. Ao acompanhar o processo no Tribuna de Justiça do Rio, logo após ter resolvido todas as minhas tarefas com sucesso em Niterói, verifiquei que nada poderia ser feito referente à anulação decidida pelo STJ. Aí preferi encerrar qualquer discussão acerca do mau acontecimento e tratar de esfriar a minha cabeça descansando no sábado.


O SÁBADO

A palavra sábado vem do hebraico Shabat, o que significa “cessar”. Biblicamente, o novo dia iniciava-se com o por do sol e não pela manhã. Por este motivo, judeus e cristãos adventistas começam a celebrar a guarda o santificado repouso semanal já no fim da tarde de sexta-feira e não a partir da meia noite.

Atentando-me para a significação bíblica do Shabat, eis que resolvi preparar-me para o repouso semanal na própria tarde do dia 13/01/2012, uma sexta-feira. Fiz os últimos contatos pelo Facebook da casa de minha mãe (eu ainda estava sem internet) e vim descansar ao lado da esposa como bem orienta um livro cabalista – o Zohar. E assim passei aquela noite tentando evitar que a multidão dos pensamentos perturbassem minha paz.

Enquanto a maioria das pessoas neste país e ao redor do mundo nem conseguem uma moradia digna para habitar, como poderia eu sentir-me frustrado por não ter conseguido me tornar um milionário antes dos quarenta?!

Meses atrás do recebimento da má notícia, eu já havia decidido estudar pra ser um servidor do Tribunal de Justiça afim de alcançar uma renda que fosse tão somente satisfatória para minhas necessidades e continuar curtindo com simplicidade a vida que o Criador tem me ensinado a experimentar. Porém, com o recebimento da notícia, deixei-me abalar com a perda de um dinheiro incerto. Algo que meu cliente e eu poderíamos receber ou não porque, infelizmente, em casos deste tipo, o Judiciário vem reduzindo os valores em sede de execução das multas diárias contra inúmeras empresas com o argumento de impedir o “enriquecimento sem causa”.

Para não permanecer desenvolvendo angústias e frustrações na mente, o melhor a se fazer é praticar atividades libertadoras. Assim, uns vão aos sábados para suas sinagogas ou igrejas. Outros, que não seguem religião ou que se congregam em outro dia com seus irmãos de fé, podem muito bem fazer passeios, caminhadas, estar com a família, ouvir música, praticar um esporte diferente da rotina habitual ou mesmo envolver-se com alguma devoção alternativa a Deus. Eu mesmo optei por praticar o Shabat a partir de 2010 porque não conseguia descansar no primeiro dia da semana por frequentar igreja aos domingos. Ainda mais se fosse a dois cultos no mesmo dia.

Naquele dia, tanto pra mim que sofria com a vergonha da falha profissional (e com a perda da chance de ficar “rico”), quanto pra minha esposa Núbia que sentia saudades de Sofia, fizemos bem em levar minha avó materna para passear na praça do bairro ao invés de ficarmos em casa nos lamentando. Fomos pouco depois das nove na casa dela. Núbia arrumou-a e saímos pela rua conduzindo vovó na cadeira de rodas.

Transportar um idoso cadeirante pelo Rio de Janeiro não é nada fácil! Principalmente quando a grande maioria das ruas da Zona Norte não estão adaptadas para pessoas portadoras de necessidades especiais ou idosos em situação debilitada. As calçadas daqui do bairro Grajaú encontram-se esburacadas e os motoristas ainda estacionam seus carros em locais indevidos. Felizmente, às vezes, pode-se contar com a gentileza de pessoas que se sensibilizam visto que alguns condutores até param esperando-nos concluir a travessia e ainda há outros que chegam a prestar algum auxílio como fez um ciclista no posto de gasolina ajudando a encher os pneus murchos da cadeira de rodas.

Depois da passagem pelo posto, fomos à praça Edmundo Rego, bem aqui no Centro do Grajaú. É onde fica a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, uma das opções de visita turística na Zona Norte da Cidade Maravilhosa, embora não tão representativa quanto à famosa Igreja da Penha. Só que é justamente passando um final de semana aqui que um visitante pode observar o curtir o lazer da família carioca numa praça bem propícia para a convivência humana capaz de superar muitos outros bairros da Zona Sul.

Além da tradicional paróquia, a praça dispõe de brinquedos para divertir o público infantil e da terceira idade com uma academia de ginástica ao ar livre para os velhinhos se exercitarem. É patrulhada continuamente por uma cabine de Polícia Militar e conta com um razoável comércio: duas agências do mesmo banco ITAÚ, uma padaria que funciona também como restaurante e lanchonete, um restaurante, duas farmácias, dois supermercados, duas lanchonetes, um boteco e uma casa lotérica. Aos finais de semana e, principalmente, aos domingos, moradores armam ali suas barracas de artesanato, sendo possível encontrar uns doces caseiros também. E praticamente todos os dias o logradouro é frequentado por aposentados jogadores de dama e xadrez, mães com seus bebês, muitos idosos e gente passeando com cachorro. Se o calor aperta, existem bancos debaixo da aprazível sombra de umas árvores trepadeiras em dois cantos da praça.

Eu, Núbia e vovó Marisa descansamos do sol forte de janeiro numa dessas sombras agradáveis. Ela na cadeira de rodas e nós sentados num banquinho de madeira. Ali conversamos por algum tempo e procurei hidratar-me bebendo um tereré com água mineral, saudável vício que passei a cultivar depois de ter visitado o Pantanal em 1999. Mas a vovó ficou apenas tomando água na temperatura ambiente em seu copo de plástico enquanto Núbia envenenava-se com um Coca-Cola. E nisto uma senhora com sua cachorrinha veio sentar-se no banco em frente e pôs-se a conversar conosco.

Sem que eu esperasse, os sinos da igreja acusaram meio dia, embora fosse horário de verão. Permanecemos por mais um pouquinho ali e depois fomos amenizar a fome comendo algo no Girão Lanches. Vovó já estava apertada para ir ao banheiro e Núbia precisou ajudá-la nesta hora.

Posteriormente pensei. Para uma pessoa idosa e com a sua saúde debilitada, de que adiantariam ganhar milhões de reais ou de dólares? Pois, se o dinheiro é apenas um meio pelo qual tentamos satisfazer algumas das nossas necessidades, pouca coisa acrescentaria na vida de alguém como no caso de minha avó, exceto se for para lhe proporcionar um tratamento de saúde com mais dignidade. Pois, ainda que ela pudesse consultar-se com os melhores médicos e se livrar do precário atendimento no Hospital Pedro Ernesto, o amor da pessoas é algo que jamais pode ser comprado com dinheiro e às vezes nem mesmo a saúde. Logo, qualquer acúmulo de bens materiais nos últimos anos de vida de uma pessoa seria a mais pura ilusão tal como é o apego a qualquer coisa deste mundo nas demais faixas etárias. E assim como morreu o José de Alencar no Hospital Sírio-Libanês, o pobre com câncer despede-se desta vida num leito do INCA ou numa outra unidade pública de saúde qualquer. Ou ainda em sua própria casa fazendo chá de ervas com orações sem nem ao menos ter a sua doença devidamente diagnosticada pelos médicos.

Após o lanche, voltamos pra casa de minha avó que fica numa antiga vila da Rua Engenheiro Richard, a principal via do bairro e cheia de tamarineiras que homenageia o nome do maranhense construtor do bairro (ver foto ao lado). Segundo a história do Grajaú, os seus idealizadores, na primeira metade do século XX, foram engenheiros de Minas Gerais e da Região Nordeste. Daí, muitas ruas levaram o nome de cidades mineiras ou nordestinas. E o próprio nome da localidade é uma homenagem ao município maranhense de Grajaú.

O começo de tarde daquele sábado fez-me lembrar os velhos tempos de infância em que tomei um refrescante banho de mangueira. Eram cerca de duas horas da tarde quando resolvi fazer isto na vila. O calor estava escaldante e a água até chegou a sair um pouco morna da bica, de modo que, naquele momento, apenas faltava uma piscina Tone, coisa considerada como o cúmulo da breguice suburbana pelos cariocas mais elitistas.

Terminado o almoço, Núbia já não se aguentava de sono e retornou pra casa afim de dormir. Eu, porém, sentia-me cheio de disposição e estava turbinado com as anfetaminas da erva mate quando havia tomado tereré na praça. Deixei minha esposa no apartamento e fui pro Parque Estadual do Grajaú caminhar.

O Parque Estadual do Grajaú, com seus 55 hectares de área, é uma das maiores atrações paisagísticas do bairro, apesar de desconhecido pela maioria dos cariocas e moradores do Rio. Foi criado no final dos anos 70 com a denominação de Reserva Florestal do Grajaú por meio do Decreto Estadual nº 1.921, de 22 de junho de 1978, atendendo a uma reivindicação dos moradores do bairro e da Sociedade dos Amigos da Reserva do Grajaú, vindo a se tornar desde então um ambiente de lazer da comunidade. No começo do século, a unidade foi transformada em parque para melhor adequá-la ao artigo 55 lei do SNUC, através do Decreto Estadual nº 32.017, de 15 de outubro de 2002. E, tempos depois, a sua administração foi transferida à Prefeitura do Rio de Janeiro (2007) juntamente com o Parque da Chacrinha em Copacabana.

Quando criança, frequentei a antiga reserva com minha família. Papai, mamãe, vizinhos e professores do jardim de infância levaram-me lá por diversas vezes, o que criou em minha mente uma forte identificação com o verde desde cedo. Eu olhava para o Bico do Papagaio, uma pedra com mais de 400 metros de altitude, e desejava um dia subir até lá em cima.

Por volta dos 12 ou 13 anos, já um pré-adolescente com fortes sinais da puberdade pelo corpo mas com quase nenhum pingo de juízo na cabeça, decidi ir sozinho até o Bico do Papagaio. E ainda repeti a experiência uma outra ocasião naquela época, sem ter sofrido nenhum machucado grave, mas tive o privilégio de me maravilhar com a vista da Baía de Guanabara com a Ponte Rio-Niterói ligando as duas cidades.

Desta vez, porém, contentei-me em subir só até à base da grande pedra do Grajaú. Dali mesmo, numa altura menor do que o topo, com segui reconhecer muito mais coisas do que no começo de minha transição para a idade adulta. Além da Ponte e das águas salgadas da Guanabara, olhei para o fundo da baía e identifiquei com facilidade a Serra dos Órgãos com o Dedo de Deus e a Pedra do Sino, ambos entre os municípios de Guapimirim e Teresópolis. E, bem ao longe, estavam as serras que dividem Cachoeiras de Macacu com Nova Friburgo, cidade na qual morava até recentemente em dezembro de 2011.

O Parque do Grajaú é, sem dúvida, uma península das matas da Tijuca cercada por um mar de CO² por todos os lados. Lá de cima, pode-se contemplar a parte plana do vale do rio Maracanã e de alguns de seus afluentes, passando por antigas florestas e manguezais da época do descobrimento que deram lugar a uma selva de pedra com seus edifícios e ruas asfaltadas. Todavia, se o excursionista tiver uma dose boa de imaginação, ele conseguirá despir a cidade de sua sufocante indumentária de concreto e, no lugar dos prédios e, deste modo, visualizar naquele cenário uma natureza ainda conservada com tribos de índios morando na planície e a onça pintada passeando pelos arredores. Assim, em lugar da poluição que tano afeta a baía de Guanabara devido ao despejo do esgoto e aos constantes vazamentos de óleo, imaginaríamos peixes, golfinhos e até baleias em suas águas mansas. Um ambiente que lembraria não apenas o passado como pode nos ajudar na projeção de um futuro com sustentabilidade.

Do alto do Parque do Grajaú também é possível idealizar um Rio de Janeiro melhor, sem violência, livre das injustiças sociais e da corrupção de seus governantes. Podemos pensar num Rio com uma população mais harmonizada com a vida em que cada qual consiga reconhecer no outro um igual, sem cultivar dentro de si o medo da aproximação, mas transformando o temor em amor.

E por que não desejarmos uma cidade melhor?

Mas voltando a falar das escaladas aos morros, fico pensando que, com mais conhecimento aprendido sobre a vida, não sentimos mais a necessidade de subirmos tanto. Por volta dos 12 anos, do todo daquela pedra, eu jamais conseguiria decifrar as imagens daquele cenário da mesma maneira que fiz desta última caminhada no parque ou quando levei minha esposa ao Corcovado este mês. Um adolescente criado em cidade nem sempre consegue perceber que toda aquela edificação de casas, lojas, clubes, shoppings e igrejas foi construída sobre uma natureza viva. Porém, as experiências que tive com minhas caminhadas ecológicas durante anos por Nova Friburgo e região ajudaram-me bastante nesta interpretação do ambiente.

Inegavelmente que qualquer quantia se tornaria dispensável para viver tal momento, exceto o suficiente para as minhas necessidades nutricionais básicas. Tivesse com o bolso vazio ou com uma conta bancária com sete dígitos daria tudo no mesmo já que nada pagamos para respirar e existir. Estar num lugar como aquele basta poder andar, ter olhos e viver, sendo que, até mesmo para quem não consegue caminhar com autonomia, a exemplo de minha avó, as asas do pensamento já seriam suficientes quando a Divina Presença nos satisfaz por completo.

Deixei o Parque do Grajaú e ainda caminhei mais um pouco pelo bairro, parando para beber uma água mineral na Praça Nobel. Mais tarde, tomei um mate em uma padaria em outra rua onde puxei papo com duas jovens que trabalham naquele estabelecimento. Uma delas veio contar-me sobre o seu sonho de futuramente estudar e se advogada.

Achei por bem não encorajá-la, pelo que lhe mostrei um pouco da realidade forense sem contaminá-la com as minhas frustrações do momento. Mas é claro que não dava para evitar que os sentimentos ruins decorrentes da última decepção jurídica de minha vida saíssem pelas minhas palavras. Afinal somos humanos e nos ressentimos com facilidade das coisas com as quais nos apegamos. E, por mais que tentemos, ainda assim é difícil evitar o apego.

Outra coisa interessante que pude refletir naquele sábado foi que, se a advocacia forense tornou-se para mim um estorvo e um mar de preocupações e de decepções, o mesmo não poderia afirmar acerca da realidade daquela jovem de condição humilde.

Trabalhando aos sábados e, às vezes, até nos domingos, certamente seria uma considerável oportunidade para aquela menina poder defender os seus clientes na (in)Justiça brasileira. Mesmo sendo em causas mais simples como as ações de Vara de Família, em Vara de Trabalho, no crime ou de Juizado Especial Cível, coisas que não costumo pegar. Pois a angustiante vida n a advocacia contenciosa ainda é bem mais preferível do que depender de um trabalho massacrante dentro de uma padaria que em muito faz lembrar a escravidão. E sem esquecer também da valorização que a nossa sociedade medíocre ainda atribui às pessoas com curso superior, dando aos advogados, médicos e engenheiros um status de “doutor” mesmos sem a diplomação no doutorado.

Quantos pobres neste país não sonham em um dia conseguir qualquer diploma de graduação universitária para desfrutarem de uma vida melhor? Pois enquanto os metidos a rico da classe média ficam fazendo vestibular pensando em ser médicos, juízes, auditores ficais, executivos de multinacionais ou grandes empresários, qual é a expectativa comum da pessoa mais pobre? Penso que, mesmo se alguém humilde sonha com tais profissões, muitas delas primeiro preferem tentar subir o “degrau” de enfermeiro, assistente social, professor, ou técnico em alguma área, o que é mais comum. E, dentro do Direito, ser apenas um advogado já proporciona algum respeito dentro da sociedade onde vivemos.

Chegando em casa ainda com dia claro, encontrei Núbia acordada e telefonando no sofá da sala. Tomei aquele banho refrescante no chuveiro e celebramos o final do Shabat ouvindo um CD da Sarah Brightman. Minhas forças já se encontravam renovadas para mais uma semana de lutas que, biblicamente falando, só estava começando com o anoitecer.


OBS: Todas as imagens acima, exceto o símbolo do Parque Estadual do Grajaú, foram extraídas da Wikipédia. A primeira refere-se ao Bico do Papagaio que é a maior elevação geográfica do bairro Grajaú e uma das maiores atrações do parque, sendo parte integrante do acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation que pode ser utilizado por outros projetos. A segunda foto, também encontrada no acervo virtual da Wiki, tem a indicação apenas do nome do seu autor (Junius), o qual teria dedicado-a ao domínio público de obras. Quanto á terceira imagem, também de domínio público, parece ser oriunda de um outro acervo de coisas antigas acessado pela Wikipédia e que foi caracterizado como Photographias Ouvidor. A quarta imagem trata-se do símbolo do Parque Estadual do Grajaú e eu a encontrei no site do INEA, entidade da Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro. A quinta foto é uma vista parcial das matas do Grajaú e está sendo divulgada nas mesmas condições que a primeira imagem. E, finalmente, a sexta foto refere-se à Praça Nobel também situada no bairro, mais próxima da comunidade de Nova Divineia com autoria atribuída ao Junius pela Wikipédia.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Serão a ortodoxia e a doutrina religiosa necessárias?

“Porque muitos enganadores têm saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo. Acautelai-vos, para não perderdes aquilo que temos realizado com esforço, mas para receberdes completo galardão. Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo e nela não permanece não tem Deus; o que permanece na doutrina, esse tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina, não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas. Porquanto aquele que lhe dá boas-vindas faz-se cúmplice das suas obras más.” (2João 7-11; ARA)

Este trecho da segunda epístola atribuída pela tradição católica ao apóstolo João expressa muito bem o cenário da Igreja no século II, quando se destacaram os apologetas do cristianismo. Dentre eles, podemos lembrar do ortodoxo bispo Irineu de Lyon, discípulo de Policarpo de Esmirna.

Segundo alguns estudiosos do Novo Testamento, tanto a primeira epístola de João quanto a segunda teriam sido textos resultantes de reações de algumas lideranças da Igreja aos grupos que o catolicismo, tempos depois, veio chamar de “gnósticos”. E, atualmente, muitos críticos do cristianismo oficial consideram que jamais existiu a seita do gnosticismo, mas sim comunidades e pastores que não se adequavam ao modo de pensar imposto por uma facção eclesiástica dominadora.

Por razões de objetividade para manter o foco da mensagem, não vou aprofundar-me nas questões históricas. Quem desejar conhecer mais acerca deste apaixonante assunto, recomendo o livro Além de toda a crença da historiadora Elaine Pagels, publicado no Brasil pela editora Objetiva, a qual empreendeu um sério estudo sobre os evangelhos e textos considerados como “apócrifos”.

Eu, apesar de concordar com a autora sobre os abusos praticados pelos cristãos ortodoxos em relação aos seus “hereges”, durante os últimos 1900 anos de história da Igreja, tenho percebido a importância do conhecimento da verdade real baseada numa busca autêntica e reta do pesquisador. Pois, saindo do meu mundinho idealizado de teologias liberais, chego à conclusão de que o aspecto esotérico das religiões não se encontra acessível a todos em termos de compreensão espiritual já que existem diversos níveis de consciência na humanidade, se é que podemos assim dizer. E, na prática, sem receberem um ensino firme, as pessoas tornam-se presas fáceis de lobos enganadores, os quais aproveitam-se da ingenuidade alheia.

No final do ano passado (2011), visitei uma senhora católica, a qual, como grande parte dos brasileiros seguidores da religião dominante, sempre teve o outro pé no espiritismo formando assim a sua crença popular. Para ela, ir num domingo à missa, depois participar de uma sessão mediúnica num centro kardecista e, quando passa por problemas, ainda fazer um “trabalho” para entidades cultuadas na Umbanda, são atividades que se relacionam com o frágil conjunto de crenças da maioria das pessoas. Tudo muito cultural e servindo como um meio de enfrentar psicologicamente os problemas do cotidiano.

Pois bem. Esta senhora idosa e humilde, que sobrevive com sua filha incapacitada recebendo um benefício assistencial do governo de apenas um salário mínimo, foi capaz de entregar suas economias guardadas na poupança a uma mulher enganadora que bateu em sua porta. Tendo acolhido estranhos em sua residência, ambas (mãe e filha) foram facilmente ludibriadas por uma espertalhona, a qual se apresentou com aquele velho papo de que “fizeram uma bruxaria para destruir a vida de sua filha”. E, prometendo desfazer o suposto mal armado por terceiros invejosos, a safada conseguiu arrancar das duas mais de mil reais, dinheiro que elas precisavam para comer, fazer reparos na casa, tratar dos dentes, comprar remédios, etc.

Se coisas deste tipo acontecessem só com os católicos, seria até fácil discursar contra os padres atuais por estes não proporcionarem uma base bíblica sólida para o rebanho de devotos sob os cuidados do patriarcado romano. Porém, é verdade que problemas análogos também ocorrem de uma outra maneira com os ditos “evangélicos”. E, lamentavelmente, apesar de muitos crentes lerem um pouquinho mais as Escrituras do que seus irmãos do catolicismo, ainda assim eles continuam vulneráveis aos lobos devoradores já que o conhecimento que as pessoas leigas têm da Bíblia muitas das vezes é superficial.

Os evangélicos, em sua maioria, não vão aos terreiros de Umbanda, nem consultam horóscopos ou muito menos procuram a suposta adivinhação das ciganas que ficam “lendo” as mãos dos outros nas esquinas das ruas. Porém, tenho visto que este grupo de crentes (o segundo maior do país) cai com facilidade nos discursos marqueteiros das seitas neo-pentecostais que proliferam aos montes por aí e também dizem:

“Fizeram um trabalho de macumba para destruir a sua vida. Venha para a corrente de libertação dos setenta pastores! Aqui a sua vida vai mudar com Jesus!”.

Não é difícil encontrarmos tantos evangélicos, vindos até mesmo de denominações tradicionais, contribuindo financeiramente para os programas de seitas neo-pentecostais na TV. Aos domingos pela manhã, eles estão presentes nos cultos de suas congregações que frequentam desde criança. Só que à noite ou durante a semana, eles preenchem parte do tempo ouvindo as mensagens deturpadas desses enganadores midiáticos.

Confesso que muitas das vezes eu me sinto impotente diante da ignorância do povo e, nestas horas, ainda prefiro ver as pessoas seguindo a ortodoxia das igrejas reformadas mais tradicionais do que estarem disponíveis para qualquer vento de doutrina. Pois em igrejas onde o estudo bíblico é incentivado nas escolas dominicais, o aprendizado teórico de algum modo contribui para o crescimento intelectual do crente.

Por outro lado, sei o quanto é difícil transmitir um conteúdo de informação bíblica para o público capaz de satisfazer os anseios de cada um pela via experimental. Depois de alguém receber uma doutrinação rígida em escola bíblica dominical, todo o aprendizado mental pode perder o sentido diante de situações difíceis e o cristão imaturo acaba indo atrás de coisas que prometem soluções imediatas para seus problemas.

Voltando à segunda epístola de João e levando em conta que o seu autor anônimo estava efetivamente combatendo a ação de enganadores e não à pluralidade teológica dentro da Igreja, posso encontrar ali uma ótima direção pastoral para fins de cuidar dos demais irmãos mais frágeis na fé.

Lendo os três versos que antecedem a passagem bíblica acima citada (os versos 4, 5 e 6 de 2João), podemos observar que o “presbítero” autor da carta fala na prática obediente do amor. Ou seja, junto com o alicerce da verdade está uma vida amorosa capaz de tornar o ensino apostólico real, construtivo, acolhedor, motivador e inclusivo em todos os seus aspectos. Seja quanto á aceitação do outro por sua condição moral ou nas questões sociais.

Será que um crente ainda “bebê espiritual” vai trocar facilmente uma congregação comunitária que o ama de verdade pelas teologias enganadoras de prosperidade?

Pois eu digo que, mesmo se tal irmão cair nas ciladas desses pregadores mentirosos, muitas serão as probabilidades de um retorno rápido ao lar espiritual de origem. Até mesmo porque a sua conduta errante será bem compreendida pelos demais membros da Igreja, os quais o amarão sem reservas e sem julgamentos morais pelo tropeço cometido.

De qualquer modo, chego à conclusão de que a ortodoxia é totalmente dispensável bem como recusável por se tratar de algo incompatível com a pluralidade de ideias e com o próprio desenvolvimento da atividade de pensar. No entanto, o incondicional apego à verdade (o conhecimento real das coisas e o esclarecimento), que deve ser inseparável do amor não fingido, precisa estar sempre presente no meio de uma congregação disposta a servir a Deus. Pois, se não houver um amor sincero, todo o conteúdo transmitido pelas lideranças e mestres acaba se tornando algo frio, distante e muito teórico.

“E agora, senhora, peço-te, não como se escrevesse mandamento novo, senão o que tivemos desde o princípio: que nos amemos uns aos outros. E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este mandamento, como ouvistes desde o princípio, é que andeis nesse amor.” (2João 5-6; ARA)

Que o amor jamais falte nas congregações, grupos de oração e classes bíblicas existentes na nossa nação! Pois a sua prática é a verdadeira “doutrina” do Messias.


OBS: A ilustração acima foi colhida de um acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation que pode ser utilizado por outros projetos, sendo um material de domínio público. A gravura refere-se ao padre grego Irineu de Lyon, tido pelos católicos como o Santo Irineu.