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domingo, 10 de julho de 2016

Saber ter o necessário




Ao ler o artigo Eu ainda faço minhas escolhas, publicado pelo meu amigo Edson Moura, dia 08/07 no blogue da Confraria dos Pensadores Fora da Gaiola (C.P.F.G.), veio em minha memória esse trechinho das Sagradas Escrituras, no qual o autor bíblico reflete sobre a falta e a demasia das riquezas numa oração dirigida a Deus: 

"Duas coisas peço que me dês antes que eu morra: Mantém longe de mim a falsidade e a mentira; Não me dês nem pobreza nem riqueza; dá-me apenas o alimento necessário. Se não, tendo demais, eu te negaria e te deixaria, e diria: ‘Quem é o Senhor?’ Se eu ficasse pobre, poderia vir a roubar, desonrando assim o nome do meu Deus." (Provérbios 30:7-9; NVI)

Em seu texto, Edson pede para não lhe tirar a fome, "para que eu não reclame do pouco que ainda tenho", e nem ficar livre da pobreza, "pois certamente eu desprezaria o miserável". Eu, porém, embora não negue que a carestia nos ajude a compreender a realidade das pessoas humildes, tenho lá minhas dúvidas se dá para universalizar este pensamento. 

Geralmente, os poucos pobres quando se enriquecem querem mesmo é fugir das lembranças da miséria e se tornam até cruéis com outros que ainda vivem condicionados por suas necessidades. Sentem-se superiores pela excepcional superação das dificuldades que tiveram e se mostram incompreensivos com o outro.

No entanto, posso falar de minha experiência pois venho de uma família de classe média, mas que tenho me empobrecido por várias razões que não interessaria aqui expor. E aí não discordo que são essas dificuldades que estão me mostrando a necessidade de entender melhor o outro. Pois, se há 20 anos atrás eu era duro com o pobre, cuja realidade eu desconhecia, agora entendo bem como funciona o condicionamento social. E verifico também que muitas das vezes a superação da pobreza é conquistada a duras penas por meio de escolhas desagradáveis tipo o relativo abandono da família, a privação do lazer, os prejuízos para a saúde, o desprezo pela juventude, a alienação do pensamento, etc.

Num outro trecho de seu brilhante artigo reproduzido na C.P.F.G., Edson assim compartilhou:

"Não gastem sua saúde buscando dinheiro demais, pois lá na frente, olhará para trás e verá que nada fez, e que é um velho, doente e solitário. Então gastará a fortuna acumulada em busca de saúde, amigos e paz. Mas não encontrará. Sentará e rirá de suas próprias tolices."

O provérbio desse meu amigo fez-me então recordar do que disse o autor de Eclesiastes sobre tudo ser "vaidade"... Entendo que o acúmulo de bens e riquezas até uma certa quantidade, sem que venhamos a nos privar excessivamente das coisas boas no caminhar do cotidiano, significa ser previdente. E, de fato, precisamos ter esse equilíbrio porque, se você se torna um velho pobre num país como o Brasil, pode acabar amargando os piores dias quando passa a receber uma parca aposentadoria para ser complementada com um segundo trabalho até suas forças decaírem de vez, para então sofrer com o mau atendimento do SUS, ter dificuldades para conseguir embarcar num ônibus (porque o motorista recebe instruções da empresa para não transportar muitos usuários da gratuidade) e, finalmente, morrer sem dignidade.

Sinceramente, hoje reconheço que o dinheiro, embora não seja tudo na vida, ele é muito importante nesse mundo injusto e desigual. Não podemos virar escravos das riquezas, mas é fundamental que as pessoas de boa consciência e capazes de contribuir para a melhoria da sociedade, sejam previdentes a fim de que tenham sempre mais do que o suficiente para si e seus projetos coletivos.

Mas qual a verdadeira gratificação da vida? Será que, em algum momento, lá na frente, iremos olhar para trás e nos darmos por satisfeitos?

Aí, meus leitores, vejo o quanto o livro de Eclesiastes é rico em sabedoria. Se você o ler dialogando com o autor, fora da ótica religiosa (até para os religiosos ele desconstrói muitos valores), certamente adquire um bom aprendizado. E, na minha visão, muitas conclusões e afirmações ali parecem corretas. Aliás, se tudo quanto empreendermos nessa vida vai virar cinzas um dia, caindo no esquecimento e ser desprezado pelos que nos sucederem, ao menos teremos vivido melhor cada momento presente. Então, nada melhor do que aproveitarmos o dia que se chama hoje como refletiu o pregador: 

"Que proveito tem um homem de todo o esforço e de toda a ansiedade com que trabalha debaixo do sol? Durante toda a sua vida, seu trabalho não passa de dor e tristeza; mesmo à noite a sua mente não descansa. Isso também é absurdo.  Para o homem não existe nada melhor do que comer, beber e encontrar prazer em seu trabalho. E vi que isso também vem da mão de Deus." (Ec 2:22-24; NVI)

Ora, é preciso que tenhamos aqui a nossa porção e saibamos calcular a sua adequada dimensão para que não percamos tempo acumulando em demasia, nem haja falta lá na frente. Neste sentido, o meu amigo soube se expressar muito bem ao escrever em seu artigo na virtual confraria de blogueiros auto-intitulados livres pensadores:

"Não viva pensando no futuro, vivendo uma época que ainda não existe, pois certamente, ao chegar lá, começará a saborear apenas os sonhos do passado, então entenderá que deveria ter aproveitado mais o presente, amado quem estava ao seu lado e experimentado os prazeres da juventude."

Realmente é frustrante quando se pula uma fase da vida da gente, alienando-se do momento, em busca de um projeto de futuro ou por desconectarmos do presente. Porém, mesmo pra quem fez tal escolha, creio que ainda há tempo para dar um novo significado o presente. Sinceramente, sem querer descordar do que ele colocou, tenho dúvidas se podemos realmente falar em uma existência amputada, no sentido de alguém ter perdido uma fase preciosa de sua vida. Talvez isso seja mais uma questão social porque temos no mundo diferentes culturas e valores nos diversos lugares e épocas. Logo, o fato de alguém, ter se privado de algo que é comum à sociedade na qual vivemos, pode não ter lá tanto significado para essa pessoa.

Seja como for, não acho que conseguimos fazer escolhas certas o tempo inteiro até porque desconhecemos o futuro que nos aguarda. Todos erramos e iremos chegar na terceira ou quarta idade considerando os caminhos e descaminhos, cientes de que todas as coisas feitas aqui materialmente serão mesmo anuladas, exceto os benefícios feitos aos outros quando se espera uma sobrevida da consciência fora do corpo. Muitas emoções vividas em nossos últimos momentos estarão na lembrança somente (obviamente se alguma doença degenerativa não nos deixar desmemoriados) e já não poderemos "tomar banho pela segunda vez no mesmo rio".

Enfim, volto ao que considerei. Creio que o melhor é aproveitar tudo com equilíbrio e quem dera poder eu voltar aos meus vinte anos com a experiência de hoje sem tantos compromissos para poder definir logo a minha vida profissional e estar agora bem e a meio caminho de uma boa aposentadoria? Só que, como dito por outras palavras no parágrafo anterior, nunca sabemos o que nos reserva lá na frente. Mesmo se pudermos entrar num universo paralelo! Porque, se volto no tempo e tomo outro curso, posso também morrer no dia posterior sofrendo um acidente num lugar que evitei passar. E sem esquecer que ainda poderia cometer os mesmos equívocos mesm consciente de suas consequências.

Portanto, melhor é viver o hoje, desejar o "pão de cada dia", como na célebre oração do Pai Nosso, e experimentar com racionalidade e intensidade o presente pois é o que temos. Logo, desejo que o necessário nunca nos falte por todo o tempo em que ainda estivermos pisando o solo desta terra. 

Tenham todos um ótimo domingo e desculpem se escrevi demais.




OBS: Ilustrações acima extraídas de uma página da Fiocruz, conforme consta em http://www.invivo.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=817&sid=7

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