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quinta-feira, 14 de julho de 2016

É preciso mais respeito com o portador do HIV e com os ambulantes!




Fiquei perplexo quando li uma matéria publicada na edição de ontem (13/07) na coluna do Ancelmo Goes, a qual noticia ter a Justiça obrigado a Prefeitura de Mangaratiba a permitir que uma artesã portadora do vírus HIV e de hepatite C possa comercializar seus produtos nas ruas da cidade, tendo o jornal O GLOBO informando que:

"Lembra-se do caso da artista plástica, portadora de HIV e Hepatite C, que disse ter sido maltratada por uma funcionária da prefeitura de Mangaratiba ao cobrar a emissão de autorização para trabalhar nas ruas da cidade? Pois bem. O juiz Marcelo Borges Barbosa, da Vara Única da Comarca de Mangaratiba (RJ) concedeu, hoje, liminar garantindo o retorno da artesã e pintora ao trabalho nas ruas, de onde tira seu sustento há 10 anos.
Como a coluna Ancelmo Gois contou, ao cobrar a autorização da prefeitura, a artista disse ter ouvido de uma funcionária para "continuar esperando em casa, porque não vai muito longe, já está condenada à morte."
Após o episódio, ela procurou a Defensoria Pública, e a defensora Ana Luiza Billori entrou com ação para que a artista pudesse voltar a trabalhar nas ruas e pedindo indenização de R$ 20 mil.
Em sua decisão, o juiz proíbe o Município de Mangaratiba de "importunar a autora" e de impedir que a artista exerça "livremente sua arte, como pintura de telas em locais públicos" da cidade. Além disso, dá prazo de 24 horas para o cumprimento da decisão. Se isso não for respeitado, a prefeitura será multada em R$ 2 mil por dia." (extraído de http://blogs.oglobo.globo.com/ancelmo/post/justica-obriga-prefeitura-de-mangaratiba-permitir-que-artista-com-hiv-trabalhe-nas-ruas.html)

Resolvendo conhecer melhor o caso, entrei no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e, com o número do processo informado pela matéria anterior de 07/07, publicada também na coluna do Ancelmo Goes, facilmente encontrei a decisão provisória proferida esta semana pelo Juízo local, a qual transcrevo a seguir omitindo o nome da reclamante e fazendo alguns destaques em negrito:

"Inicialmente, Defiro a Justiça Gratuita requerida. Cuida-se de ação de obrigação de fazer c/c obrigação de não fazer e pedido de danos morais formulado (...) em face Município de Mangaratiba. Consta dos autos que (...), artista plástica reconhecida na Comarca de Mangaratiba, vem sendo impedida de exercer seu ofício por Guardas Municipais. Afirma ainda a autora que buscou, por todos os meios administrativos, pertinentes, solucionar a questão com a obtenção de alvará de autorização para que continuasse a pintar suas telas. Ocorre, que a Administração Municipal não vem dificultando a concessão do referido alvará de autorização, sendo certo que a solicitação da autora já se arrasta por mais de um ano. Atrelado aos fatos acima descritos, cumpre ser mencionado que (...), é portadora de HIV e, por conta da enfermidade possui gastos elevados, sendo certo que o trabalho que realiza, custeia a despesa médica e alimentar necessária à sua sobrevivência, fatos que foram levados ao conhecimento de um Secretário Municipal e, mesmo diante dos esclarecimentos prestados, não autorizou que a autora continuasse pintando em suas telas as belas paisagens da Região de Mangaratiba. Da análise dos autos verifica-se presentes os requisitos exigidos para a concessão da liminar pleiteada visto ser inequívoca a verossimilhança das alegações, vez a autora necessita continuar trabalhando para a sua sobrevivência, vale ser observado que não é a primeira vez que os Munícipes desta Comarca têm que se valer da Justiça para buscar garantia de direito básico amparado pela Constituição de República. Da mesma forma, resta presente o fundado receio de dano de grave ou de difícil reparação, vez que há nos autos informações de que sem os recursos auferidos do trabalho de artesã que desempenhava, importa em risco a sobrevivência da autora. No caso vertente, ao menos em sede de cognição superficial, resta configurada a verossimilhança das alegações autorais. O receio de fundado dano também resta evidenciado, pois caso o Ente Municipal impede o desempenho da atividade laboral da autora, sendo imperiosa a concessão da liminar. Diante do exposto, defiro a liminar para determinar ao réu, que no prazo de 24 horas, se abstenha de importunar a autora ou impedi-la de exercer livremente sua arte, como pintura de telas em Locais Públicos do Município de Mangaratiba, sob pena de multa diária de R$ 2000,00 (dois mil reais). Expeça-se mandado citação/intimação do Secretário de Segurança e do Procurador Municipal, com urgência a ser cumprido por OJA de Plantão. Ciência ao MP e DP." (Decisão interlocutória - Vara Única da Comarca de Mangaratiba - Juiz de Direito Dr. Marcelo Borges Barbosa - Processo nº 2691-33/2016 - Data: 12/07/2016)

Como expus no primeiro parágrafo deste texto, o caso me deixou perplexo pois não passava pela minha cabeça que um desrespeito tão grave pudesse ocorrer nos dias de hoje, sendo inadmissível aceitar como a Prefeitura não tomou providências punitivas contra o servidor que tratou a administrada de uma maneira tão desumana, preferindo adotar uma conduta evasiva. Aliás, como bem comentou um amigo meu no Facebook, Renato Montebello, "a única coisa que a prefeitura tem a falar é que não foi notificada... Tem que é pedir desculpas e assumir o erro isso sim seria um governo sério.." (extraído de https://www.facebook.com/elizabeth.antunes.10/posts/1085419981493913).

Outrossim, além do caso expor a má postura de uma funcionária da Administração Pública, mostra também como os ambulantes desse país encontram-se submetidos à violência institucional das prefeituras em que as autorizações quanto ao uso do solo são negadas conforme interesses eleitoreiros dos políticos e/ou para não interferir no lucro dos comerciantes. Falta transparência nesses processos administrativos que concedem a licença para trabalho como ambulante ou mesmo na renovação anual requerida pelo vendedor já legalizado. É o que escrevi no artigo Precisamos de um Estatuto Geral dos Ambulantes!!!!!!!!!, publicado aqui neste blogue dia 03/07/2015:

"Embora o comércio ambulante seja disciplinado por leis municipais em cada cidade, há que se ter um interesse nacional a fim de que essas pessoas que trabalham nas vias e logradouros públicos tenham um mínimo de segurança jurídica em suas atividades (...) Assim sendo, a disciplina e a fiscalização do exercício do comércio ambulante e da prestação de serviços em vias e logradouros públicos deveriam obedecer rigorosamente aos seguintes princípios por parte dos agentes públicos municipais em todo o país:
1) a razoabilidade na definição das áreas de atuação do comércio ambulante e de prestação de serviços, bem como dos próprios pontos determinados para o seu exercício, levando-se em conta os interesses dos comerciantes regularmente estabelecidos, dos ambulantes, as necessidades sociais e econômicas da coletividade, a segurança e a saúde pública, a circulação de pedestres, a conservação e a qualificação da paisagem urbana, bem como a adequada disciplina urbanística da ocupação dos bens públicos municipais;
2) o respeito integral aos direitos dos que exercem o comércio ambulante e a prestação de serviços nas vias e logradouros públicos, com o reconhecimento pleno da sua cidadania e da sua dignidade humana e profissional;
3) a isonomia, a publicidade e a plena transparência dos critérios e procedimentos adotados para a cessão de pontos fixos e móveis de comercialização ou de prestação de serviços nas vias e logradouros públicos, com atendimento rigoroso ao que dispuser a lei local, nos regulamentos e demais atos administrativos;
4) a capacitação e o controle rigoroso dos atos funcionais de todos os agentes públicos direta ou indiretamente envolvidos com o exercício destas atividades, com a consequente tomada das medidas disciplinares cabíveis em casos de transgressões ao princípio da moralidade administrativa;
5) a função social do comércio ambulante como uma oportunidade de inclusão social imediata geradora de renda familiar."

Obviamente que não caberá ao legislador federal dispor sobre questões de interesse local, mas poderá uma lei geral impor limites aos abusos cometidos por muitos prefeitos. Em outras palavras, os critérios adotados pelos municípios poderiam se tornar mais transparentes quanto à fiscalização, à concessão de licenças e aos prazos de resposta sobre requerimentos de autorizações. Inclusive prevendo prioridade na concessão dessas licenças para idosos, deficientes e portadores de moléstias graves.

Que haja uma sensibilização nacional quanto a esse caso!


OBS: Ilustração acima extraída de https://jovemsoropositivo.files.wordpress.com/2016/05/lead_960.jpg

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