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quarta-feira, 20 de julho de 2016

As doações financeiras para as campanhas eleitorais




Umas das alterações promovidas pela minirreforma eleitoral de 2015 foi a proibição do financiamento empresarial das campanhas dos candidatos, o que, na certa, vai contribuir para aumentar consideravelmente as doações feitas por pessoas físicas neste ano. Só que tanto os doadores quanto os donatários precisarão ficar bem atentos quanto ao limite previsto no parágrafo 1º do artigo 23 da na Lei Federal n.º 9.504/97:

§ 1o -  As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

Um dos problemas quanto à inobservância do percentual exigido pela norma citada é que o doador poderá ser condenado ao pagamento de uma multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso (§ 3º), sem prejuízo do candidato ainda responder por abuso do poder econômico como previsto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90. Logo, devemos ter em mente que um ato de liberalidade pode acabar virando um tremendo transtorno quando depois a Receita Federal for cruzar as doações com os rendimentos declarados pela pessoa física ao fisco em que, uma vez apurado o indício de excesso, é feita a comunicação ao Ministério Publico para o promotor proceder a propositura da representação eleitoral.

Como a legislação não definiu o que vem a ser os "rendimentos brutos", a Receita e o TSE estabeleceram os seguintes critérios que foram adotados para as doações feitas no pleito de 2014:

1) Para quem apresentou a Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) quanto ao ano-calendário anterior, foi considerado como rendimento bruto a soma dos rendimentos tributáveis, dos rendimentos isentos e dos rendimentos tributáveis exclusivos na fonte declarados;
2) Caso o doador conste como dependente na DIRPF de terceiro, considerou-se como rendimento bruto a soma dos rendimentos tributáveis, dos rendimentos isentos e dos rendimentos tributáveis exclusivos na fone informados na declaração, sendo aqui apenas o que o dependente doou;
3) Em relação às pessoas físicas pertencentes a uma unidade familiar (o declarante e seus dependentes), em que mais de uma pessoa efetuou doações a campanhas eleitorais, foram agregados as doações da família e considerado como rendimento bruto a soma dos rendimentos brutos tributáveis, dos rendimentos isentos e dos rendimentos tributáveis exclusivos na fonte informados na DIRPF.

Entretanto, cabe aí um questionamento sobre como fica a situação das pessoas isentas de declarar imposto de renda que não entregaram a DIRPF e nem constam como dependentes de um declarante visto que o Ministério Público Eleitoral propôs muitas representações contra tais doadores, inclusive por causa de valores evidentemente irrisórios. Será que nessas situações a Justiça irá aplicar a multa prevista no parágrafo 3º do artigo 23 da Lei 9.504/97? E teria o indivíduo de condição mais humilde e sem capacidade contributiva o direito de doar os seus parcos recursos para uma campanha política?

A meu ver, o doador isento deve ter o percentual de doação calculado com base no limite de rendimentos estipulados para a dispensa da declaração. E a este respeito, assim tem se posicionado o TRE-RJ bem como outros tribunais eleitorais do nosso país no julgamento dessas representações sem justa causa processual, como se lê nas seguintes ementas de julgados recentes:

"RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ELEIÇÕES 2014. DOAÇÃO EM ESPÉCIE NO VALOR DE R$ 1.000,00. DOADOR QUE OSTENTA A CONDIÇÃO DE ISENTO. INCIDÊNCIA DA REGRA ESTABELECIDA NO ART. 23, 1º DA LEI 9.504/97. LIMITE DE 10% DO VALOR LIMITE DA ISENÇÃO PARA DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA. DESNECESSIDADE DA QUEBRA DE SIGILO FISCAL. CRITÉRIO OBJETIVO QUE INDEPENDE DA SITUAÇÃO PATRIMONIAL DO DOADOR. VALOR INDICADO DE R$ 1.000,00. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO IN TOTUM DA SENTENÇA PROFERIDA PELO JUÍZO A QUO.I - As doações às campanhas eleitorais devem respeitar os limites estabelecidos pela Lei 9.504-97.II - Doador que ostenta a condição de isento de declaração de rendimentos.III - Entendimento consolidado na jurisprudência no sentido de utilização, como parâmetro para aferição da legalidade da doação, o valor de 10% do montante correspondente ao valor para isentar a pessoa física da entrega da referida declaração no anterior à eleição. IV - Levando-se em consideração que a referida doação ocorreu nas eleições de 2014 e que o limite de isenção de declaração de rendimentos em 2013 era de R$ 24.556,65, conforme informação extraída do sítio da Receita Federal, impõe-se o reconhecimento da legalidade da doação, uma vez que abrangida pelo limite de 10% do mencionado teto (R$ 2.455,66), porquanto seu efetivo valor foi de R$ 1.000,00.VI - Desprovimento do recurso ministerial. Manutenção in totum da sentença proferida pelo juízo a quo." (TRE-RJ. Proc. 27-06.2015.619.0006.  RE - RECURSO ELEITORAL nº 2706. Acórdão de 18/01/2016. Relator(a) ANDRE RICARDO CRUZ FONTES. Data de publicação 25/01/2016)  
"RECURSO ELEITORAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23 , § 1º , I , DA LEI 9.504 /1997 C/C ART. 25, I, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.376/2012. ELEIÇÕES DE 2012. SENTENÇA: PROCEDÊNCIA. A DOAÇÃO REALIZADA RESPEITOU A LEI ELEITORAL , CONSIDERANDO O LIMITE DE ISENÇÃO PREVISTO PELA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO VOLUNTÁRIO EM CAMPANHA ELEITORAL COMPROVADA. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO. 1. RECURSO INTERPOSTO EM FACE DA R. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE, E IMPÔS MULTA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. 2. ALEGA, AINDA, QUE ERA ISENTO DE DECLARAR SUA RENDA À ÉPOCA DOS FATOS, RAZÃO PELA QUAL A DOAÇÃO REALIZADA RESPEITOU O LIMITE ESTIPULADO PARA OS CASOS DE ISENÇÃO. SUSTENTA, AINDA, QUE A DOAÇÃO FOI REALIZADA NA FORMA ESTIMADA, REFERENTE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À CAMPANHA ELEITORAL DE CANDIDATO. 3. QUANDO SE TRATAR DE PESSOAS ISENTAS DE DECLARAR O IMPOSTO DE RENDA, DEVE SER CONSIDERADO, PARA APLICAÇÃO OU NÃO DA SANÇÃO LEGAL, O LIMITE DE ISENÇÃO PREVISTO PELA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. RESTOU COMPROVADA QUE A DOAÇÃO REALIZADA RESPEITOU O LIMITE PREVISTO NO ART. 23 , § 1º , INCISO I , DA LEI Nº 9.504 /97. 4. COMPROVADA TAMBÉM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS VOLUNTÁRIOS. É CERTO QUE TAL ESPÉCIE DE DOAÇÃO NÃO ESTÁ SUJEITA AO LIMITE DE DOAÇÃO PREVISTO EM LEI. 5. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO." (TRE-SP. RE - RECURSO ELEITORAL nº 7864. Data de publicação: 22/04/2014)

Portanto, em situações de doadores isentos do IRPF, deve ser considerado o limite legal de isenção do ano base da doação, de modo que, diante de tais casos, caberia ao Ministério Público Eleitoral descartar de plano qualquer representação. Do contrário, as pessoas se sentirão inibidas de doar qualquer quantia pela maneira correta para os candidatos com os quais elas acreditam ser adequados para representá-las no Legislativo ou no Executivo porque não vão querer ter aborrecimentos futuros com a Justiça precisando depois contratar um advogado para se defenderem do risco de aplicação de uma multa injusta.

Finalmente, diga-se de passagem que, na hipótese de se considerar que o isento nada pode doar, tal entendimento certamente viola o princípio da participação democrática por impossibilitar que os mais pobres da sociedade contribuam com algum recurso para com candidatos de quem sejam partidários, ou de quem partilhem das orientações políticas. E o mais cruel é que criaria um fosso ainda maior entre os candidatos, com relação aos mais conhecidos ou preferidos pelas pessoas mais avantajadas, cujas doações são mais substanciais, inviabilizando, na prática, o acesso dos pequenos aos cargos eletivos.

Viva a democracia! E que, nestas eleições, ao invés do cidadão vender o seu voto, ele tenha a consciência de contribuir corajosamente para ajudar na campanha dos poucos políticos que ainda possuem dignidade para nos representar numa Prefeitura e/ou Câmara Municipal.


Um comentário:

  1. Olá!

    Pelo que andei pesquisando, os doadores isentos do IRPF que não entregaram a declaração à Receita quanto aos seus ganhos no ano anterior não deverão ter problemas para estas eleições de 2016. É que a Resolução do TSE n.º 23.463/2015 dis o seguinte em seu art. 21, § 7º:

    "A aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o ano-calendário de 2016."

    Sendo assim, encorajo as pessoas a doarem tranquilamente para os seus candidatos nas eleições, porém respeitando sempre esse limite de 10% sobre o limite da isenção do referido imposto, caso sejam isentos sem declaração.

    Um abraço.

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