Páginas

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Sobre a consumação mínima em bares e casas noturnas




Tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei n.º 5.022/16, de autoria do deputado Marcos Rotta (PMDB-AM), o qual propõe a proibição da cobrança de consumação mínima em bares, casas noturnas, restaurantes e boates em todo o território nacional. Segundo o parlamentar, a conduta, cada vez mais frequente, vem causando transtornos aos consumidores e precisa ser combatida. 

Sinceramente, sou contra o projeto. Pois, como se sabe, a imposição de consumação mínima já é ilegal pela legislação vigente. De acordo com o artigo 39, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), é considerada uma prática abusiva "condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos". Logo, se uma discoteca, por exemplo, exige que o cliente seja obrigado a gastar um valor mínimo para usufruir do conjunto dos serviços prestados pelo estabelecimento, estaria violando a norma geral por querer obrigar a pessoa a pagar por algo não consumido, o que caracteriza um inegável excesso e enriquecimento sem causa.

Certamente que para combater tal ilícito é preciso haver uma ou mais penas para o descumprimento da norma já que a proibição vem sendo ignorada. Porém, se refletirmos acerca do que propõe o projeto, o seu texto diz que, nessa hipótese, será aplicada a multa já prevista no artigo 56 do CDC. Ou seja, a proposição não altera em nada a penalidade pecuniária existente, sendo que a norma específica ainda pode gerar uma indesejada controvérsia interpretativa no caso da fiscalização querer se utilizar de outros instrumentos punitivos definidos na lei geral. Exemplificando, se o órgão de defesa do consumidor local resolver que só o estabelecimento de multas não está funcionando e que precisa de uma outra medida mais severa prevista no código, tipo as dos incisos VI a XII, do referido dispositivo, um bom advogado contratado pela empresa certamente vai questionar a pena, alegando que a norma específica, e não a lei geral, é que deve ser observada.

Por outro lado, exigir que todos os estabelecimentos afetados fiquem obrigados a colocar em local de fácil visualização que não realizam a cobrança de consumação mínima, torna-se um peso excessivo para o comerciante que jamais se utilizou de tal prática. Pois só seria justificável uma medida dessas na hipótese de penalidade imposta pelo órgão de defesa do consumidor a uma empresa que seja reincidente na conduta errada, o que funcionaria analogamente à contrapropaganda (art. 56, XII do CDC). Mesmo assim teria que ser algo temporário.

Outro ponto polêmico do projeto diz respeito ao extravio de comanda. Pelo artigo 4º da proposta, o estabelecimento não pode "transferir ao consumidor a responsabilidade do controle do consumo", o que, de algum modo, me faz discordar porque a relação entre o cliente e a empresa precisa ser baseada no princípio da boa-fé, não sendo justo criar dificuldades para o exercício regular de um direito por parte de quem seja credor em relação a um determinado pagamento. Pois, se o fornecedor tiver provas de que o seu cliente efetuou as despesas que este nega ter feito, pode até cobrar os valores judicialmente.

Por outro lado, considero que a cobrança abusiva de qualquer multa pelo extravio de comanda é algo que se torna abusivo ainda mais se a quantia for excessiva. Porém, se o cliente perder a prova daquilo que foi consumido, ele deverá pagar pelo que de fato bebeu ou comeu, além de um eventual couvert artístico, de modo que o correto seria o estabelecimento utilizar-se dos recursos da informática para ir registrando em seu sistema a venda de cada produto a ser pago ao final, ou então exigir o pagamento imediato. Pois, se a empresa não agir dessa maneira, deverá se sujeitar ao que o consumidor vier a declarar em sua saída sem lhe causar nenhum tipo de constrangimento, mesmo que resolva cobrá-lo posteriormente.

Infelizmente, como nem todo estabelecimento age de modo correto e, em algumas situações, os seguranças chegam a impedir a saída da pessoa do local, cabe ao consumidor chamar a polícia para ter a sua saída liberada, podendo ainda mover uma ação por danos morais. Mas, se preferir evitar o constrangimento, nada impede que seja feito o pagamento e depois requerida judicialmente a sua devolução em dobro pela cobrança excessiva (art. 42, parágrafo único do CDC). Neste caso, é preciso pedir a nota fiscal para uma posterior comprovação da cobrança em excesso pela perda da comanda. Principalmente se o cliente resolver sustar o cheque alegando uma coação.

Assim, como se pode ver, o Código de Defesa do Consumidor já nos oferece recursos de sobra para nos defendermos de diversas situações de maneira que a criação de uma lei específica, além de desnecessária, vai gerar mais dificuldades na aplicação das normas existentes. Inclusive o projeto chega a considerar como consumação mínima "qualquer subterfúgio – como o oferecimento de drinks, vales de toda espécie e brindes – utilizado pelas casas noturnas para, mesmo disfarçadamente, efetuar a cobrança". Ou seja, se o texto for aprovado na íntegra, o comerciante se sentirá sem liberdade até mesmo de oferecer uma porção extra para agradar seus clientes ou atrair novos consumidores.

Mas para não dizer que a proposta seja totalmente ruim, considero correto o discernimento do deputado autor quanto ao fato de não querer vedar a cobrança de ingresso e/ou de couvert artístico para o caso de entretenimento apresentado ao vivo, desde que informado previamente de forma clara e ostensiva. Pois aí se trata de um serviço distinto dos produtos comercializados pelo estabelecimento sendo a cobrança muitas das vezes exclusivamente arrecadada em proveito do músico ou cantor. Aliás, quanto a isso, entendo que poderia ser pensado algum outro projeto a fim de que os direitos dos profissionais que se apresentam em bares, restaurantes e casas noturnas sejam minimamente protegidos contra a exploração. 


OBS: Créditos autorais da imagem acima atribuídos a TV Gazeta/Reprodução, conforme extraído de http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2016/01/quiosque-e-autuado-por-cobranca-de-consumacao-em-vila-velha-es.html 

Nenhum comentário:

Postar um comentário