Hoje eu pretendia postar algo sobre a sessão do impeachment da Dilma no Senado, mas resolvi tratar primeiro de um outro assunto a meu ver muito importante para a sociedade que é o desrespeito à Lei Federal 10.216/2001, a qual cuida da reforma psiquiátrica no país. Pois, lamentavelmente, é um dos temas sobre direitos humanos mais ignorados no Brasil.
Como se sabe, a referida norma legal dispõe sobre os direitos dos pacientes psiquiátricos, com aplicação também aos dependentes químicos, em especial os que são conduzidos à internação, seja esta consentida, involuntária ou compulsória. Estabelece também os deveres das instituições que atuam na área da saúde mental, as quais devem respeitar tais direitos proporcionando um tratamento digno às pessoas internadas como consta explicitado no parágrafo único do seu artigo 2º:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Todavia, são inúmeras as violações cometidas por essas instituições! Uma deles seria quanto ao direito de receber visitas pela pessoa internada, considerando as diversas restrições no que diz respeito à frequência e o tempo de visitação, contrariando a finalidade do tratamento prevista item II acima e no parágrafo 1º do artigo 4º da lei, o qual deve ser a "reinserção social do paciente em seu meio".
Em seu artigo publicado no sítio da da ConJur na internet, o advogado Alexandre Arnaut de Araújo comenta a respeito da visitação e dos contatos que os pacientes têm com familiares já que é comum nas casas de recuperação impedirem a pessoa de portar até um telefone celular:
"A maioria da clínicas de recuperação apenas permitem visitas uma vez por mês, isolando totalmente o paciente em detrimento da previsão legal. A afronta ao item acima referido constitui evidente abuso contra o paciente o que, consequentemente, gera afronta ao disposto no item III do mesmo parágrafo (...) O inciso V trata do livre acesso do paciente aos meios de comunicação disponíveis. Os meios de comunicação disponíveis que podemos considerar para efeito deste breve estudo são os telefones, as cartas e os e-mails, exemplificativamente. Quase nenhuma clínica permite o uso de qualquer meio de comunicação, em claro desrespeito ao previsto na lei. Os telefonemas são proibidos, salvo uma vez por mês ou nos finais de semana, o que não preenche a vontade do legislador. É comum as intituições também vetarem o envio de cartas sendo que a internet para comunicação ao menos com os familiares também segue a linha da proibição. Quando muito os pacientes tem contato com seus familiares apenas uma vez por mês e desde que se comporte exatamente nos moldes das regras das clínicas, o que também é passível de contestação jurídica, pois afronta o previsto no artigo 3º da lei ora em estudo e que prevê a assistência e participação da família do interno como parte fundamental do programa." (artigo Poucas clínicas seguem rigorosamente a lei, publicado em 23/01/2010)
Como já havia postado aqui em 31/07/2012, sou favorável que os pacientes internados em clínicas psiquiátricas tenham direito até à visita íntima (clique AQUI para ler). Considero um absurdo que tais pessoas cheguem a receber um tratamento até menos digno do que muitos bandidos mantidos numa prisão. Pois nunca podemos perder de vista que o paciente não está ali para sofrer uma restrição na sua liberdade ou uma penalidade retributiva mas, sim, cuidar da sua saúde mental mesmo que para tanto precise ser contido por um tempo.
Verdade seja dita que muitas clínicas privadas caminham na contramão da Política Nacional de Humanização que tem buscado ampliar o acesso dos visitantes às unidades de internação para garantir o elo existente entre o paciente, sua família e amigos. Pois não podemos negar que estes são os legítimos representantes da pessoa internada e muito podem ajudar na sua reabilitação.
Ademais, a presença de um visitante no ambiente de tratamento psiquiátrico permite que a equipe de saúde possa captar os dados do contexto de vida da pessoa internada e do momento existencial por ela vivido, possibilitando um diagnóstico abrangente. Sem esquecermos de que tais contatos também auxiliam na identificação das necessidades do paciente visto que, por meio das informações fornecidas pela família e amigos, será possível elaborar e acompanhar com mais eficácia a terapia.
Por sua vez, o acompanhamento feito pelo médico ou psicólogo de saúde de confiança do interno não pode ser dificultado pela clínica. Além do acesso ao prontuário, pode o profissional poder conversar reservadamente com o seu cliente bem como ser atendido pela equipe de saúde responsável.
Ressalte-se que o direito de visitação é do paciente e não do familiar. Os parentes, cônjuges, namorados, amigos ou conselheiro religioso não podem impor a presença obviamente não poderão impor a presença deles no local junto à pessoa internada caso ela não queira recebê-los. É certo que há casos em que o parente até atrapalha o tratamento quando passa a ter uma conduta de assédio quanto às escolhas existenciais. Porém, cabe ao próprio paciente manifestar o seu desejo de não receber visitas (ou determinadas pessoas da sua rede social), não podendo a clínica ou casa de recuperação decidir por ele.
Há muito mais questões além do direito de visita para ser tratada e aprofundada no que diz respeito à reforma psiquiátrica ainda mal aplicada no Brasil. A meu ver, parentes e amigos da pessoa internada devem fiscalizar esses ambientes comunicando eventuais violações ao Ministério Público Estadual, ao Conselho Municipal de Saúde e Conselho Regional de Medicina, além de inúmeros órgãos defensores dos direitos humanos. Nada impede que se busque para casos individuais a tutela da Justiça, sendo certo que os abusos cometidos contra o paciente podem ser até objeto de uma posterior ação de reparação de danos morais.
Que possamos clamar pelos que não têm voz!
OBS: Imagem acima extraída do Youtube conforme consta em https://www.youtube.com/watch?v=6KWQtN4UZqk
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