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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

É preciso coragem para advogar!




O saudoso jurista mineiro Heráclito Fontoura Sobral Pinto (1893 — 1991) certa vez teria dito que "a advocacia não é profissão de covardes", frase esta que até hoje continua sendo frequentemente citada para o encorajamento da categoria na defesa de suas prerrogativas profissionais.

Certamente que tais palavras de Sobral Pinto guardam uma forte relação com o exercício da advocacia que ele desempenhou. Numa ocasião, sofrendo debaixo da opressão getulista, ele não só ousou defender Luís Carlos Prestes, preso após Intentona Comunista de 1935, como também usou de notável criatividade no caso do alemão Harry Berger, também preso e severamente torturado depois do levante. Foi quando exigiu ao governo a aplicação do artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais ao seu cliente, fato este bastante inusitado. E, ao ser nomeado pela OAB para defender os réus, encaminhou ao doutor Targino Ribeiro, presidente do Conselho Federal da Ordem, uma carta com estes termos: 

"A minha designação pelo Conselho da Ordem, ao Tribunal de Segurança Nacional, para defensor dos acusados Luís Carlos Prestes e Arthur Ewert ou Harry Berger, de que me dá notícia o seu ofício nº 20, de 8 do corrente, somente ontem recebido, eu a acato como dever indeclinável da nossa nobre profissão. Lamento apenas não dispor dos dotes de inteligência necessários ao desempenho de tão árdua, penosa e difícil missão, que o Conselho da Ordem achou, na sua soberania, que devia de lançar sobre os meus frágeis ombros. O que me falta em capacidade, porém, sobra-se em boa vontade e em compreensão humana para, fiel aos impulsos do meu coração cristão, situar, no meio da anarquia contemporânea, a atitude destes dois semelhantes, criados, como eu e todos nós, à imagem de Deus. Quaisquer que sejam asa minhas divergências com o comunismo materialista – e elas são profundas - , não me esquecerei, nesta delicada investidura que o Conselho da Ordem me impôs, que simbolizo, em face da coletividade brasileira exaltada e alarmada, a defesa. Espero que Deus me ampare nesta hora grave da minha vida profissional, dando forças ao meu espírito conturbado para mostrar aos juízes do Tribunal de Segurança que Luís Carlos Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger são membros, também, desta vasta e tão atribulada família humana. Adotando na defesa que irei fazer essa orientação, penso trabalhar para a manutenção, entre nós, das tradições de desinteresse e amor às liberdades públicas, hoje em dia tão esquecidas em nosso meio." (extraído de http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/o-defensor-dos-direitos-humanos)

Hoje, embora vivendo dentro de um regime democrático, entendo que muitos advogados precisam se inspirar nos bons exemplos deixados por Sobral Pinto que, mesmo na velhice, ainda lutou contra a ditadura militar engajando-se na campanha pelas Diretas Já. Em 1984, ele participou do histórico Comício da Candelária e defendeu o restabelecimento das eleições para a presidência da República pelo voto popular, lendo o artigo primeiro da Constituição Federal do Brasil.

Voltando a tratar das prerrogativas dos advogados entendo que estamos a falar de algo que constitui uma garantia para a defesa de toda a sociedade. Pois, além de assegurarem o nosso trabalho profissional, são uma segurança para todo e qualquer cidadão que nos contrata para defender seus direitos. Pois, sem as prerrogativas, faltará ao causídico autonomia, independência e liberdade, , permitindo que sejamos a voz das pessoas perante os tribunais já que o acesso do jurisdicionado, e regra, não ocorre diretamente perante os órgãos do Judiciário.

Recentemente, como escrevi na postagem O acesso dos advogados em presídios federais, publicada aqui neste blogue em 25/07, expressei o meu apoio à nota da OAB/RJ sobre o assunto, lembrando ser um direito do profissional "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis", como se encontra previsto no inciso III do artigo 7º do Estatuto da Advocacia. E este mesmo diploma jurídico ainda assegura o nosso ingresso "em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado" (art. 7º, VI, c).

Penso que esses direitos seriam melhor respeitados caso os advogados atuassem de maneira mais unida e sem medo diante das autoridades. Infelizmente, poucos querem enfrentar aborrecimentos ou se passar por chatos. Sem esquecer que muitas das vezes são os próprios profissionais do Direito que, mesmo terem se graduado no mesmo curso, ignoram a lei tal como venho sofrendo na Prefeitura Municipal de Mangaratiba para conseguir fazer cópias físicas de processos administrativos por restrições vindas da própria Procuradoria do Município, mas que levei ao conhecimento da OAB/RJ para a comissão competente abraçar a causa (ler o artigo O acesso a processos administrativos pelos advogados, de 07/07). Pois, a meu ver, são coisas que precisam ser mudadas.

Assim, ao invés da cultura da omissão e da covardia, precisamos trazer de volta a solidariedade e a ousadia. Devemos buscar em Sobral Pinto uma inspiração para lutarmos contra as injustiças do nosso tempo, denunciarmos as coisas erradas e sermos firmes no combate à corrupção que hoje é o maior câncer da política brasileira. Sim, meus amigos, sejamos verdadeiramente corajosos.

Um ótimo Dia do Advogado para todos os meus colegas de profissão!


OBS: Imagem acima extraída do acervo virtual da Wikipédia em https://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%A1clito_Fontoura_Sobral_Pinto#/media/File:Sobral_Pinto.jpg

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