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sábado, 25 de maio de 2013

Seremos reconhecidos como o país do futebol e das cracolândias?



Conforme tenho assistido na TV por esses dias, talvez o Brasil já seja o maior consumidor do crack. É o que informa uma pesquisa feita pela USP noticiada recente pela TV GLOBO:

"O Brasil é o maior mercado do mundo de crack e o segundo de cocaína. Somente no último ano 2,3 milhões de pessoas experimentaram esses tipos de droga. O que chama atenção é que 442 mil foram adolescentes, de acordo com uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo. O Recife é uma das cinco cidades brasileiras onde mais se usa o crack, junto com o Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília." (destaquei)

Ultimamente, muito se tem debatido acerca da internação compulsória dos usuários do crack, uma das piores drogas comercializadas ilegalmente no nosso país. É lamentável admitir isso, mas as cidades brasileiras já vivem hoje uma preocupante epidemia social. São grupos de dependentes químicos jogados pelas ruas e morando fora de seus lares, os quais andam por aí assaltando pessoas, não cuidam da higiene pessoal e se destroem cada vez mais porque já perderam tudo o que lhes restava em termos de dignidade.

Alguns meses atrás, eu estava conversando com um senhor morador do interior da Bahia que me disse algo mais ou menos desse jeito: "Lá na minha cidade, a polícia já andou matando alguns. Viciado é assim. Ou prende ou mata". Respondi-lhe reconhecendo que a única medida urgente que deve ser praticada nesses casos seria mesmo a internação obrigatória dos usuários do crack. Entretanto, ponderei que muitos deles são também pessoas com distúrbios psiquiátricos e que precisamos oferecer tratamento a eles.

Mas por que existem pessoas se envolvendo com uma droga tão pesada e destruidora a ponto de aniquilar as potencialidades do indivíduo?

Penso que seja justamente a falta de dignidade humana na sociedade brasileira que o problema do crack veio evidenciar. Confesso que, do final de minha época de estudante secundarista até pouco meses antes de completar 23 anos (1999), eu poderia ter me afundado no álcool devido a questões emocionais não resolvidas. Comecei a beber cerveja entre os 17 e 18, sendo que não demorei muito para experimentar a malvada da cachaça. Mas ainda bem que Deus colocou em meu caminho o seu Naélio, um vizinho participante do AA. Ele foi também o primeiro locador de imóvel que tive quando deixei Juiz de Fora para dar prosseguimento ao meu curso de Direito na cidade serrana de Nova Friburgo. Certa noite, quando cheguei bêbado de uma passeio em Lumiar e mal conseguia abrir a porta da casa, ele veio me dar atenção, ofereceu-me um café velho para ver se eu me desintoxicava pelo vômito e me auxiliou dando palavras de ânimo para largar aquele vício que é porta de entrada para tantos outros. Naquela época eu já estava até misturando no estômago cerveja com destilado. Se faltasse o uísque, servia qualquer pinga mesmo...

Interessante que, depois daquele dia em que seu Naélio veio me ajudar, não tornei mais a me embriagar. Semanas após, já nos dias do Carnaval, conheci a minha esposa Núbia quando fui passeando de Lumiar até o Sana, já na região de Macaé. Não bebi nenhuma gota. Minha mulher, embora ainda fosse usuária de álcool, serviu-me até de estímulo para que eu me mantivesse sóbrio.

Tenho pra mim que uma das portas para o vício seja justamente a falta de aceitação social da pessoa que já trás consigo os seus problemas de personalidade ou de comportamento. Vivemos num mundo em que, por motivo de comodidade e praticidade, exclui-se sem dó e sem piedade quem não se encaixa nos padrões estabelecidos. E isto acontece na vida laboral, escolar, familiar, comunitária e até religiosa.

Sem dúvida que o viciado em crack é alguém que foi jogado fora da sociedade, mesmo que a exclusão tenha se dado por sua própria iniciativa. Tratam-no como um marginal, uma maçã podre que deve ser retirada do meio das outras, como se fosse um caso sem solução. Se já é difícil dar emprego para pessoas "normais" sem experiência profissional, para um viciado em crack muito menos. Se ele tenta retornar para o convívio familiar, os parentes nem sempre sabem ouvi-lo pelo que acabam se embaraçando por fazerem julgamentos morais e exigências imediatas de mudança comportamental. Logo, o indivíduo acaba se abandonando e vai procurar alguma convivência no meio de outros usuários de drogas com os quais se identifica nas ruas.

Reconheço que dar ajuda a um drogado nunca é fácil. Precisamos admitir que a internação compulsória, por si só, não vai afastá-lo desses vícios, mas apenas retirar do nosso convívio aberto quem hoje provoca uma desarmonia dentro das cidades. Pois, sem existir interesse por parte do dependente químico, o tratamento recebido numa clínica de recuperação é de baixa eficácia. As doses de prometazina e de outras medicações vão apenas desintoxicar o organismo deles, mas não a mente. Mesmo sendo oferecida uma psicoterapia, esta não surtirá o efeito desejado caso o paciente recuse-se a abrir seu coração e iniciar a sua luta diária pela sobriedade.

Sem dúvida que a internação compulsória é um tema polêmico. Sou favorável à medida mas estou consciente de que ela resolve mais o problema da sociedade do que o dos dependentes químicos. Ainda assim não se trata de uma solução satisfatória porque as raízes do comportamento de vício permanecem no nosso meio de gente ignorante, insensível e incapacidade para acolher o outro apesar dos discursos de "inclusão" que a todo instante se acham nas bocas dos políticos, ministros religiosos e personalidades famosas.

O que talvez veremos no decorrer dessa década serão milhares de drogados sendo recolhidos por casas de internação para serem devolvidos tempos depois para as ruas e retornarem para os vícios. Na certa, alguém lucrará passando a toalha no gelo e não tardará para ficar evidenciado o fracasso das instituições públicas e conveniadas ao SUS. A sociedade, por sua vez, vai se contentar com as ruas livres do "lixo humano" por ela mesma produzido sem questionar nem ao menos a grana que estará sendo gasta com a indústria dos sanatórios. E, na época dos grandes eventos esportivos, o prefeito carioca Eduardo Paes poderá mostrar ao mundo um Rio aparentemente maravilhoso com as cracolândias ressurgindo discretamente a todo instante pelas periferias (isto tem acontecido nas comunidades do Complexo da Maré).

Já não tenho muito o que escrever agora e a estupidez desse país é desanimadora pela falta de concepção holística da coisa. Por isso, sou mais fã das iniciativas tomadas pelas igrejas, ONGs e grupos isolados da sociedade civil. Com toda a imperfeição humana, admito o trabalho de uma congregação batista em São Paulo mostrada algumas vezes pela TV. Lá, esses valorosos irmãos estão construindo uma nova realidade chamada por eles de "cristolândia" e proporcionando uma dignidade integral ao usuário do crack. Algo que inclui tanto o apoio psicológico como o espiritual. Leiam sobre a reportagem que foi exibida em janeiro pelo Jornal Nacional.

É lógico que nem todos se libertam porque o processo de cura dos vícios depende da disposição individual de cada um, mas o percentual de gente recuperada é bem significativo. E creio que aí está o poder transformador da Palavra de Deus, da oração, do amor fraterno, do louvor, do arrependimento e da nossa entrega por inteiro nos braços do compreensivo Pai Celestial.

Com todos os erros históricos da religião, a Igreja é quem pode reorganizar a sociedade de acordo com os valores construtivos do Reino de Deus. Pela pregação sincera do Evangelho de Cristo, o homem toma consciência de que: tem o perdão incondicional de seu Criador; pode ser transformado numa nova criatura recebendo um coração regenerado; sua vida não se limita a esta experiência terrestre; a alegria e a paz interior não dependem dos bens materiais adquiridos, nem da beleza, nem de status ou diplomas; ganha outros irmãos, irmãs, pais, mães e filhos além da sua família de sangue; e passa a fazer com que outros tornem-se destinatários do amor com o qual foi divinamente agraciado independentemente de méritos morais.

Pois é, amigos leitores. Para o Brasil vencer o crack e não ser reconhecido como o país do futebol e das drogas, só Jesus na causa. Espero que a nossa nação entenda logo isso para que novas cristolândias possam surgir pelas ruas de cada cidade. Que Deus te abençoe e nos dê uma excelente semana!


OBS: Foto extraída do site da Agência Brasil em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-12-07/governo-lanca-plano-de-combate-ao-crack-investimentos-chegam-r-4-bi-ate-2014 onde a presidenta Dilma promete investir 4 bilhões de reais no combate ao crack até 2014.

7 comentários:

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  3. Os dois comentários ANÔNIMOS atacando o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes foram removidas.

    Motivo: artigo 5°, inciso IV da Constituição Federal

    "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato"

    A partir de hoje o blogue estará sendo programado para não receber mais comentários anônimos.

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  4. Rodrigão, gostei imensamente da sua matéria.
    Como durante vinte anos trabalhei com drogados, entendi perfeitamente a sua posição. Eu entendo irmão, que se o governo está de verdade, interessado nos viciados, ele deveria conhecer as muitas casas de reabilitação, evangélicas e outras e condicioná-las para um trabalho mais digno e abrangente. Porque estas casas têm, apesar das estruturas, contribuído significativamente na recuperação de drogados.

    Trabalhei por alguns anos em Bolívia, abri o primeiro centro de recuperação de Santa Cruz de La Sierra, é impressionante que, apesar da pobreza com que trabalhamos, hoje contamos, sem exageros, com milhares de recuperados em toda a Bolívia, já que o trabalho se expandiu e continua se expandindo por todo o país.
    Deus continue iluminando você.

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    1. Olá, Guiomar.

      Será que o recebimento de verbas públicas não estragariam as boas instituições cristãs de recuperação?! Mas penso ser necessário haver diálogo com o governo por vários motivos.

      No município de Seropédica, próximo daqui de Mangaratiba, existe uma casa de recuperação evangélica e conheço um rapaz que trabalha na praia daqui que se recuperou nesse lugar. Ele era hippie, usou crack, cometeu até crimes, e, finalmente resolveu encarar o tratamento. Ficou parece que um ano internado lá e, que eu saiba, não mais retornou para as drogas passando a evangelizar quem estivesse ainda preso nos vícios.

      Entretanto, pelo que ele me contou, achei o trabalho desse grupo meio radical. Por exemplo, lá dentro não pode nem fumar cigarro e eu já acho que o tabaco pode ser parte de um tratamento para quem experimentou crack, cocaína, outras coisas pesadas ou tem distúrbios psíquicos graves. Porém, acredito ser possível a libertação através de uma escolha radical pela completa abstinência.

      No caso desse outro grupo de SP, de orientação batista, vi ali um trabalho mais eficiente e moderado. O ministério deles funciona como uma espécie de CAPS mas que oferece o indispensável apoio espiritual. O sujeito não entra ali para ficar internado e a abordagem consiste em distribuir dignidade às pessoas oferecendo-as um café da manhã, um banho e a Palavra. Esta sim o verdadeiro alimento da alma.

      Seja como for, mesmo que eu não concorde 100% sobre como é realizado um trabalho de recuperação de viciados, reconheço que minhas diferenças muitas das vezes tornam-se pequenos detalhes. E o importante é que Deus está presente para tocar nessas vidas e trazer de volta a ovelha que se perdeu apesar de toda a falibilidade dos seus canais aqui na Terra, isto é, nós.

      Grande abraço e obrigado por sua contribuição.

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  5. Eu não vejo como radical, em se tratando de vício é bom cortar pela raiz todos eles. Na missão em que trabalhei, procedíamos assim e nunca tivemos prejuízos por este radicalismo aparente, pelo contrário eles saiam totalmente libertos de vícios. Meu maior exemplo é o meu próprio marido.

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    1. Oi, Guiomar,

      Eu respeito todas as linhas de trabalho. Mas há casos de dependência química, tipo a heroína, por exemplo, em que não se pode tirar de uma vez a droga do usuário porque senão ele morre com uma crise de abstinência. Sabia disso?

      Há pessoas que se recuperam cortando tudo de uma só vez. Outros, entram num processo mais longo de recuperação, tal como o cego que Jesus curou em duas etapas. Primeiro ele viu os homens como se fossem árvores. Só então, com uma segunda intervenção de Jesus, foi que ele passou a enxergar tudo claramente.

      Seja como for, considero o apoio espiritual um ingrediente fundamental jun to com a assistência médica e psicológica.

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