Páginas

quarta-feira, 29 de maio de 2013

As escolhas e o estágio de crescimento existencial de cada um

Uma das mais difíceis tarefas que se tem quando convivemos com pessoas é saber respeitar as decisões delas.

O ser humano recebeu do Autor da Vida o livre arbítrio pelo que se crê numa auto-limitação do Criador quanto às escolhas da criatura. Em outras palavras, por sermos consciências individuais, com ampla liberdade para agirmos sobre a realidade física, temos um direito que precisa ser respeitado por todos. E, se alguém não quer (ou não consegue) respeitar, está cometendo um assédio em relação ao outro com a possibilidade de também atrair consequências ruins para si.

É difícil compreendermos que cada qual tem o seu momento de alcançar a maturidade existencial e que temos permissão até para estagnarmos e retrocedermos em nossa caminhada evolutiva. Ninguém tem o poder de amadurecer o outro. Isso é impossível! O máximo que se pode fazer é trabalhar pacientemente na vida das pessoas compartilhando o próprio aprendizado (quando elas estiverem dispostas a nos ouvir e partilharem algo de si). E aí precisamos medir a extensão do nosso auxílio.

Será que estou realmente contribuindo para o bem estar e para o crescimento de fulano? Ou estou infantilizando quem se encontra a minha volta e criando nas pessoas uma dependência existencial em relação a mim?

Estas são perguntas que devemos fazer a nós mesmos e jamais nos descuidarmos das próprias vaidades que  ainda estão sendo oportunizadas pelo ego. Ou seja, precisamos estar atentos ao sentimento egocêntrico que acomete muitos líderes ou mestres quanto ao desejo de serem tutores dos outros ao invés de parceiros. E não podemos nos esquecer que o verdadeiro Mestre de todos é Deus! Pois, não raras vezes, quando o "aluno" passa por um momento de crescimento espiritual acelerado, ainda mais fazendo maravilhosas descobertas por si próprio, quem colabora para instruí-lo na escola da vida não pode se deixar bloquear por algum sentimento de inveja. Através do neófito, todos também poderemos aprender.

Quando Saulo de Tarso, o ex-perseguidor da Igreja, tornou-se o apóstolo Paulo, será que muitos discípulos de Jesus não se sentiram por muito tempo bloqueados e inconformados por assistirem aquele homem transmitindo as Boas Novas de Cristo para as distantes regiões do mundo romano? Afinal, Paulo nem andou com Jesus, era um inimigo da causa do Evangelho e consentiu com a morte de Estêvão, não foi mesmo?

Bem, eu tirei esse exemplo da Bíblia apenas para ilustrar e não pretendo entrar em maiores detalhes polêmicos que possam desviar o foco dessa mensagem. Há muitas controvérsias sobre a vida de Paulo, inclusive sobre o "espinho na carne", a experiência de conversão no caminho de Damasco, as revelações que ele tinha, as fontes de seu ensino, a autoria e a redação das epístolas que lhe são atribuídas, os seus atos praticados posteriormente à prisão em Roma não registrados no Novo Testamento, se ele chegou a viajar depois até à Espanha, etc. Porém, esses estudos só fazem algum sentido quando aplicados ao cotidiano de cada um. Quando são relacionados com a vida que levamos pois, do contrário, não passa de mero conteúdo teológico para distrair os estudiosos.

Pois é. Falando um pouquinho de mim, posso dizer que a transmissão em excesso de informações às pessoas é um erro que procuro tratar no meu comportamento. Muitas vezes quero passar para as pessoas tudo aquilo que sei achando que elas precisam conhecer por completo a minha experiência individual para alcançarem semelhante nível de entendimento. Contudo, esqueço, nessas horas, que cada ser humano possui a sua própria caminhada por mais que ande em grupo. Parte daquilo que aprendi poderá servir só para mim e mais ninguém.

Volto a dizer que é um tremendo desafio lidar com pessoas e também procurar ajudá-las. Talvez por isso sempre precisamos de um momento de solidão que nos permita refletir e depois retornarmos. E, se não temos a oportunidade de fazer retiros (não me refiro a esses passeios que as igrejas fazem no Carnaval), penso que a busca do silêncio ajuda muito. Basta reservarmos um tempinho dentro do quarto, num parque ou no banco isolado de uma praça.

Lembro que, quando ainda morava em Nova Friburgo, um pastor evangélico elogiava os católicos pelas igrejas proporcionarem ao devoto uns momentos diários de meditação em ambiente tranquilo no interior do prédio religioso. Isto porque, quando não está sendo celebrada a missa, há padres que mantêm as portas de suas paróquias abertas permitindo que qualquer um entre ali para orar individualmente. E o mais importante que reparo é o respeito dos católicos pelo ambiente visto que todo mundo no local costuma falar baixinho, prestigiando o silêncio, enquanto muitos evangélicos raramente preservam a tranquilidade nas congregações onde se reúnem. Antes do culto começar é um falatório só...

É certo que a vida cristã não se resume a retiros ou a períodos de silêncio. Pois é no dia a dia dos relacionamentos interpessoais que crescemos. É no conflito que o nosso caráter é testado e temos a oportunidade de confirmar por meio de ações aquilo que escolhemos ser durante um momento reflexivo. Então, quando estamos novamente lidando com aqueles que julgamos ser "irmãos retardatários", é necessário agir com paciência.

Por algum motivo, a epístola de Tiago recomenda que muitos não deveriam tornar-se mestres, alertando sobre o recebimento de um julgamento mais severo (Tg 3:1). Logo, se ainda não tivemos a oportunidade de liderar um ministério, devemos agradecer a Deus por ter nos poupado de uma responsabilidade maior quando nos faltava o preparo necessário para cuidar melhor das ovelhas do Senhor. Pois aquilo que falamos ou fazemos pode influenciar os outros. Um pastor pode, inclusive, sufocar o crescimento espiritual dos irmãos que se encontram sob seu auxílio.

Antes de sermos pastores, somos ovelhas de Cristo, o qual a ninguém prende dentro de um curral. Pelo contrário! Nosso Guia chama a cada um de nós pelo nome e nos conduz "para fora" (Jo 10:4). Por meio da Palavra, cada um deve locomover-se com as próprias pernas para sair pelos campos e encontrar a "pastagem" (v. 9). É assim que devemos experimentar a tão desejada "vida abundante" (v. 10) nem sempre compreendida por quem dela fala.

É certo que não queremos que ninguém erre deixando de ouvir a voz do Bom Pastor que deu a sua vida pelas ovelhas. Mas é preciso deixar cada um a vontade para fazer suas escolhas ou, do contrário, nos tornaremos um obstáculo para a obra de Deus. Respeitar essa condição é ter uma atitude de obediência e de fé! É crer tranquilamente que a Palavra do Eterno não volta vazia e que, a seu tempo, a ovelha desgarrada retornará caminhando com todas as outras novamente. Talvez até andando na nossa frente e sendo um instrumento de Deus para instruir quem antes lhe ensinava. E aí, quando isto acontecer, se ocorrer, que possamos saborear o momento.

6 comentários:

  1. Acho inevitável um líder influenciar os outros com o seu comportamento tanto para o bem quanto para o mal. Afinal, não foi a anjos que Deus outorgou o ministério de anunciar o Evangelho e sim a homens como nó, sujeitos a inúmeras falhas de conduta. O fato de alguém tomar a consciência de que também anda semeando algumas coisas negativas na vida dos outros não deve ser motivo para abandonar um ministério. Menso ainda fugir dos relacionamentos interpessoais. Porém, deve servir de estímulo para tentar identificar os erros de comportamento e modificá-los. Pois, quando estamos a frente de qualquer coisa (uma família, uma empresa, uma escola ou uma igreja), podemos estar sendo necessários ali para cumprimento da obra de Deus. Os equívocos cometidos, às vezes, podem se tornar até indispensáveis para o crescimento coletivo do grupo e podem surgir da nossa própria caminhada espiritual. Sem ter conhecido Jesus, Pedro não teria experimentado a tripla negação e menos ainda o imenso amor do Mestre após aquele sofrido aprendizado na casa do sumo sacerdote. O discípulo precisava passar por aquilo e o Mestre dos mestres soube compreender liberando o irrevogável perdão.

    ResponderExcluir
  2. Rodrigo agora não compreendi sua inquietação. todos nos temos algo a ensinar e algo a aprender. Com certeza devemos ter muita paciência conosco e com os outros, mas estamos permanentemente neste exercício, mesmo que não queiramos estamos aprendendo e ensinando e inerente a vida, só existe erro se estamos de alguma forma tirânica(covarde, nesse caso sim, rsss) impondo nossa forma de pensar. o resto é vida e crescimento. um abraço.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Gabriel,

      Bom dia!

      De fato, estamos o tempo inteiro aprendendo e ensinando como bem colocou. Mas é que podemos ser professores mais didáticos, lembrando que o aprendizado aguarda o momento próprio de cada aluno.

      Muitas vezes deparo-me com pessoas que tiveram uma experiência própria de conhecimento ou de crescimento em que elas pensam terem feito a maior descoberta da humanidade. Então, elas querem quase se que impor suas "verdades". Por vezes, sufocam seus familiares, amigos e colegas de trabalho. Desprezam até o conhecimento adquirido pelo outro. E olha que elas agem assim motivas pelo desejo de querer ajudar.

      Por outro lado, penso que, por mais que não queiramos impor nada, sempre devemos estar atentos ao nosso comportamento e revendo a nossa pedagogia.

      Abraços.

      Excluir
  3. Rodrigo, texto interessante; mas muitas vezes a "ovelha desgarrada" não está assim tão desgarrada; está apenas deixando para trás pastos que não mais lhe satisfazem. No mais, essa interação pessoal no meio cristão é muito difícil. Pastores, por exemplo, sempre acham que têm a última palavra sobre qualquer assunto, pois se sentem "ungidos"; raro encontrar um pastor que tenha essa abertura sincera para ouvir.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Eduardo. Penso que esses pastos que não satisfazem perpetuamente devam ser mesmo abandonados. Porém, creio na existência de pastagens que nos saciam de uma vez por todas. Creio na existência de uma "fonte de águas vivas" que passa a brotar no nosso interior, a qual deve ser persistentemente buscada até que ocorra em nós o "milagre".

      Concordo que seja mesmo muito difícil haver uma interação saudável no meio cristão principalmente quando nos deparamos com falsos líderes se arrogando "donos do rebanho" por mais que digam estar pastoreando as ovelhas do Senhor. Falta uma disponibilidade de muitos para ouvirem e permitirem que a própria ovelha caminhe por meio de suas pernas. E aí existe uma realidade bem cruel. Se você como pastor incentiva na Igreja uma autonomia evolutiva, é muito comum encontrarmos pessoas indo atrás de outros líderes que alimentarão nelas uma dependência infantil contrária à maturidade existencial. Nas raras vezes, aquele célebre discurso de Jesus em chamar a si os "pequeninos" acaba por ser distorcido.

      Excluir
    2. Corrigindo a última frase:

      Não raras vezes, aquele célebre discurso de Jesus em chamar a si os "pequeninos" acaba por ser distorcido.

      Esclarecendo, quero aqui enfatizar que a passagem de que o Reino é das crianças passa a ter o sentido de submissão aos líderes manipuladores dentro do cristianismo.

      Excluir