Até hoje as agências reguladoras têm sido mais defensoras das companhias privadas do que o consumidor. Elas encarnam a velha crítica histórica que se faz ao presidente populista Getúlio Vargas: "pai dos pobres e mãe dos ricos".
Com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não é diferente. A autarquia permite o reajuste do plano de saúde a cada mudança de faixa etária do titular e de seus dependentes. Por isso, o consumidor não raras vezes chega a se surpreender quando a mensalidade sofre um elevado aumento que inclui o reajuste anual de até 7,69% e mais o de mudança de faixa etária, na hipótese de haver coincidência com o aniversário do plano. E foi o que aconteceu com o plano Personal da Unimed Rio de minha esposa Núbia em que a administradora de benefícios Qualicorp fez com que o valor subisse mais de 21% e fossem descontados este mês de sua conta corrente R$ 278,32. Um roubo!
O argumento das operadoras (e também da ANS) é que o reajuste por faixa etária se justificaria por ser "uma questão natural" por causa do envelhecimento das pessoas. Ou seja, como o consumidor acaba carecendo de maiores cuidados, ele precisará ir mais vezes ao médico, fazer exames com maior frequência, submeter-se a cirurgias, solicitar internações e utilizar os serviços de emergência. Então, como as empresas simplesmente não querem reduzir a elevada margem de lucro que já têm, elas vão atribuindo aleatoriamente novos valores de mensalidade com base em cláusulas abusivas do contrato. E, quando o cliente completa os seus 60 anos, por que não expulsá-lo estabelecendo uma importância bem mais elevada?! Se ficou velho, vai procurar o SUS...
Felizmente, toda essa patifaria institucionalizada tem um limite. Quando se tratar de cidadão idoso (com 60 anos ou mais), tenho visto a Justiça entender que o aumento da mensalidade em razão da transposição da faixa etária afronta a Lei Federal n.º 10.741/2003 (o Estatuto do Idoso). Aliás é o que diz expressamente o parágrafo terceiro do artigo 15 da norma:
"É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade".
Conforme o entendimento exposto pelo desembargador Rogério de Oliveira Souza da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro, no julgamento da apelação cível de n.º 0036975-96.2012.8.19.0001, realizado em 29/04/2013,
"Não cabe, portanto, qualquer majoração de valor como consequência imediata do avanço do consumidor em novo ciclo etário de sua vida, porquanto tal aumento de preço do serviço prestado pelo plano de saúde ofenderia sua própria dignidade de ser humano. A idade, por si, não mais pode servir como fundamento para a fixação de preço diferenciado de serviço; a se entender de forma diversa, haveria discriminação em desfavor do idoso. Além de ofensa ao Estatuto do Idoso, a prática do Apelado também ofende os ditames do Código de Defesa do Consumidor, que proíbe as cláusulas que colocam o consumidor em desvantagem exagerada perante o fornecedor de serviços. Neste sentido, esbarraria no próprio artigo 51, parágrafo primeiro, inciso III, configurando-se, na realidade, em típico caso de onerosidade excessiva."
Outras decisões também do Tribunal fluminense caminham no mesmo sentido. É o que podemos verificar na ementa a seguir transcrita do julgamento de um recurso em que a AMIL ainda foi condenada a pagar dez contos de indenização por danos morais à segurada:
"AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA EM APELAÇÃO CÍVEL QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO DA RÉ E DEU PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDADA. Relação de consumo. Aplicação do Estatuto do Idoso e da Lei nº 9.656/98 na hipótese. Ilegalidade do reajuste aplicado, pois o artigo 15, §3º da Lei nº 10741/03 proíbe tratamento diferenciado do consumidor, quanto ao valor do plano de saúde, em razão da mudança de faixa etária. Vulnerabilidade especial do consumidor. Reajuste que se mostra abusivo, ante a condição de idosa. Cobrança excessiva. Prazo prescricional decenal, na forma do art. 205 do CC/02. Aplicação da norma mais favorável ao consumidor, sendo nulas de pleno direito as cláusulas que sejam consideradas abusivas e excessivamente onerosas ao consumidor. Quanto à devolução dos valores cobrados a maior, em razão dos reajustes por mudança de faixa etária, devem ser devolvidos de forma simples, eis que não demonstrada a prática de ato ilícito ou a má-fé por parte da ré. Dano moral configurado. Aumento abusivo que causou abalo psíquico, angústia e impotência à consumidora, colocando em risco a continuidade da prestação de serviços relacionados à saúde. Quantum indenizatório fixado em R$ 10.000,00, valor que atende aos critérios compensatório e punitivo-pedagógico. Precedentes do E. STJ e desta Corte. DECISÃO QUE SE MANTÉM. DESPROVIMENTO DO RECURSO." (TJERJ - 7ª Câmara Cível - Apelação Cível n.º 0042036-69.2011.8.19.0001 - Rel. Desembargador André Ribeiro - Julgamento em 24/04/2013)
Em Brasília, o entendimento do STJ também tem sido favorável ao consumidor. Conforme julgou o ministro Sidnei Beneti da 3ª Turma, no recurso especial de n.º 1285591/RS, em sede de agravo regimental,
"O art. 15 da Lei n.º 9.656/98 faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos. E mesmo para os contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei n.º 9.656/98, qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de 60 anos de idade está sujeita à autorização prévia da ANS (art. 35-E da Lei n.º 9.656/98)"
Assim, enquanto as nossas leis e a Constituição continuam sendo rasgadas pelas operadoras de plano de saúde (e muitas vezes pela própria ANS), deve o consumidor idoso buscar se socorrer através da Justiça para defender os seus direitos. Além da ação revisional de reajuste, é possível requerer no mesmo processo a devolução das importâncias pagas em excesso e uma indenização por danos morais.
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