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quinta-feira, 16 de maio de 2013

Ainda existe tempo para denunciar ex-agentes da ditadura militar?



Conforme foi noticiado esta semana, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco agentes do regime militar que atuaram no antigo DOI-Codi (Destacamento de Operações de Defesa Interna - Centro de Operações de Defesa Interna) acusando-os pelo crime de sequestro qualificado do militante político desaparecido Mário Alves de Souza Vieira. Pretendem os procuradores que os suspeitos pelo delito não apenas sejam condenados pela Justiça como também tenham seus cargos públicos cassados, percam a aposentadoria concedida há anos, bem como as medalhas e condecorações recebidas no decorrer da carreira. Foi requerida ainda uma indenização de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor da família da vítima que os ex-funcionários deverão pagar, caso venham a ser condenados.

A tese do MPF é que, enquanto a vítima não for encontrada, não há prescrição e nem anistia para o crime de sequestro. Logo, seguindo esse raciocínio, os réus não poderiam se beneficiar da Lei n.º 6.683/79 que foi aprovada na época do governo do general João Baptista de Oliveira Figueiredo. A famosa Lei da Anistia como ficou popularmente conhecida.

Com toda sinceridade, isso é tudo o que os militares e pessoas sensatas do governo Dilma não queriam com a criação da Comissão Nacional da Verdade. O objetivo de se abrir os arquivos da ditadura militar era para ter função meramente histórica afim de que a sociedade tenha a chance de conhecer melhor os acontecimentos ocultos naqueles anos de chumbo quando a imprensa era covardemente censurada. Os trabalhos da CNV podem virar agora um inquérito policial disfarçado para tentar punir pessoas mais de três décadas depois dos fatos.

Vale lembrar que, com a Lei da Anistia, a nação brasileira estabeleceu um pacto de perdão mútuo entre os representantes do regime militar e seus opositores. Todos os que praticaram crimes políticos entre 02/09/1961 e 15/08/1979 foram anistiados. É, portanto, uma via de mão dupla. Serve para o torturador e serve para o guerrilheiro terrorista que assaltou bancos, sequestrou e matou pessoas, explodiu bombas, etc. Inclui militantes como a nossa excelentíssima presidenta que hoje é uma privatista de esquerda liberal totalmente focada em assuntos do presente.

É certo que a Lei da Anistia foi aprovada ainda no regime militar em que as eleições para o Congresso não eram nem um pouco transparentes. Porém, vale lembrar que, em 1988, uma legítima Assembleia Constituinte eleita no ano anterior promulgou a atual Constituição. E aí a norma legal em questão foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, continuando a produzir eficazmente os seus efeitos sob os governos Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula e também com a Dilma. Somente alguns dispositivos foram revogados na época do governo FHC pela Lei n.º 10.559/2002, como o artigo 2º, o parágrafo 5º do artigo 3º, mais os artigos 4º e 5º. Uma revogação que, a meu ver, pode ter violado alguns direitos adquiridos como no caso dos dependentes dos anistiados falecidos.

Em que pese o direito de sabermos acerca da verdade histórico sobre o que aconteceu nos porões da ditadura, penso que o momento oportuno para as punições já passou de modo que eu considero um absurdo e uma tamanha hipocrisia os nossos digníssimos procuradores estarem denunciando só agora ex-agentes do regime militar. Ainda mais tentando criar brechas na legislação que se mostram incompatíveis com o sentido teleológico das normas, isto é, remando contra a finalidade política e social da Lei da Anistia.

Pergunto. É justo o Estado perseguir pessoas idosas por supostos crimes cometidos há mais de quanta anos atrás?!

Conforme escrevi aqui neste blogue, no artigo Como exorcizaremos os fantasmas da ditadura?, publicado em 15/02/2011, tenho em meu íntimo o sentimento de que a retribuição a quem nos fez mal não tira de nosso interior o incômodo causado pela lembrança. Assistir o torturador sendo agora processado, julgado, preso e execrado publicamente jamais vai apagar a dor do passado, mas sim reacendê-la no coração das vítimas e/ou de seus familiares.

Será que a solução não pode ser encontrada na admissão desses antigos crimes por parte dos torturadores e na reconciliação entre estes e as vítimas perante a Comissão da Verdade?

Por que a sociedade não pode buscar dentro de si mesma uma re-edição dos fatos para cicatrizar todas essas marcas? Ou será que vamos encobrir os erros e omissões do presente punindo o passado?

A meu sentir, o passado deve ser confrontado, mas sem uma caçada às bruxas! Atualmente, tanto as vítimas quanto os agressores dos tempos da ditadura são pessoas que já fazem parte da terceira idade, em condições de serem avós e até bisavós. Trata-se de uma geração que já cometeu seus erros e acertos (em ambos os lados) e que agora deixa um país para ser governado por seus filhos que é a geração dos nobres procuradores do MPF. Deste modo, o melhor a se fazer no atual momento seriam todos re-anistiarem uns aos outros e ensinarem às crianças, adolescentes e jovens a construírem um país melhor, mais próspero, sem corrupção, menos desigualdades sociais, sem violência, com mais respeito ao meio ambiente e formando uma democracia amadurecida pela participação ativa do cidadão.

A família do desaparecido Mário Alves de Souza Vieira, sequestrado em 16/01/1970, certamente deve receber uma reparação vinda dos cofres do Estado brasileiro. Sua morte e as torturas que ele sofreu no quartel da Polícia do Exército, situado na rua Barão de Mesquita, bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, foram atos de extrema covardia. Só que nada disso consegue ser mudado mais e nenhuma vingança de cunho político contra ex-funcionários públicos vai amenizar a dor de seus entes queridos. Algo que só a própria pessoa é capaz de superar.

Eu, se fosse juiz federal num casos desses, não aceitaria a denúncia do Ministério Público e teria como fundamento de minha decisão a falta de justa causa penal pela falta de interesse de agir do Estado, quebra do princípio da razoabilidade e ofensa à dignidade da pessoa humana. Aliás, esse interessante tema sobre a justa causa foi o que aprendi com um falecido professor meu na Universidade Estácio de Sá e que era magistrado titular do Juizado Especial Criminal da Comarca de Nova Friburgo - o saudoso Dr. Ronaldo Leite Pedrosa. Certa vez, ele assim escreveu num de seus livros juntamente com outros autores de Direito Processual Penal:

"Para evitar a propositura de lides temerárias, em que se ofende o status dignitatis do indivíduo, faz-se imprescindível que verifique o juiz, quando da decisão do recebimento da denúncia ou da queixa, se está presente a justa causa, consubstanciada em provas mínimas da existência de indícios de autoria e existência do delito, no interesse de agir, na tipicidade, no respeito ao princípio da proporcionalidade que reclama uma adequada avaliação custo-benefício, na real e séria lesão ao bem jurídico a justificar a pretensão de punição estatal como ultima ratio para a defesa social." (PEDROSA, Ronaldo. et. all. Justa causa penal constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004, pág. 111)

Não pode a Justiça brasileira ter dois pesos e duas medidas! Um processo contra os ex-agentes pode causar reações de muitos militares contra quem praticou crimes contra a nação naquela época. E aí vale lembrar que uma das funções da jurisdição estatal é a pacificação da sociedade. Não deve jamais o uso do Direito ser utilizado para criar novos conflitos sob o pretexto de estar fazendo "justiça histórica". O momento para as punições já passou e o nosso país tem é que olhar para frente somando forças na construção de um futuro melhor.

3 comentários:

  1. Exatamente o passado deve ser confrontado e a Lei da Anistia deve ser respeitada.

    O Regime Militar foi um processo legítimo e necessário para o restabelecimento da ordem e da defesa da Democracia e da liberdade desta nação.

    Excessos foram cometidos de ambas as partes, não é justo que agora se queira punir somente um lado.

    As FFAA cumpriram seu dever soberano em defender este país dos comunas., e isso deve ser respeitado.

    Edson Caçador Petralha

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    1. Caro Edson,

      Embora eu não entenda pela legitimidade do regime militar (e olha que sou de uma tradicional família de generais e fui criado por um avô coronel da artilharia), penso que estamos de acordo quanto ao respeito pela Lei da Anistia e também no que diz respeito à confrontação do passado.

      Temo que ações como esta movida pelo MPF possam até atrapalhar essa confrontação que a nação talvez precise para enterrar de vez o seu passado e procurar construir um futuro mais digno para todos nós.

      Sobre as forças armadas terem defendido o país do comunismo, penso que, como a história não é feita pela partícula "se", precisamos aprender a valorizar os benefícios do que bem ou mal foi feito lá atrás. Jango foi um bom presidente, um democrata legítimo e um homem que amou tanto o Brasil que deu ordens aos militares a seu favor que não defendessem mais o governo, evitando assim uma guerra civil fatricida. Por sua vez, os militares no poder também combaterem as guerrilhas organizadas no meio rural e a luta armada dos militantes da extrema esquerda. E, com isto, impediram que coisas piores pudessem ter acontecido.

      Quando nasci, em 1976, o pior da ditadura já estava passando. Geisel comandava o país e estava implantando um lento processo de anistia que João Figueiredo depois acelerou sob pressão dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Em menos de nove anos após a anistia do último militar presidente, tivemos uma nova Constituição. E aquele era o momento para se declarar a imprescritibilidade dos crimes políticos e iniciar as punições. Como não foi feito, visto que os esquerdistas não conquistaram apoio político suficiente e havia questões mais importantes em pauta (como até hoje há), só trinta anos depois é que conseguiram a criação da CNV.

      Mas digo. Se denúncias criminais e outras medidas de perseguição forem adotadas, a CNV vai acabar não alcançando satisfatoriamente o seu objetivo. Nossa nação pode se desunir e o progresso social ficaria comprometido. Além do mais, haveria a perda de oportunidade para um perdão mútuo que, a meu ver, é o melhor caminho para a superação de tudo aquilo.

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    2. Em tempo!

      Essa Comissão da Verdade poderia ser uma oportunidade para as pessoas admitirem seus erros cometidos no passado. Mas se os militares passam a ficar preocupados com punições, como que haverá ambiente para maiores esclarecimentos?

      Não temos que seguir o exemplo da Alemanha, Argentina e de outros países quando se libertaram de seus regimes autoritários.

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