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sexta-feira, 31 de maio de 2013

O feriado de Corpus Christi pra mim



Mesmo não sendo um católico romano, um dos feriados que mais aprecio é o de Corpus Christi. Não pelas festividades religiosas, obviamente, mas sim pela época em que ele ocorre no final do outono do Hemisfério Sul.

Gosto do frio que faz a partir da segunda quinzena de maio. São aconchegantes dias de curta duração, o ambiente do Sudeste brasileiro não se encontra tão seco como no inverno e os nossos corpos ainda não se sentem saturados das baixas temperaturas. O sol de meio dia é suportável e, se não estiver chovendo ou ventando forte, dá até para pegar uma praia das onze da manhã às duas da tarde. À noite, é prazeroso colocar um agasalho e sair para jantar num restaurante. Mesmo no lar, cai muito bem tomar aquela sopinha, comer um aipim cozido, saborear um mingau temperado com canela ou beber aquele chocolate bem quente. Até nas cidades litorâneas o tempo se torna suave e agradável no Corpus Christi.

Quanto às festividades dos católicos, tenho minhas reservas quanto a determinados atos praticados nas solenidades deles, os quais, em alguns aspectos, não me identifico. Porém, não posso deixar de compartilhar a admiração que tenho pela ornamentação dos logradouros públicos das cidades luso-brasileiras. Acho super bacana aqueles tapetes coloridos que compõem o caminho por onde passa a procissão religiosa. Ontem mesmo (30/05), as crianças daqui de Muriqui estavam decorando partes das ruas Doze de Outubro e Minas Gerais, entre as quais fica localizada a Paróquia de Nossa Senhora das Graças.

Em relação a este costume tradicional, não tenho nenhuma objeção. Muito pelo contrário! Vejo em tal momento não só uma manifestação da arte e da cultura como também uma bela oportunidade para que haja um entrosamento comunitário, algo que tem ocorrido com menos frequência no Brasil de hoje.

Numa época em que as pessoas já não se identificam tanto umas com as outras, com a violência assustando a todos nós, por que não fazermos das ruas uma quadro vivo de alegria, de fraternismo e de convivência humana? E que tal oportunizarmos o momento da confecção dos tapetes para expressarmos algumas reivindicações sobre justiça social independentemente da religião?

Penso que as igrejas evangélicas brasileiras perdem muito por não comemorarem este feriado. É certo que o Corpus Christi é uma comemoração dos católicos surgida na época medieval, mais precisamente no século XIII. Foi instituída pelo então Papa Urbano IV (1195-1264) com o objetivo de testemunhar publicamente o mistério da Eucaristia seguindo a crença na trans-substancialização do corpo de Cristo na hóstia que é distribuída durante as missas. Todavia, nada impede que cada congregação cristã celebre o feriado a seu modo, conforme a visão espiritual do respectivo grupo, e preservando o que há de bom nas tradições populares.

No meu ponto de vista, devemos buscar sempre procurar atualizar as tradições herdadas dos nossos ancestrais ao invés de rompermos totalmente com elas. No século XIII, Lutero e Calvino nem tinham nascido e a Europa Ocidental era ainda católica romana em sua totalidade. Nós, os brasileiros, adotamos o catolicismo como religião oficial até à Proclamação da República (1889) e recebemos dos portugueses os costumes dos tapetes. Só nas últimas décadas é que o protestantismo e o secularismo tornaram-se de fato expressivos em nossa sociedade de modo que ainda há na memória de todos nós as lembranças registradas das festividades paroquiais muito mais marcantes até os anos 80 do século XX.

De maneira alguma proponho que voltemos ao passado ou que as igrejas evangélicas submetam-se à autoridade do papa pois isto, a meu ver, seria um atraso. Mas penso que a comemoração desse feriado pode e deve contribuir para a unidade cristã de toda a Igreja independentemente dos seus variados segmentos. O pão e o suco tinto de uva ministrados durante a Santa Ceia, eu creio serem símbolos de uma realidade muito maior. Afinal de contas, somos todos membros do Corpo de Cristo e isto pra mim é a revelação do mistério eucarístico na qual realmente acredito.


OBS: A foto acima retrata a decoração das ruas de Mangaratiba, cidade do litoral sul-fluminense, durante o o feriado de Corpus Christi. Foi extraída do site da Prefeitura Municipal na notícia divulgada em http://www.mangaratiba.rj.gov.br/noticiasantigas/noticia.php?id=1908

12 comentários:

  1. O feriado até que rendeu um bom mormaço aqui em Muriqui. O tempo passou a maior parte do dia encoberto e a chuva só chegou lá pelo fim da tarde e início da noite. Vez ou outra, o sol aparecia dando uma breve sensação de calor temperada às vezes por aquele vento leve um pouquinho frio. Na praia, não tinha muita gente e pessoas foram chegando ao distrito no decorrer da quinta-feira ocupando as casas de veraneio que passam a maior parte dos meses trancadas. Nada comparável ao fim de ano, janeiro e Carnaval.

    Hoje, porém, está chovendo direto sem dar nenhuma expectativa de que o sol brilhe até o fim da manhã e deve continuar assim de tarde. Acredito, porém, se o tempo melhorar, talvez dê mais gente na praia durante o final de semana. Afinal, o pagamento de muita gente costuma sair no dia 1º, o que ajuda as viagens e aquece o comércio. E, aqui no litoral do Sudeste, não podemos dizer que o outono e o inverno sejam épocas frias pois as baixas temperaturas restringem-se apenas a alguns dias dessas estações quando chega alguma frente vinda do Sul. Em regra, os trajes das pessoas continuam sendo os mesmos: bermuda e chinelo de dedo.

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  2. Belo texto meu amigo ponderado como sempre. Seria interessante conhecer a história e o significado católico numa visão ampla da eucaristia inclusive que para nós sua grase é de suma importância: somos todos membros do Corpo de Cristo e isto pra mim é a revelação do mistério eucarístico na qual realmente acredito. Por isso nos unimos em união ao papa. Acho que esta frase se adapta e muito mais aos católicos pela unidade do corpo na pluralidade e diversidades de seus membros. Apenas para enriquecer seu texto a partir de uma visão católica do assunto.

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    1. Caro Gilberto.

      Obrigado pelo seu comentário tanto aqui quanto nas redes sociais.

      Conforme respondi no Facebook (e compartilho aqui para que outros internautas possam participar), fico feliz que tenha gostado do texto. Percebo que temos compreensões bem próximas acerca do "mistério eucarístico". Penso que sendo parte do Corpo de Cristo, devo ouvir a todos os que dele são membros, inclusive o papa, muito embora não reconheça a sua autoridade como um "pontífice". Sou favorável a um amplo colegiado como já propunha o João XXIII em décadas atrás. E penso que Francisco I esteja firmando em semelhantes propósitos. Um diálogo realmente precisa ser construído e talvez este será meu próximo texto no blogue.

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    2. E tempo!

      Eu diria que há boa relação entre os significados de protestantismo e de catolicismo. Protestar contra ago dentro da Igreja é normal e faz parte. Eu me considero um protestante ainda que, no momento, esteja desligado de qualquer denominação evangélica e mantenha alguns traços da formação recebida entre os batistas. Identifico-me mais com o culto evangélico do que com o culto católico.

      Não acredito na trans-substancialização na distribuição da hóstia. Porém, busco o significado profundo das coisas e defendo que a Igreja como um todo caminhe neste sentido. Um padre que instiga a adoração emburrecida do sacramento não caminha na mesma direção, mas aquele que faz da tradição uma oportunidade para o devoto ir mais além e desperte a sua consciência, aí considero a ritualidade como uma pedagogia construtiva. Mas não há como negar que equívocos parecidos acontecem no meio evangélico onde há uma fobia do catolicismo e das demais religiões capaz de inviabilizar um diálogo.

      Nestas horas, as igrejas protestantes mais esclarecidas acabam tendo que optar entre se manterem unidas com as denominações mais radicais ou se aproximarem dos católicos. E aí eu digo que os posicionamentos do papa Francisco poderão ser decisivos.

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  3. Caro Rodrigo


    Refletindo bem:

    Será que lá no fundo não temos algo de católico em nossa alma.?

    E esse sentimento oceânico de enlevo que nos chega ao ouvir a “Ave Maria de Gounod”, que talvez a própria razão desconheça , a que você atribui?

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    1. Boa tarde, Levi!

      Admito que sim, Levi.

      Há mais de 20 anos que sou protestante, mas não há como romper totalmente com as lembranças de um breve contato com as tradições do catolicismo na infância. Digo breve porque meus pais não eram lá tão religiosos. Sou filho de um ateu com uma mãe até hoje pouco religiosa que só veio a ter maiores contatos com o protestantismo a partir da década de 90.

      Pois bem. Como as igrejas protestantes e demais religiões devem lidar com essa cultura católica do povo brasileiro? Será que não devemos ser cautelosos para não criarmos uma crise de identidade coletiva já que hoje são dezenas de milhões de evangélicos ex-católicos?

      Penso que as tradições de uma cultura não podem simplesmente ser assassinadas. E, por mais que uma pessoa se exponha por anos a um processo de "lavagem cerebral", ela ainda sente seus momentos nostálgicos, o que precisa ser bem trabalhado por sua nova igreja. Fazer guerra contra tal sentimento não pode dar certo. Mas dialogarmos com as nossas memórias e darmos a elas uma reedição construtiva, tipo tratar das questões sociais através dos tapetes, como propus, parece-me um bom caminho. Afinal, não vejo nenhum pecado idolátrico em se participar de alguns dos eventos desse feriado. E sei que, neste aspecto, também deve pensar como eu.

      Agora, aprofundando mais o debate, pergunto que é ser de fato um católico?

      Será que os católicos romanos são mesmo católicos no sentido da palavra?

      Penso que nem os católicos gregos, armênios, coptas e católicos protestantes compreendam o sentido do vocábulo. No fundo, a cristandade está dividida em mais de 30 mil seitas das quais o patriarcado romano é só a maior delas e, por vezes, se julga a única Igreja de Cristo. Falta um universalismo verdadeiro capaz de incluir a todos num mesmo Corpo. Do contrário, como bem disse certa vez o papa Francisco I, não passaremos de "ONGs caridosas".

      Abraços.

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  4. Boa postagem. Nunca fui católica, mas sempre apreciei a beleza da música Ave Maria, apenas como uma bela música.

    Deus sempre gostou de festas, o povo hebreu era festeiro, lamento que a "santidade" vivida pela igreja evangélica hoje, tenha abolido as danças, embora não tenha conseguido abolir do coração do brasileiro. Por outro lado, vejo que a igreja evangélica se abstém das festas católicas, porque sempre vêm mescladas de idolatria.

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    1. Olá, Guiomar.

      Pela experiência que tenho com as mais variadas igrejas evangélicas, tendo me tornado protestante há mais de 20 anos, existem congregações mais tolerantes à dança, sim. Inclusive com relação às danças e canções populares. Estando eu ainda em N. Friburgo, nós cantávamos músicas seculares nas nossas celebrações da Igreja Batista da Serra e fazíamos um evento chamado Bar e adoração, quando o espaço do auditório era ocupado por mesinhas e tinha karaokê. Mas aqui em Mangaratiba, município menor do que Friburgo, as igrejas que conheci até o momento são bem caretas neste aspecto.

      Penso que não devemos nos nortear pelo que a maioria dos evangélicos fazem. Devemos nos basear pela revelação do Espírito em nossas consciências e, agindo assim, estaremos agradando a Deus. Aliás, a própria Bíblia manda que louvemos a Deus com danças e, nesta área, eu não tenho preconceito com nada. Celebraria tranquilamente um culto ao Deus único com atabaques e até mesmo os instrumentos africanos usados nos centros de umbanda e candomblé. Por que não?

      Mas quanto às festas católicas terem idolatria, coisa que não aprovo, penso que não seja motivo para nos abstermos do evento em si mas sim das práticas que julgamos ser contrárias à Palavra. Devemos fazer dessas ocasiões verdadeiras oportunidades para a transmissão do Evangelho tendo em vista a construção do Reino. Dialogar com católicos e convocar o Corpo de Cristo para a pauta do dia trata-se de uma obrigação da qual não podemos fugir na execução da obra de Deus. O Corpus Christi nos convida para refletirmos sobre a realidade de inércia e passividade na qual se encontra a Igreja bem como na frieza de seus membros e na corrupção de seus líderes.

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  5. Caro Rodrigo


    A igreja deseja ser moderna pregando um sistema de diálogo entre as crenças, mas ao mesmo tempo anseia pelo conservadorismo, cuja matriz vem do seu passado medieval, que é impossível ser deletado da memória. Como fugir do corpo dessa morte? (como disse de forma metafórica o apóstolo Paulo aos Romanos)

    Se aprofundarmos mais a nossa reflexão, veremos que os afetos paradoxais da ambivalência formam o princípio da religião em nossa cultura, que pode ser resumido nesta frase: “Deus está no Céu, e tudo está errado no mundo”,

    Não seria o caso, Rodrigo, de dizer que a consciência do nosso eu pessoal estaria sempre cortada pela ambivalência, ao invés de consolidada, pois a eterna dúvida vem sempre como recheio no final do bolo que utopicamente idealizamos?

    O Pondé, provocativamente em seu ensaio, toca no âmago de nosso ser ambivalente, simbolizado por esse eterno paradoxo que nos consome:

    “amo meu pai, mas também quero me livrar dele.

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    1. Prezado Levi,

      Penso que o reconheço dessa ambivalência não pode nos levar a uma situação completa de paralisia ou servir de motivo para não avançarmos.

      "Como fugir do corpo dessa morte?"

      Bem, você falou na Idade Média, uma época muito ruim e também de grande produção literária e artística. Há quem diga que esse período da História não deveria ser chamado de "Idade das Trevas" e eu, particularmente, penso que houve algumas coisas boas lá que deve ser mantida e ganhar novos contornos.

      O conservadorismo sempre vai nos acompanhar, mas ele deve se tornar um conservadorismo inteligente e adaptável. Deve conviver com o progresso. Pois, certamente, determinados valores como a vida, o amor ao próximo e o sentimento de família, que inclui paternidade/filiação, precisam ser mantidos. A sociedade se moderniza, mas ela ao mesmo tempo não pode deixar de preservar o que há de bom. As posições e funções mudam na família, mas o amor entre seus entes permanece.

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  6. A grandeza de Paulo Levi, é que ele não se guiava pelos sentimentos. Ele proclama: não sou eu quem vivo, mas Cristo, vive e mim. E este viver que agora tenho na carne, tenho-o pela fé no Filho de Deus, que me amou, e a Si mesmo se entregou por mim”.

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    1. GUI


      “Efetivamente, eu não compreendo nada do que faço: o BEM que eu quero, não o faço, mas o MAL que odeio faço-o. Ora se faço o que não quero, estou de acordo com a Lei e reconheço que ela é boa; não sou eu, pois, quem ajo assim, mas o pecado que habita em mim ― quero dizer em minha carne — o bem não habita. Querer o bem está ao meu alcance, não, porém praticá-lo, visto que não faço o bem, que quero, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, não sou quem age, mas o pecado que habita em mim. Eu, que quero fazer o bem constato essa lei em mim: é o mal que está ao meu alcance. Pois eu me comprazo na Lei de Deus, enquanto homem interior, mas em meus membros descubro outra lei que peleja contra a lei da minha razão e que me acorrenta à lei do pecado que existe em meus membros”. Infeliz que eu sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?”. (Paulo aos Romanos)

      O que esse texto quer dizer senão que o “sentimento do sagrado” existente no íntimo do homem é forçado a viver com o principio daquilo que se subvenciona como profano?

      Os psicanalistas consideram esse trecho da epístola de Paulo aos Romanos, acima reproduzido, uma das maiores provas da ambivalência dos sentimentos presentes no ser humano. E é justamente a ambivalência que caracteriza o humano.

      Com o homem Jesus não foi diferente. Pela fé, o fiel o idealiza, como um ser que nunca duvidou, nem que nunca errou. Em minha opinião, é esse modo de pensar que tira toda a grandeza dos evangelhos.

      A quase totalidade dos crentes com que convivo, quando se confrontam com esse texto paulino, defendem a sua fé, dizendo: “Ah, isso acontecia com Paulo no começo de seu ministério, quando ele não estava ainda muito firmado na palavra”

      Não sei se com você, Gui, esse tipo de racionalização, acontece. (rsrs)

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