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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Chamas infernais da língua

"Ora, a língua é fogo; é mundo de iniquidade; a língua está situada entre os membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela mesma em chamas pelo inferno." (Tiago 3:6; ARA)


Em janeiro de 2011, quando eu ainda estava morando no município serrano de Nova Friburgo (RJ), durante a maior tragédia climática do país, três rapazes espalharam um boato de que uma represa teria se rompido e que as águas inundariam logo a cidade. Todos já estavam muitíssimos abalados com os últimos acontecimentos ocorridos na madrugada do dia 11 para 12/01/2011 e aquela mentira veio causar um grande tumulto na população. Do alto do meu prédio, assisti pessoas correndo pelas ruas e subindo para as áreas mais altas temendo serem carregadas pela correnteza do rio Bengalas até que passou uma viatura policial esclarecendo ser falsa aquela notícia maligna.

Felizmente não houve acidentes graves visto que, na confusão, alguém poderia ter sido pisoteado ou atropelado por algum veículo em meio a tanto desespero. E, numa dessas, um paciente cardíaco tem grandes chances de passar mal vindo a infartar repentinamente. Quem tem propensão à síndrome do pânico, pode desenvolver essa doença da mente. E nada garante que, em momentos depois da notícia, um idoso hipertenso acabe precisando de internação hospitalar apenas por causa de uma mentirinha que foi contada.



Em situações não muito diferentes, há quem semeie palavras ruins aumentando mais ainda o problema. Se um casal passa por dificuldades, não faltam fofoqueiros de plantão para sugestionar desconfianças sobre traição na cabeça de um dos cônjuges. Parentes, vizinhos e até aquela pessoa que diz ser amiga começam a alimentar os piores sentimentos de quem foi emocionalmente ferido, o que, em via de regra, desperta indignação, aborrecimentos, intrigas, ciúmes, inveja, agressões físicas, processos judiciais e até o assassinato.

Numa época de campanha eleitoral, o que mais se vê é o mal uso da palavra. Candidatos buscam denegrir  a todo custo a imagem do concorrente. Fazem isso de maneira rotineira criando uma central de boatos com tudo cientificamente planejado,  como se estivessem representando numa peça de teatro, entendendo até que as artimanhas fazem parte de um legítimo jogo político. Só que poucos partidários têm consciência das consequências espirituais de se espalhar palavras aquelas vãs que conduzem o sentimento de uma sociedade.

Acontece que nenhum desses comportamentos convém aos santos, isto é, não condiz com os objetivos das pessoas que estão buscando o aperfeiçoamento ético-espiritual estando dispostas a evoluir e a crescer. Conversas más, blasfêmias, mexericos, malícias, mentiras e perjuros impedem que o praticante de tais coisas desfrutem  da herança do reino celestial pelo que transtornam suas próprias vidas em verdadeiros infernos. Isto porque a escolha de uma conduta ruim demonstra a incompreensão do sentido regenerador do Evangelho e da graça divina. E, enquanto não interiorizamos em nós o viver conforme a Verdade, deixaremos de experimentar a plenitude da salvação em Cristo, algo que precisamos vivenciar aqui mesmo na terra e não só quando "partirmos desta para uma melhor".

Diz o texto bíblico citado que "a língua nenhum homem é capaz de domar" (Tg 3:8), dando a entender que até mesmo os santos tropeçam no emprego das palavras. Deste modo, Tiago começa advertindo sobre a necessidade de cautela na escolha dos ministros do ensino no meio eclesiástico a ponto de preferir um número menor de mestres (verso 1 do capítulo).

Curiosamente a Bíblia coloca o leitor diante de um mandamento incumprível, contra o qual todos falhamos, mas que, ao mesmo tempo, orienta-nos a observar o que ali diz. Então, uma das figuras de linguagem escolhida pelo autor sagrado fala a respeito da colocação de "freios nas bocas dos cavalos" (verso 3), o que pode significar um antídoto contra o uso indevido da palavra além da condução sobre os atos praticados pelos demais membros do corpo.

Ao que parece, por "freios" na língua seria a atitude mais apropriada para um homem temente a Deus disposto a obedecer a Palavra. Um líder aceitável não é aquele que fala muito mas sim o homem capaz de encarar a disciplina de ficar calado quando não for conveniente abrir a boca. E penso que isto inclui o direcionamento da satisfação pessoal para coisas mais produtivas e espiritualmente elevadas. Pois, só assim, é que deixamos de ter prazer nas fofocas, nas mentiras e nos assuntos frívolos. Logo, "dirigir" a língua, como se navega no mar, inclui também a maneira como lidamos com os pensamentos e as motivações mais íntimas do coração.

Diante do difícil desafio da convivência humana, na qual a linguagem é o fio condutor entre as pessoas, precisamos lidar com o problema debaixo do divã terapêutico da graça divina. Certamente que tropeçaremos, estaremos em vários momentos inflamados pela ira, instigados pela vontade de dar respostas imediatas a quem nos provoca, afetivamente carentes ou desejosos de expor tudo o quanto sabemos. Involuntariamente, ou sem conseguirmos domínio sobre as emoções, ainda haveremos de pecar muitas vezes. Contudo, nessas horas, devemos nos fortalecer em Deus para nos levantarmos seguindo rumo à estatura do varão perfeito que é Cristo.

Que caminhemos com maior sensibilidade no nosso cotidiano e permitindo que o Espírito de Deus nos ajude a apagar as chamas da língua. Tenha uma ótima quinta-feira!

6 comentários:

  1. Dr Rodrigo, seu blog é a fala culta que nos alimenta diante do cotidiano simples. Um abço.

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    1. Obrigado pelo incentivo, amigo, e fico feliz em poder estar contribuindo para a edificação de pessoas. Participe sempre que desejar! Abraços.

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  2. Sou leitor assíduo de suas matérias sempre interessantes, reflexivas e instrutivas, parabéns pelos conteúdos !

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  3. Mais um status para o BRASIL "PAÍS DA CRACKOLÂNDIA"!!! Uma realidade que insitimos em não ver e uma bandeira defendida por muitos!!

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    1. Nessa época dos megaeventos, muitas autoridades nem querem que essa realidade seja vista. Desde o ano passado, foi se formando uma cracolândia no conjunto de favelas da Maré, para onde tem migrado os viciados que antes se encontravam perambulando na Avenida Brasil. É triste e ao mesmo tempo preocupante nos depararmos com isso. No século XIX, a China veio a ser dominada pelos ingleses devido ao vicio do ópio entre os seus habitantes. Com a independência, eles implantaram uma política severa até demais de combate às drogas. Mas por aqui, que nação é essa na qual vivemos? Como cantava o saudoso Renato Russo, somos um "Estado que não é nação".

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