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quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Sobre o uso de espaços públicos para grandes eventos em época eleitoral...




As eleições municipais estão chegando e, curiosamente, têm surgido muitos eventos festivos nas cidades brasileiras agendados para a última quinzena de setembro e começo de outubro. Aqui mesmo, em Mangaratiba, estão previstos vários deles sendo que, para este próximo sábado (17/09), haverá a "2ª Marcha para Jesus da Costa Verde" com a participação de conhecidos cantores gospel, conforme se vê na imagem acima.

Como bem sabemos, a regra sobre o uso dos espaços públicos é a da liberdade. Diz a Carta Magna em seu artigo 5º, inciso XVI, que "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Entretanto, como o próprio constituinte coloca, isto não se trata de um direito absoluto, podendo haver exceções justificáveis.

Verdade é que as eleições acabam se tornando o maior evento dos meses de setembro e outubro nos anos pares, algo que, inclusive, está concorrendo com a audiência das competições paralímpicas no Rio de Janeiro sendo também prejudicada por estas. E, em cidades pequenas, a disputa de uma Prefeitura torna-se o acontecimento da mais alta importância para o cidadão local pois é o que vai definir a vida profissional de inúmeros moradores que dependem de um emprego dentro do Poder Público. Não era para ser assim, mas é como vive muita gente no interior brasileiro, principalmente nos lugares onde falta um desenvolvimento sócio-econômico a exemplo da minha Mangaratiba de seus 40 mil habitantes.

A meu ver, se desejamos ter eleições limpas nas nossas cidades, considero indispensável que, por esses dias, não haja mais grandes eventos festivos que usem o espaço e os bens públicos de modo que as administrações municipais deveriam suspender as autorizações assim como negar os novos pedidos até o final de outubro. Ou então, caso os gestores das prefeituras andam se aproveitando disso, que a própria Justiça Eleitoral tome as providências necessárias para impedir o abuso de poder econômico e/ou político.

Conforme bem sabemos, a Lei Federal n.º 9.504/97 estabelece normas para as eleições e, no seu artigo 37, proíbe a veiculação de propaganda eleitoral de qualquer natureza em bens cujo uso dependa de cessão ou de permissão do Poder Público. E tal vedação deve ser entendida de maneira bem ampla, alcançando os locais nos quais a população em geral tenha acesso às festas de entrada franca ou mediante o pagamento de ingresso, ainda que sejam de organização privada.

Pelas experiências em eleições anteriores, não seria um exagero afirmar que existe uma forma de manipulação de votos nesses eventos, prejudicando a probidade, a lisura e a igualdade de oportunidade entre os candidatos. E aí, em que pese a liberdade de reunião nos espaços públicos, há que se levar em conta a lisura do pleito no que diz respeito ao direito de livre manifestação do voto que se encontra assegurado pelo artigo 14 da Lei Maior. Isto porque as práticas de abuso de poder político, econômico e a corrupção, nas vésperas das eleições, ameaçam o exercício da soberania popular pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, "com valor igual para todos".

Assim sendo, entendo que, nessas épocas conflituosas, somente os eventos em espaço público que, tradicionalmente, ocorram nos meses de setembro e outubro (tipo a as comemorações da Independência e o dia de Nossa Senhora Aparecida), ou que estejam previstos no calendário oficial de cada Município, é que devem permanecer com as devidas restrições. Já os outros precisam ser suspensos nesse período pelo bem da democracia.

Lutemos pela causa!


OBS: Imagem acima sobre a "Marcha para Jesus" em Mangaratiba recebida via WhatsApp.

5 comentários:

  1. É assim em todos os Países, em todas as Câmaras Municipais. Limpam-se os espaços que estão sujos ano após ano, arranjam-se pavimentos das estradas, pintam-se algumas paredes, etc etc etc.

    Paises diferentes... Acções iguais.

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    1. Olá, Nuno.

      Realmente as ações de algum modo se repetem. Mas acho que, de lugar para lugar, a consciência dos eleitores obriga os gestores e legisladores a se refinarem nas suas condutas como homens públicos. O grau de percepção, de politização e de exigência de uma população obriga-lhes a serem mais eficientes bem como transparentes. Se as obras de pavimentação de uma estrada chegam somente no ano das eleições, não fica exposto um uso oportunista da máquina pública? E, igualmente sucede com as festas pagas com dinheiro público ou cujos organizadores têm uma relação promíscua com os gestores de uma localidade, inclusive líderes religiosos num Estado laico...

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  2. Olá, Rodrigo!

    Estive a visualizar todos os seus blogues (sou Portuguesa) e cada um com sua temática, foram do meu agrado. ´
    Creio ser advogado, pela forma como expõe as suas ideias, baseando-se, naturalmente, na Lei, mas deixe que lhe diga que tem mto à-vontade com a escrita (imagino a oralidade) e tem forte poder de descrição, indicação e argumentação, o que considero bem positivo.

    Os textos estão mto bem escritos, descritivos, esclarecedores e extensos, como eu gosto.

    Pois, Eleições Autárquicas têm de funcionar como montra para cada região/localidade e acho que nem a "2ªMarcha para Jesus da Costa verde" com atuação de cantores gospel, irá ter tanto sucesso, qto o "espetáculo" das Autárquicas.

    Desejo que haja lisura e transparência nessas eleições, tal como noutras, mas não sei até que ponto as práticas abusivas não se farão sentir. Em Portugal, isso não acontece. É um país pequeno, somos poucos, mas as "coisas", nesse aspeto, funcionam mto bem.

    Saudações cordiais!

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    1. Bom dia, CÉU (acho que já deve ser boa tarde aí em Portugal pelo fuso horário).

      Primeiramente quero agradecê-la por ter visitado cada um dos quatro blogues que administro dos quais apenas este posso de fato chamar de meu uma vez que partilho as postagens nos demais com outros internautas publicando neles também textos autorizados de terceiros. Aqui, porém, só tenho divulgado artigos de minha autoria ainda que feito citações alheias.

      Infelizmente, a oralidade nem sempre acompanha as facilidades que tenho para expor ideias pela escrita. Talvez seja porque falando uso de menos tempo para pensar nas palavras enquanto a escrita me faz revisar. Se bem que hoje, no Direito brasileiro (acho que em outros países também), a oralidade ganha a cada dia mais espaço nos processos como ocorre por aqui nas ações cíveis de rito sumaríssimo no chamado Juizado Especial, criado para tratar com celeridade casos simples do cidadão comum. Aliás, foi um órgão no qual muito atuei no começo da atividade advocatícia em meados da década passada.

      Realmente as eleições devem se adequar à cultura de cada localidade e região. Em algumas poucas cidades brasileiras onde o eleitor é mais consciente, já nem existem mais carros de som perturbando a população com as propagandas dos candidatos assim como normas locais restringem o uso da panfletagem nas ruas. EM diversos lugares, houve já a proibição do uso de fogos de artifício como tenho lutado para ocorrer na cidade onde vivo pensando não só na igualdade entre os candidatos e no bem estar de pessoas e de animais.

      Neste texto, porém, toquei numa situação bem polêmica e que conflita com um valor que é a liberdade, a qual é constitucionalmente protegida de várias maneiras, tratando-se de um importante bem nas sociedades livres e democráticas. E aí bom seria que a realização de festas em nada influenciasse na convicção do eleitor em favor do continuísmo como geralmente ocorre no sentido de fazer muitos cidadãos pouco conscientes momentaneamente esquecerem-se dos problemas que enfrentam devido a uma má gestão.

      Por outro lado, compreendo que, quando as intenções de voto encontram-se já bem consolidadas, nem festas ou obras de última hora mudam a convicção do cidadão. E há sempre quem tenha consciência não se deixando influenciar pelo que um governo ou seus apoiadores fazem de modo abusivo ou tendencioso. Curiosamente, nas cidades maiores do Brasil, grandes eventos festivos, sejam de natureza religiosa ou secular, influenciam menos assim como as eleições se tornam apenas mais um "espetáculo" no meio de outros (no Rio de Janeiro, com seus milhões de eleitores, muitos preferem passar o dia na praia do que votar).

      Fico feliz em saber que, nas eleições autárquicas portuguesas, a disputa ocorra com maior transparência e lisura. Não sei se, por aí, a disputa por um concelho/freguesia menor seja proporcionalmente mais ou menos acirrada do que em Lisboa ou Porto. Por cá, quanto menor o município, maior o interesse da população local pela Câmara e mais ainda pela Prefeitura, o que aumenta o risco de abusos dos mais diversos tipos.

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    2. Em tempo!

      Diferente de Portugal, aqui no Brasil não chamamos de eleições autárquicas as disputas pelos órgãos administrativo e legislativo de um Município. É que tendo o Brasil se tornado uma federação sui generis a partir da Constituição de 1988, com três tipos de entidades federativos (além da União Federal e dos estados, os municípios também são membros autônomos), o ente local não seria uma autarquia, podendo, inclusive, legislar dentro de sua esfera de competência que é constitucionalmente repartida.

      Seria bom que essa grande autonomia dos municípios brasileiros, quando a população fosse menor, pudesse aproximá-los do ideal aristotélico de cidades perfeitas. Para o grande sábio grego da Antiguidade, além do tamanho do próprio território, o qual não deveria ser nem muito grande e nem muito pequeno, devido às necessidades de administração e de produção), era preciso ter um governo próprio, um corpo cívico, subsistências, artes, exército, religião (culto divino) e leis. Tratava-se do ideal grego de autarcia (o ideal helênico de auto-suficiência consistente num espirito independente e orgulhoso da população, o que se revela na capacidade da cidade alcançar, por si própria e sem recorrer ao exterior, a satisfação das necessidades de sua população). Só que, na prática, hiperbolicamente criticando, vejo muitos municípios pequenos brasileiros mais próximos dos feudos da Idade Média pois a democracia local tem sido vivenciada com maior plenitude nas cidades de médio porte do que nas pequenas.

      Bem, desculpe se fui excessivamente extenso, mas gosto de tratar sobre determinados assuntos.

      Seja sempre bem vinda ao blogue!

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