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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A sociedade aguarda um julgamento justo sobre o fornecimento de remédios!




Na data de ontem (28/09), os ministros do Supremo Tribunal Federal interromperam o julgamento que discute a liberação por parte da Administração Pública de medicamentos não fornecidos pelo Sistema Único de Saúde. Durante a sessão, o ministro Teori Zavascki pediu vista (mais tempo para estudar a ação) e, com isso, permanece sem previsão quando o Judiciário irá finalmente decidir se o Poder Público tem a obrigação de fornecer os medicamentos que não constam da lista SUS.

Antes de suspender o julgamento, o qual havia se iniciado na semana retrasada, já tinham votado os ministros Marco Aurélio Mello (relator do processo), Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. O caso se trata de dois recursos com repercussão geral interpostos pelos governos do Rio Grande do Norte e de Minas Gerais (RE 566471 e RE 657718) contra decisões judiciais que obrigaram ambos os estados a fornecer remédios de alto custo a pacientes individuais, os quais reivindicam o direito à saúde previsto no artigo 196 da Constituição da República. Na primeira demanda, o medicamento não estava na listagem fornecida pelo SUS enquanto que, na outra ação, a substância não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

O relator, ministro Marco Aurélio, foi o único a votar na sessão do dia 15/09, quando o julgamento da matéria teve início. Na ocasião, o ministro se manifestou no sentido de negar provimento aos dois recursos por entender que, na hipótese de remédios de alto custo não disponíveis no sistema, o Estado pode ser obrigado a fornecê-los nos seguintes casos:

- se for imprescindível para o tratamento do paciente;
- se não puder ser substituído por outro já disponibilizado pelo SUS;
- se a família do paciente não tiver condições de pagar.

No entendimento do ministro, além desses requisitos, o medicamento deveria ter registro na Anvisa. Porém, na retomada do julgamento, ocorrida na tarde de quarta, Marco Aurélio alterou seu voto (ler AQUI a íntegra do aditamento), abrindo a possibilidade da importação de remédios que, mesmo não registrados na agência do governo federal, não sejam fabricados ou comercializados no Brasil, argumentando que:

"Nessas situações, o produto somente é encontrado em país de desenvolvimento técnico-científico superior, sendo que, à míngua, não deve e não pode ficar o paciente, com ou sem autorização da Anvisa, tendo em vista no seu caso de industrialização ou comercialização no território, e sim de importação excepcional, para uso próprio individualizado. Ao Estado, cumpre viabilizar a aquisição"

Já o ministro Luís Roberto Barroso, o qual votou na sessão de quarta-feira, considerou que a atuação do Judiciário deve ser.mais restritiva. Ele defendeu como regra geral o não fornecimento de medicamentos não listados pelo SUS de modo que a liberação por decisão judicial, a seu ver, só deve ser possível numa situação excepcional, tendo proposto uma série de requisitos a serem observados pelo juiz para obrigar o governo a fornecer o remédio:

-  incapacidade financeira do paciente
- prova de recusa do órgão técnico em incorporar o medicamento no SUS
- inexistência de substituto terapêutico na rede pública
- eficácia do fármaco para tratar a doença
- que o custo seja imposto à União, por ser o ente responsável por incorporar o medicamento ao SUS

Barroso, que havia sido procurador do Estado do Rio de Janeiro antes de se tornar ministro do Supremo, atacou ainda a judicialização da saúde no país, sob o argumento de que o atendimento às demandas individuais comprometeria a política voltada para o público em geral: "A vida e a saúde de quem tem condições de ir a juízo não tem mais valor do que as dos muitos que são invisíveis para o sistema de Justiça". E afirmou também que "o Poder Judiciário não é a instância adequada para a definição de políticas públicas de saúde".

Quanto ao fornecimento de remédio sem registro na Anvisa, o ministro considerou as seguintes condições:

- o fármaco não deve estar em análise pela agência;
- deve estar em avaliação por mais de um ano;
- já tenha registro em agências de Estados Unidos, Europa ou Japão.

Em relação ao ministro Edson Fachin, o terceiro a votar, o magistrado também propôs parâmetros rígidos para o fornecimento dos medicamentos fora do SUS, embora diferentes dos mencionados por Barroso. A seu ver, a liberação, também excepcional, só deve ocorrer nas seguintes situações:

- houver prévio pedido ao próprio SUS;
- houver receita por médicos da rede pública com indicação do remédio;
- ter justificativa da inadequação de outro tratamento na rede pública;
- laudo do médico que indique necessidade, estudos e vantagens do tratamento.

Após as diferentes propostas dos colegas, o ministro Marco Aurélio disse que os votos de Barroso e Fachin dificultariam o fornecimento por decisão judicial, ironizando que "os cidadãos que vieram ao Judiciário buscarem lã, sairão tosquiados".

Ora, com todo respeito aos entendimentos expressados pelos ministros Luis Roberto Barroso e Edson Fachin, concordo com a crítica feita pelo nobre relator Marco Aurélio. Pois só quem se utiliza do SUS pode dizer o quanto é difícil um paciente defender o seu direito à saúde, inclusive quando a sua vida encontra-se em risco. Com muita dificuldade, os usuários do sistema conseguem ser consultados por um médico que mal consegue dar lhes atenção. E, quando saem da unidade, dificilmente conseguem algo além de um simples laudo, caso peçam, e da receita do remédio. 

Por outro lado, não podemos nos esquecer de que estamos tratando das necessidades de um público que, em geral, é hipossuficiente. Pois, se muitos mal conseguem chegar ao Judiciário, pior será quando essas pessoas precisarem provar todos esses requisitos que os dois ministros querem estabelecer. Ainda mais lidando com um Estado que a todo momento pratica violência institucional e faz da burocracia um meio de dificultar o acesso à informação que, no caso em tela, precisaria ser imediatamente disponibilizada para o cidadão defender os seus direitos.

Ora, querer que haja prova da recusa em fornecer o medicamento, sinceramente é criar um obstáculo para o  paciente buscar o socorro do Judiciário. Isto porque não existe razão para uma pessoa ficar aguardando resposta do órgão de saúde de modo que, se o remédio não é fornecido, o jeito é ingressar logo com uma ação judicial pedindo aquela medida genericamente chamada de "liminar". Principalmente se a pessoa estiver com uma doença grave e risco de vida.

Assim, com toda razão, eis que, na noite de terça para quarta (na véspera da retomada do julgamento), pacientes com doenças graves e raras fizeram uma vigília em frente ao prédio do Supremo para pressionar o tribunal a obrigar o Poder Público a fornecer gratuitamente medicamentos de alto custo não previstos na política de assistência do SUS. Os manifestantes vestindo camisetas pretas gritavam que as vidas deles "não têm preço" e, durante a vigília, também acenderam velas, penduraram faixas e expuseram um mural na grade que limita o acesso ao prédio da Suprema Corte. Na ocasião, duas macas foram colocadas no espaço e os participantes se deitaram sobre o equipamento para simular a longa espera pela decisão.

Infelizmente, esse assunto de grande importância para a sociedade mal tem sido divulgado na imprensa e nas redes sociais, apesar de algumas matérias terem sido já publicadas e constar uma recente notícia na página do STF na internet (clique AQUI para ler). Porém, é fundamental que as pessoas saibam o quanto essa decisão pode mexer com o direito à saúde delas, inclusive dos seus familiares, considerando haver muita gente dependendo de remédios do SUS sem ter condições de custear o tratamento.

Que nossos ministros reflitam e tenham compaixão dos que sofrem!


OBS: Créditos autorais da foto acima atribuídos a Carlos Humberto / STF

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