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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

A polêmica retroatividade da Lei da Ficha Limpa



Não muito diferente de outros municípios brasileiros, a disputa eleitoral aqui em Mangaratiba (RJ) encontra-se judicializada. Dentre os três principais postulantes à chefia do Executivo, dois sofreram suas respectivas ações de impugnação ao registro de candidatura. Um dos casos seria porque o político havia sido condenado por órgão colegiado em sede de ação de investigação eleitoral por abuso de poder (econômico e político), tendo o seu mandato de prefeito cassado e declarada a sua inelegibilidade, com trânsito em julgado em 16/12/2011, fato este que acarretaria em sua inelegibilidade para as próximas eleições por força do disposto no artigo 1º, inciso I, alíneas "d" e "j" da Lei Complementar 64/90, com redação alterada pela Lei 135/2010, conhecida também como a "Lei da Ficha Limpa".

Tais demandas foram propostas pela coligação adversária, cujo candidato também sofreu uma tentativa de impugnação, e pelo Ministério Público Federal, sendo ambas ações com o mesmo fundamento. E, após o processo seguir os seus trâmites regularmente, houve o julgamento na data limite de 12/09 com o proferimento de sentença deferindo o registro de candidatura na qual o centro da questão foi justamente a aplicação retroativa da LC n.º 135/2010. Isto porque o réu havia sido condenado a três de anos de inelegibilidade a contarem das eleições de 2008, fato este anterior à Lei da Ficha Limpa. 

De acordo com o julgador, o juiz eleitoral Marcelo Borges Barbosa, a aplicação da LC 135/2010 a fatos anteriores à sua promulgação deve ser considerada análoga à aplicação retroativa de lei penal mais gravosa, na medida em que trata de agravar uma pena (ainda que de natureza eleitoral) já determinada e por fatos anteriores à lei mais gravosa, tendo ele concluído que:

"Desse modo, a aplicação retroativa da Lei de Ficha Limpa viola os princípios da legalidade e da irretroatividade da lei mais gravosa. Ademais, o entendimento pela retroatividade da Lei de Ficha Limpa viola a segurança jurídica. Ora, a pena já foi aplicada e cumprida. Não se pode retroagir para agravar uma pena já extinta. Portanto, a inelegibilidade do primeiro impugnado se encerrou no ano de 2011, não havendo que se falar que se encontra na presente data inelegível por fato ocorrido no pleito de 2008." (Processo nº 234-21.2016.6.19.0054)

Atentamente, a sentença fez menção da controvérsia existente hoje no Judiciário acerca do assunto. Pois, apesar do TSE ter já decidido um caso similar, entendendo que o prazo de inelegibilidade do artigo, 1º, I, alínea "d" da Lei Complementar 64/90, com a redação modificada pela Lei Complementar 135/2010, seria aplicável aos fatos referentes às eleições anteriores, eis que dois ministros do STF, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, posicionaram-se contrariamente em 2015 no Recurso Extraordinário n.º 929.670 (acompanhe AQUI o andamento). Aliás, o próprio juiz de Mangaratiba lembrou na sua decisão que o min. Luis Roberto Barroso teria negado monocraticamente o pedido de liminar do Procurador Geral Eleitoral em sede da Reclamação 24.224/MS para determinar a não aplicação retroativa da Lei de Ficha Limpa enquanto estiver pendente de julgamento do outro processo em análise pelo Plenário:

"Nessa linha, o Plenário da Corte sinalizou revisitar o mérito da questão, quando reconheceu a sua repercussão geral (tema 860 - “Possibilidade de aplicação do prazo de 8 anos de inelegibilidade por abuso de poder previsto na Lei Complementar 135/2010 às situações anteriores à referida lei em que, por força de decisão transitada em julgado, o prazo de inelegibilidade de 3 anos aplicado com base na redação original do art. 1º, I, d, da Lei Complementar 64/1990 houver sido integralmente cumprido”). O julgamento do paradigma (RE 929.670, Rel. Min. Ricardo Lewandowski – substitutivo do ARE 785.068) encontra-se suspenso em razão do pedido de vista do Min. Luiz Fux, já tendo proferidos dois votos favoráveis à irretroatividade, em caso de existência de coisa julgada (Informativo 807). Ademais, foi afetado ao Plenário o julgamento do ARE 790.774, que trata sobre questão análoga. É dizer: (i) não há uma certeza sobre o fato de a questão debatida nestes autos ter sido pontualmente enfrentada; (ii) existe um número expressivo de Ministros cuja posição conhecida é favorável à tese adotada no ato reclamado; e (iii) o Tribunal já sinalizou revisitar a matéria em breve. Nessas circunstâncias, não há fumus boni iuris.  Por fim, observo o perigo de irreversibilidade de eventual decisão  cautelar nestes autos (art. 300, § 3º, do CPC/2015). Isto porque, com o início do período eleitoral, avizinham-se as convenções partidárias e o registro de candidatura, de modo que o deferimento da liminar poderia implicar a perda dos respectivos prazos pelo beneficiário da decisão reclamada. Do exposto, indefiro a medida liminar." (Supremo Tribunal Federal, RCL 24224 MC/MS, citado pelo dr. Marcelo Borges em sua sentença)

Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o reconhecimento de quitação eleitoral afrontaria teses do STF (as ações declaratórias de constitucionalidade números 29 e 30 bem como a ação direta de inconstitucionalidade número 4.578), as quais teriam concordado com a aplicação da Lei da Ficha Limpa a fatos anteriores a sua vigência. Porém, como o andamento do RE 929.670 no STF encontra-se paralizado, posto que os autos estão com vistas para o min. Luiz Fux desde a sessão de 12/11/2015, a questão permanece indefinida. Logo, a tendência é que muitos políticos condenados antes da Lei da Ficha Limpa consigam vir candidatos.

Verdade seja dita que o verdadeiro juiz das eleições deve ser o próprio cidadão quando comparece às urnas. Como havia colocado em meu artigo de 12/09, Será que o seu candidato não se encontra inelegível?!mesmo que um mau político fique liberado para concorrer, o meu voto ele não levará. Aliás, foi por este e outros motivos que, depois de muito refletir, resolvi aconselhar o meu candidato a prefeito aqui em Mangaratiba a não impugnar ninguém, mas, sim, focarmos na campanha feita nas ruas, apresentando ao eleitor quais as nossas propostas para uma cidade melhor.

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