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domingo, 30 de junho de 2013

Do monte à planície

Continuando meus estudos e reflexões sequenciais sobre o Evangelho de Lucas, eis que, no capítulo 6, aproximamo-nos de um dos mais célebres ensinos de Jesus contido no livro. Trata-se do Sermão da Planície que guarda muitas similaridades com o Sermão da Montanha de Mateus 5, 6 e 7. Antes, porém, quero fazer uma breve contextualização dando a ela uma aplicação prática para os nossos dias.

Após ter passado a noite orando a Deus num monte, o Mestre escolheu seus apóstolos entre os incontáveis discípulos que tinha a esta altura do ministério exercido no meio dos judeus. Serão doze mensageiros a quem Jesus enviará para divulgação das boas novas do Reino, representando, simbolicamente, o mesmo número das tribos de Israel.

Curioso não constar no rol de Lucas 6:12-16 os teólogos, sacerdotes e religiosos da época. Nem tão pouco os nomes de nobres ou políticos poderosos. Percebe-se que o Senhor preferiu selecionar pessoas rudes, de pouca instrução e sem elevada estima dentro da sociedade para ajudarem-no na sua "pescaria de homens". Pelo menos, quatro deles sabemos que eram pescadores do Mar da Galileia (Pedro e André, Tiago e João). Já Mateus fora um publicano cobrador de impostos sobre o qual falei na postagem do dia 27. E teve também um ex-guerrilheiro que integrou o radical partido dos zelotes.

Pouco sabemos pelos evangelhos quem fora esse discípulo revoltoso xará de Pedro que foi chamado também de Simão. Porém, acho bem significativo sabermos que a pacífica proposta de Jesus fez alguém abandonar a insanidade da luta armada contra o governo estrangeiro para semear o Reino de Deus no coração de seu povo. Algo que deveria ser refletido por esses baderneiros infiltrados nas passeatas dos movimentos sociais recentes e que ficam incitando a violência nas ruas das cidades brasileiras.

Com tal grupo de evangelistas, Jesus desce do monte e chega a uma planície onde recebe uma multidão de gente vinda tanto da Judeia e de Jerusalém (cidade onde ficava o Templo) como das regiões gentílicas de Tiro e de Sidom, situadas fora dos limites geográficos de Israel. Ali ele atenderá os doentes e os "atormentados por espíritos imundos", os quais, por sofrerem de algum mal, eram muitas das vezes excluídos ou diminuídos moralmente no meio social a exemplo do personagem bíblico Jó. Bastava tocar no Salvador que dele saía poder de cura, dando a entender qual  tamanho da fé daqueles que percorriam longas distâncias para buscá-lo.

Então, após viver mais uma experiência de taumaturgia com a multidão, Jesus volta-se para os discípulos e passa a ensiná-los. O ambiente descrito no terceiro evangelho não será uma elevação e sim um lugar plano. Se em Mateus o cenário da montanha serve para traçarmos um interessante paralelo com o Mone Sinai, onde Moisés recebera os Dez Mandamentos, vejo na planura uma representação da acessibilidade capaz de incluir até quem estava fora de Israel e desconhecesse a legislação mosaica. Ali os necessitados poderiam ir até o Senhor e tocá-lo. Não são colocados obstáculos teológicos, morais, étnicos ou de origem para o alcance do Reino. É o pregador descendo de sua montanha numa atitude incontestável de acolhimento sincero.

Trazendo essa experiência para os dias de hoje, percebo o quanto é necessário buscarmos uma real aproximação com os destinatários da mensagem evangelística. Quantas vezes os pregadores não se consideram santos demais a ponto de suas palavras nem conseguirem tocar o coração do ouvinte tido por ele como um "imundo"?

Até que ponto as igrejas são de fato ambientes acolhedores capazes de aceitar a todos sem restrição, preconceitos ou exigências morais?

Como é que tratamos os homossexuais, os que ainda sofrem dificuldades para se livrarem de certos vícios (desde o crack até o cigarro), os descasados que vivem em união estável, os praticantes das tradições africanas como os umbandistas, os que pensam de maneira diferente da gente e todos aqueles que não se enquadram nos falsos padrões de santidade eclesiásticos?

Está certo beijar o pecador num dia de apelo missionário para apedrejá-lo logo em seguida através de boicotes na participação da Ceia, nos retiros de casais e nas atividades de culto da comunidade? Ou não se torna discriminatório dizer para a pessoa que primeiro ela deve "se libertar" de certos comportamentos para comer do pão e beber do cálice da comunhão?

Ora, expulsemos de nós essas imundas ideias de falsa santidade!

Ao contrário dos fariseus hipócritas do cristianismo atual, Jesus permitiu ser tocado por quem era tido como possuidor de "espírito imundo" e dele saía poder sarando as enfermidades vistas pela teologia da época como consequências do pecado. Entendendo os milagres como anúncios da chegada do Reino, podemos dizer que, por ter se tornado acessível, o Mestre regenerou homens e mulheres errantes representados por aquela massa de excluídos, os quais buscavam o real sentido para viver. Ele não estava ali afim de julgá-los e sim para recebê-los amorosamente. Por isso é que os religiosos e teólogos "mestres da Lei" não tinham nada a ver com o ministério de Cristo. Nem de ontem e nem de hoje! Por isso é que não consigo compor com os cristãos santinhos desse século XXI que continuam se separando e se isolando dos necessitados espirituais pelas barreiras morais que constroem.

Não sigo o catolicismo romano, mas estou apreciando bem as atitudes do atual papa. Francisco I tem demonstrado uma incrível proximidade e bons exemplos de uma vida humilde. E, independentemente de suas ações serem ou não planejadas por um trabalho marketing religioso, percebo que ele inspira muitos cristãos. Pouco importa como, mas o patriarca de Roma está aos poucos desfazendo aquele ar de "sua santidade". Não duvido que a conduta dele incomode os religiosos que se escondem por trás da batina ou de qualquer outra máscara quando o próprio líder se põe moralmente nu no meio de todos declarando-se igualmente pecador.

Que como fez Jesus, a Igreja possa também descer do "monte" à "planície". Aliás, o nosso Amado Mestre jamais se colocou em condição superior a ninguém. Tanto é que se submeteu ao batismo de João semelhante a todos os demais pecadores chamados ao arrependimento. E este é o exemplo que recebemos daquele que é referencial de homem modelo, o Cristo humilde que a todos recebe em seus braços sempre abertos.

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