Páginas

domingo, 16 de junho de 2013

A importância das tentações na formação de um líder



"Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão e foi guiado pelo mesmo Espírito, no deserto, sendo tentado pelo diabo" (Lucas 4:1-2a)


É curioso este episódio sobre a tentação de Jesus em que o próprio Espírito de Deus o leva para o deserto, para o lugar da tentação.

Por que estaria nos planos divinos enfrentarmos as tentações? E qual a razão daquele desafio vencido pelo Salvador?

O texto bíblico de Lucas vem nos falar de três propostas diabólicas feitas a Jesus que são relatadas na seguinte ordem:

1) que as pedras fossem transformadas em pães e Jesus saciasse a sua fome visto que estava em jejum (versos 3-4);

2) que Jesus adorasse o diabo a autoridade e a glória dos reinos do mundo (vs. 5-8);

3) que Jesus se lançasse do "pináculo" do Templo e fosse seguro pelos anjos para não cair (vs. 9-12).

O primeiro tipo de tentação lembra as provas que a geração do êxodo egípcio passou no deserto sob a liderança de Moisés, quando foram testados para confiarem na Divina Providência e não se desesperarem diante das situações.

No deserto, tendo jejuado durante os simbólicos quarenta dias (mesmo número de anos suportados pelos antigos israelitas), era natural que Jesus sentisse fome. No entanto, ele resistiu à tentação de ceder imediatamente aos seus impulsos e lidou com aquela dificuldade baseando-se num trecho do livro de Deuteronômio, capítulo 8, versículo 3, cujo texto completo e traduzido da versão hebraica, segundo João Ferreira de Almeida, seria este:

"Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com o maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da boca do SENHOR viverá o homem" (ARA)

Ao passar pela falta de recursos, um líder precisa firmar-se nos ideais elevados que crê e resistir com firmeza mesmo tendo necessidades materiais.

Quantos políticos neste país não comprometem seus valores negociando posições para terem cargos públicos num governo qualquer afim de garantirem o sustento pessoal?

E quantos religiosos não fazem o mesmo dentro das instituições que pagam seus salários?!

Já a oferta de entregar "todos os reinos do mundo" seria um tremendo atalho enganoso. Isto me faz lembrar sobre a conquista do poder usando os velhos métodos manipuladores dos políticos que até hoje governam as nações. Para subirem na vida, eles não precisam conquistar a consciência das pessoas, pois basta enganá-las com falsas promessas, clientelismo e outras mentiras mais. Entendo que a adesão a essas práticas, de certa forma, equivale a prostrar-se em adoração a Satanás.

Ora, se Jesus tivesse enveredado por esse caminho, qual seria  resultado de seu valoroso ministério? Pois, tendo já refletido outras vezes a este respeito, chego à conclusão de que, quando um líder se vende, o seis é trocado pela meia dúzia. Os nomes apenas mudam (sai João e entra José), mas o sistema opressor permanece o mesmo com tudo aquilo que há de exploratório, danoso e diabólico.

Assim, Jesus responde ao diabo novamente se valendo das Escrituras Sagradas. Ele se baseia em Dt 6:13 e 10:20 que assim dizem na versão hebraica dos massoréticos, respectivamente, segundo Almeida:

"O SENHOR, teu Deus, temerás, a ele servirás, e pelo teu nome jurarás".
"Ao SENHOR, teu Deus, temerás; a ele servirás, a ele te chegarás e, pelo seu nome, jurarás".

Jesus combate então aquela tentação apoiando-se na fé exclusiva em Deus. Ele não se permite ter outro senhor na sua vida. Trata-se de por em prática a obediência prestada na adoração do Deus único e que deve nortear todos os nossos demais atos.

Quanto à última tentação, eu a vejo como algo bem metafórico. Jogar-se do alto do muro do Templo para ser seguro pelos anjos não seria bem uma tentativa de suicídio e sim um convite para demonstrar poder publicamente. Tal conduta, se Jesus a adotasse em seu ministério, tornaria nulo todo o trabalho que teve porque não despertaria a fé das pessoas.

Apesar das curas e milagres que fez, Jesus muitas das vezes pediu ao agraciado que não espalhasse a benção recebida. Não fazia parte de seus planos conquistar seguidores dando uma de messias He-man. Aliás, quando chegou a hora de sua provação maior, isto é, na cruz, nosso Senhor permitiu ser levado pelos seus inimigos e, como uma ovelha dócil, seguiu para o matadouro.

Pode-se dizer que, na atualidade, muitos líderes sucumbem à tentação de mostrarem ao público que são "poderosos". Não raras vezes, a propaganda religiosa se utiliza da divulgação de supostos testemunhos de curas contados por pessoas que comparecem aos programas de rádio ou de TV mantidos por determinadas denominações evangélicas. Não raramente, os pastores corrompem seus ministérios porque querem ser reconhecidos logo como "homens de Deus" e conquistarem seguidores para as suas igrejas, ao invés de semearem pacientemente a Palavra nos corações das pessoas.

A essa terceira tentação, Jesus combaterá o sentimento diabólico apegando-se em Deuteronômio 6:16, sobre não colocar Deus à prova. Vejamos o que diz o texto que vem do hebraico correspondente à citação da lei mosaica:

"Não tentarás o SENHOR, teu Deus, como o tentaste em Massá".

Em sua prova, Jesus re-significou todo o aprendizado que tinha das Escrituras. Mostrou ali que a Palavra de Deus era de fato o seu verdadeiro alimento, nutrindo-se dela para dar enfrentamento às situações que surgiam. Passar por aquelas tentações tornou-se um teste necessário para que o futuro ministério fosse bem sucedido e o Mestre, em sua missão messiânica, aprendesse a vencer primeiramente a si mesmo.

Da mesma maneira, penso que as nossas tentações devam ser encaradas como testes de caráter. O maior adversário que temos somos nós, o próprio ego. Não há nada mais diabólico do que eu desejar fazer a minha vontade em detrimento do que Deus me manda. E, no comando de um ministério, isto chega a ser mais catastrófico do que falhar diante de problemas pessoais porque se trata da condução de uma obra que envolve a direção espiritual de muita gente. Basta dar um passo em falso e um líder arrasta uma multidão para o abismo.

Aprovado no teste, Jesus inicia o seu ministério nas terras da Galileia que é uma fértil região do norte da Palestina. Informa o autor bíblico que o diabo apartou-se dele "até o momento oportuno", dando a entender, pelo conhecimento sobre o restante do Evangelho, que o Senhor será novamente tentado na ocasião de sua prisão, julgamento e crucificação. No Gólgota, ele se mostrará como um  messias fracassado, morto pelos seus opositores, tornando-se, portanto, uma pedra de tropeço para aqueles que aguardavam a chegada de um líder aparentemente vencedor.


OBS: A ilustração do texto refere-se ao quadro A Tentação de Cristo (1854) do pintor francês de descendência neerlandesa Ary Scheffer (1795-1858). A obra encontra-se num museu de belas-artes de Liverpool, Inglaterra, conhecido como Walker Art Gallery. Extraí a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://pt.wikipedia.org/wiki/Walker_Art_Gallery

Nenhum comentário:

Postar um comentário