O ministério de João Batista foi, sem dúvida, algo revolucionário. Os evangelhos nos falam do surgimento de um profeta tão corajoso quanto Elias, com características tão semelhantes, que veio sacudir a sua geração pregando ousadamente as Boas Novas e enfrentando até mesmo os reis.
Dando prosseguimento a minha leitura sequencial do Evangelho de Lucas, detive-me nas motivações do ato praticado por João que era batizar pessoas, bem como no seu apelo sobre fazermos obras sociais.
A que se destinava o batismo nas águas? Qual o seu significado?
O texto bíblico nos fala de um "batismo de arrependimento" (Lc 3:3). Há quem afirme que, antes de João, os judeus já conheciam esse ritual aplicado aos novos prosélitos. Ou seja, se um estrangeiro decidisse seguir a religião judaica, ele deveria passar pelas águas purificadoras e, desta maneira, seria aceito como parte do povo de Deus cujos descendentes se integrariam através de futuros casamentos com israelitas da gema.
Curioso, mas João resolveu aplicar esse ritual justamente para os próprios israelitas. O público alvo dele eram as pessoas de seu povo, dando a entender o quanto é necessário o homem passar por uma mudança interior.
"Produzi, pois, frutos de arrependimento e não comeceis a dizer entre vós mesmos: Temos por pai a Abraão; porque eu vos afirmo que destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão." (Lc 3.8; ARA)
Deus sempre se agradou da sinceridade que vem do coração, do arrependimento verdadeiro e da transparência dos atos praticados. Caminhando pelas localidades circunvizinhas ao rio Jordão, aquele incômodo profeta dizia para seus compatriotas se despirem da arrogância nacional-religiosa, tratando-os como se não fizessem parte do povo de Deus, mas propôs a todos que se convertessem.
Hoje, dois mil anos depois daqueles acontecimentos, o rito praticado por João chega a ser utilizado por muitos cristãos como pretexto de fuga à conversão. Já ouvi pessoas dizerem que já aceitaram Jesus quando foram batizadas e outras que chegam a valorizar em excesso algo que é meramente simbólico, como se Deus tivesse feito das águas batismais uma condição salvífica.
Por vezes, cheguei a questionar se ainda seria necessário e conveniente os cristãos da atualidade perpetuarem o ritual do batismo já que o seu significado era diverso no passado e estava intimamente ligado ao contexto da época. Por que manteríamos algo por mera tradição da Igreja? Porém, prefiro deixar de tratar desse assunto agora porque não seria o essencial e penso ser mais importante focar nessa mensagem dada por João quando ele explica sobre o que deve ser colocado em prática:
"Então, as multidões o interrogavam, dizendo: Que havemos, pois, de fazer? Respondeu-lhes: Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo" (Lc 3:10-11)
Seguindo os mesmos passos dos antigos profetas bíblicos que clamaram contra as injustiças sociais cometidas em Israel, João propôs a repartição dos nossos excedentes com os necessitados como um princípio de vida. Ele não estava pregando mais uma dessas campanhas filantrópicas promovidas por igrejas, ONGs e governos que muitas das vezes só mascaram o problema da pobreza, servindo mais para aliviar a consciência de quem se omite. Esmolas os fariseus distribuíam até com frequência naqueles dias, mas poucos abraçavam realmente a causa de combate à miséria por uma permanente ação solidária.
É fato que o acúmulo de bens cria uma situação de afastamento de uma vida comunitária sadia que sempre foi o desejo de Deus. A própria legislação mosaica já prescrevia isso com eis a favor do pobre. De Levítico 25:35-36, tiramos o preceito principiológico "viva o teu irmão contigo" que, como escrevi neste blogue há exatamente dois anos atrás (14/06/2011), seria "o leitmotiv bíblico do pensar socialista".
Certamente que dividir com o outro não é empobrecer e nem alimentar a vagabundagem alheia. Aliás, eu diria que a missão da Igreja vai muito além do programa oficial do Bolsa Família porque a assistência que precisamos prestar é integral e envolve também o acolhimento ético-espiritual. Só que, se fizermos vistas grossas para as necessidades materiais do irmão, faltará em nossos corações o amor divino.
"Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus?" (1Jo 3:17)
A lógica da caridade cristão parece-me bem simples. A pessoa convertida já não tem como objetivo principal na sua existência ficar rico. Ela trabalha para satisfazer suas necessidades, as dos seus familiares e, sendo abençoada com mais, compartilha o excedente por meio de ações coletivas e individuais. Ela não deixa de aproveitar a vida, mas tem prazer em ver o outro participando da sua alegria.
Ao mesmo tempo a Igreja não deve alimentar a pobreza como se dela dependesse. Havendo condições, devemos promover as potencialidades de quem está sendo assistido para que o sujeito trabalhe, estude, faça cursos, abra seu próprio negócio, construa uma casa segura e depois passe a contribuir também. Haverá casos em que um empréstimo sem juros e sem prazo dignificará mais o nosso irmão do que simplesmente darmos esmolas.
É uma pena, mas muitos religiosos hoje em dia andam esquecidos de que a vida cristã vai muito mais além do que colaborar com mais uma campanha do agasalho. Acho até vou mudar de ideia em relação ao que penso sobre o batismo e chamar às águas quem alega ter recebido o tal "sacramento".
Que se torne completa a nossa conversão!
OBS: A ilustração utilizada neste texto refere-se ao quadro João Batista no deserto do artista italiano Cristofano Allori (1577-1621) e que se encontra localizado no Palazzo Pitti, cidade de Florença. Capturei a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:Allori_C_San_Giovanni.jpg
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