O episódio da pesca maravilhosa é inserido no Evangelho de Lucas como um dos momentos iniciais do ministério de Jesus. Tal acontecimento é metafórico e de forte significado para as missões evangelísticas do cristianismo de todas as eras.
Um dos elementos chaves para se interpretar essa passagem seria a presença das multidões que comprimiam Jesus para ouvirem a Palavra de Deus nas margens do Mar da Galileia, que é o Lago de Genesaré ou de Tiberíades (Lc 5.1). Tratavam-se de pessoas sedentas pelo ensino do Mestre dentre as quais, provavelmente, estariam também enfermos e gente oprimida por forças espirituais malignas. Para pregar, o Salvador entrou no barco de Simão Pedro e pediu ao discípulo que o afastasse a uma pequena distância da praia (v. 3).
Tendo terminado de falar ao público, nosso Senhor conduziu uma situação para que Pedro e os primeiros seguidores compreendessem qual seria a participação deles em seu operante ministério. Sabendo que eram pescadores, Jesus mandou Pedro lançar as redes sobre as águas. A princípio o discípulo hesitou um pouquinho, argumentando de que se tratava de uma missão impossível visto que tinham passado a noite inteira tentando capturar peixes sem sucesso. Porém, decidiu obedecer (v. 5):
"Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos, mas sob a tua palavra lançarei as redes" - ARA
O resultado foi totalmente o contrário do que, pela lógica e experiência, Pedro e os demais homens do mar aguardavam acontecer. Informa o autor que a multidão de peixes apanhados era tanta que as redes chegavam a se romper. Pediram ajuda aos pescadores de um outro barco que ali estava e as duas embarcações quase afundaram (v. 7).
Com a ocorrência do milagre, Pedro sentiu-se indigno diante de Jesus. Talvez porque teria levantado dúvidas quanto à orientação que lhe fora dada antes de cumpri-la. Ou então porque estava na presença de alguém divinamente enviado e tomou consciência de sua pecaminosidade. O Mestre, porém, mostrou-se compreensivo com o seu discípulo e o incluiu na sua ação ministerial (v. 10):
"Não temas; doravante serás pescador de homens"
A partir de então, Pedro, Tiago e João tornam-se seguidores de Jesus, segundo o Evangelho de Lucas (v. 11), ainda que Simão tivesse sido apresentado anteriormente como alguém que recebeu o Senhor em sua casa (4:38). Diferentemente dos outros sinóticos (Mt 4:18-22 e Mc 1:16-20), a vocação desses discípulos não ocorre de maneira repentina, mas é detalhadamente contextualizada em Lucas, dando melhores esclarecimentos sobre o quem vem a ser essa "pecaria de homens".
No artigo A libertação dos homens peixes, o qual escrevi na blogosfera dia 15/12/2010, tendo por base inicial o texto de Mateus, fiz uma comparação com Jeremias 16:16 e Habacuque 1:14-15 em que imagens verbais semelhantes ganham um sentido negativo nos escritos dos dois profetas bíblicos. Lendo na época O Autêntico Evangelho de Jesus, de Geza Vermes, observei que a locução “pescadores de homens, além de ser pré-existente na cultura judaica, poderia estar relacionada com as atividades de taumaturgia de Jesus conforme as narrativas seguintes de Mateus e de Marcos. Em Lucas, porém, as curas e os exorcismos ocorrem antes da pesca maravilhosa, já no capítulo 4 do livro. Mas a ordem dos fatores não altera o produto pelo que posso reproduzir aqui trecho do mesmo comentário feito há quase três anos antes:
"Pelo poder do Espírito Santo, após seu batismo, Jesus cumpriu o começo do seu ministério com curas milagrosas e expulsando demônios, o que significou a confirmação de sua obra messiânica, a qual consiste na libertação dos homens das redes de Satanás. Ou seja, até a manifestação de Jesus, o povo desviado de Deus fora capturado pelos anzóis dos inimigos e agora estava sendo liberto por quem de fato em poder para libertar. Numa metáfora, os caldeus e os povos invasores de Israel, anunciados pelos profetas como instrumentos do juízo divino, representam também o domínio espiritual do diabo sobre os homens. Porém, com a chegada do Messias e do Reino de Deus, o adversário é expulso, pois Jesus, com sua autoridade, dá ordens ao demônio que saia. A pesca, a partir de então, passa a ser a pescaria de Deus para a liberdade e salvação das pessoas."
Não podemos nos omitir diante de um chamado tão importante!
O anúncio do Evangelho é uma obra libertadora em todos os sentidos. Seja quanto às forças espirituais malignas, que assediam as mentes das pessoas provocando doenças físicas ou psíquicas, bem como em relação às opressões que se manifestam nos planos político-econômico-social-religioso. Aliás, tudo está intimamente associado e integra uma realidade só. Logo, a pregação das boas novas do Reino de Deus vai se opor a todas as formas de exploração do ser humano. Quem diz sim ao chamado missionário do Mestre, deve corresponder também neste aspecto inseparável do todo.
Finalmente, extraio da passagem bíblica em análise mais um ensinamento. Quando Jesus mandou que Pedro lançasse as redes, ele e os demais pescadores já deveriam estar cansados e desanimados porque passaram a noite trabalhando no lago e nenhum peixe apanharam. Assim também nós, discípulos do Mestre neste século XXI, também nos sentimos da mesma maneira por causa da falta de resultados. Evangelizamos, fazemos obras sociais e tomamos parte em movimentos políticos, mas a situação parece não mudar. Então, quando decidimos "lavar as redes" para finalizarmos a "viagem de pesca", o Senhor nos manda novamente retornarmos às multidões.
Neste ano de 2013, em que mais de 200 mil pessoas já foram às ruas para protestarem contra o aumento das passagens de ônibus e utras questões relevantes, percebo aí o anúncio de uma grande pesca. Sem prendermos as nossas atenções quanto aos minoritários manifestantes desordeiros, os quais praticam o vandalismo e violentam policiais, devemos dar importância ao fato de que o povo está se importando com os seus problemas. A inflação e o preço acumulado das tarifas nos transportes urbanos têm oprimido a população brasileira, porém o Evangelho de Cristo faz com que possamos vislumbrar um cenário diferente pela adoção de medidas adequadas para a economia do trabalhador ser verdadeiramente respeitada.
Que não desanimemos e lancemos outra vez as nossas redes nas águas!
OBS: A ilustração usada acima refere-se ao quadro A Pesca Miraculosa do artista francês James Joseph Tissot (1836-1902). Foi pintado entre 1886-1894 e se encontra atualmente no Museu do Brookyn, Nova York. Capturei a imagem do acervo virtual da Wikipédia.
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