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quinta-feira, 13 de junho de 2013

"Filho, por que fizeste assim conosco?"



A passagem bíblica que mostra Jesus entre os doutores da lei, exclusiva do Evangelho de Lucas, causa-nos uma certa inquietação sobre a maneira como os seus pais lidaram com aquele fato.

Anualmente, os judeus tinham que ir a Jerusalém para celebrarem a Páscoa no Templo. O Pessach era uma das três festas de participação obrigatória, conforme determinava a legislação mosaica (Ex 23:14-17; 34:23), sendo também uma espécie de Indenpendence Day dos israelitas porque relembra até hoje a libertação dos antigos ancestrais do povo quando as doze tribos ainda eram escravas no Egito.

Entretanto, quando Jesus tinha seus 12 anos, ocorreu uma situação diferente. Terminada a Páscoa, José e Maria partiram para Nazaré sem o filho e, no caminho, deram falta dele. Supondo que estivesse entre os companheiros de viagem, procuraram entre os parentes e conhecidos. Sem êxito, voltaram para Jerusalém. E, somente três dias depois, acharam-no no Templo, no meio dos teólogos judaicos da época, "ouvindo-os e interrogando-os".

"Logo que seus pais o viram, ficaram maravilhados; e sua mãe lhe disse: Filho, por que fizeste assim conosco? Teu pai e eu, aflitos, estamos à tua procura. Ele lhes respondeu: Por que me procuráveis? Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai. Não compreenderam, porém, as palavras que lhes dissera. E desceu com eles para Nazaré; e era-lhes submisso. Sua mãe, porém, guardava todas estas coisas no coração." (Lc 2:48-51; ARA)

Que pânico aquele casal não passou?! Como você se sentiria caso seu filho sumisse por três dias? Saberia por onde começar a procurá-lo?

Há quem diga que Jesus teria permanecido em Jerusalém por ocasião de seu Bar Mitzvá ("filho do mandamento"), uma outra cerimônia dos judeus feita quando o menino, por volta dos treze anos, passava a ser considerado um membro adulto da comunidade. Só que o texto bíblico não confirma nada a respeito disto e, dificilmente, José e Maria não atentariam para este ritual de passagem, segundo os costumes de seu povo. Porém, não há dúvidas de que andassem desatentos quanto à vocação missionária do filho. Algo que não conseguiam compreender.

Apesar da admiração daqueles mestres religiosos quanto à inteligência do adolescente Jesus, percebe-se nas palavras de Maria uma certa reprovação ou um descontentamento com o sumiço do filho (v. 48). E o motivo, se prestarmos a atenção no verso 50, teria sido porque os pais não estavam entendendo. Algo que parece ter persistido até na época de seu ministério quando a família tentou afastá-lo do serviço de Deus (Lc 8:19-21), o quando nosso Senhor precisou estabelecer limites quanto ao assédio da mãe e dos irmãos.

A família pode ser importante para o desenvolvimento da pessoa, mas ela também atrapalha. Muitas das vezes os pais querem limitar os filhos dentro da habitualidade. Pensando no bem do jovem, cometem o erro de cortar suas asas temendo que se machuque no primeiro voo (sentimento excessivo de proteção). Com isso, talentos são reprimidos e surgem adultos frustrados.

Jesus, no entanto, tinha certeza de sua vocação e consciência de um relacionamento íntimo com Deus. Na resposta dada a Maria, ele se referiu ao Templo como a casa de seu próprio Pai (v. 49) e a mãe parece não ter lhe replicado. Também nosso Mestre querido não insistiu em permanecer ali e desceu com os pais para Nazaré, permanecendo obediente a eles. Só por volta dos trinta anos foi que ele iniciou o seu ministério depois de ser batizado por João no rio Jordão.

Quantas vezes os pais também não desconhecem a missão do filho?

Penso ser impossível saber com todos os detalhes tudo aquilo que  futuro reserva aos nossos descendentes. Mesmo quando Deus revela algo, como foi com Maria na época do nascimento de Jesus, costuma ser mais um breve vislumbre que ocorre na forma de sentimentos e em conformidade com a subjetividade dos pais. Nota-se no Magnificat (Lc 1:46-55) que o inspirado cântico de Maria também refletia as expectativas dos judeus do primeiro século em relação à promessa de vinda do Messias, considerando o momento opressivo em que a nação vivia. Surpresas ainda aguardavam a sagrada família.

Aprendemos com a lição do episódio O menino Jesus entre os doutores sobre a necessidade de prestarmos mais a atenção no comportamento das crianças e dos adolescentes. Por não conhecermos o dia de amanhã e nem todas as coisas que Deus faz, é preciso buscar compreensão. Sob nossos cuidados, o Senhor pode ter colocado futuros missionários. Ou cientistas, ou artistas, ou atletas, ou escritores, ou simples pessoas de bem. Cabe aos pais dar o devido espaço para o jovem desenvolver sua vocação mantendo também a devida disciplina com amor.


OBS: A ilustração acima refere-se ao quadro A Descoberta do Salvador no Templo (1860), pintado pelo inglês Willian Holman Hunt (1827-1910). É encontrado atualmente no Birmingham Museum and Art Gallery, Inglaterra. Capturei a imagem do acervo virtual da Wikipédia em http://en.wikipedia.org/wiki/File:William_Holman_Hunt_-_The_Finding_of_the_Saviour_in_the_Temple.jpg

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