Em 22/11/2010, publiquei neste blogue o artigo cujo título foi esta pergunta: "Como assegurar a observância de prazos pelos provedores de internet para cumprimento de suas obrigações?", onde critiquei as empresas que prestam o serviço de acesso à rede de computadores por não estipularem prazos para os seus compromissos contratuais, motivo pelo qual estariam contrariando o artigo 39, inciso XII do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n.º 8.078/90).
Neste final de semana (dias 26 e 27 de fevereiro de 2011), pude sofrer na pele as consequências da ausência de leis específicas para os provedores de acesso à internet no Brasil no que se refere à continuidade do serviço prestado ao consumidor. Mesmo estando com todas as minhas mensalidades pagas, tive o meu direito de uso bloqueado desde o sábado à noite, ao ligar o computador naquele dia, até à tarde de domingo, quando então consegui entrar em contato com a empresa e reclamar.
Tal fato me levou a refletir sobre medidas que podem ser tomadas no plano legislativo quanto aos problemas causados por suspensões e interrupções indevidas e sem nenhum aviso prévio ao cliente por parte dos provedores de internet.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), criado para coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços de internet no país, embora promova a participação da sociedade nas decisões sobre a implantação, administração e uso da rede, infelizmente não é dotado de poder de polícia para punir os provedores, sendo que as normas do colegiado não alcançam todas as atividades de tais empresas.
Enquanto o setor de telefonia obedece a um regramento específico estabelecido pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), a internet brasileira continua sendo terra de ninguém em diversos sentidos. Com isto, o que vem prevalecendo é a lei do mais forte, isto é, os interesses dos provedores de acesso à rede, os quais costumam estabelecer as condições contratuais na relação com o cliente e tornam a relação bem desigual.
O certo é que, nos dias atuais, o acesso à internet tornou-se um serviço de extrema importância. Para nós advogados, por exemplo, é através deste meio de comunicação que recebemos as publicações para fins de acompanhamento dos nossos processos, bem como para verificarmos o andamento dos mesmos. Também dependemos da rede para atuarmos perante alguns órgãos do Poder Judiciário como tem sido, por exemplo, na Justiça Federal, no STJ, no STF e no CNJ, nos quais já predomina o processo eletrônico quanto às ações mais recentes, confirmando uma tendência oficial de abolir de vez os autos físicos. Ou seja, para encaminhar a petição de um cliente ou ler um ato praticado pelo juiz, o causídico precisa visualizar a página da Vara ou Turma onde tramita a demanda e, se for o caso, entrar com seu login e senha para transmitir um requerimento.
Por sua vez, milhões de empresas executam inúmeras atividades diárias pela internet. Não só as comunicações com os clientes e fornecedores como também os pagamentos e inúmeros serviços internos são feitos através da rede. E, quanto ao cidadão comum, ficar sem a internet pode gerar inúmeros transtornos, afetando o acesso ao site do banco, comprometendo as pesquisas de trabalhos escolares, o envio ou recebimento de e-mails, o cadastramento em inúmeros órgãos públicos, etc.
Felizmente, a Justiça brasileira vem reconhecendo o direito a indenização por danos morais e/ou materiais quando o provedor de acesso promove o corte indevido do serviço de internet prestado ao consumidor. É o que se vê nas seguintes ementas de decisões recentes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
"Agravo interno na apelação cível. Obrigação de fazer c/c reparação de danos. Serviço de internet banda larga. Velox. Suspensão irregular. Falha da empresa ré que privou os autores de serviços de extrema importância nos dias atuais. Dano moral configurado. Manutenção da Decisão do Relator por seus próprios fundamentos. RECURSO DESPROVIDO." (0035428-57.2008.8.19.0002 - APELACAO - 2ª Ementa - Relator DES. PEDRO SARAIVA ANDRADE LEMOS - Julgamento: 02/02/2011 - DECIMA CAMARA CIVEL)
"APELAÇÃO CÍVEL. RITO SUMÁRIO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. SUSPENSÃO INDEVIDA DE SERVIÇO DE INTERNET, POR MAIS DE CINCO MESES, EMBORA ESTIVESSE A CONSUMIDORA ADIMPLENTE COM AS MENSALIDADES. CONDUTA ABUSIVA DA EMPRESA QUE NÃO OBSERVOU SEU DEVER DE COOPERAÇÃO PARA COM A CONSUMIDORA, EIS QUE NÃO PROMOVEU O RELIGAMENTO DO SERVIÇO, APESAR DAS DIVERSAS RECLAMAÇÕES. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SENTENÇA QUE MERECE REFORMA NESTE PORMENOR. PROVIMENTO DO RECURSO." (0002546-14.2010.8.19.0021 - APELACAO - 1ª Ementa - Relator DES. LUIZ FELIPE FRANCISCO - Julgamento: 01/02/2011 - OITAVA CAMARA CIVEL)
Segundo exemplifica a Dra. Andréa Cristina Nogueira*, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB de Rondônia, o dano material "estaria configurado em razão de o consumidor ter que pagar juros em virtude de não ter conseguido realizar o pagamento de uma fatura por causa da suspensão da internet". Já o dano moral, no entender da advogada, "surge a partir do momento em que o consumidor sentiu algum sofrimento relacionado à sua paz e aos transtornos que sofreu em decorrência da suspensão do serviço ou até mesmo de uma cobrança indevida".
Todavia, sabe-se que não é sempre que o Judiciário reconhece a caracterização dos danos morais e muitas das vezes as indenizações são proporcionalmente pequenas para cumprirem o papel de desestimular as condutas atentatórias praticadas pelos provedores de internet. Com isto, muitas empresas aproveitam-se da ausência de punições administrativas já que, na prática, apenas podem sofrer raras consequências na esfera cível quando acionada por algum consumidor indignado que, na base de muito sacrifício ou sorte, consegue reunir provas acerca da suspensão ou interrupção do serviço, pagar um advogado e ingressar com um processo.
Mais do que nunca é necessário que a nova legislatura do Congresso nacional pense na elaboração de leis que versem sobre os serviços prestados pelos provedores de acesso à internet, normatizando o atendimento dessas empresas, que deve ser 24 horas, e impedindo condutas abusivas como o corte no acesso à rede sem aviso prévio. Assim, sempre que houver desconfiança sobre o não pagamento de uma mensalidade, o provedor teria que primeiramente entrar em contato com o cliente e conceder um prazo razoável a contar do recebimento da notificação para que seja feita a prova do adimplemento o efetuado o pagamento em atraso. Só então, caso não haja o pagamento ou a prova deste, é que o corte se tornaria permitido.
Para terminar, compartilho que a criação de uma agência reguladora sobre serviços de internet, ou o alargamento da competência fiscalizatória da ANATEL, iriam contribuir para que os direitos dos consumidores não se transformem em letras mortas. Afinal, hoje em dia um provedor de internet deve prestar um atendimento semelhante ao de uma concessionária de telefonia já que o acesso à rede tornou-se algo inegavelmente essencial na vida moderna.
OBS: As citações foram extraídas do artigo "Interrupção de serviços de internet tem conseqüências à relação de consumo", o qual foi publicado no site http://www.tudorondonia.com/noticias/interrupcao-de-servicos-de-internet-tem-consequencias-a-relacao-de-consumo,20354.shtml