Confesso que nunca fui muito fã do Carnaval, embora me divertisse bastante quando menino vestindo roupa de super herói afim de brincar com outras crianças na escola ou no clube onde meus pais eram sócios no Rio de Janeiro - o Grajaú Tênis Clube. Porém, detestava que me vestissem com a fantasia de índio, o que não tinha muito a ver com a minha imaginação infantil. Até mesmo porque eu ainda associava os índios como selvagens e inimigos da sociedade, conforme assistia nos preconceituosos filmes da TV lá pelo final da década de 70 e início dos anos 80.
Posso afirmar que nem o meu pai ou a minha mãe, bem como meus tios, as duas avós com as quais convivia e os vizinhos, jamais colocaram em minha cabeça que o Carnaval fosse algo impuro, pecaminoso, ou “festa da carne”, conforme acabei aprendendo anos mais tarde nas igrejas. Pois, foi só através da pregação de alguns pastores evangélicos que passei a ouvir discursos negativos sobre o Carnaval, tendo até escutado que as pessoas que desfilam nesses eventos estariam promovendo uma forma culto ao diabo.
Entretanto, felizmente minha visão fundamentalista passou a ser melhor trabalhada de uns tempos para cá, o que, de certo modo, devo às duas últimas igrejas onde me congreguei aqui em Nova Friburgo: a Igreja Evangélica Maranata e a Igreja Batista da Serra.
Lá pelos dias 9 e 13 deste mês de fevereiro, contribuí com alguns comentários ao interessante texto "O Carnaval 2011 Faz Renascer Abraão", publicado em 08/02/2011 no blogue Ensaios & Prosas onde o seu autor escreve que:
"Eis que os tempos mudaram. Pasmem meus senhores! Uma igreja evangélica, entre as quatro maiores em número de fiéis, acaba de exaltar um samba enredo que uma escola de samba paulista ( Pérola Negra) fez para o carnaval de 2011, o qual tem por título: Abraão – O Patriarca da Fé (rima com samba no pé – rsrs)." - extraído de
http://levibronze.blogspot.com/2011/02/o-carnaval-2011-faz-renascer-abraao.html Conforme compartilhei naquele blogue, acho interessante uma escola de samba homenagear o patriarca Abraão que é pai de todos nós, no qual são benditas todas as famílias da terra.
Provavelmente o que talvez ainda assuste os evangélicos quanto ao Carnaval seja a pouca roupa, o uso descontrolado de bebida alcoólica e o comportamento de boa parte do público que se torna intencionalmente libidinoso ou até violento quando surgem as brigas.
Aqui na cidade onde moro, já houve carnavais em que, se não me engano, desfilaram até blocos evangélicos e que tiveram por objetivo a evangelização. Foi o que ouvi falar porque não assisti (aliás detesto o barulho que fazem aqui bem perto de casa e ainda com o uso do dinheiro público que financia as escolas).
Entretanto, já participei de atividades evangelísticas no Carnaval de 2007 em que o pessoal de dança da congregação onde eu estava fez vários teatros e exibições de danças rítmicas na rua. Obviamente que havia pessoas de outras denominações que não deveriam ver agente com bons olhos.
Ano passado, o tema da minha igreja atual (Batista da Serra) foi "ser cristão na sociedade" e foi a meu ver bem trabalhado pois começamos a criar meios de conexão com os de fora. Fizemos eventos como o
"Bar & Adoração", onde o salão da igreja passou a ser disponibilizado para servir salgados e petiscos com refrigerantes (nada de bebida alcoólica), tocando tanto música gospel como secular. Também iniciamos o
"Celebrando a Recuperação" que é um trabalho de cura interior semelhante ao AA aberto a todos. E ainda tivemos um fórum sobre política e consciência, convidando a comunidade e autoridades da cidade que é feito também no auditório (alguns vereadores já vieram lá debater). Ou seja, no mesmo local onde rolam os cultos dominicais, temos feito eventos seculares afim de que o sagrado esteja em todos os locais, convidando sempre toda a comunidade.
Penso que esta separação entre igreja e o mundo às vezes se torna algo que aumenta mais ainda o isolamento social dos evangélicos. É como se o crente fosse um ser de outro mundo, que não se relaciona com ninguém e vive dentro de uma sub-cultura religiosa usando cumprimentos típicos e despidos de significação, como
"a paz do Senhor, meu irmão", e tendo suas programações específicas. Ou seja, acabamos nos diferenciando do mundo mais por razões culturais de um povo igrejeiro do que por um comportamento genuíno capaz de mostrar uma santidade amorosa nas nossas relações.
Neste mês, recebemos a visita de uma irmã em Cristo que, salvo engano, fora criada na Assembleia de Deus. Embora ela esteja hoje em outra igreja, deixei-a bem perplexa quando levantei a ideia de que os crentes poderiam criar uma escola de samba afim de desfilarem no Carnaval.
Ora, mas será que não poderia ser interessante se pessoas crentes resolvessem criar uma escola de samba com princípios bíblicos e se apresentasse nos desfiles junto com as demais instituições carnavalescas?
Penso que sim e eu diria até que evangelístico, com todas as possibilidades de se desenvolver composições de músicas seculares que prestigiem a cultura brasileira, o que não deixa de ser uma maneira de falar em Deus. Uma escola de samba em que seus integrantes desfilem com descência e sem consumo excessivo de álcool ou drogas.
Compreendo que uma iniciativas destas seria ótimas e acho que não se pode reprimir a cultura secular a ponto de restringirmos aos cânticos de louvores. Pois todas as nossas expressões devem ser de louvor a Deus, inclusive nas comunicações que ainda são consideradas como seculares, muito embora palavras de saudação como um
"oi",
"bom dia",
"como vai" podem muito bem conter em si mesma o reconhecimento do amor divino na existência do nosso próximo. Algo mais ou menos como o
"anamastê" indiano, mas de um ponto de vista monoteísta.
Enfim, compreendo que o Carnaval, em tese, deve servir para os seguidores de Jesus interagirem com a sociedade onde vivemos e aí, obviamente, é preciso reconhecer a Divina Presença em todas as ocasiões de sociabilidade. Inclusive pensando na felicidade de nossas crianças que não podem crescer separadas dos coleguinhas da escola, parentes e vizinhos por causa da cultura alienada de seus pais.
Termino esta postagem com um indagação que inclui o tema adotado no ano de 2010 pela minha igreja atual:
Como seguir a Cristo em sociedade?
OBS: As fotos acima referem-se à época de minha infância quando os adultos resolviam me fantasiar de índio e eu detestava. As imagens foram feitas na vila onde minha avó materna e a bisavó moravam na Avenida Engenheiro Richard, no Grajaú, Zona Norte do Rio de Janeiro, bem como no clube que fica situado no mesmo logradouro.
Rodrigo
ResponderExcluirPelas fotos no texto, pude ver que você tem sangue carnavalesco nas veias.(rsrs)
Por falar em desfile de blocos evangélicos no carnaval, lembrei-me agora de um frevo carnavalesco, que na época (tinha meus doze anos) era muito cantada, e eu, como um pequeno das hostes fundamentalistas, tinha um certo receio de cantá-la, por medo de cair em blasfêmia. Tinha um estrofe que dizia assim:
"Carnavá só tem três dia
Valha-me São Sarvadô
carnaval nasceu no céu
Foi os anjos que inventou."
Olhando a história (metafórica - representativa dos nossos instintos ambivalentes) da revolta dos anjos no livro de Gênesis, é que depois entendi que a analogia feita pelo autor da letra acima, tinha lá suas razões (rsrs)
Levi,
ResponderExcluirObrigado mais uma vez por participar.
Ao contrário do que as fotos mostram eu não tinha lá tanto "sangue no pé" (rsrs). Gostava de brincar usando as roupas de fantasia e queria mesmo era me vestir de Super Man.
Percebo que hoje a separação entre o secular e o eclesiástico tende a acabar. Acho que nada é mais hipócrita do que alguém ter uma conduta na igreja e outra fora dela, comos e fosse possível segmentar a nossa existência e termos uma "vida espiritual", "uma vida profissional", "uma vida conjugal", "uma vida familiar", "uma vida de relacionamentos com amigos", etc...
Particularmente, penso que os israelitas, nos tempos áureos do rei Davi, deveria fazer belos carnavais, os quais estavam presentes em comemorações de todos os tipos, inclusive nas 3 festas principais estabelecidas pela Torá e quando a arca chegou a Jerusalém. Aliás, o livro de Shemuel Bet (2 Samuel) relata que o monarca dançou bem à vontade junto com seu povo:
“Davi, vestindo o colete sacerdotal de linho, foi dançando com todas as suas forças perante o SENHOR, enquanto ele e todos os israelitas levavam a arca do SENHOR ao som de gritos de alegria e de trombetas” (2Sm 6.14-15; NVI)
Outras traduções dizem que Davi teria usado um simples 'efod' de linho e há quem considere que o rei estava praticamente nu. Mas ao ser repreendido por sua esposa Mical (verso 20), por ter “tirado o manto na frente das escravas de seus servos” e agido “como um homem vulgar”, Davi lhe responde que “foi perante o SENHOR” que dançou (verso 21).
A meu ver, uma festividade como o Carnaval, em si mesma, nada tem de profano. Logo, o que as igrejas devem fazer é parar de demonizar o Carnaval, mas sim influenciá-lo positivamente, recuperá-lo e utilizando-o como uma ferramenta positiva em favor da sociedade brasileira na qual vivemos e fazemos parte.
Abraços.
Em tempo!
ResponderExcluirNão sei se foi bom ou ruim para mim (só Deus sabe), fui criado fora da igreja. Vim de uma família de católicos não praticantes. Meu pai dizia-se um "ateu, graças a Deus" e minha mãe não frequentava as missas. Mesmo assim, fui batizado e, nas poucas vezes que me levaram à igreja, eu não aguentava ficar lá rezando porque achava muito chato e queria saber de brincar com as outras crianças.
Embora hoje eu entenda que é muito proveitoso levar uma criança para a igreja, bem como ver o filho crescendo e frequentando a escolinha bíblica, tem seus proveitos. Isto porque a criança aprende valores bem positivos, torna-se mais obediente e se prepara melhor para enfrentar a vida já que no colégio os professores andam mais é preocupados em empurrar o conteúdo das disciplinas que lecionam. Logo, a Igreja pode proporcionar à criança um apoio que muitas das vezes não se tem na escola e nem em casa quando os paius não são crentes ou não seguem a Palavra.
Mas, por outro lado, um convívio preconceituoso dentro das igrejas pode deformar a criança, formando uma visão de mundo estreita ou até mesmo gerar nela uma antítese do padrão eclesiástico.
Sendo assim, entendo que as igrejas podem ajudar bastante na convivência do indivíduo com a sociedade, integrando-o culturalmente de maneira ativa ao invés de afastá-lo das relações sociais. Afinal, embora o crente nãos eja do mundo, ele está no mundo.
Olá Rodrigo..
ResponderExcluirVc foi o primeiro passista da sua rua?rss
Dizem que cada um tem uma visão idiossincratica de cada cena, rss, Me parece que sua mãe te trancou em casa para vc não ir para avenida, talvez seja o real motivo da choro rss
Brincadeirinha hein..
tanto o texto quanto as fotos são ótimos
abraços
rodrigo, gostei muito das suas considerações, posso concordar com todas elas. deus nunca foi contra a alegria, a descontração, a brincadeira, a risada, a festa; só mesmo a mentalidade extramamente puritana das igrejas fundadoras por aqui puseram como lema de vida a frase: "jesus chorou. você já leu que jesus riu?". é sério, ouvia muito isso quando eu era garoto. infelizmente (ou felizmente)deus sabe, fui criado na igreja...rsssssssssss
ResponderExcluirgosto também de ver os desfiles das escolas de samba do rio, pois é um espetáculo muito bonito e cultural. os excessos, que existem, são os excessos. coisa de gente que não sabe o limite aceitável para brincar.
abraços
ah, as fotos são ótimas também.
Oi, Carlos.
ResponderExcluirQue eu mal me recorde o motivo daquele berreiro parece ter sido porque o cocar do índio me incomodava (devia ter alguma coisa arranhando) e eu queria fantasiar-me de súper herói.
Abraços.
Fala, Edu!
ResponderExcluirO nome de Isaac [Its´hac], filho prometido por Deus Abrahão, está relacionado com o riso de Sara. Logo, simboliza a satisfação, o prazer e a alegria.
Concordo com você, mano! Os excessos não deveriam jamais servir para caracterizar a brincadeira do Carnaval. E, embora eu não assista aos desfiles das escolas do Rio, reconheço que a apresentação delas e também a letra dos sambas são culturalmente bem inteligentes.
Em tempo!
ResponderExcluirGostaria de compartilhar, Edu, que a separação entre o mundano e o sacerdotal foi algo bem posterior à noção humana sobre divindade.
Na narração javista sobre o episódio em que Jacó rouba a benção de Esaú, onde a astúcia do patriarca é posta em evidência (assim como agiram Abraão e Isaque quando disseram que suas esposas eram suas irmãs), tem-se em Gênesis 27.20 um agradecimento atribuído a Deus durante a mentira pregada pelo filho. Isto porque, na visão oriental daquele tempo, tudo estava relacionado com Deus de modo que a mentira contada por Jacó não tinha tanta relevância.
"Isaque perguntou ao filho: 'Como encontrou a caça tão depressa, meu filho?' Ele respondeu: 'O SENHOR, o seu Deus, a colocou no meu caminho'". (NVI)
Em outro episódio, há uma outroa história que, pelos valores moralistas de hoje, poderíamos considerá-la profana. É quando Jacó adquire as crias do seu sogro Labão usando as varas listradas de branco (conf. com Gn 30.25-43). E sem nos esquecermos da guerra sexual entre Lia e Raquel onde ambas as irmãs agradecem a Deus pelos filhos que conseguem gerar.
Pois bem. Foi dentro deste contexto mundano, sem divorciar-se imediatamente do politeísmo e de outros costumes, que os israelitas começaram a se relacionar com Deus único e só depois foram adorando-O na beleza de sua santidade - uma compreensão muito posterior. E, sem dúvida, o Eterno revelou-se a eles neste período de inegável inocência moral, sem envergonhar-se de ser chamado o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó.
Hoje, nos tempos da abundante graça, penso que devemos oferecer um relacionamento não moralista com toda a humanidade. Deve a Igreja anunciar a Cristo com toda a sua simplicidade, mostrando o amor, o perdão e a alegria que há em servir ao Deus que se regozija com a nossa espontaneidade.
Posteriormente, quando uma pessoa se converte e passa a ter uma experiência de relacionamento com Deus, aí é que se deve buscar a compreensão sobre santidade o que é uma construção que vem de dentro para fora, do interior para o exterior. Não o contrário. Ou seja, cabe a cada um, na sua experiência diária e seguindo sua consciência, aprender a agradar a Deus no seu comportamento.
Que pena Rodrigo
ResponderExcluirA enchente de hoje em São Paulo arrasou o barracão da Escola de Samba Pérola Negra (que ia sair com o tema Abraão - o Patriarca da Fé) destruindo quase todas as alegorias.
Tenho a impressão que, logo logo, os fundamentalistas vão dizer que foi castigo divino? (rsrs)
Pois é, Levi. É bem provável que algumas pessoas digam isto sem nem ao menos conhecerem os propósito divinos.
ResponderExcluirAqui na minha cidade já escutei gente falando que a enchente ocorrida nos dias 11 e 12 de janeiro teria sido um castigo de Deus...
Eu, embora creia na soberania divina e que nada ocorre sem a permissão do Eterno, não me arrogaria em sentenciar nada, mas tão somente em ouvir os recados que a vida nos dá.
Neste sentido, sabe-se que Deus tem levantado seus profetas do clima - os ambientalistas. Mas a humanidade não os ouve, principalmente os nossos governantes. Então, neste sentido eu entendo que existe um juízo executado pela natureza uma vez que transgredimos princípios estabelecidos pelo Criador.
Ora, na verdade sabemos que o aquecimento global e a má organização das nossas cidades seriam as principais causas imediatas para as tragédias climáticas, tendo no egoísmo humano uma causa mais profunda.
Abraços.
rodrigo, bem colocado a sua observação sobre a moral dos patriarcas. o conceito de deus e como se relacionar com ele vai evoluindo durante a narrativa bíblica, sem dúvida.
ResponderExcluirExato! É em 'Shemot' ("Ele chamou") que o conceito de santidade é estabelecido de maneira clara, na visão da sarça ardente, quando Deus manda Moshé tirar as sandalhas dos pés porque o lugar onde pisava era "terra santa" (Ex 3.5).
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