Para início de conversa, se alguém acha que estou postando hoje um artigo sobre metafísica, enganou-se redondamente.
Neste texto, falarei tão somente da nossa vida terrena após a morte. Ou seja, o que farão de nós aqueles que continuarem, muito embora já não estaremos mais aqui para sabermos. Nem tão pouco para curtirmos ou compartilharmos nas redes sociais da internet.
Talvez muitos pouco se importem com esse pós-vida ou sobrevida enquanto outros se preocupam até demais. Porém, o certo é que isso não se trata de uma discussão tola porque, por razões de responsabilidade consciencial, devemos nos esforçar para transmitir uma influência construtiva, plantando boas sementes. Até pelo fato de que, quando viemos ao mundo, foram as coisas positivas deixadas por terceiros (e não as negativas) que nos auxiliaram na trajetória feita até à presente data.
Entretanto, quer nos esforcemos ou não para transmitir bons exemplos, há coisas que fugirão ao controle da nossa programação da mesma maneira como ocorre com os planejamentos arquitetados para usufruirmos ainda em vida. Em outras palavras, existirão muitas variáveis capazes de dar rumos diferentes.
Geralmente permanecemos na memória até duas gerações depois da nossa e os nossos bisnetos, quer tenham nos visto durante a infância ou jamais nos conhecido pessoalmente, provavelmente só saberão algo a nosso respeito através do que seus pais e avós lhes contarem. E, mesmo assim, a tendência daqui para frente é que, devido ao enfraquecimento das relações familiares, sejamos rapidamente esquecidos. Ou, caso a longevidade vier aumentar a ponto do ser humano conseguir viver os 140 anos, conforme previsto pelo nosso temeroso presidente da República, se um jovem passar pelo seu tataravô na rua, talvez nem saberá que se trate de um dos seus ancestrais.
Retornando ao que vem acontecendo hoje, pois nem sabemos se a expectativa de vida da humanidade irá mesmo aumentar ou se já está declinando, a tendência é que os nossos filhos e netos nos transformem em álbuns digitais de algum site de relacionamentos como o Facebook já que as fotografias convencionais entraram em desuso desde a década passada. E, se virarmos imagens, já não estaremos tão próximos daquilo que ideal e objetivamente compreendemos como realidade.
Certa vez, ao ler os comentários de um rabino, o autor escreveu o seguinte: "o problema das imagens é que elas são enganosas". Não sei se foi o célebre Nilton Bonder quem disse tal frase ou se teria sido outro escritor, mas esse parece ser um motivo plausível pelo qual Moisés proibiu o povo hebreu de produzir figuras esculturais para fins de culto porque se tratariam de ideias corrompidas acerca da Divindade, expressando, na verdade, o ponto de vista do artista.
Bem, prometi não entrar no campo da metafísica e cumprirei. Deste modo, o que pretendo dizer é que, quando formos apenas retratos, os homens farão da nossa imagem aquilo que bem lhe agradarem. A princípio de conversa, a atitude tomada pela maioria dos filhos é de beatificar seu pai e sua mãe, ainda que outros prefiram demonizar o ascendente durante um tempo. Deletamos do passado da pessoa aquilo que não nos interessa para que o ente querido seja refeito conforme à nossa imagem e semelhança.
Até que ponto não foi isso que os cristãos fizeram com Jesus?! Pois de um humilde homem da Galileia, os evangelistas o transformaram num pregador taumaturgo e que se tornou mártir, para então o ressuscitarem e o elevarem à categoria de Messias, e depois Filho de Davi, Filho de Deus até tornar-se o próprio Deus. E, com toda sinceridade, desculpem-me as mentes mais ortodoxas da religião, tenho a desconfiança de que aquele sábio nazareno retratado nos evangelhos pode muito bem ter desejado desconstruir qualquer tipo de messianismo. E no nome de quem os discípulos teriam feito o bem, os agentes da Inquisição cometeram muito mal...
Diante disso, conclui-se que não há razões para termos qualquer apego sobre aquilo que farão de nós amanhã. Tal como os restos mortais de um corpo em decomposição, também a verdadeira pessoa que um dia fomos tende a desintegrar no meio social com o passar dos anos. E os poucos que sobreviverem na memória por mais de três ou quatro gerações, correrão sempre o risco de virar um mito moderno, conforme idealizarem os homens do futuro. Não há como fugirmos disso!
Desejo a todos uma ótima quinta-feira!
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