Na noite deste último sábado (26/03), estava acompanhando num grupo sobre Direitos Humanos do Facebook a postagem de Rita Colaço sobre o esquecimento histórico de umas das vítimas da regime militar - o operário Manoel Fiel Filho, morto sob tortura pelos agentes da ditadura em 17/01/1976. Em sua mensagem, a autora reclamou da falta de solidariedade das esquerdas, lembrando que, 40 anos depois de seu covarde assassinato, a família ainda não foi indenizada pela União pois o processo somente fora ajuizado em 2006. E, numa de suas respostas aos meus comentários, ela assim esclareceu:
"Rodrigo Ancora da Luz não apenas a parcela (pequena) das esquerdas no poder. Mas a quase TOTALIDADE das esquerdas tem responsabilidade na invisibilidade desse assassinato. Não se vê atos em sua memória, como se vê reiteradamente em relação ao do Wladmir Herzog, acontecido nas mesmas circunstâncias, três meses antes, no mesmo local. Do operário não há quase jornalistas que lhe recordem o martírio (exceção a TV Brasil). Do jornalista e judeu (portador, pelas duas filiações, a volumes de capital simbólico incomparavelmente superiores ao do operário e sua família), sempre se vê rememoracoes, livros etc. Do Operário, quase não se sabe. - Experimente perguntar a conhecidos seus sobre um e outro" (clique AQUI para acompanhar o debate)
Esse breve debate, embora tivesse vindo à tona dois meses depois da morte de Manoel ter completado quatro décadas, foi suscitado num momento que considero bem oportuno. Ou seja, justo na noite do Sábado de Aleluia que é considerado véspera para o Domingo de Páscoa, data esta considerada sagrada pelo cristianismo por causa do episódio da ressurreição de Cristo. Segundo relatado no Novo Testamento da Bíblia, após o martírio na cruz, Jesus de Nazaré teria aparecido às mulheres que o seguiam e também aos seus discípulos no primeiro dia da semana, deixando vazio o túmulo no qual fora colocado seu corpo.
Lembro que, quando Brizola faleceu em 21/06/2004, aos 82 anos, lideranças pedetistas passaram a dizer que o fundador do partido "vivia", muito embora os seus restos mortais permaneçam até hoje na sepultura em São Borja (RS). Mais de uma década se passou e o PDT continua preservando-lhe a memória, tendo o seu nome recebido diversas homenagens em vias públicas, monumentos, enredo de samba da escola Inocentes de Belford Roxo (2009) até se tornar recentemente um novo herói nacional. Foi quando a presidente Dilma Rousseff, sancionou a Lei nº 13.229/15, a qual inscreveu o nome de Leonel de Moura Brizola no Livro dos Heróis da Pátria, gravado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
Ora, não é preciso ter mais que meio século nas costas para saber que Brizola foi também governador de dois estados, tendo ele administrado o Rio de Janeiro em dois mandatos. Mas o que dizer daqueles homens e mulheres que jamais saíram das bases da política, tendo enfrentado os canhões da repressão sem poderem preservar suas vidas através de um auto-exílio no exterior? Pois essa foi a luta de Manoel Fiel Filho suicidado na carceragem do DOI-Codi do 2º Exército, em São Paulo.
Por indicação da postagem no Facebook, ao ler a matéria Manoel Fiel Filho: brasileiro, metalúrgico, assassinado, editada por Aécio Amado dia 15/01, numa das páginas da Agência Brasil, pude conhecer um pouco mais da história desse verdadeiro mártir do regime militar, compreendendo a importância que o seu assassinato teve para o processo de redemocratização do país durante o governo de Geisel:
"Assim como Vladimir, Fiel foi morto sob tortura dos agentes da ditadura. A imprensa só soube do acontecido três dias depois, após a divulgação de uma nota lacônica pelo 2º Exército informando que o metalúrgico havia cometido suicídio.Apesar da pouca repercussão, o assassinato do metalúrgico irritou o presidente Ernesto Geisel, que mandou demitir o comandante do 2º Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, praticamente desmontando a máquina de tortura e morte que funcionava no DOI-Codi de São Paulo. A saída de Ednardo não acabou com as violações aos direitos humanos nos porões da ditadura, mas os torturadores passaram a ser mais "cuidadosos" e a linha dura militar perdeu força política dentro das Forças Armadas, o que levou, em 1977, à derrota do general Sylvio Frota, em suas pretensões de suceder Geisel na Presidência da República. O presidente escolhido por Geisel foi o general João Baptista Figueiredo.No próximo domingo, 17 de janeiro de 2016, o assassinato do metalúrgico Manoel Fiel completa 40 anos. E a Agência Brasil apresenta hoje (15) uma reportagem especial sobre esse triste episódio da história do Brasil.A repórter Camila Maciel e a fotógrafa Rovena Rosa foram até a cidade de Bragança Paulista, a 90 quilômetros de São Paulo, onde conversaram com a mulher e as filhas de Manoel Fiel Filho. “Meu marido morreu e salvou a turma que estava presa lá [no DOI-Codi]”, disse Thereza Fiel à Agência Brasil, ressaltando que o assassinato do marido provocou mudanças no tratamento dado aos presos políticos da época.A reportagem entrevistou também Clarice Herzog, mulher de Vladimir, e o jurista Hélio Bicudo, que atuou no processo aberto contra o Estado brasileiro, responsabilizando-o pela morte do metalúrgico."
Embora as páginas sangrentas da ditadura estejam sendo definitivamente viradas nesta década, em que nem os militares de agora pretendem voltar ao poder daquela maneira, descartando qualquer ideia de intervenção na política do país, sempre é bom relembrar o passado e honrarmos os que lutaram bravamente para reconquistarmos a democracia. E, sendo assim, quero compartilhar aqui o vídeo de documentário Perdão Mister Fiel no YouTube para que possamos nos informar melhor;
Tenham todos uma feliz Páscoa!
OBS: A ilustração acima refere-se à sepultura de Manoel Fiel Filho no Cemitério da Quarta Parada, em Água Rasa, em São Paulo. Os créditos autorais da imagem são atribuídos à fotógrafa Rovena Rosa da Agência Brasil.
Conforme li na Wikipédia,
ResponderExcluir"Manuel Fiel Filho saiu do Sítio Gavião, em Quebrangulo, Alagoas, aos 18 anos de idade. Morou na cidade de São Paulo (SP) desde os anos 50. Foi padeiro e cobrador de ônibus antes de se tornar operário metalúrgico na Metal Arte Industrial Reunidas, no bairro da Mooca. Lá trabalhou no setor de prensas hidráulicas por 19 anos. Ele era casado com Thereza de Lourdes Martins Fiel, tinha duas filhas, e morava num sobrado na Vila Guarani.
Na manhã do dia 16 de janeiro de 1976, uma sexta-feira, Manuel foi procurado na Metal Arte por dois homens que se identificaram como agentes do DEOPS e o convidaram a prestar esclarecimentos. De lá os três seguiram para a casa do operário aonde os oficiais realizaram uma operação de busca e apreensão. Após ter a casa revistada Fiel foi autorizado a ficar a sós com sua família por alguns instantes e em seguida entrou no carro dos agentes. O operário foi encaminhado para o DOI-CODI do II Exército e essa foi a última vez que a esposa e as filhas o viram vivo."
Sobre sua morte:
"Segundo relatório enviado à Agência Central do Serviço Nacional de Informações, durante investigação sobre o PCB, foi preso, no dia 15 de janeiro de 1976, Sebastião de Almeida, que apontou Manuel Fiel Filho como seu contato.
Às 8h30 da manhã do dia 17 de janeiro de 1976, um dia após ser levado para o DOI-COID, Manuel foi interrogado por duas horas e depois encaminhado de volta a cela. Às 11h ele foi novamente chamado para uma acareação, que durou 15 minutos e avaliou sua ligação com Sebastião. Dessa vez os agentes concluíram que Fiel recebia de Sebastião, mensalmente, 8 exemplares do jornal a Voz do Operário, o que, diante do regime militar, era motivo suficiente para comprovar sua conexão com o PCB e justificar a prisão.
Ainda segundo o relatório Manuel foi levado de volta a cela após a acareação e visto vivo e calmo, pelo carcereiro de serviço, por volta do 12h15. Já as 13h o carcereiro tomou ciência que 'Manoel Fiel Filho suicidara-se no xadrez, utilizando-se de suas meias, que atou ao pescoço, estrangulando-se'
Às 22h a família foi comunicada do suicídio de Manuel, mas a entrega de corpo só foi realizada com a condição de que os parentes o sepultassem o mais rápido possível e que não se falasse nada sobre sua morte. No domingo, dia 18, às 8 horas da manhã, Manuel Fiel Filho foi sepultado por seus familiares no Cemitério da IV Parada, em São Paulo."