"Jetro, sacerdote de Midiã e sogro de Moisés, soube de tudo o que Deus tinha feito por Moisés e pelo povo de Israel, como o Senhor havia tirado Israel do Egito. Moisés tinha mandado Zípora, sua mulher, para a casa de seu sogro Jetro, que a recebeu juntamente com os seus dois filhos. Um deles chamava-se Gérson, pois Moisés dissera: "Tornei-me imigrante em terra estrangeira"; e o outro chamava-se Eliézer, pois dissera: "O Deus de meu pai foi o meu ajudador; livrou-me da espada do faraó". Jetro, sogro de Moisés, veio com os filhos e a mulher de Moisés encontrá-lo no deserto, onde estava acampado, perto do monte de Deus. E Jetro mandou dizer-lhe: "Eu, seu sogro Jetro, estou indo encontrá-lo, e comigo vão sua mulher e seus dois filhos". Então Moisés saiu ao encontro do sogro, curvou-se e beijou-o; trocaram saudações e depois entraram na tenda. Então Moisés contou ao sogro tudo quanto o Senhor tinha feito ao faraó e aos egípcios por amor a Israel e também todas as dificuldades que tinham enfrentado pelo caminho e como o Senhor os livrara. Jetro alegrou-se ao ouvir todas as coisas boas que o Senhor tinha feito a Israel, libertando-o das mãos dos egípcios. Disse ele: "Bendito seja o Senhor que os libertou das mãos dos egípcios e do faraó; que livrou o povo das mãos dos egípcios! Agora sei que o Senhor é maior do que todos os outros deuses, pois ele os superou exatamente naquilo de que se vangloriavam". Então Jetro, sogro de Moisés, ofereceu um holocausto e sacrifícios a Deus, e Arão veio com todas as autoridades de Israel para comerem com o sogro de Moisés na presença de Deus." (Êxodo 18:1-12; NVI - destaquei)
Estava lendo esta passagem na manhã desta quarta-feira junto com a minha esposa Núbia e me veio à ,mente a ideia de como Moisés, o maior de todos os profetas das Escrituras hebraicas, soube lidar com as diferenças culturais e religiosas no convívio com outros povos.
Enquanto os antigos hebreus estavam adotando o monoteísmo (crença num Deus único), as demais nações possuíam cada uma delas um panteão próprio, praticando o politeísmo. Aliás, isto sempre foi algo constante entre os povos espalhados pelos cinco continentes, sendo comum haver também a concepção de um Deus Supremo.
Contudo, no reencontro entre Moisés e o sogro, este manteve-se de certo modo politeísta. Jetro reconheceu o livramento do Senhor quanto ao cativeiro egípcio dos filhos de Israel e identificou o Altíssimo como sendo "maior do que todos os outros deuses" (verso 11).
O mais interessante nesse episódio foi que Moisés não condicionou o sogro a aderir por completo às suas concepções. Eles celebraram uma espécie de culto ecumênico ao Supremo conforme o costume da época de oferecimento de sacrifícios de animais e fizeram depois uma refeição em conjunto.
Hoje em dia, a palavra ecumenismo é equivocadamente demonizada entre a maioria dos evangélicos brasileiros, os quais vivem engaiolados num prejudicial sectarismo religioso. Qualquer ato de culto coordenado com uma liderança de outra religião, até mesmo com católicos ou com espíritas kardecistas (que também são cristãos), caracteriza-se para eles como "coisa do diabo" e, portanto, um suposto pecado.
Entretanto, ser ecumênico não significa adotar um amálgama de crenças. Antes seria reconhecer aquilo que existe em comum com o outro e buscar um entendimento através das semelhanças ou dos pontos de identificação. Nem que seja em relação às causas sociais mais urgentes.
Outra coisa interessante nessa visita de Jetro a Moisés é que o grande líder dos hebreus se dispôs a aprender algo novo com o culto sacerdote de Midiã, homem com quem teria dividido o mesmo teto por quatro décadas em seu exílio. O sogro, além de resgatar o papel da família, ao trazer para a comunidade israelita a esposa e os dois filhos de Moisés, também passa a dar importantes conselhos nos versículos seguintes de 13 a 27 do capítulo 18 de Êxodo, orientando sobre como poderiam ser julgadas as causas de povo de uma maneira mais organizada. Em sua proposta (obviamente sem o moroso sistema recursal brasileiro), caberia a Moisés decidir os processos mais graves ou relevantes enquanto as demandas simples seriam de competência dos juízes a serem estabelecidos.
Ora, será que os cristãos também não poderiam aprender coisas boas nos contatos com as outras religiões?!
Por que grande parte das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais, ainda prefere dar as costas para a sabedoria milenar de outros povos que tanto produziram conhecimento empírico hoje aplicável nas áreas da Medicina, Filosofia, Política, Economia, Psicologia e em outras ciências mais?
Embora Jetro fosse um midianita e, talvez, descendesse de Ismael e de Abraão, segundo algumas interpretações das fontes textuais dos versos 25 e 36 de Gênesis 37, devemos sempre levar em conta o fato dos diversos povos do planeta acreditarem numa Divindade Suprema. Aliás, diga-se de passagem que, na tradição yoruba, que é a origem do candomblé, vários povos do oeste africano sub-saariano têm em Olorum o Criador do Òrun e do Àiyé, o universo conhecido ou ainda desconhecido por nós. Seria para eles o Ser Superior e Criador dos orixás e da humanidade.
A meu ver, pastores evangélicos e líderes dos grupos afro-brasileiros deveriam se reunir periodicamente para celebrarem o Deus Supremo e combaterem a intolerância religiosa cada vez mais crescente na nossa sociedade durante os últimos anos (lembremos sempre da pedrada que uma menina de 11 anos levou no ano passado quando saía de um terreiro de candomblé na companhia da avó). Logo, estabeleceríamos melhor os limites da convivência, criaríamos um permanente canal de diálogo inter-religioso e formaríamos uma maior abertura para um partilhar de experiências construtivas oportunizando o anúncio das boas novas cristãs sem qualquer domínio cultural, respeitando-se as diferenças.
Assim, acredito que o significado interpretativo de cada língua confessar a Jesus, conforme consta numa das epístolas paulinas (Fp 2:11), inclui um aprendizado não destrutivo das demais culturas. Paulo e outros autores do Novo Testamento, ao esculpirem os fundamentos da futura fé cristã em grego, certamente sabiam o quanto a Igreja precisava ainda se enriquecer recebendo contribuições dos diversos povos com suas literaturas, pensamentos e ciências. Do contrário, todos os escritos apostólicos teriam que ser redigidos nos idiomas semitas da Palestina (hebraico e aramaico) e jamais poderiam tomar de empréstimo aspectos literários ou filosóficos da cultura helênica.
A fim de concluir, torço para que a cristandade abra a mente no decorrer deste século. Desejo que tanto os evangélicos como os seus irmãos católicos convivam com maior proximidade entre si e com as demais tradições religiosas do planeta. E, finalmente, que brote o entendimento comum no lugar da desagregadora discórdia proselitista ainda promovida por diversos pregadores oportunistas.
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