Durante o mês de janeiro, mesmo após o fim do recesso forense (única época de descanso para os advogados), houve ocasiões em que aproveitei intensamente o melhor do meu descanso semanal - o sábado. Um desses dias foi justamente no final de uma semana atribulada com fortes aborrecimentos, irritação e notícias ruins, mas que não me impediram de curtir uma manhã e uma tarde maravilhosas.
CHATOS ANTECEDENTES
Eu havia retornado das curtas férias no município de Mangaratiba (mais precisamente Muriqui), na segunda-feira daquela semana (09/01/2012), e não fora possível embarcar com a minha gata de estimação
Sofia na viagem de volta para casa.
No dia 10/01 (terça-feira), estressei-me ao levar minha avó materna para fazer exames no Hospital Pedro Ernesto da UERJ porque encontrei dificuldades para conduzi-la no andador do táxi até a entrada do hospital. Mesmo os funcionários tendo nos liberado da quilométrica fila de pacientes que também aguardavam para serem atendidos no laboratório da instituição. Lamentavelmente ninguém veio buscá-la numa cadeira de rodas, deixando-nos numa situação bem difícil.
Em 11/01 (quarta-feira), gastei quase R$ 5.500,00 descapitalizando-me e pagando enormes dívidas, sendo que hoje eu e Núbia estamos com uma renda familiar limitada a menos de R$ 2.400,00. Também naquele dia processei a empresa de ônibus Costa Verde para poder trazer de volta a
Sofia de volta pra casa porque Núbia estava sofrendo bastante sem a companhia do nosso animal de estimação.
Na data de 12/01 (quinta-feira), acordei cedo para levar minha esposa a um laboratório em Vila Isabel para coletar sangue. Depois, fiquei muito contrariado com o atendimento da CEDAE e da AMPLA no telefone, sendo que ainda perdi muito tempo falando com a Oi/Telemar paa resolver problemas.
Finalmente, tive em 13/01 (sexta-feira) o meu pior dia. Não que eu seja supersticioso, pois já vivenciei outras sextas-feiras 13 de muita sorte. Só que esta foi de arrasar.
Quando eu estava indo resolver coisas em Niterói, afim de solucionar um problema referente à conta da luz da casa de Muriqui junto à AMPLA e pretendia pegar o formal de partilha do inventário de meu sogro na 8ª Vara Cível daquela Comarca (seu Francisco falecera em 2002), fui surpreendido com duas más notícias: (i) a perda de uma grande causa no STJ; (ii) o indeferimento da medida de antecipação da tutela no processo contra a Costa Verde para trazer a nossa gata antes da sentença.
O fato da Justiça não ter reconhecido a tutela antecipada no caso da gatinha só veio a aumentar a tristeza de minha mulher naqueles dias. O entendimento da magistrada que apreciou meu pedido foi que:
“(...) não se tratando de hipótese em que está em jogo direito à vida ou à saúde, deve-se respeitar o contraditório, erigido a princípio constitucional, no capítulo dos direitos e garantias fundamentais, sendo necessário aguardar a oportunidade conferida à parte ré de apresentar defesa”.
Com isto, a decisão determinou que aguardássemos a sessão conciliatória designada para o dia 26/04/2012 (justo no aniversário de Núbia), a qual está marcada para às 12:45 no IX Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro, bairro Maracanã.
Conforme eu muito bem aprendi com um advogado e ex-vereador de Nova Friburgo pelo PSB, de decisão judicial ou nós cumprimos ou recorremos. Logo, por mais insatisfeito que eu tenha ficado, prefiro limitar meus comentários ao posicionamento da juíza apenas noticiando aqui o que ocorreu no processo. E, em falar nos recursos, confesso que como profissional tenho o hábito de não me conformar facilmente com as sentenças acórdãos desfavoráveis nos meus processos.
Foi justamente devido ao meu inconformismo que, anos atrás, havia conseguido uma surpreendente multa diária de R$ 10.000,00 em sede de segunda instância numa ação movida em face do DER, Estado do Rio de Janeiro, três empreiteiras poderosas e mais um consórcio formado pelas mesmas para a execução das obras de alargamento e pavimentação da rodovia RJ-142 em 2006. Com o acórdão favorável da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça daqui, eu já estava calculando uma dívida de milhões para o meu cliente receber por causa do descumprimento da decisão praticado pelos réus, fazendo os cálculos de quanto talvez receberia de honorários num percentual de 20%.
Aconteceu, entreanto, que uma das empresas havia recorrido ao quase inacessível Superior Tribunal de Justiça, mesmo contrariando outros posicionamentos de magistrados do próprio STJ sobre o assunto. Então, vim a amargar uma das piores derrotas de minha carreira capaz de fazer esquecer a brilhante vitória que tivera em 2005 contra o cantor Zezé di Camargo meses depois de ter começado a exercer a advocacia.
Lamentavelmente, o meu recurso fora distribuído perante o sistema do STJ pelo número da inscrição da OAB de meu colega sem que eu soubesse deste fato. Aí o ministro anulou monocraticamente o acórdão do Tribunal Estadual que havia beneficiado meu cliente e, quando a decisão publicou no Diário Oficial, eu nada fiquei sabendo pelo outro advogado para poder interpor o recurso de agravo regimental afim de que o órgão colegiado julgador reapreciasse as posições do magistrado. Assim, eu só vim a ficar sabendo do que ocorrera em 13/01, quando publicou uma despacho do desembargador daqui do Rio mandando cumprir o que fora determinado pelo julgador de Brasília.
Bem, uma falta grave dessas poderia custar-me o pouco que tenho de patrimônio numa ação indenizatória movida pelo meu cliente contra mim se o outro advogado que me auxiliou na causa não fosse o próprio filho dele. Todavia, com aquele resultado, o meu sonho de adolescente em me tornar um homem de sete dígitos (um milionário) antes do 40 foi por água abaixo. Um desejo que, por anos, idolatrei decadentemente, mas que, neste últimos anos, já não ocupava mais tanto espaço no meu coração.
Os contatos com este colega de profissão naquela sexta-feira 13 não foram totalmente agradáveis. Ao acompanhar o processo no Tribuna de Justiça do Rio, logo após ter resolvido todas as minhas tarefas com sucesso em Niterói, verifiquei que nada poderia ser feito referente à anulação decidida pelo STJ. Aí preferi encerrar qualquer discussão acerca do mau acontecimento e tratar de esfriar a minha cabeça descansando no sábado.
O SÁBADO
A palavra sábado vem do hebraico
Shabat, o que significa “cessar”. Biblicamente, o novo dia iniciava-se com o por do sol e não pela manhã. Por este motivo, judeus e cristãos adventistas começam a celebrar a guarda o santificado repouso semanal já no fim da tarde de sexta-feira e não a partir da meia noite.
Atentando-me para a significação bíblica do
Shabat, eis que resolvi preparar-me para o repouso semanal na própria tarde do dia 13/01/2012, uma sexta-feira. Fiz os últimos contatos pelo Facebook da casa de minha mãe (eu ainda estava sem internet) e vim descansar ao lado da esposa como bem orienta um livro cabalista – o
Zohar. E assim passei aquela noite tentando evitar que a multidão dos pensamentos perturbassem minha paz.
Enquanto a maioria das pessoas neste país e ao redor do mundo nem conseguem uma moradia digna para habitar, como poderia eu sentir-me frustrado por não ter conseguido me tornar um milionário antes dos quarenta?!
Meses atrás do recebimento da má notícia, eu já havia decidido estudar pra ser um servidor do Tribunal de Justiça afim de alcançar uma renda que fosse tão somente satisfatória para minhas necessidades e continuar curtindo com simplicidade a vida que o Criador tem me ensinado a experimentar. Porém, com o recebimento da notícia, deixei-me abalar com a perda de um dinheiro incerto. Algo que meu cliente e eu poderíamos receber ou não porque, infelizmente, em casos deste tipo, o Judiciário vem reduzindo os valores em sede de execução das multas diárias contra inúmeras empresas com o argumento de impedir o “enriquecimento sem causa”.
Para não permanecer desenvolvendo angústias e frustrações na mente, o melhor a se fazer é praticar atividades libertadoras. Assim, uns vão aos sábados para suas sinagogas ou igrejas. Outros, que não seguem religião ou que se congregam em outro dia com seus irmãos de fé, podem muito bem fazer passeios, caminhadas, estar com a família, ouvir música, praticar um esporte diferente da rotina habitual ou mesmo envolver-se com alguma devoção alternativa a Deus. Eu mesmo optei por praticar o
Shabat a partir de 2010 porque não conseguia descansar no primeiro dia da semana por frequentar igreja aos domingos. Ainda mais se fosse a dois cultos no mesmo dia.
Naquele dia, tanto pra mim que sofria com a vergonha da falha profissional (e com a perda da chance de ficar “rico”), quanto pra minha esposa Núbia que sentia saudades de Sofia, fizemos bem em levar minha avó materna para passear na praça do bairro ao invés de ficarmos em casa nos lamentando. Fomos pouco depois das nove na casa dela. Núbia arrumou-a e saímos pela rua conduzindo vovó na cadeira de rodas.

Transportar um idoso cadeirante pelo Rio de Janeiro não é nada fácil! Principalmente quando a grande maioria das ruas da Zona Norte não estão adaptadas para pessoas portadoras de necessidades especiais ou idosos em situação debilitada. As calçadas daqui do bairro Grajaú encontram-se esburacadas e os motoristas ainda estacionam seus carros em locais indevidos. Felizmente, às vezes, pode-se contar com a gentileza de pessoas que se sensibilizam visto que alguns condutores até param esperando-nos concluir a travessia e ainda há outros que chegam a prestar algum auxílio como fez um ciclista no posto de gasolina ajudando a encher os pneus murchos da cadeira de rodas.
Depois da passagem pelo posto, fomos à praça Edmundo Rego, bem aqui no Centro do Grajaú. É onde fica a Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, uma das opções de visita turística na Zona Norte da Cidade Maravilhosa, embora não tão representativa quanto à famosa Igreja da Penha. Só que é justamente passando um final de semana aqui que um visitante pode observar o curtir o lazer da família carioca numa praça bem propícia para a convivência humana capaz de superar muitos outros bairros da Zona Sul.
Além da tradicional paróquia, a praça dispõe de brinquedos para divertir o público infantil e da terceira idade com uma academia de ginástica ao ar livre para os velhinhos se exercitarem. É patrulhada continuamente por uma cabine de Polícia Militar e conta com um razoável comércio: duas agências do mesmo banco ITAÚ, uma padaria que funciona também como restaurante e lanchonete, um restaurante, duas farmácias, dois supermercados, duas lanchonetes, um boteco e uma casa lotérica. Aos finais de semana e, principalmente, aos domingos, moradores armam ali suas barracas de artesanato, sendo possível encontrar uns doces caseiros também. E praticamente todos os dias o logradouro é frequentado por aposentados jogadores de dama e xadrez, mães com seus bebês, muitos idosos e gente passeando com cachorro. Se o calor aperta, existem bancos debaixo da aprazível sombra de umas árvores trepadeiras em dois cantos da praça.
Eu, Núbia e vovó Marisa descansamos do sol forte de janeiro numa dessas sombras agradáveis. Ela na cadeira de rodas e nós sentados num banquinho de madeira. Ali conversamos por algum tempo e procurei hidratar-me bebendo um tereré com água mineral, saudável vício que passei a cultivar depois de ter visitado o Pantanal em 1999. Mas a vovó ficou apenas tomando água na temperatura ambiente em seu copo de plástico enquanto Núbia envenenava-se com um Coca-Cola. E nisto uma senhora com sua cachorrinha veio sentar-se no banco em frente e pôs-se a conversar conosco.
Sem que eu esperasse, os sinos da igreja acusaram meio dia, embora fosse horário de verão. Permanecemos por mais um pouquinho ali e depois fomos amenizar a fome comendo algo no Girão Lanches. Vovó já estava apertada para ir ao banheiro e Núbia precisou ajudá-la nesta hora.
Posteriormente pensei. Para uma pessoa idosa e com a sua saúde debilitada, de que adiantariam ganhar milhões de reais ou de dólares? Pois, se o dinheiro é apenas um meio pelo qual tentamos satisfazer algumas das nossas necessidades, pouca coisa acrescentaria na vida de alguém como no caso de minha avó, exceto se for para lhe proporcionar um tratamento de saúde com mais dignidade. Pois, ainda que ela pudesse consultar-se com os melhores médicos e se livrar do precário atendimento no Hospital Pedro Ernesto, o amor da pessoas é algo que jamais pode ser comprado com dinheiro e às vezes nem mesmo a saúde. Logo, qualquer acúmulo de bens materiais nos últimos anos de vida de uma pessoa seria a mais pura ilusão tal como é o apego a qualquer coisa deste mundo nas demais faixas etárias. E assim como morreu o José de Alencar no Hospital Sírio-Libanês, o pobre com câncer despede-se desta vida num leito do INCA ou numa outra unidade pública de saúde qualquer. Ou ainda em sua própria casa fazendo chá de ervas com orações sem nem ao menos ter a sua doença devidamente diagnosticada pelos médicos.

Após o lanche, voltamos pra casa de minha avó que fica numa antiga vila da Rua Engenheiro Richard, a principal via do bairro e cheia de tamarineiras que homenageia o nome do maranhense construtor do bairro (ver foto ao lado). Segundo a história do Grajaú, os seus idealizadores, na primeira metade do século XX, foram engenheiros de Minas Gerais e da Região Nordeste. Daí, muitas ruas levaram o nome de cidades mineiras ou nordestinas. E o próprio nome da localidade é uma homenagem ao município maranhense de Grajaú.
O começo de tarde daquele sábado fez-me lembrar os velhos tempos de infância em que tomei um refrescante banho de mangueira. Eram cerca de duas horas da tarde quando resolvi fazer isto na vila. O calor estava escaldante e a água até chegou a sair um pouco morna da bica, de modo que, naquele momento, apenas faltava uma piscina Tone, coisa considerada como o cúmulo da breguice suburbana pelos cariocas mais elitistas.
Terminado o almoço, Núbia já não se aguentava de sono e retornou pra casa afim de dormir. Eu, porém, sentia-me cheio de disposição e estava turbinado com as anfetaminas da erva mate quando havia tomado tereré na praça. Deixei minha esposa no apartamento e fui pro Parque Estadual do Grajaú caminhar.

O Parque Estadual do Grajaú, com seus 55 hectares de área, é uma das maiores atrações paisagísticas do bairro, apesar de desconhecido pela maioria dos cariocas e moradores do Rio. Foi criado no final dos anos 70 com a denominação de Reserva Florestal do Grajaú por meio do Decreto Estadual nº 1.921, de 22 de junho de 1978, atendendo a uma reivindicação dos moradores do bairro e da Sociedade dos Amigos da Reserva do Grajaú, vindo a se tornar desde então um ambiente de lazer da comunidade. No começo do século, a unidade foi transformada em parque para melhor adequá-la ao artigo 55 lei do SNUC, através do Decreto Estadual nº 32.017, de 15 de outubro de 2002. E, tempos depois, a sua administração foi transferida à Prefeitura do Rio de Janeiro (2007) juntamente com o Parque da Chacrinha em Copacabana.
Quando criança, frequentei a antiga reserva com minha família. Papai, mamãe, vizinhos e professores do jardim de infância levaram-me lá por diversas vezes, o que criou em minha mente uma forte identificação com o verde desde cedo. Eu olhava para o Bico do Papagaio, uma pedra com mais de 400 metros de altitude, e desejava um dia subir até lá em cima.
Por volta dos 12 ou 13 anos, já um pré-adolescente com fortes sinais da puberdade pelo corpo mas com quase nenhum pingo de juízo na cabeça, decidi ir sozinho até o Bico do Papagaio. E ainda repeti a experiência uma outra ocasião naquela época, sem ter sofrido nenhum machucado grave, mas tive o privilégio de me maravilhar com a vista da Baía de Guanabara com a Ponte Rio-Niterói ligando as duas cidades.
Desta vez, porém, contentei-me em subir só até à base da grande pedra do Grajaú. Dali mesmo, numa altura menor do que o topo, com segui reconhecer muito mais coisas do que no começo de minha transição para a idade adulta. Além da Ponte e das águas salgadas da Guanabara, olhei para o fundo da baía e identifiquei com facilidade a Serra dos Órgãos com o Dedo de Deus e a Pedra do Sino, ambos entre os municípios de Guapimirim e Teresópolis. E, bem ao longe, estavam as serras que dividem Cachoeiras de Macacu com Nova Friburgo, cidade na qual morava até recentemente em dezembro de 2011.

O Parque do Grajaú é, sem dúvida, uma península das matas da Tijuca cercada por um mar de CO² por todos os lados. Lá de cima, pode-se contemplar a parte plana do vale do rio Maracanã e de alguns de seus afluentes, passando por antigas florestas e manguezais da época do descobrimento que deram lugar a uma selva de pedra com seus edifícios e ruas asfaltadas. Todavia, se o excursionista tiver uma dose boa de imaginação, ele conseguirá despir a cidade de sua sufocante indumentária de concreto e, no lugar dos prédios e, deste modo, visualizar naquele cenário uma natureza ainda conservada com tribos de índios morando na planície e a onça pintada passeando pelos arredores. Assim, em lugar da poluição que tano afeta a baía de Guanabara devido ao despejo do esgoto e aos constantes vazamentos de óleo, imaginaríamos peixes, golfinhos e até baleias em suas águas mansas. Um ambiente que lembraria não apenas o passado como pode nos ajudar na projeção de um futuro com sustentabilidade.
Do alto do Parque do Grajaú também é possível idealizar um Rio de Janeiro melhor, sem violência, livre das injustiças sociais e da corrupção de seus governantes. Podemos pensar num Rio com uma população mais harmonizada com a vida em que cada qual consiga reconhecer no outro um igual, sem cultivar dentro de si o medo da aproximação, mas transformando o temor em amor.
E por que não desejarmos uma cidade melhor?
Mas voltando a falar das escaladas aos morros, fico pensando que, com mais conhecimento aprendido sobre a vida, não sentimos mais a necessidade de subirmos tanto. Por volta dos 12 anos, do todo daquela pedra, eu jamais conseguiria decifrar as imagens daquele cenário da mesma maneira que fiz desta última caminhada no parque ou quando levei minha esposa ao Corcovado este mês. Um adolescente criado em cidade nem sempre consegue perceber que toda aquela edificação de casas, lojas, clubes, shoppings e igrejas foi construída sobre uma natureza viva. Porém, as experiências que tive com minhas caminhadas ecológicas durante anos por Nova Friburgo e região ajudaram-me bastante nesta interpretação do ambiente.
Inegavelmente que qualquer quantia se tornaria dispensável para viver tal momento, exceto o suficiente para as minhas necessidades nutricionais básicas. Tivesse com o bolso vazio ou com uma conta bancária com sete dígitos daria tudo no mesmo já que nada pagamos para respirar e existir. Estar num lugar como aquele basta poder andar, ter olhos e viver, sendo que, até mesmo para quem não consegue caminhar com autonomia, a exemplo de minha avó, as asas do pensamento já seriam suficientes quando a Divina Presença nos satisfaz por completo.
Deixei o Parque do Grajaú e ainda caminhei mais um pouco pelo bairro, parando para beber uma água mineral na Praça Nobel. Mais tarde, tomei um mate em uma padaria em outra rua onde puxei papo com duas jovens que trabalham naquele estabelecimento. Uma delas veio contar-me sobre o seu sonho de futuramente estudar e se advogada.
Achei por bem não encorajá-la, pelo que lhe mostrei um pouco da realidade forense sem contaminá-la com as minhas frustrações do momento. Mas é claro que não dava para evitar que os sentimentos ruins decorrentes da última decepção jurídica de minha vida saíssem pelas minhas palavras. Afinal somos humanos e nos ressentimos com facilidade das coisas com as quais nos apegamos. E, por mais que tentemos, ainda assim é difícil evitar o apego.
Outra coisa interessante que pude refletir naquele sábado foi que, se a advocacia forense tornou-se para mim um estorvo e um mar de preocupações e de decepções, o mesmo não poderia afirmar acerca da realidade daquela jovem de condição humilde.
Trabalhando aos sábados e, às vezes, até nos domingos, certamente seria uma considerável oportunidade para aquela menina poder defender os seus clientes na (in)Justiça brasileira. Mesmo sendo em causas mais simples como as ações de Vara de Família, em Vara de Trabalho, no crime ou de Juizado Especial Cível, coisas que não costumo pegar. Pois a angustiante vida n a advocacia contenciosa ainda é bem mais preferível do que depender de um trabalho massacrante dentro de uma padaria que em muito faz lembrar a escravidão. E sem esquecer também da valorização que a nossa sociedade medíocre ainda atribui às pessoas com curso superior, dando aos advogados, médicos e engenheiros um status de “doutor” mesmos sem a diplomação no doutorado.
Quantos pobres neste país não sonham em um dia conseguir qualquer diploma de graduação universitária para desfrutarem de uma vida melhor? Pois enquanto os metidos a rico da classe média ficam fazendo vestibular pensando em ser médicos, juízes, auditores ficais, executivos de multinacionais ou grandes empresários, qual é a expectativa comum da pessoa mais pobre? Penso que, mesmo se alguém humilde sonha com tais profissões, muitas delas primeiro preferem tentar subir o “degrau” de enfermeiro, assistente social, professor, ou técnico em alguma área, o que é mais comum. E, dentro do Direito, ser apenas um advogado já proporciona algum respeito dentro da sociedade onde vivemos.
Chegando em casa ainda com dia claro, encontrei Núbia acordada e telefonando no sofá da sala. Tomei aquele banho refrescante no chuveiro e celebramos o final do Shabat ouvindo um CD da Sarah Brightman. Minhas forças já se encontravam renovadas para mais uma semana de lutas que, biblicamente falando, só estava começando com o anoitecer.
OBS: Todas as imagens acima, exceto o símbolo do Parque Estadual do Grajaú, foram extraídas da Wikipédia. A primeira refere-se ao Bico do Papagaio que é a maior elevação geográfica do bairro Grajaú e uma das maiores atrações do parque, sendo parte integrante do acervo de conteúdo livre da
Wikimedia Foundation que pode ser utilizado por outros projetos. A segunda foto, também encontrada no acervo virtual da Wiki, tem a indicação apenas do nome do seu autor (Junius), o qual teria dedicado-a ao domínio público de obras. Quanto á terceira imagem, também de domínio público, parece ser oriunda de um outro acervo de coisas antigas acessado pela Wikipédia e que foi caracterizado como Photographias Ouvidor. A quarta imagem trata-se do símbolo do Parque Estadual do Grajaú e eu a encontrei no
site do
INEA, entidade da Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro. A quinta foto é uma vista parcial das matas do Grajaú e está sendo divulgada nas mesmas condições que a primeira imagem. E, finalmente, a sexta foto refere-se à Praça Nobel também situada no bairro, mais próxima da comunidade de Nova Divineia com autoria atribuída ao Junius pela Wikipédia.