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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

O julgamento do pastor Estêvão

Era um domingo muito tenso na reunião da Igreja. Ao invés de estarem todos se confraternizando e louvando a Deus, os membros da congregação compareceram ali para acompanhar passivamente o conselho eclesiástico decidir pela expulsão do pastor Estêvão.

O pastor Estêvão era um homem muito popular e querido pelos evangélicos, católicos e até por pessoas da cidade que não seguiam a nenhuma religião. Promovia diversas atividades sociais, bem como organizava protestos contra os políticos corruptos, o que incomodava bastante os interesses dos poderosos e dos líderes eclesiásticos locais. Contudo, nada podia ser dito contra a sua reta conduta. Ele apenas era visto com desconfiança por sua posição teológica liberal pelos que tinham mais apego doutrinário à ortodoxia. Só que, desta vez, o ousado pastor tinha deixado perplexos os crentes conservadores daquele lugar. Na semana anterior à reunião, Estêvão fora denunciado ao bispo presidente do conselho por ter celebrado uma união homo-afetiva entre duas lésbicas.

Para que o estatuto da igreja fosse cumprido, uma assembleia geral precisou ser convocada e o pastor Estêvão teria que ser ouvido. E foi o que prontamente fizeram os principais conselheiros porque aquela era a grande chance que tinham para afastar da liderança o irmão herege e perturbador do sistema econômico e social.

Levantando-se no meio de todos, após ter cumprimentado os irmãos com a "paz do Senhor" e explicado porque estavam todos reunidos ali, o bispo Ananias passou a inquirir o réu:

- “É verdade isto que andam falando a seu respeito? Tem quinze minutos para se defender”

A esta pergunta respondeu o pastor Estêvão, deixando sua cadeira e tomando o microfone:

- “Meus queridos irmãos e irmãs. Por favor, sejam capazes de me ouvir. Como ensino aos meus alunos do seminário, o glorioso Deus inspirou os autores da Bíblia afim de orientarem o povo de Israel na sua caminhada histórica. Porém, todos eles foram homens de carne e osso, iguais a mim e a vocês, cujos corações sentiram-se motivados para escrever coisas que, conforme seus valores, consideravam serem as corretas. E deste modo, de acordo com a necessidade do povo, ensinaram preceitos direcionados à realidade social da época, fazendo tudo com sensibilidade, mas sempre dentro de seus valores culturais e pessoais. Ao terem testemunhado diante da nação israelita, seus discursos foram atualizados em conformidade com o novo contexto histórico da época dos escribas redatores dos textos bíblicos nas gerações seguintes. E foi desta maneira que surgiram os escritos das partes da Bíblia que a cristandade chama de Antigo Testamento e o mesmo se aplica ao Novo Testamento.”

Até aí muitos ouviam aquelas palavras com alguma admiração. Outros, porém mais versados na doutrina religiosa, levantavam desconfiança em seus corações. Só que a grande maioria mal conseguia acompanhar o que estava sendo discursado. Mas assim mesmo o pastor Estêvão prosseguiu:

- “Um dia, veio ao mundo um homem chamado Jesus da descendência do rei Davi e do patriarca Abraão, como muitos outros judeus na sua época. Ele começou sua atividade ministerial andando entre os pobres e pregava sobre o Reino de Deus e a prática do amor. Em volta dele, juntaram-se pessoas de todos os tipos: ladrões, prostitutas, coletores de impostos, leprosos e toda a ralé do Galil. E creio que até muitos homossexuais deveriam segui-lo também, apesar deste detalhe não ter ficado registrado nos evangelhos oficiais e nem nos apócrifos. Porém, o que importava era que Jesus não condenava a ninguém pelo seu modo de ser ou falhas de caráter. Ele aceitava o outro incondicionalmente! Certa vez absolveu uma mulher adúltera que iria ser apedrejada dizendo aos seus acusadores que atirasse a primeira pedra quem nunca pecou. Em outro episódio, quando seus discípulos foram acusados por alguns religiosos de profanarem o sábado, Jesus lembrou aqueles fariseus provincianos do que Davi fizera na vez em que seu bando precisava urgentemente de comida, pelo que fora ao sacerdote Abiatar pedir que fossem dados os pães exclusivos do santuário para a satisfação de uma necessidade vital. E isto Jesus disse-lhes para mostrar que o direito à vida está acima de qualquer lei porque antes de tudo é preciso cuidar da sobrevivência e do bem estar do seu próximo.”

Neste momento, em que membros do conselho eclesiástico estavam prontos para contra-argumentarem e pedirem uma parte na palavra, o pastor Estêvão, ao perceber que novamente iria encarar uma discussão teológica inútil, resolveu propositalmente radicalizar o seu discurso:

- “Agora ouçam, ó homens egolátricos, insensíveis para ouvir e meditar nas coisas espirituais, vocês sempre resistem ao vento evolutivo da história. Assim como aqueles fariseus medíocres e invejosos do interior da Galileia teriam perseguido a Jesus, vocês fazem a mesma coisa. Pois como vou negar a um homossexual nascido nesta condição o direito de ter um relacionamento afetivo com alguém com quem possa se relacionar intimamente? Que poder tem uma meia dúzia de versículos de uma Bíblia escrita por homens para impedir duas pessoas do mesmo sexo de serem felizes da única maneira que elas conseguem ser? Mas se os evangelhos contam que os religiosos da época de Jesus teriam tramado suas ciladas contra ele, vocês que se consideram detentores das tradições cristãs e pensam serem donos de Deus estão praticando o mesmo pecado. Vocês cujos ancestrais espirituais receberam as boas novas pelo testemunho apostólico e não guardaram a sua essência!”

Quando ouviram isto, os conselheiros da igreja ficaram furiosos, taparam os ouvidos e começaram a ranger os dentes contra o pastor Estêvão, clamando:

- “Herege! Herege!”

Já outros chamavam-no de “ateu”, “pecador”, “pederasta” e até de “pedófilo”. Porém, mesmo em meio aos gritos furiosos e irracionais das pessoas presentes, eis que, naquele momento, o pastor Estêvão ainda conseguiu dizer suas últimas palavras usando o microfone da igreja:

- “Quando olho para o céu, sinto como se Jesus, sentado do lado do Pai, estivesse de pé encorajando-me a continuar levando estas boas-novas da inclusão e ministrando a Santa Ceia aos nossos irmãos gays e lésbicas.”

Com a aprovação do bispo, um jovem chamado Saulo, estudante do seminário teológico e que tinha um blogue sobre apologética cristã na internet, resolveu intervir, desligando primeiramente o microfone que estava nas mãos do pastor Estêvão.

Virgem, reprimido sexualmente, sem nunca ter namorado e se considerando zeloso das tradições dos evangélicos, o rapaz fazia de tudo para agradar o bispo que também era o reitor da faculdade. Ambicionava algum dia ocupar o lugar de Estêvão de depois de Ananias, após se formar.

Sem nenhum respeito pelo pastor e professor, Saulo chegou por detrás do seu mestre, agarrou-o com violência e o colocou à força pra fora do templo:

- “Seu blasfemo e enganador! Fora da casa de Deus! É por causa de falsos irmãos como você que o nome de Cristo é ridicularizado entre os ímpios. Saia daqui!”

Seguindo Saulo, muios conselheiros ali presentes continuaram clamando contra o pastor Estêvão. Uns tentaram até exorcisá-lo. E, quando chegaram na porta da igreja, ele foi empurrado escada abaixo. Porém, ainda disse:

- "Senhor, perdoa-os porque esses homens não compreendem o que estão fazendo."

Ainda naquele dia, Saulo liderou uma manifestação de evangélicos e católicos fundamentalistas pelas ruas da cidade afim de protestarem contra o homossexualismo e o casamento gay. E, no meio dos religiosos, estavam também uns neonazistas e muitos machistas homofóbicos infiltrados.

Quanto ao pastor Estêvão ele foi tratado como se estivesse morto pela comunidade eclesiástica local. Os evangélicos moradores da cidade passaram a não mais convidá-lo para entrar nas suas casas. Nenhum outro pastor permitiu mais que Estêvão pregasse em púlpito e houve até gente que deixou de cumprimentá-lo na rua virando a cara, além de que a faculdade teológica dispensou-o de suas funções. Contudo, alguns homens e mulheres verdadeiramente piedosos aproximaram-se de sua pessoa e juntos lamentaram por causa da ignorância do povo.


OBS: A ilustração acima refere-se à obra Apedrejamento de Santo Estevão, obtida por intermédio da Wikipédia.

17 comentários:

  1. Para quem conhece um pouco da Bíblia cristã consegue identificar facilmente que este relato ficcional está baseado no que Atos dos Apóstolos conta acerca de Estêvão, mais precisamente entre o verso 8 do capítulo 6 até o v. 2 do cap. 8.

    Embora eu ainda não tenha posição definida se como pastor celebraria uma cerimônia de compromisso gay ou lésbico, decidi através desta ficção dar enfoque nesta importante questão que a cada dia ainda me faz refletir e questionar os fundamentos da minha crença na Bíblia.

    Deixo implícito no texto que o maior preconceito ainda reside nas questões sociais relacionadas à pobreza, embora a homofobia ainda seja um poderoso instrumento dos poderosos para desviar o pensamento das massas e canalizar a energia da revolta contra as minorias.

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  2. Deixando a questão homoafetiva de lado Rodrigão, esse pastor fictício nada mais é do que o retrato bem definido de muitos que não estão mais encontrando seu espaço no meio religiosdo devido a intransigência, ignorância e falta de amor para com o ser humano que é a razão de a bíblia existir, e não o contrário.

    Minha oração é que mais Estevão's como esse nasçam no coração dos inconformados com a rigidez da letra em detrimento do ser humano!

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  3. Muito boa crônica! Excelente, diria eu! Amado, peço-lhe licença para posta-la em meu blog, mantendo sua autoria bem como o link de seu blog e o devido registro da obra em seu nome. Devo faze-lo hoje na parte da tarde.

    Grata por proporcionar-me tal leitura e pelo prazer de estar conhecendo seu blog. Já me fiz seguidora e se vc quiser fazer uma visita ao meu ficarei grata, ainda mais se tiver vc entre um dos que seguem meu blog.

    Grata,
    Anja
    http://omundodaanja.blogspot.com/

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  4. Olá, Franklin!

    Você fez uma boa leitura do texto. Mesmo sem entrarmos no mérito da questão homoafetiva, ponto que ainda estou em dúvida se celebraria ou não um casamento gay (por enquanto tenho só considerações não conclusivas sobre o assunto), percebo que o irmão enchergou mais além desta situação.

    Recentemente o nosso mano RICARDO GONDIM foi um dos últimos pastores a romper com este movimento que se diz "evangélico". E não muito diferente dele, eu também já não integro mais este evangelicalismo religioso.

    Ainda que seja possível dialogar com alguns pastores e comunidades (até certo ponto), mesmo assim fica difícil desenvolver um trabalho em conjunto com as "igrejas" por causa das diferenças de propósito, doutrinas fechadas, hipocrisia, institucionalismo esmagador que ainda é sobreposto às pessoas, falta de participação nos assuntos da comunidade, ausência de auto-pesquisa, sectarismo em relação às outras religiões, pretensão de absolutizar o conhecimento sobre a verdade, submissão à autoridade de líderes a ponto de levar as pessoas a terceirizarem suas escolhas existenciais, investimentos que fazem na emoção ao invés de desenvolverem a racionalidade, lavagem cerebral, apologia a uma falsa moral de santidade, adequação de pessoas através da coerção psicológica (se o sujeito não aceitar aquele conjunto de crenças não poderá ser salvo), auto-sugestionamento, proselitismo, acentuação de culpas, bibliolatria, mistificações sem sentido, etc.

    Todas estas coisas eu vi e continuo vendo no movimento que se diz evangélico e cheguei à conclusão de que é muito difícil senão incompatível lutar pelos valores do Reino de Deus quando as lideranças daquele conjunto religioso continuam atrapalhando. Ou seja, você planta algo no meio "evangélico" e vem um líder com práticas e interesses que levam ao desfazimento, infantilizando o povo e dando às pessoas as mesmas muletas psicológicas de sempre.

    Enfim, penso que, com raras exceções, ainda é possível continuar dialogando com os que se consideram evangélicos. Não que eu seja radical, mas sim porque os propósitos não batem e aí cada qual precisa "procurar sua turma". Logo, também tô fora desse evangelicalismo retrógrado.

    Grande abraço.

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  5. Prezada Anja,

    Seja bem vinda ao meu blogue!

    Você tem toda liberdade de postar este texto e outros que também se interessar no seu espaço.

    Também te agradeço pelas suas palavras que muito me encorajam e contribuem.

    Vou visitar seu blogue.

    Valeu!

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    1. Grata querido, perceba que muitas das publicações eu tenho o cuidado de registrar (uma licença gratu ita fácil de conseguir, aconselho que vc faça isto com seus textos) eu tomei a liberdade de registrar o seu (em seu nome, claro) citando seu blog como fonte e o link em que fiz a postagem em meu blog. Espero que não se importe! Grata!

      Anja

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    2. Vou tentar postar a licença de seu texto aqui:
      O julgamento do pastor Estevão de RODRIGO PHANARDZIS ANCORA DA LUZ é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Brasil.
      Based on a work at doutorrodrigoluz.blogspot.com.

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    3. Se vc observar em blog a sua postagem, esta licença c/ o logotipo está bem abaixo da postagem. Grata!

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  6. Amiga! Eu é que te agradeço pela divulgação e pelas dicas.

    Já estou seguindo seu blogue!

    Abraços e um ótimo descanso semanal.

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    1. POxa!!! estamos praticamente on!! haha já vi vc lá no meu blog nos seguidores é uma honra! Vou add vc ao meu face e gostaria muito que participasse de meu grupo de debates. É um grupo plural onde há teístas, deístas, ateístas, budistas, feiticeiros, gays, héteros, vixiii rsrsrs e claroi uma anja que toma conta de todos!!! hahaha

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  7. Em tempo!

    Por enquanto eu tenho permitido uma divulgação ampla dos meus textos. Até com fins comerciais. Pois já que se tratam de boas novas, desejo que elas cheguem a todos.

    No entanto, a dica que deu é caiu bem para quando eu escrever algo de interesse profissional já que, neste caso, seria produção de conhecimento.

    Vou pensar.

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    1. Sim, ok, foi bo vc falar, eu tenho tomado estas medidas pq tive alguns de meus textos e de meu colaboradores (se vc percebeu em meu blog tenho alguns cronistas e colaboradores entre eles Ricardo Gondim como um dos colunistas) plagiado descaradamente! oc ara postou texgtos meus e do Daniele como sendo de autoria dele. aff rsrs (já te add ao face ok? é só aceitar (se for de sus vontade claro) Bjux paz

      Anja

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  8. Talvez você queira conhecer a nossa confraria teológica Logos e Mythos:

    http://logosemithos.blogspot.com/

    Ali debatemos bastante sobre Teologia e acredito que poderá contribuir bastante cum suas ideias, comentários, participação nos artigos e textos.

    Dá uma olhada lá!

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  9. Olá, amiga!

    Independentemente de você colocar o aviso sobre divulgação em seu blogue, seus direitos autorais já extão protegidos pela legislação. Basta que se faça prova da anterioridade.

    Por outro lado, citações de textos de qualquer autor são sempre permitidas pela lei porque se trata da produção do conhecimento. Por exemplo, se o autor de um livro ou um mestrando em Teologia resolve citar trechos de cosias que você escrev eu, neste caso não há violação de direitos autorais. Mas se ele usa o que publicou como sendo dele, aí houve violação do seu direito, ficando a seu critério exercê-lo ou deixar pra lá.

    Se pensarmos bem, os caras que escreveram a Bíblia foram tremendos plagiadores já que eles não tinham esta noção sobre direitos autorais. E também muitos usaram nomes de profetas e de apóstolos de Jesus para escreverem seus textos, como me parece ser o Apocalipse. Depois que um texto era escrito, vinha um redator posterior e fazia seus acréscimos. Era tudo normal e as pessoas ainda assim liam os livros refletindo sobre o conteúdo.

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  10. Muito bom o conto, Rodrigo. Qualquer semelhança com a realidade NÃO É MERA COINCIDÊNCIA...

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  11. Valeu, Edu, pelo incentivo.

    Se o São Lucas teria sido mesmo o autor de Atos dos Apóstolos (acredito mais que foi obra anônima), realmente ficarei lhe devendo até chegar nos céus pelo uso não autorizado dos direitos autorais. (rsrsrs)

    Na realidade foi uma PROPOSITAL coincidência.

    Abraços.

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