Há exatos três anos, o Brasil assistia a um episódio inédito e profundamente simbólico de sua história republicana. Em 30 de dezembro de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos e deixou o país às vésperas da posse de seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, legítimo vencedor das eleições daquele ano. O objetivo era evidente: não participar da cerimônia de transmissão da faixa presidencial.
O gesto não foi trivial, nem meramente pessoal. A entrega da faixa é um ritual republicano que representa a continuidade do Estado, o respeito ao voto popular e a aceitação das regras do jogo democrático. Ao se ausentar deliberadamente, o então presidente rompeu com uma tradição que atravessou governos de diferentes matizes ideológicos desde a redemocratização.
Mais grave do que a quebra do protocolo foi o significado político da atitude. Ao se recusar a reconhecer simbolicamente o resultado das urnas, Bolsonaro reforçou a narrativa de deslegitimação do processo eleitoral que já vinha sendo alimentada ao longo de seu mandato. Não se tratou de um ato neutro: foi um sinal dirigido a seus apoiadores, muitos dos quais ainda resistiam — e alguns resistiriam violentamente dias depois — à alternância democrática de poder.
É importante lembrar que a democracia não se sustenta apenas em eleições, mas também em comportamentos, gestos e compromissos públicos. Chefes de Estado têm responsabilidades que ultrapassam preferências pessoais ou ressentimentos políticos. A liturgia do cargo existe justamente para proteger a institucionalidade contra paixões individuais.
Três anos depois, o episódio merece ser lembrado não como curiosidade histórica, mas como alerta. Normalizar a fuga, o silêncio ou o desprezo pelos ritos democráticos é abrir espaço para sua corrosão gradual. Democracias morrem menos por golpes abruptos e mais por pequenas rupturas simbólicas que, repetidas, passam a parecer aceitáveis.
Recordar a viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos naquele fim de 2022 é reafirmar um princípio básico: a soberania popular se respeita não apenas no discurso, mas também nos atos — especialmente quando eles custam orgulho, vaidade ou conveniência pessoal.
A memória democrática não é vingança. É responsabilidade.

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