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segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

A crise dos Correios, o PDV e o risco de perda de um serviço público essencial



O anúncio de um novo Programa de Demissão Voluntária (PDV) que pode atingir até 15 mil empregados dos Correios — cerca de 19 % da força de trabalho da estatal — acendeu um debate crucial sobre o futuro do serviço postal no Brasil e os rumos da própria empresa de Correios e Telégrafos (ECT).

Os dirigentes da estatal afirmam que a medida visa reduzir custos fixos e aliviar a crise financeira que assola a empresa, que precisa captar recursos e reequilibrar suas contas diante de prejuízos bilionários, queda de receita e dificuldades em fechar acordo de empréstimo com bancos.

Mas a pergunta que muitos brasileiros se fazem — especialmente nas cidades médias, pequenas e no interior — é: demissões em massa são a melhor resposta para uma crise estrutural? Ou seria um equívoco que poderá comprometer ainda mais a qualidade e a universalidade do serviço postal no país?


O papel social dos Correios e os riscos do PDV

Os Correios não são uma empresa qualquer no Brasil. Eles cumprem uma missão pública constitucional de universalização do serviço postal — ou seja, entregar correspondências simples e serviços postais a todos os endereços do país, inclusive onde não há interesse econômico para operadores privados. Essa função é indispensável para a inclusão social, comunicação entre pessoas e economia local. Reduzir drasticamente o quadro de funcionários e fechar unidades para cortar custos coloca em risco esse papel essencial, principalmente em municípios remotos e comunidades vulneráveis.

Enquanto as demissões são apresentadas como uma forma de “ajustar a estrutura de custos”, é preciso lembrar que o corte de pessoal reduz a capacidade operacional da estatal e pode gerar atrasos, piora na entrega e abandono de mercados deficitários, onde os Correios são a única opção viável para a população.


Comparações internacionais: por que países europeus não apostam apenas em demissões?

Em muitos países, serviços postais estatais enfrentaram desafios similares — queda de volumes de cartas devido à digitalização, competição com operadores privados e pressões por redução de custos — sem que a resposta fosse simplesmente demitir em massa.


🇫🇷 França — La Poste:
La Poste reinventou seu papel, expandindo serviços além das correspondências tradicionais. A empresa tem explorado serviços financeiros, centrais de atendimento integradas e parcerias com governos locais para oferecer serviços públicos diversificados nas agências, mantendo a presença em áreas rurais e sustentando empregos ao invés de demissões em massa.

🇩🇰 Dinamarca:
Embora o serviço postal estatal danês esteja planejando descontinuar totalmente a entrega de cartas em razão da queda vertiginosa da demanda, ele está fazendo isso de forma planejada e com transição para outras funções logísticas — refletindo uma estratégia deliberada de adaptação ao mercado, não simplesmente um corte de pessoal sem visão estratégica.

🇩🇪 Alemanha:
A experiência alemã com a privatização parcial da Deutsche Post (atual DHL) foi útil para levantar recursos estatais, mas também mostrou que transformar um estatal em empresa lucrativa nem sempre envolve demissões imediatas em massa: os empregados foram, historicamente, realocados ou absorvidos em outras funções com negociações sindicais, e o serviço postal continua sendo profissional e eficiente.

Esses exemplos mostram que a crise dos correios não é exclusiva do Brasil — e que respostas unilaterais, como demissões amplas, não são a única saída.


Alternativas inteligentes para manter empregos e eficiência

Antes de sacrificar milhares de trabalhadores e colocar em risco o serviço postal, o Brasil poderia adotar medidas testadas no exterior:


1. Reposicionamento de serviços

Transformar agências em centros de serviços comunitários, oferecendo serviços bancários, governamentais e digitais, como alguns países europeus fazem, ampliando a utilidade dos Correios e diversificando receitas.


2. Parcerias público-privadas

Cooperar com operadores privados para serviços lucrativos (e-commerce, logística de última milha) enquanto os Correios mantêm o compromisso com a universalidade, evitando demissões massivas.


3. Modernização digital

Investir em tecnologia de rastreamento, logística inteligente e automação, reduzindo custos operacionais sem necessariamente reduzir o quadro humano.


4. Subsídio focalizado

Em vez de demissões, subsídios públicos temporários podem sustentar o serviço universal enquanto se implementa uma transição para modelos híbridos e sustentáveis.


Conclusão: o PDV é uma solução rasa para um problema profundo

Reduzir o quadro de funcionários dos Correios pode aliviar temporariamente as despesas, mas não resolve as causas profundas de uma crise que combina mudança estrutural de mercado, gestão deficitária e falta de visão estratégica de longo prazo.

O governo e a direção da estatal estariam desperdiçando uma oportunidade histórica de repensar o papel dos Correios como um serviço público moderno e inclusivo, apostando em cortes de pessoal que colocam em risco a entrega universal e os empregos de trabalhadores que há décadas sustentam a infraestrutura postal no Brasil.

Ao invés de simplesmente enxugar a empresa, por que não repensar seu modelo de negócio, valorizar seus empregados e transformar os Correios em um prestador de serviços multifuncionais a serviço da sociedade brasileira — como diversas experiências internacionais já demonstram ser possível?


📝Para além do PDV: questões que não podem mais ser adiadas

Se o Programa de Demissão Voluntária não enfrenta as causas estruturais da crise dos Correios, algumas perguntas precisam ser colocadas com franqueza no centro do debate público: 

1) Por que o Brasil ainda não avançou em um marco legal claro para parcerias logísticas que preservem o controle público da rede postal? 

2) Por que não realocar parte do quadro para o segmento de encomendas e logística, em vez de estimular desligamentos em massa? 

3) Que metas de desempenho fazem sentido para uma empresa pública com missão social, sem transformar indicadores em instrumentos de punição? 

4) E, sobretudo, que papel o Estado brasileiro espera que os Correios cumpram nas próximas décadas — um serviço mínimo em retração ou uma infraestrutura pública estratégica a serviço do desenvolvimento e da coesão social?

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