A votação realizada na Câmara dos Deputados em 10 de dezembro de 2025 sobre o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) trouxe à tona não apenas a decisão sobre o mandato de um parlamentar, mas também múltiplas reflexões sobre o funcionamento do regime democrático e do próprio Parlamento brasileiro.
O resultado da votação e seus impactos
Na votação do Plenário, a Câmara aprovou a suspensão de seis meses do mandato de Glauber Braga, substituindo a cassação defendida pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. A suspensão foi aprovada por 318 votos a 141, e houve três abstenções. Com isso, Glauber Braga não perdeu o mandato e, consequentemente, não ficou inelegível por oito anos, o que abriria a possibilidade de disputar eleições futuras — incluindo, por exemplo, pleitos estaduais como o de governador do Rio de Janeiro.
Esse desfecho coloca em perspectiva uma questão fundamental: a cassação e a inelegibilidade não são resultados automáticos em processos que tratam de suposta quebra de decoro parlamentar. A decisão do Plenário ao optar por suspensão — e não cassação — mostra que há espaço para dosimetria da pena e consideração de variáveis políticas e institucionais, sobretudo quando há forte mobilização política e apoio popular.
Contradições e tensões dentro do Parlamento
O episódio também expôs contradições e tensões no comportamento institucional da Casa. No dia anterior à votação, Glauber Braga ocupou a cadeira da presidência da Câmara como ato de protesto contra a inclusão de seu nome na pauta de cassação — ao lado de outras representações, como a da deputada Carla Zambelli (PL-SP) — e foi retirado à força por agentes da Polícia Legislativa.
O fato de a Câmara ter pautado simultaneamente pedidos de cassação de parlamentares de contextos tão distintos intensificou a percepção de “dois pesos e duas medidas”. Se o Plenário tivesse cassado apenas Glauber, enquanto mantinha ou arquivava outros casos, isso poderia ser interpretado como tratamento desigual de condutas supostamente semelhantes — algo que foi amplamente discutido nas semanas que antecederam a votação.
Limites institucionais e disciplina parlamentar
O episódio reforça a necessidade de estabelecer limites claros para a atuação dos deputados, inclusive no que diz respeito a condutas que possam ferir o decoro parlamentar. Ao mesmo tempo, a forma como o processo foi conduzido e a ampla repercussão pública demonstraram a sensibilidade do eleitorado e dos próprios parlamentares em relação ao equilíbrio entre sanções disciplinares e preservação dos mandatos populares.
O poder da mobilização política e da articulação interna
Um dos elementos mais relevantes dessa história foi o papel da mobilização política e da articulação interna do PSOL e de aliados para defender o mandato de Glauber.
Após a aprovação do parecer pela cassação no Conselho de Ética em abril de 2025, a decisão correu em direção ao Plenário da Câmara. A base de apoio de Glauber trabalhou intensamente para transformar um cenário em que a cassação parecia possível — ou mesmo provável — em um resultado de suspensão. Essa articulação envolveu negociação com deputados de diferentes partidos, promoção de votos estratégicos e mobilização de aliados que entenderam ser preferível uma penalidade alternativa a uma perda total de mandato.
Além disso, a ampla repercussão pública — tanto nas redes sociais quanto na imprensa — criou um custo político elevado para uma cassação simples, levando parlamentares a ponderarem os riscos institucionais de um julgamento que pudesse ser percebido como injusto ou seletivo.
Contexto histórico recente de cassações na Câmara
Historicamente, a cassação de mandatos por quebra de decoro parlamentar na Câmara tem sido rara e geralmente ocorre em casos de grande gravidade ou escândalo — como foi com André Vargas (2014), cassado por envolvimento em esquema de corrupção ligado à Operação Lava Jato; Eduardo Cunha (2016), por ocultação de contas e obstrução de investigação; e Flordelis (2021), em razão do suposto envolvimento no assassinato de seu marido.
Comparado a esses casos — em que havia acusações de crimes graves e repercussão nacional — o episódio de Glauber, apesar de controvertido, se insere em outra dimensão de análise política e institucional. Isso ajuda a compreender por que o Plenário optou por uma pena alternativa à cassação.
A importância de respeito aos mandatos populares e ao equilíbrio entre os Poderes
A votação de ontem colocou em evidência um ponto crucial da democracia brasileira: o respeito aos mandatos populares e a necessidade de que qualquer sanção a um parlamentar seja proporcional, transparente e baseada em critérios sustentáveis. Ao mesmo tempo, não se pode ignorar a necessidade de que a própria Casa Legislativa preserve sua credibilidade e disciplina interna.
A decisão de suspender o mandato — em vez de cassá-lo — aponta para um equilíbrio delicado entre a punição por condutas inadequadas e a preservação de direitos políticos essenciais. Hoje, mais do que nunca, é fundamental que o Parlamento exerça seu papel com firmeza, mas também com responsabilidade, respeitando os princípios democráticos e o pluralismo que sustentam o Estado de Direito.



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