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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Sobre a obrigatoriedade da Bíblia em bibliotecas




Em março de 2015, o Procurador-geral da República, Dr. Rodrigo Janot, ajuizou várias ações no Supremo questionando a constitucionalidades de leis estaduais do RJ, RN, AM e MS por obrigarem a aquisição de bíblias em escolas ou bibliotecas (clique AQUI para ler uma matéria correspondente no Estadão). Ele alega que tais normas jurídicas ofendem o princípio da laicidade, mais precisamente o artigo 19, inciso I, da Constituição da República, o qual assim diz:
"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;"

Conforme consta no site do STF, ao consultar a ADI 5248 (processo n.º 8621884-83.2015.1.00.0000), dirigida contra a Lei n.º 5.998, de 1º de julho de 2011, do Estado do Rio de Janeiro (ente da federação onde resido), pude observar que a mesma não viola de maneira direta o dispositivo constitucional invocado pela PGR, senão vejamos o texto jurídico atacado:
"Art. 1º. Ficam as bibliotecas situadas no Estado do Rio de Janeiro obrigadas a manterem exemplares da Bíblia Sagrada à disposição dos usuários.

Art. 2º. O descumprimento do dispositivo desta Lei implicará em multa equivalente a 1.000 UFIRs-RJ ([...]) e, na hipótese de reincidência, o equivalente a 2.000 UFIRs-RJ

([...]).

Art. 3º. O Poder Executivo regulamentará esta lei.

Art. 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação."

Embora esta lei imponha a divulgação de livro adotado por religiões específicas, não me parece que ela seja flagrantemente inconstitucional. Seu objetivo é o de assegurar a todos o acesso a uma obra de inegável valor histórico e cultural, sem que tal medida implique em enaltecimento ao cristianismo ou favorecimento a difusão de religião, conforme alegou a Assembleia Legislativa ao defender-se no processo. Ademais, como bem posicionou-se a Advocacia Geral da União na ação, a lei não impõe doutrinação nem pregação religiosa e que a disciplina nela veiculada se conforma com a parte final do art. 19, I, da Carta Magna, que prevê colaboração do Estado com entidades religiosas em prol do interesse público (conferir peças 12 e 23 do processo eletrônico referente à ADI no Supremo).

Assim sendo, não considero como inconstitucional essa lei por tal aspecto, sendo que ela apenas extrapola quando estabelece uma exigência para todo e qualquer tipo de biblioteca (inclusive particulares) e ainda cria penas pecuniárias para a hipótese de descumprimento, o que não considero questões que devam ser objeto de uma ADI, mas, sim, de um debate com a sociedade e seus representantes eleitos para uma rediscussão dentro do Parlamento estadual. Aliás, se fosse legislador, não sei se iria propor algo assim por não ver tanta necessidade.

De qualquer modo,  vale lembrar que há uma distinção entre obrigar a disponibilização da Bíblia nas escolas e em bibliotecas.

Falando de escolas, é bom e proveitoso para a formação dos alunos que haja exemplares das Escrituras Sagradas do cristianismo em todas elas, assim como livros de outras religiões também. Trata-se de um conhecimento cultural cujo aprofundamento deve ser opcional, nunca com uma finalidade doutrinária. Até numa instituição particular de ensino é justificável que haja bíblias. Eu mesmo, se fosse diretor de uma unidade escolar, compraria várias versões e edições bíblicas, conforme a quantidade do número de estudantes, e espalharia os livros pelo estabelecimento.

Já as bibliotecas, elas nem sempre são destinadas para o ensino escolar ou para o público em geral. Ademais, poderemos encontrar instituições privadas voltadas ou não para a cultura sem qualquer interesse de promover a Bíblia, bem como qualquer literatura religiosa. Imaginemos, pois, uma sociedade civil ligada à Astronomia ou uma congregação de praticantes do Budismo. Por que grupos específicos assim deveriam ser obrigados a ter uma Bíblia?! Simplesmente, para não descumprirem a lei, vão adquirir um livro que acabará esquecido numa prateleira qualquer até ser devorado pelas traças.

Enfim, acho que criar obrigatoriedades não seria o caminho. Há hoje um excesso de normas jurídicas no país gerando conflitos na sociedade ao invés de pacificá-la, sendo que muitas das proposições, quando aprovadas pelas casas legislativas, nem são adequadamente avaliadas. Inúmeros são os parlamentares que propõem algo a fim de agradarem suas respectivas bases eleitorais mostrando algum serviço que, nos períodos de campanha, são mencionados pelos marqueteiros nas propagandas políticas como mais uma realização. Então, como eles têm seguidores encabrestados nas congregações religiosas que os apoiam, conseguem facilmente o apoio necessário para se reelegerem a cada quatro anos.

Vamos ver como o min. Teori Zavascki, relator do processo da ADI contra a lei fluminense, conduzirá os próximos passos da ação, sendo certo que o STF não deverá julgá-la agora e nem as outras demandas que a PGR propôs em março do ano passado.

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