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domingo, 31 de janeiro de 2016

O recurso contra decisões interlocutórias nos Juizados Federais




Neste mês de janeiro, fiz uso de um recurso que muitos advogados e "concurseiros" ignoram. Aliás, trata-se da maior pegadinha para quem presta exame na Justiça Federal ou pretende trabalhar na Advocacia Geral da União (AGU), Procuradoria do INSS ou na Fazenda Nacional.

Se você acha que, nos Juizados Especiais, não cabe recurso contra interlocutórias, tal entendimento não se aplica totalmente à Justiça Federal.

De acordo com os artigos 4º e 5º da Lei Federal n.º 10.259/2001, a qual dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, existe uma única hipótese em que o litigante pode tentar a reforma ou modificação de uma decisão proferida pelos magistrados do JEF que não seja a sentença. Senão vejamos o que diz o texto normativo referenciado:

"Art. 4o - O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.
Art. 5o - Exceto nos casos do art. 4o, somente será admitido recurso de sentença definitiva."

A primeira vez que me deparei com isso foi em 2007 quando defendia uma paciente que aguardava cirurgia no INTO numa ação movida por ela em face da União. Na primeira instância, obtivemos a medida de antecipação da tutela jurisdicional em que a juíza havia determinado a realização dos exames pré-operatórios para a moça conseguir colocar uma indispensável prótese no quadril, visto que ela necessitava recuperar sua saúde para retornar à vida laboral. Fui então surpreendido ao receber uma publicação das Turmas Recursais para apresentar as contra-razões num recurso chamado de "medida de urgência", o que fiz dentro do prazo legal, tendo a Justiça mantido a liminar. Felizmente ela operou e deu tudo certo.

Neste ano, porém, quem entrou com o recurso fui eu numa ação de minha esposa em face do INSS, referente a uma revisão de benefício em que a autarquia resolveu consignar a cobrança de valores que teriam sido recebidos a maior de boa-fé durante cinco anos, por motivo de erro administrativo da própria Previdência Social. Sinceramente, achei que fosse quase uma causa ganha baseando minha expectativa num posicionamento recente da Turma Nacional de Uniformização (TNU) dos Juizados Federais. Esta havia reafirmado o entendimento de que não cabe a devolução de parcelas de caráter alimentar recebidas de boa-fé no Processo n.º 5001609-59.2012.4.04.7211, cujo relator foi o juiz federal Dr. Paulo André Espírito Santo. Para tanto seria necessária a verificação desses requisitos:

"(...) restando caracterizada: 1) a boa-fé do segurado; e 2) o caráter alimentar do benefício, há de se rechaçar a possibilidade de o INSS reaver os valores dos benefícios previdenciários indevidamente concedidos. Presentes os dois requisitos cumulativos no caso concreto, não se cogita de devolução (...)"

Entretanto, a compreensão sobre esse importante tema não se encontra tão uniformizada assim! Ao ajuizar a ação perante a 1ª Vara Federal de Angra dos Reis, pelo rito sumaríssimo dos Juizados Especiais, o pedido sobre tutela antecipada para impedir a consignação foi negada na primeira instância. E aí não me restou outra alternativa senão recorrer para as Turmas Recursais no Rio de Janeiro na expectativa de que a questão viesse a ser reapreciada por um magistrado que tivesse o mesmo entendimento do Dr. Paulo André.

A forma desse recurso pode ser feita semelhantemente ao do agravo de instrumento, mas não exige o mesmo nível de rigidez previsto no Código de Processo Civil. Pelo menos aqui no Rio de Janeiro, onde os processos são todos eles eletrônicos, não há mais a necessidade do advogado se responsabilizar pelas cópias que formarão o instrumento. E, se eu houvesse tomado conhecimento a mais tempo da Resolução n.º TRF2-RSP-2015/00007, de 24 de março de 2015, a qual dispõe sobre o Regimento Interno das Turmas Recursais da 2ª Região, confesso que não teria contribuído com a derrubada de tantas árvores quando imprimi 153 folhas na sala da OAB em Itaguaí pagando R$ 0,50 por cada impressão. Isto porque, no capítulo IV da Seção I, que fala sobre os recursos, o seu artigo 15 orienta o seguinte:

"Art. 15. Aplicam-se aos recursos dirigidos às Turmas Recursais os princípios da celeridade, da informalidade, da simplicidade e da economia processual, regendo-se o seu processamento pelas normas das leis especiais que lhe são próprias e aplicando-se, subsidiariamente, as normas do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal, somente se compatíveis com tais princípios. 

Parágrafo único. Sempre que for possível o acesso aos autos virtuais, será dispensada a juntada de cópias de peças neles contidas." (destaquei)

O fato é que, quando deixamos de nos atualizar, não acompanhando as mudanças do mundo jurídico, tornamo-nos cada vez menos advogados. E eu, tendo praticamente parado de militar no Direito no final da década passada, em razão do agravamento da doença da esposa (e de minha incapacidade de gerir os problemas pessoais junto com a profissão), não me dei conta dessa boa novidade surgida em 2015. Ou seja, graças ao processo eletrônico, já não precisamos mais gastar tanto tempo, dinheiro e papel fazendo cópias/impressões para instruir um "agravo" contra decisão interlocutória de juiz do JEF. A única dificuldade, porém, é que a Justiça Federal ainda exige que o causídico compareça pessoalmente para levar a sua petição de recurso até o protocolo das Turmas Recursais, o qual fica no 8º andar do bloco "B" do prédio da Rua Venezuela, no Centro do Rio de Janeiro. Algo, a meu ver, injustificável tendo em vista as oportunidades geradas pela tecnologia nos processos.

Por que será?!

Bem, essa pergunta deixo para o egrégio Tribunal nos responder sendo óbvio que, nas mentes dos advogados adeptos das teorias conspiratórias, não faltariam desconfianças no sentido de que a dificuldade existiria justo para desestimular a interposição dos recursos sobre "medida de urgência". Contudo, ter viajado de Mangaratiba até à região da zona portuária carioca valeu a pena. Aproveitei para avistar de longe o tal do Museu do Futuro, recentemente inaugurado na Praça Mauá. E, antes de pegar o ônibus do Rio para Itaguaí, dei uma voltinha no teleférico que vai da Central até à Gamboa, passando pelo histórico Morro da Providência. Esta era uma área da Cidade Maravilhosa até então desconhecida para os meus olhos e pés.

Quanto ao recurso de minha esposa, não tive sorte no que diz respeito ao pedido de antecipação da tutela recursal. A magistrada não só considerou a inconstitucional "previsão legal para que o INSS proceda ao desconto de valores recebidos indevidamente pelos segurados (art. 115, II da Lei nº 8.213/91)", como também fundamentou-se nas jurisprudências a meu ver contrárias ao entendimento da TNU. De acordo com ela, "embora comprovada a boa fé do beneficiário, é cabível a cobrança de tais quantias quando o erro foi escusável e não decorreu de interpretação equivocada ou má aplicação da legislação regente pela Administração". Além disso, não foi aceita a alegação de haver dano irreparável como se os advogados de hoje ganhassem o suficiente para terem uma vida digna:

"(...) Por fim, no que concerne ao alegado risco de dano irreparável ou de difícil reparação, apesar de a autora ter recebido o valor de R$ 855,78, a título de aposentadoria, em Novembro/2015 (fl. 35), e arcar com o pagamento do Plano de Saúde no valor de R$ 465,91, observo que é casada com o advogado que a defende nos presentes autos, o que afasta o risco de ter sua subsistência comprometida (...)" - (Recurso de Medida Cautelar n.º 0500016-14.2015.4.02.5161/01 - DECISÃO MONOCRÁTICA EM ATUAÇÃO TABELAR - Juíza Federal Drª Cynthia Leite Marques - Publicado em 29/01/2016)

Lamentavelmente, minha mulher agora começa a receber em fevereiro menos de um salário mínimo por mês. Pois, com a consignação da cobrança no benefício dela, a renda mensal atual de Núbia passa a ser de parcos R$ 666,62 (seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e dois centavos).

De qualquer modo, as apreciações do recurso e do processo originário ainda não terminaram sendo que, quanto às decisão judicial, só existem duas opções: cumprir ou recorrer. E isto é o que, via de regra, deve ser feito por todo advogado que tem respeito pelo seu cliente e pela profissão que exerce.

Portanto, meus caros colegas, usem e abusem dessa modalidade de recurso quando estiverem atuando perante os Juizados Especiais Federais. Divulguemos a informação a fim de que possamos lutar incansavelmente pelo Direito. Ainda que muitas das vezes essa luta pareça ingrata.

Uma ótima semana a todos! 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigado, amigo, por sua leitura, comentário e compartilhamento. Nós, advogados, precisamos ser unidos na incansável luta pelo Direito e busca da Justiça. Saudações fraternas.

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