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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Saudade das cartas




Sou do tempo em que as cartas e os telefonemas eram os principais meios de comunicação à distância usados pelas pessoas do planeta. Até à década de 1990, a maioria dos brasileiros nem tinha e-mail e menos ainda redes sociais. Caso eu desejasse entrar em contato com parentes de outras cidades, deveria fazer da maneira convencional, sendo os serviços dos Correios financeiramente mais acessíveis do que os prestados pela antiga TELERJ cujas tarifas para chamadas DDD e DDI eram exorbitantes para o padrão atual da telefonia.

Comecei a escrever cartas logo nos primeiros anos do ensino fundamental quando morava com o meu avô paterno Sylvio na mineira Juiz de Fora em meados dos anos 80. Passei a corresponder-me de lá com minha mãe, tios e demais avós. Recordo da vez em que apreendi a preencher o envelope dando ao destinatário o tratamento de "ilustríssimo", com a sua respectiva abreviação, antes de por o nome da pessoa na linha seguinte. Ao final, tinha que pesquisar o CEP que até então era de apenas cinco algarismos. Na agência dos Correios que ficava na rua Marechal Deodoro, eu pesquisava um livro bem grosso, cheio de orelhas e com algumas folhas arrancadas para tentar localizar qual o código do endereço pois nem sempre os funcionários da ECT mostravam-se dispostos a pesquisar para o consumidor.

As correspondências demoravam alguns dias ou semanas para serem respondidas. Quando entregues no apartamento onde vovô morava na Avenida Rio Branco, em cima de um saudoso cinema de rua chamado Excelsior, o porteiro seu Moacir logo interfonava e eu, imediatamente, descia os catorze andares para buscar a esperada cartinha. Esta já se encontrava separada numa caixinha individualizada de cada unidade habitacional do condomínio. Ansiosamente, abria o envelope e começava a leitura já no elevador.

Não tardou, passei a escrever também para algumas instituições, jornais e revistas infantis. Na época, havia vários clubes de correspondência e estabeleci diversos contatos com outras crianças da minha faixa etária mas que não soube transformar em amizades. Na verdade, aquilo era algo que eu fazia mais pelo sabor da experiência.

Em fevereiro de 1993, quando participei de um congresso da juventude batista mineira, ocorrido na tórrida Governador Valadares, passei depois a trocar correspondências com um rapaz da região metropolitana de Belo Horizonte chamado Ademir. Foram várias cartas que um mandou para o outro até que, numa tarde, recebi uma mensagem de sua irmã noticiando o falecimento dele num trágico acidente de moto, tornando-se mais uma vítima da sangrenta guerra do trânsito.

Seis anos depois, fiz amizade com outro rapaz através de uma seção da revista Globo Rural. Ele era do interior do Rio Grande do Sul e, na época, eu já vivia na serrana cidade de Nova Friburgo onde cursava Direito no campos da Estácio de Sá. Nas cartas tratávamos de temas mais aprofundados do que nos contatos que tive com Ademir. E as mensagens do Carlos mexiam um pouco com as minhas crenças sendo ele um ex-luterano que havia se tornado esotérico. Tinha ele também um estilo de vida nada comum pois passava dias viajando nas estradas do Brasil na companhia de um amigo caminhoneiro.

Também naqueles anos finais do século XX, graças à tal revista, recebi cartas de uma jovem de Rondônia. E, se já não estivesse namorando a Núbia, provavelmente aquele contato acabasse virando algo mais do que amizade. Aliás, dava para perceber pelas palavras da moça qual o seu interesse em relação a mim sendo que até um papel marcado com batom ganhei...

Numa era de mensagens instantâneas trocadas pelas alienantes redes sociais (e agora através desse horroroso WhatsApp que ainda não tenho), acho que a comunicação à distância tornou-se descaracterizada. Eu diria que as cartas perderam a graça pra muita gente devido à facilidade de acesso permitida pela internet, afetando terrivelmente as relações presenciais até numa mesma comunidade. Hoje, na rede mundial de computadores, você fica conectado o tempo todo com dezenas, centenas e até milhares de pessoas a ponto e nem conseguir dar mais atenção a quem está perto bem do seu lado. E, caso reveja algum parente ou amigo de longe, o reencontro já não é mais acompanhado pelas mesmas emoções de antigamente. Passam alguns instantes e o telefone celular apita sinalizando um novo recado trazido pelo Messenger.

Será esse um caminho sem volta?!

Suponho que, nas próximas décadas, precisaremos explicar para os nossos netos e bisnetos o que eram as cartas pois duvido que a ECT, junto com o monopólio estatal dos serviços postais, consiga sobreviver até 2050. Hoje em dia, os Correios são mais procurados para adimplemento de contas na qualidade de sub-agência do Banco do Brasil, servindo de opção para o grande número de pessoas não habituadas a efetuar pagamentos por telefone ou na internet usando a numeração do código de barras. Dependendo da época do mês, as enormes filas desafiam os ânimos de qualquer missivista persistente.

Atualmente, os serviços dos Correios para mim aplicam-se mais às entregas de notificações, sendo a maioria delas do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Como vivo oferecendo representações contra os constantes erros da Prefeitura de Mangaratiba, perante as Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva situadas no município vizinho de Angra dos Reis, costumo receber solicitações de esclarecimento ou ofícios informando o desfecho final dos procedimentos investigatórios. Dificilmente chega algo de parente ou de amigo e quem ainda manda uma carta pra mim é o último dos avós vivos, seu Georges, que, aos 82 anos, reside sozinho na capital da Costa Rica. Por não usar email e nem ter conta nas redes sociais de internet, apenas consigo acessá-lo por carta ou telefonando.


OBS: Imagem acima extraída de http://www.ebc.com.br/cultura/2013/04/correios-divulgam-vencedores-estaduais-de-concurso-de-cartas

2 comentários:

  1. Rodrigão, por falar em carta, acesse o link abaixo, para ouvir na voz de Isaura Garcia, a canção "Mensagem, lançada no ano em que nasci (1946), que foi muito cantada no rádio, por mais de 20 anos.

    Cantoras, como Maria Betãnia, Adriana Calcanhoto, recentemente, regravaram "Mensagem".

    https://www.youtube.com/watch?v=peA5LzKIDJw

    Seu pai ou avô, com certeza devem ter conferido essa saudosa modinha. (rsrs)

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    1. Obrigado pela dica, Levi! Quando puder, vou escutar, sim.

      Você falou de algo interessante que são as canções que escutamos nos nossos tempos de infância. Neste momento, recordei-me de Coisinha do Pai, muito cantada na voz de Beth Carvalho.

      Interessante que muitas dessas músicas acabam marcando um período da história da sociedade e nos trazem à memória um tempo de nossas vidas. Veja, por exemplo O que será do Chico e Milton Nascimento, a qual nos leva a indagar sobre o futuro que essa nação ainda não construiu. Também dos anos 70 temos Gostava tanto de você do Tim Maia e Tarde em Itapoã de Toquinho e Vinicius.

      Mas segue aí uma pequena lista de outros artistas das décadas de 70 e 80 que talvez deva se interessar:

      Benito Di Paula
      Caetano Veloso
      Djavan
      Elba Ramalho
      Fagner
      Rita Lee
      Sandra de Sá
      Taiguara
      Tetê Espíndola
      Zizi Possi

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